sábado, junho 15, 2019

Moro! Me Chama pelo Telegram! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 15/06

Eles foram os namorados do ano: Tamo Junto e Dallanow! Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Greve geral mesmo só na Argentina! E só faço greve a favor. A favor da REFORMA DA PRESIDÊNCIA! E o Doria prometeu: quem fosse trabalhar ganhava uma polo do Romero Britto! E uma autoridade: "Sou a favor do direito de greve, mas não em dia de trabalho". Rarará!

E adoro greve de banco porque banco só serve pra duas coisas: rolar dívida e ficar preso na porta giratória!

Vaza Jato Urgente! Eu moro e não vejo tudo! E se existe alguém que não pode reclamar de vazamento é o Moro! Que vaza e depois pede desculpas!

Rarará!

"Aqui é o hacker", diz mensagem no grupo do Ministério Público! Que esculhambação! O tuiteiro Valdir Fiorini revela a mensagem do hacker. "Aqui é o hacker, excelência! Peço vênia para invadir vosso aparelho. Aqui é o hacker! É verdade esse bilete." Rarará! E recado do Moro para o Supremo: "Saudade do que a gente não viveu". O Moro não vai comer lagosta! Rarará!

E o Mourão: "Se tiver que ir para a guerra, levo Moro e Dallagnol comigo". Pra Síria, por favor! E a nova dupla sertaneja: Moro e Dalla. Incluindo o grande sucesso "Me Chama pelo Telegram". Aliás, eles foram os namorados do ano: Tamo Junto e Dallanow! Rarará!

E o Sensacionalista: "The Intercept vaza spoiler de 'O Mecanismo 3'". Cena final: Moro trabalhando num lava jato de verdade!

E a charge do Duke: o marido encontra o Ricardão no armário, e a mulher: "Meu amor, é um hacker". Hacker é um tipo de Ricardão! Rarará! Próximo amistoso da Copa América: Lula X FBI de Curitiba!

E atenção! LGTBfobia agora é crime! Aviso aos homofóbicos: todo pit bull é uma Lassie enrustida! Evangélicos não curtiram. Mas eu conheço um pastor que rasgava a cueca pra virar calcinha. Rarará!

E um outro pastor, ex-gay, virou hétera e todo dia imitava a Wanderléa na frente do espelho! Com uma espiga de milho na cabeça! Rarará! LGTBfobia é crime mas a LGTBfolia tá liberada! Rarará!

E eu acho que o hacker é o Temer. Quem mais escreveria "outrossim", "vale ressaltar" e "tampouco?". E a grande dúvida: é hacker ou fogo amigo?

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

E agora? - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA, edição nº 2639

Os diálogos de Curitiba põem Lula no ataque, Moro nas cordas, a Lava-Jato em suspenso


A alturas tantas de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, reveladas pelo site The Intercept Brasil, diz o juiz Sergio Moro: “Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-­presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria”. Dallagnol responde: “Obrigado!! Faremos contato”. Convida-se quem entende não haver nada de mais no diálogo entre o juiz e o procurador a considerar a hipótese da seguinte mensagem, agora do juiz ao advogado do ex-presidente Lula: “Seguinte. Fonte me informou que pessoa estaria incomodada por ter sido forçada a declarar que o tríplex do Guarujá foi destinado ao ex-presidente. Então estou repassando. A fonte é séria”. O advogado Cristiano Zanin responderia: “Obrigado!! Farei contato”.

A lei, a lógica, a moral e os bons costumes estabelecem que o juiz deve pairar, imparcial, equidistante e, se possível, olímpico, entre as partes. Quando ele sugere a uma delas que vá atrás de determinada pista, age como juiz de futebol que, tomado pelo ardor torcedor, ousasse um passe para deixar o atacante na cara do gol. O trecho em que Moro repassa o contato a Dallagnol é talvez o mais comprometedor, nas transcrições do Intercept Brasil, mas há mais. Em alguns momentos, procuradores se mostram inseguros quanto às provas contra Lula; em outros, Moro procura lhes direcionar o trabalho. Tudo somado, o episódio é prenhe de consequência. Põe Lula e o PT no ataque, Moro e Dallagnol nas cordas, a Lava-Jato em suspenso. Ainda há a questão da origem das transcrições, de seus efeitos jurídicos e da repercussão na sociedade. Um resumo, item por item:

Transcrições — Os celulares de Moro e de procuradores sofreram ataques de hackers que indicariam ação concertada contra a Lava-Jato. Com isso, o crime se ergueria à potência de um atentado sem sangue. Caso se descubra por trás um partido político, ficaria pior.

Efeitos jurídicos — O sonho maximalista do PT e dos demais implicados na Lava-Jato é que todos os julgamentos sejam anulados, seguindo-se a declaração de que o petrolão não existiu. Tal hipótese exigiria o necessário corolário de que os bilhões devolvidos aos cofres públicos (a mais gritante prova de que o petrolão existiu) provieram de surtos de generosidade de pessoas físicas e jurídicas. Ou seja: não se realizará.

Lula e o PT — A causa da liberdade do ex-presidente ganha robusto impulso. Mesmo ela não se realizando, sobra enorme lucro no trabalho de propaganda em favor da tese do julgamento viciado. No exterior, a propaganda petista, já aceita em meios de esquerda, acrescenta fôlego para se expandir.

Moro — Já parecia desconfortável, num governo a favor de armar a população e afrouxar as leis de trânsito. Tinha como perspectivas o STF ou a Presidência da República; agora só lhe resta a Presidência. É estranho dizer “só” lhe resta a Presidência, mas o STF, depois das transcrições, parece sumir-lhe do horizonte. Será difícil o Senado aprovar magistrado com atuação agora tão envenenada. Sobra-lhe, se sobrar, a aura de herói popular, para tentar a Presidência.

Dallagnol e a Lava-Jato — Dallagnol recua muitas casas na carreira e pode se ver tentado a reinventar-se na política. A Lava Jato, em sua sede original de Curitiba, precisa de ação rápida para mostrar-se ainda viva. Já não tem Moro, e é difícil imaginar que continue tendo Dallagnol. Ao mesmo tempo, é difícil imaginá-la sem Dallagnol.

Sociedade — Os ânimos das já superexcitadas hostes que se digladiam nas redes e nas ruas tendem a se acirrar. Deslocados ficam aqueles que se espremem no meio — a favor da Lava-Jato mas também do devido processo legal; contra os malfeitos e a má administração do PT mas também contra os delírios bolsonaristas —, mas nestes pode estar a melhor saída para o país.

P.S. — O general Eduardo Villas Boas divulgou nota em que declara “preocupante” o momento atual, “porque dá margem a que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar a Operação Lava-Jato”. Na véspera do julgamento de habeas-corpus de Lula no STF, no ano passado, ele havia declarado que o Exército “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. Na época ainda era comandante do Exército, hoje é um assessor palaciano, mas continua celebrado como a maior liderança da força. Uma conjuntura já delicada tende a agravar-se com a entrada em cena do fator fardado e armado. E o que hoje é um adendo ao pé da página pode se transferir para a cabeça da narrativa.

Vazou, está vazado; mas não acaba aí - VILMA GRYZINSKI

REVISTA VEJA, edição nº 2639

É importante saber e divulgar a diferença entre jornalistas e operadores



“Somente uma imprensa livre e sem restrições pode expor os embustes do governo.” Dá para acreditar que o grande Hugo Black, relator do voto da Suprema Corte que livrou o autor de um dos maiores vazamentos da história dos EUA, foi membro da ultrarracista Ku Klux Klan, tendo depois, classicamente, assumido posições liberais?

A decisão dos supremos americanos permitiu ao The New York Times publicar os Papéis do Pentágono, documentos secretos fotocopiados — sabem o que é isso? — por Daniel Ellsberg. O ex-fuzileiro naval achava que pegaria prisão perpétua pela divulgação de informações sigilosas sobre a Guerra do Vietnã e que a opinião pública condenaria ex-presidentes democratas como John Kennedy, que aprovou o golpe e o assassinato de seu maior aliado no Vietnã do Sul, e Lyndon Johnson por esconderem informações vitais na guerra que estava matando dezenas de milhares de jovens americanos. Não aconteceu nada disso: Ellsberg passou a ser tratado como herói, a imprensa americana ganhou mais campo de ação para divulgar informações sigilosas e a culpa recaiu sobre o republicano Richard Nixon, que pegou o bonde da guerra andando antes de ser atropelado pela exposição de suas artimanhas no caso Watergate.

Os únicos que não se enganaram foram os jornalistas: informantes heroicos que arriscam a liberdade para “contar a verdade” são raros. Em geral, os vazamentos têm por objetivo prejudicar adversários internos, detonar oponentes externos e moldar a narrativa política segundo as ideias do vazador. O Garganta Profunda, a fonte de Bob Woodward e Carl Bernstein sobre as entranhas do governo Nixon, foi Mark Felt. Queria se vingar do presidente por não ter sido promovido a diretor do FBI quando J. Edgar Hoover morreu. Vazamentos provenientes de autoridades policiais como Felt são os mais frequentes.

Do ponto de vista jornalístico, uma vez garantida, tão solidamente quanto possível, a autenticidade da informação, a motivação da fonte fica em segundo plano. Obviamente, não desaparece: jornalistas que não estão no jogo para fazer política partidária nem são players de outras esferas devem tomar todos os cuidados para não ser manipulados. Com a era digital, interceptar conversas por celular e aplicativos, sugar informações de arquivos sigilosos e colocar tudo num pen drive facilitou quase que quanticamente os vazamentos. Ao mesmo tempo, complicou a vida dos jornalistas fiéis aos princípios profissionais. Por que os divulgadores de grandes vazamentos, como o WikiLeaks de Julian Assange e o The Intercept de Glenn Greenwald, têm interesse zero em casos monumentais como o do avião de passageiros derrubado com um míssil Buk russo na Ucrânia? A intervenção russa na Síria em favor de Assad? A tentativa de envenenamento com Novichok de um ex-agente russo na Inglaterra?


A decisão relatada pelo juiz Hugo Black não virou garantia de imunidade aos informantes e não livrou os jornalistas do imperativo profissional de apurar quais os interesses dos vazadores. Com perfeita precisão, Black deixou o aviso para todas as partes: “A visão constitucional do leigo é que aquilo de que ele gosta é constitucional e aquilo de que ele não gosta é inconstitucional”.

Um país do balacobaco - MENTOR NETO

REVISTA ISTO É

Só a sabedoria dos ditos populares pode dichavar o nosso manjado angu nacional. Precisar não precisava, já que meias palavras bastam, mas até que a parada toda ficou do caramba


Nossa cultura popular é rica em termos e frases de profundidade inquestionável. Conhecimento comum, da gente simples, do dia a dia, que resultou em gotículas de sabedoria muitas vezes desprezadas.

Ao longo dos anos venho colecionando esta enciclopédia aberta que, acredito, poderia ser de amplo uso para nossos políticos e governantes.

É verdade que algumas dessas expressões caíram em desuso, mas nem por isso perderam o brilhantismo. Por exemplo, no escândalo da semana, o caso Intercept Brasil, o conselho “em boca fechada não entra mosca” teria sido de profunda utilidade.

Afinal, é fato que a divulgação de informações sigilosas sobre o ministro Sergio Moro, que “estava com tudo e não estava prosa”, tem potencial para criar “a maior confusão da paróquia”, um grande “rebu”.

As aplicações dessa inteligência tradicional e folclórica são infinitas. Para a interferência constante no governo atual imposta por um certo astrólogo autoexilado, caberia confortavelmente um: “Enquanto um burro fala, o outro abaixa as orelhas.” Ao comportamento dos primeiros-filhos, emendaria um “falam mais que a boca”. Sabedoria pura. E não apenas no sentido crítico.

Seguindo. Há como descrever melhor o trabalho da Lava Jato do que com um “cada enxadada uma minhoca”? Aos acusados ou suspeitos de corrupção, um “bobeou, dançou” cai feito uma luva — que, aliás, também é uma expressão desse tipo aí da qual tratamos agora.

“Entornar o caldo” me parece adequado quando nos referimos à cultura de delações premiadas na qual estamos imersos. Por falar nisso, os delatores encontram um sábio conselho no “ajoelhou, tem que rezar” ou, quem sabe, no consagrado “colocar a boca no trombone!” Já aos que preferem manter o silêncio, “boca de siri” é o ideal.

Alguns personagens desse “bafafá” que tomou conta de nossa política são protagonistas tão importantes que merecem frases conhecidas de aplicação exclusiva, já que “entraram numa fria”. Afinal, como descrever mais precisamente o que ocorreu ao ex-governador Sergio Cabral do que “foi pego com a boca na botija”?

Para os destacados empresários do ramo frigorífico, um belo “mamar na vaca você não quer, né?” é incontestável. Tenho certeza que o estimado leitor há de concordar.

O presidente Bolsonaro, por sua vez, se elegeu com a promessa de “escreveu não leu, o pau comeu”, mas a essa altura boa parte do País já percebeu que o mandatário e sua equipe são “da pá virada” e o governo que tanto prometia anda meio “borocoxô”.
Por falar em presidente, diversos ministros poderiam fazer uso dessas dicas presentes há séculos em nosso fraseado popular. Damares Alves, nossa atuante ministra-pastora, está “pintando e bordando”, coitada. O chanceler Ernesto Araújo muita gente acha que “fala mais que a boca”.

Mas não vamos nos ater ao governo sob pena de sermos acusados de querer “puxar a sardinha”. O PT, por exemplo, está “mais perdido que cachorro em dia de mudança”. Ou “mais perdido que cego em tiroteio”. Ou ainda, já que se trata do Partido dos Trabalhadores, “mais por fora do que quarto de empregada”, expressão que nos dias de hoje é politicamente incorreta, mas que utilizo com a desculpa do devido valor e contexto histórico. Ao ex-presidente Michel Temer, reservei o “tá mais sujo do que pau de galinheiro”. Algo que guarda alguma elegância.

E os deputados e senadores do nosso aguerrido Congresso Nacional? Ao deputado federal Rodrigo Maia vai um “não é flor que se cheire”. Ou mesmo“não é bolinho”, cuja origem me escapa. Nem o STF pode ser poupado, afinal, aquilo está “um quiprocó”, “um perereco” do caramba mesmo. Alguns ministros “aparecem mais que umbigo de vedete”, mas a real é que deveriam “sair de fininho”.

A verdade é que o País está “do jeito que o diabo gosta” e cabe a nós acabar logo com esse “lero-lero” e “partir pras cabeças”. Afinal, amigo, nossa situação “tá mais feia que bater na mãe”.

Democracia, parlamentarismo e voto distrital misto no Brasil - MARCUS PESTANA

O Tempo - MG 15/06

O caminho a se percorrer na construção de um modelo político


“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses Três Poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”. Montesquieu (1689-1755), “Do Espírito das Leis”, pág. 202.

A democracia se fundamenta em dois valores essenciais: liberdade e igualdade. É evidente que, quando cotejados com a realidade social concreta, diversos problemas vêm à tona em relação aos princípios abstratos: como promover liberdade e igualdade entre desiguais?

Para operar esses princípios, é preciso erguer um quadro institucional que evite o poder absoluto de qualquer ator político ou instituição, gerando freios e contrapesos que foram pensados por Montesquieu, a partir das reflexões de Aristóteles e John Locke.

Nas democracias avançadas, temos duas grandes referências: o presidencialismo norte-americano e o parlamentarismo europeu. No presidencialismo norte-americano, o presidente tem posição forte, contrabalançada por uma Constituição enraizada, um Congresso também forte e costumes cristalizados historicamente. No parlamentarismo, há uma integração mais cooperativa entre os Poderes Executivo e Legislativo, com vistas à formação da maioria parlamentar e do ambiente de governabilidade. Nesse sentido, o presidencialismo é mais rígido, e o parlamentarismo, mais flexível. Mas não tem sido fácil formar maiorias na Europa.

Já aqui, nestas terras tropicais, ainda perseguimos a estabilização de um modelo de funcionamento de nossa democracia, tão duramente conquistada a partir de 1985. Muitas vezes, no Brasil, o Judiciário quer legislar e investigar, o Ministério Público quer julgar, o Congresso Nacional quer governar sem a contrapartida de oferecer maioria sólida e estável ao projeto de governo e o Executivo quer legislar por meio de decretos e ações e interferir na dinâmica do sistema judiciário via pressões políticas. Temos um presidencialismo forte, com uma Constituição de espírito parlamentarista, o que torna central a formação de maioria parlamentar.

Sempre que temos uma crise iminente de governabilidade, volta-se a falar de parlamentarismo e no voto distrital misto. Não foi à toa que produzimos dois impeachments em curto espaço de tempo. A rigidez do presidencialismo gera um impasse radical se o governo se descola das ruas e da maioria congressual.

Sou parlamentarista até a medula e defensor do distrital misto. Mas sou obrigado a reconhecer as dificuldades para transitarmos para um novo modelo político.

Primeiro, a cultura brasileira é fortemente presidencialista, o que levou a duas vitórias nos plebiscitos de 1962 e 1993. Segundo, não temos partidos fortes e majoritários e burocracia permanentemente sólida e prestigiada. Por último, a maioria dos partidos brasileiros é contra o parlamentarismo mesmo diante do evidente esgotamento do “presidencialismo de coalizão”.

Em relação ao sistema eleitoral distrital misto, a maioria dos deputados não o apoia por contrariar seus interesses imediatos. Compradores de voto, celebridades, representantes de categorias e segmentos religiosos e sociais não têm interesse na territorialização do voto.

Por tudo que foi dito, fica claro que temos um longo caminho a percorrer na construção de um modelo político democrático que assegure governabilidade, estabilidade e eficácia ao processo decisório.

Oposição constrangida - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S.Paulo - 15/06

Relator da reforma da Previdência atendeu a quase tudo o que foi pedido


O relatório do projeto de reforma da Previdência feito pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) deixou os partidos de oposição numa situação no mínimo embaraçosa. Em alguns casos, Moreira atendeu a quase todos os pedidos feitos por aqueles que, desde o início da tramitação da proposta, se dispuseram a apresentar emendas à reforma, embora fossem de oposição. Ora, quem apresenta emendas que visam mudar o texto está dizendo que está disposto a negociar. Se quisesse só rejeitar por rejeitar, apresentava uma emenda supressiva de todo o projeto.

O PSB, por exemplo, teve 90% de seus pedidos atendidos por Moreira. Entre eles, a taxação do lucro dos bancos, com aumento da alíquota da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15% para 20%. Esta, aliás, é uma bandeira das esquerdas brasileiras desde sempre, principalmente da esquerda mais radical, como o PSOL. Também foram pedidas pela oposição a retirada da previsão de mudança do atual regime de repartição para capitalização e a redução da idade mínima para a aposentadoria de mulheres professoras, que caiu de 60 anos para 57. As alíquotas progressivas de contribuição, que muitos queriam tirar, o relator manteve, como pedido pela oposição.

Sem falar nos itens previamente condenados, como a redução no valor dos benefícios de idosos carentes, que cairia para R$ 400, e foi elevado para um salário mínimo para os que completarem 65 anos, e o aumento da idade mínima para a aposentadoria rural.

Por isso mesmo é que muitos dos partidos de oposição – o PT deve ficar de fora, pois trabalha em outras frentes, como a da libertação de Lula e de anulação da condenação do ex-presidente por Sérgio Moro, que o partido acusa de ter sido parcial – vão rachar seus votos caso as direções partidárias não fechem questão contra o voto a favor da reforma da Previdência.

Os argumentos desses parlamentares dispostos a apoiar a reforma baseiam-se em dois pontos principais. O primeiro deles é que o projeto de reforma da Previdência pertence agora ao Legislativo, que lhe deu a forma que está na comissão especial da Câmara, e não mais ao Executivo. E que, se aceitaram participar das negociações e foram atendidos, como é que agora vão dizer que votarão contra?

Lições da demissão de Santos Cruz

É possível que a repentina demissão do general Santos Cruz da Secretaria de Governo possa dar algumas pistas sobre a forma como Jair Bolsonaro pretende agir daqui para a frente. De acordo com informação de assessor de Bolsonaro, ele tem dificuldades de conviver com auxiliares que lhe trazem desconfiança ou que tratem sua agenda conservadora com certo desdém. Embora Santos Cruz nunca tenha tornado público o que achava dessa pauta, até porque aparentemente não se interessava por ela, Bolsonaro achava que ele deveria ter assumido mais a defesa de tais temas. Pesou ainda o fato de haver um desentendimento público entre o general e o vereador Carlos Bolsonaro, o filho que o presidente mais ouve.

O general da ativa Luiz Eduardo Ramos Pereira, até então comandante militar do Sudeste, que substituirá Santos Cruz, é considerado muito próximo a Bolsonaro. Com ele, o presidente considera, segundo o assessor, que mantém o principal pilar de sustentação de seu governo baseado em generais. Só que generais de sua mais absoluta confiança e fidelidade, como o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Quem conhece o general Ramos diz que ele é um bom articulador político, é de temperamento flexível e se dá bem até com as esquerdas. Como Bolsonaro não gosta das esquerdas, talvez esse seja o ponto fraco do novo ministro.

A crise de hoje e de amanhã - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S.Paulo - 15/06

Guedes atacou uma proposta que foi construída para garantir os votos dos partidos de centro. Sem esses votos, a reforma não passa


Até agora, o ministro da Economia Paulo Guedes era um dos poucos ministros do presidente Jair Bolsonaro que não tinha batido de frente com o Congresso. A mais nova crise veio justamente num dos momentos mais decisivos e delicados para a aprovação da reforma da Previdência, proposta que o próprio ministro elegeu como a de número 1 da sua agenda de política econômica.

No dia seguinte da apresentação do parecer do relator Samuel Moreira (PSDB-SP) na Comissão Especial da Câmara, Guedes usou de toda a sua eloquência habitual no uso das palavras para atacar de frente uma proposta que foi construída para garantir os votos dos partidos de centro. Sem esses votos, a reforma não passa.

Foi uma trapalhada do ministro na hora errada. Assim entenderam os parlamentares envolvidos nas negociações mais diretas na Câmara, os investidores, setores da sociedade que defendem a reforma e até mesmo assessores próximos do próprio ministro.

Guedes tem convicções firmes em relação à direção das políticas que ele acredita são as melhores para o rumo do País. Uma delas é introdução da regime de capitalização para a Previdência. Mas isso não basta para essas politicas serem aprovadas pelo Congresso. É preciso diálogo para o entendimento e disposição para ceder em busca de um acordo. Não tem jeito. Do outro lado do jogo da reforma, a oposição já firmou posição contrária e não quer saber de discutir a proposta.

O ministro criticou a desidratação da economia de R$ 1,2 trilhão para R$ 913 bilhões, a retirada da proposta de capitalização, a flexibilização das regras de transição para os servidores, o fim dos repasses do FAT para o BNDES e aumento da taxação dos bancos.

É importante lembrar que a taxação mais alta dos bancos de 20%, que agora o relator quer retomar, vigorava até dezembro de 2018. E nem por isso o custo para o consumidor bancário caiu quando a alíquota da CSLL voltou ao patamar de 15%. Se Guedes rejeitava o rótulo dado pela oposição de “ministro dos banqueiros”, agora corre o risco de ver ampliado esse carimbo.

Guedes está mais do que certo ao criticar a flexibilização da regra de transição para aposentadoria dos servidores por pressão, sobretudo do Legislativo. “Como ia ficar feio recuar só para os servidores, estenderam (a mudança) para o regime geral. E aí isso custou R$ 100 bilhões", reclamou ontem.

Para o diretor da IFI, Felipe Salto, o mais preocupante de tudo é a regra de transição com pedágio de 100% do tempo que falta para aposentadoria. É uma medida direcionada a beneficiar o servidor que está "na boca do gol" para se aposentar.

Como o relator colocou a mesma regra também o INSS, o efeito é grande. Salto dá como exemplo: um servidor antigo com 33 anos de tempo de contribuição e 56 anos de idade, terá que trabalhar mais quatro anos e poderá aposentar-se com 60 anos e salário integral. No texto original, teria de trabalhar até 65 anos, isto é, por mais 9 anos.

Por trás da irritação manifestada pelo ministro contra o relatório, está também o descontentamento do Palácio do Planalto e agora da equipe econômica com o protagonismo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na articulação que fechou o acordo.

Com as críticas pesadas, o ministro faz um jogo calculado para não deixar Maia ficar com a palavra e o mérito da aprovação da reforma. Outro incomodo do ministro foi ter sido surpreendido de última hora com pontos alterados pelo relator.

O sentimento geral ontem entre os investidores era o de que “para que atrapalhar justo agora que a reforma estava avançando!” O medo agora é que essa trapalhada possa gerar atraso na tramitação e a votação no plenário fique para depois. Com isso, ficará difícil o Copom cortar a taxa Selic em julho, atrasando ainda mais a volta do crescimento do País.

Em relação ao Copom, todos os fatores que afetariam a decisão têm vindo na direção do corte. Se a reforma Previdência ficar para o segundo semestre e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ficar repetindo a necessidade "credibilidade", o corte vai sendo empurrado...

A indignação do presidente Maia, que chamou o ministro de injusto, e de outros parlamentares influentes mostram que as críticas públicas do ministro podem ter custado a votação da reforma na Câmara em primeiro turno antes do recesso.

O STF legisla e coloca em risco a liberdade de expressão - EDITORIAL GAZETA DO POVO PR

Gazeta do Povo - 15/06

Desde a sessão do dia 26 de maio, estava claro que o Supremo Federal Tribunal (STF) estava disposto a tomar para si as prerrogativas do Poder Legislativo, ao continuar o julgamento sobre a criminalização da homofobia mesmo com projetos de lei sobre o assunto tramitando no Senado. Nas últimas semanas, também a Câmara passou a analisar um projeto com o mesmo teor, mas os ministros fizeram pouco caso e concluíram o julgamento nesta quinta-feira, dia 13. No fim, 10 dos 11 ministros decidiram que o Congresso estava omisso sobre o tema – apenas Marco Aurélio Mello soube enxergar a realidade –, e oito ministros decidiram aplicar os dispositivos da Lei do Racismo (7.716/89) à discriminação contra homossexuais e transexuais.

O ativismo judicial, desta vez, reveste-se de especial gravidade, e aqui destacamos o voto do ministro Ricardo Lewandowski. Ainda que em outras ocasiões o próprio ministro tenha demonstrado sua disposição para inventar regras legais, como no caso recente das privatizações, desta vez Lewandowski alertou para um ponto crucial: no caso da homofobia, o Supremo estava, ainda por cima, criando um novo tipo penal sem a existência de lei que o definisse, algo expressamente proibido pelo inciso XXXIX do artigo 5.º da Constituição. Marco Aurélio ainda acrescentou que “criar tipo penal provisório por decisão judicial” é incompatível com “qualquer Estado de Direito que se pretenda democrático”. O terceiro ministro a rejeitar a equiparação da homofobia ao racismo foi o presidente da corte, Dias Toffoli.


Apesar de positiva, a proteção do discurso religioso não é suficiente

É preciso reconhecer que os ministros aprovaram uma salvaguarda até mais ampla que o imaginado no início do julgamento. O discurso religioso ficou protegido, nos termos sugeridos pelo relator Celso de Mello: tanto líderes religiosos quanto leigos têm o direito “de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica”, em locais públicos e privados, bastando que “tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”. Uma surpresa sem dúvida positiva, pois afasta as ameaças de violação à liberdade religiosa.

No entanto, apesar de positiva, a proteção do discurso religioso não é suficiente. Isso porque, como já lembramos, as críticas ao comportamento homossexual e a realidades dele derivados, como a oposição à união homoafetiva, nem sempre se baseiam em argumentos religiosos, mas também em considerações de ordem antropológica, ética e biológica. E aqui reside uma enorme contradição na decisão do Supremo, uma omissão perigosíssima. Afinal, quando decidiram proteger o discurso religioso, os ministros reconheceram que é possível fazer uma crítica e promover um debate sobre tais temas sem recorrer à violência, à hostilidade e à discriminação. Então, chega a ser inacreditável que a corte tenha percebido tal realidade no caso do discurso religioso, mas não a tenha visto nas demais situações.

A consequência de o discurso de base não religiosa não ter merecido a mesma atenção dos ministros do Supremo é a criação de um limbo jurídico que, na prática, ameaça e inviabiliza qualquer discussão sobre o comportamento homossexual. Sem a mesma proteção oferecida ao discurso religioso, grupos militantes poderão acionar a Justiça contra o que considerarem “discurso de ódio”, mesmo que tal discurso não represente nenhuma incitação à violência ou hostilidade contra a população LGBT. O resultado será, na prática, uma perseguição ideológica até o ponto em que as críticas de teor não religioso deixem de ser feitas, por medo de processos judiciais. O país viverá uma situação surreal de um “tabu sexual inventado”, em que toda a discussão sobre um tema de moral sexual estará juridicamente vedada, algo que não ocorreu nem mesmo nas épocas mais moralistas e “repressoras”.

Outro vácuo deixado pelos ministros diz respeito à objeção de consciência – mesmo quando motivada por convicções religiosas, já que a salvaguarda criada por Celso de Mello parece aplicar-se a manifestações de opinião, mas não necessariamente à prestação de serviços em eventos que contrariem as convicções de um profissional. É possível que vejamos, no Brasil, uma repetição de casos recentes ocorridos nos Estados Unidos, onde a objeção de consciência já chegou aos tribunais, mas ainda não foi devidamente protegida. Veja-se, por exemplo, o caso do confeiteiro Jack Phillips, que venceu um processo na Suprema Corte americana após se recusar a preparar um bolo para uma união homoafetiva, e agora enfrenta nova batalha judicial por ter se recusado a fazer um bolo para comemorar uma “mudança de gênero” por parte de um cliente. O novo processo é sinal de que militantes LGBT estão deliberadamente procurando prestadores de serviço que têm convicções cristãs, com o objetivo de forçar uma situação de “discriminação” que permita levar esses profissionais à Justiça e inviabilizar seu trabalho.

Se há algum consolo, é o fato de que, de acordo com a decisão do STF, a equiparação entre o racismo e a homofobia valerá apenas enquanto o Congresso não aprovar lei específica sobre o tema. Por isso, os projetos em tramitação no Legislativo se revestem de especial importância, inclusive pelo fato de nenhum deles, até o momento, combinar o efetivo combate à discriminação e à violência com a proteção das liberdades de expressão, religiosa e da objeção de consciência – basta ver que as emendas feitas a um dos projetos no Senado protegem apenas o discurso religioso, assim como fez o STF, reproduzindo a mesma cegueira que deixa desprotegidos os argumentos cujo fundamento não é religioso. Há tempo, felizmente, para deputados e senadores promoverem essa correção de rumos. E, se ela vier e for contestada, que o Supremo saiba reconhecer os seus limites e aceitar o trabalho legislativo, sem a pretensão de derrubar uma lei apenas por não a considerarem conforme às próprias convicções.

Não é sobre Lula ou Moro - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 15/06

A corrupção do sistema de Justiça não reprime a corrupção política

​Os fins justificam os meios? A pergunta não tem sentido, pois cinde duas instâncias inseparáveis. Nem todas as estradas conduzem a Roma. Os meios escolhidos definem os fins que eles podem alcançar. O vigilantismo miliciano não reduz a criminalidade, ainda que modifique sua morfologia. A corrupção do sistema de Justiça não reprime a corrupção política, ainda que substitua um grupo de corruptos no poder por outro. O conluio de Sergio Moro com os procuradores coloca em risco o combate à corrupção —e, ainda pior, paira como nuvem de chumbo sobre nossa democracia.

“Querem macular a imagem de Sergio Moro, cujas integridade e devoção à pátria estão acima de qualquer suspeita”, rosnou Augusto Heleno, invocando “o julgamento popular” para “os que dominaram o cenário econômico e político do Brasil nas últimas décadas”. Não faltou nem o “Brasil acima de tudo!”. Trocando o manto de chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) pelo uniforme de agitador de redes sociais, o general usa a linguagem dos seguidores de Nicolás Maduro para embrulhar o ato criminoso na sacrossanta bandeira nacional. Mas, apesar dele e da manada que replica mensagens emitidas por robôs virtuais, os diálogos estão aí, como montanhas imóveis na planície sem fim.

Um hacker pago pelo PT? Um agente bolsonarista engajado em sabotar a campanha presidencial de Moro? Um procurador de facção rival, na guerra crônica que esgarça um Ministério Público submerso na lagoa da política partidária? A identidade do autor do vazamento é mistério secundário, de interesse meramente policial. A notícia relevante, não desmentida, é que Moro operou, simultaneamente, como juiz e promotor, violando a lei e fraudando o sistema judicial. Os heróis dos cartéis do tráfico combatem a injustiça social. O herói da justiça corrompida combate os políticos corruptos. Quando cansaremos de fabricar heróis que afrontam a lei legítima?

A pátria e o inimigo da pátria circulam tanto no discurso de Heleno quanto no de Lula. “Deltan Dallagnol, que me persegue, é um fantoche do Departamento de Justiça dos EUA”, acusou Lula, em entrevista à revista Der Spiegel (7/6). A CIA nada tem a ver com isso. A politização do Ministério Público é um fenômeno nacional. Moro, Dallagnol et caterva são saliências visíveis no impulso que conduz uma fração de altos funcionários de Estado a abraçarem a missão jacobina de sanear a política, convertendo-se em agentes políticos.

À sombra de Lula, a Petrobras foi saqueada. A Lava Jato prestou serviços valiosos à nação, expondo máfias políticas e empresariais dedicadas à pilhagem sistemática de recursos públicos. Mas, agora sabemos, desviou-se pelos atalhos do arbítrio. Não há inimigo mais letal do combate à corrupção do que juízes e procuradores dispostos a flexibilizar a lei em nome da causa.

Os vazamentos publicados pelo The Intercept Brasil confirmam, com razoável certeza, que Moro sequestrou a toga para chefiar o Partido dos Procuradores. As águas da política infiltraram-se da laje trincada do Ministério Público aos aposentos do Judiciário. Mas, nessa história, já vivemos um novo capítulo: Moro, chefe do Partido dos Procuradores, trocou a camuflagem de juiz pelo cargo de ministro da Justiça. Na hora de sua nomeação, avisou que prosseguiria em Brasília o trabalho iniciado em Curitiba. Assim, um sistema de Justiça politizado conecta-se ao poder governamental.

Na Rússia, na Turquia, na Venezuela, as democracias morrem quando se desfaz a fronteira que circunda o sistema judicial, protegendo-o das demandas do Executivo. A semente da perseguição judicial de adversários políticos deve ser erradicada antes que germine. Um governo decente afastaria Moro sem demora, mas não temos nada parecido com isso. As iniciativas precisam partir do Congresso, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Não é sobre Lula nem sobre Moro. É sobre o país no qual queremos viver.

Economia ladeira abaixo - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 15/06


Com mais um recuo do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), diminui a esperança de um segundo trimestre melhor do que o primeiro.


De mal a pior, a economia brasileira continua perdendo vigor, segundo cada novo informe – de fontes oficiais ou do mercado. Diminui dia a dia a esperança de um segundo trimestre melhor que o primeiro, quando a produção encolheu 0,2% e o desemprego se manteve próximo de 13% da força de trabalho. A última notícia ruim é o recuo, o terceiro neste ano, do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Em abril, esse indicador caiu 0,47% em relação ao nível de março e 0,62% na comparação com o valor de um ano antes. Famílias com orçamento apertado e muito cautelosas continuam segurando os gastos. Empresários inseguros evitam formar estoques e contratar, à espera de alguma iniciativa animadora do governo.

Os novos dados do IBC-Br foram divulgados depois da publicação, na mesma semana, de resultados fracos do comércio e do setor de serviços. Sem contar veículos e materiais de construção, o varejo vendeu 0,6% menos que em março. A produção de serviços cresceu 0,3%, sem compensar a perda de 0,8% no mês anterior.

Publicado mensalmente, o IBC-Br é valorizado como antecipação de tendência do Produto Interno Bruto (PIB), divulgado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números normalmente divergem, porque o BC trabalha com menos informações que as utilizadas pelo IBGE. Mas, de modo geral, pode-se confiar na indicação de tendência, como fazem os analistas do setor financeiro e das principais consultorias. No caso do IBC-Br de abril, a mensagem é claramente negativa e compatível com a maior parte dos dados parciais, quase todos muito ruins, conhecidos até agora.

O indicador do BC mostra uma economia pior que a do fim do ano e ainda muito fraca depois do fiasco dos primeiros três meses. A média móvel trimestral do período encerrado em abril caiu 0,60%. Havia caído 0,52% no trimestre encerrado em março e 0,35% naquele terminado em fevereiro. Esses números, assim como a variação mensal de abril, são da série com ajuste sazonal.

As medições de períodos mais longos são especialmente preocupantes, porque confirmam perda de impulso da economia depois da breve recuperação iniciada em 2017. O PIB cresceu 1,1% nesse ano e também no seguinte, mal começando a sair do atoleiro. Em 2015 e 2016 a perda acumulada havia sido de cerca de 7%.

Sem o vigor inicial da retomada, nem um crescimento igual ou pouco superior a 1% parece agora assegurado. No mercado, já se estimam números abaixo de 1% para a expansão econômica em 2019. Os últimos dados da produção industrial, do consumo das famílias e da prestação de serviços são apontados por analistas como fortes motivos para a continuada piora das expectativas.

O crescimento fica reduzido a 0,06%, uma taxa quase nula, quando se comparam os primeiros quatro meses deste ano com os de 2018, segundo as contas do BC. Quando se confrontam os números acumulados em 12 meses, a expansão da atividade fica em 0,72%, abaixo, portanto, do alarmante nível de 1%. Nesta altura, até um crescimento do PIB igual à modestíssima taxa de 1,1%, observada em cada um dos dois anos anteriores, já parece uma hipótese irrealista.

No mercado financeiro, os números muito ruins de abril motivaram novas conversas sobre um próximo corte dos juros básicos pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Esse tipo de conversa tem aparecido com frequência nos últimos meses, como reação à piora dos indicadores econômicos. Dirigentes do BC têm mostrado pouca disposição de mexer na taxa básica nos próximos meses. Além disso, juros mais baixos seriam provavelmente pouco eficientes, antes de sinais claros de reativação dos negócios. Essa reativação virá mais facilmente de recursos liberados para consumo ou de novos investimentos deflagrados pelo governo, por meio de parcerias com capital privado em obras de infraestrutura.

Para isso a equipe econômica terá de se mostrar mais preocupada com o desemprego e a estagnação. Quanto ao presidente Bolsonaro, parece, como sempre, bem pouco interessado nesse tipo de assunto.


Fraqueza global - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 15/06

Já não se pode descartar um cenário de piora mais aguda na economia


Com o acirramento das tensões entre Estados Unidos e China e queda continuada das projeções para o crescimento econômico mundial, já não se pode descartar um cenário de piora mais aguda.

Trata-se de mudança considerável em relação ao cenário vigente no início do ano, quando parecia viável uma retomada e um acordo entre as duas grandes potências.

Embora não se possa descartar mais uma reviravolta nos humores do presidente americano, Donald Trump, em favor de um entendimento, foi consolidada a percepção de um conflito de longo prazo.

Os dados mais recentes sugerem que o Produto Interno Bruto mundial deve crescer em torno de 3% neste ano, abaixo da tendência de longo prazo. Na China, o ritmo de alta da produção industrial e do investimento caiu em junho ao menor nível em 20 anos, enquanto a Europa se debate com uma persistente recessão industrial.

Nesse ambiente, as pressões inflacionárias, que já eram baixas, ficam ainda menores e abrem espaço para mais uma etapa de estímulos por parte das autoridades.

No caso do Federal Reserve, o banco central americano, seus membros já sugerem que os juros, hoje em torno de 2,5% anuais, podem cair nos próximos meses. A expectativa é que a reunião do comitê de política monetária, na quarta (19), defina os próximos passos.

Não deixa de ser surpreendente que tal panorama venha a se configurar a esta altura. Afinal, a economia americana está próxima do pleno emprego, com a menor taxa de desocupação (3,6%) em pelo menos quatro décadas e elevados índices de confiança.

Mesmo nesse contexto ainda exuberante, porém, a inflação permanece abaixo de 2%, a meta perseguida pelo Fed. Se isso ocorre mesmo no melhor momento do ciclo econômico, com juros tão baixos, o risco é que o banco central se veja sem instrumentos de reação se e quando chegar a próxima recessão.

O fenômeno não se resume aos Estados Unidos. Nas últimas semanas, um grande número de bancos centrais ao redor do mundo mudou sua orientação em favor de cortes no custo do dinheiro.

Novos estímulos são prováveis na Europa, na China e em outros emergentes. Não se descarta que também o BC brasileiro opte por essa estratégia na próxima semana.

A queda dos juros globais, especialmente se liderada pelo Fed, sugere um ambiente de cautela. Mas há um componente potencialmente favorável —a desvalorização do dólar, quase sempre bem-vinda em países em processo de ajuste de suas contas, como o Brasil.