domingo, setembro 18, 2011

MAÍLSON DA NÓBREGA - Mercado interno, externo ou ambos?


Mercado interno, externo ou ambos?
MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA

Uma velha expressão, "mercado interno", tem frequentado declarações recentes da presidente da República e de ministros. Fala-se que o Brasil reagirá à crise externa mediante apoio ao mercado interno. É como se as exportações, que crescerão cerca de 20% em 2011, mais do que as importações, não fortalecessem a economia.

O leitor talvez não saiba, mas o mercado interno está na Constituição. Diz o artigo 219: "O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país, nos termos de lei federal".

Trata-se de uma das esquisitices da Carta de 1988. Como incentivar o mercado interno? As ações governamentais focalizam regiões, setores ou áreas de atividade: Nordeste, educação, ciência, saúde, agricultura, indústria, infraestrutura e assim por diante. Nunca uma abstração. O artigo 219 é um provável reflexo do debate dos anos finais do regime militar. Uma crítica comum na esquerda era acusar o governo de curvar se a imposições do FMI ou de privilegiar o comércio exterior em detrimento do mercado interno.

A crítica era muito aceita, em especial quanto ao ultimo desses aspectos. Mário Henrique Simonsen mostrava que não havia incompatibilidade entre os mercados interno e externo. Eles eram complementares, e não antagonicos. Não adiantava. O tema voltava sempre à tona. A "defesa" do mercado interno fazia sucesso.

Mercado interno e mercado externo são meras expressões geográficas do destino da produção nacional. Uma parte é vendida aqui, outra lá fora. O que vale para o produtor é a demanda, venha ela de um brasileiro ou de quem resida no exterior. O que conta é sua capacidade de competir com produtos estrangeiros, aqui ou em outros países.

O Japão, os Tigres Asiáticos e agora a China se desenvolveram mediante estratégia em que as exportações foram fundamentais. A necessidade de concorrer no exterior forçou as empresas a buscar ganhos de eficiência, adotar práticas avançadas de gestão e criar produtos competitivos. Ao estado coube essencialmente prover educação de qualidade, expandir a infraestrutura e apoiar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Voltemos à crise. Se ela for do tamanho que o governo imagina, será preciso agir tanto para expandir o mercado interno quanto pata sustentar as exportações. Foi assim em 2008, via medidas para aumentar a liquidez interna, elevar o crédito dos bancos oficiais, desonerar a produção de bens duráveis e criar linhas de crédito em moeda estrangeira para suprir de capital de giro os exportadores.

O mercado interno, cabe lembrar, é também o território dos consumidores brasileiros, e não apenas o dos produtores nacionais. A distinção é importante porque para certas correntes de opinião, inclusive no governo, defender o mercado interno significa proteger os produtores, blindando-o da concorrência externa via barreiras tarifárias e não tarifárias às importações. Preservam-se o lucro e o emprego de uma minoria, em prejuízo da maioria, os consumidores.

Na verdade, a crise deveria ser vista como uma oportunidade para mobilizar apoio político e social em prol de medidas estruturais de largo alcance. Seria, por exemplo, o caso de uma agressiva política de concessão de serviços de infraestrutura e de uma reforma tributária digna desse nome. A melhoria na operação da logística e a redução da monstruosa complexidade do sistema tributário redundariam em elevação expressiva da produtividade. Ganhariam os produtores, que se tornariam mais competitivos, e os consumidores, que pagariam menos pelos bens e serviços que adquirissem.

Acontece que faz mais efeito político falar em defesa do mercado interno, seja lá o que isso signifique. Afinal, muitas décadas de políticas de substituição de importações fortaleceram a cultura do isolamento, que vê com desconfiança o mercado externo e apoia propostas de autossuficiência. Daí a esquisita ideia do artigo 219, qual seja a de viabilizar "a autonomia tecnológica do país". Nem mesmo Cuba ou a Coreia do Norte terão desprezado tanto a contribuição externa ao desenvolvimento nacional.

Vai ficar mais caro - REVISTA VEJA


Vai ficar mais caro 
REVISTA VEJA

O governo retoma o protecionismo e eleva imposto para conter a invasão de carros importados, mas deixa de fora estímulos para a competitividade interna

ANA LUIZA DALTRO E ÉRICO OYAMA


Com o discurso de, mais uma vez, proteger o interesse nacional, o governo decidiu elevar o .. preço de carros e caminhões importados. Num país que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo - quase 40% de tudo o que é produzido por cidadãos e empresas vai parar nos cofres públicos -, as autoridades optaram por reduzir as escolhas do consumidor, em vez de estimular a economia local. O aumento será de 30 pontos porcentuais no imposto sobre produtos industrializados de veículos produzidos no exterior ou que sejam montados no Brasil mas não atendam a critérios mínimos de conteúdo nacional. Estima-se que haverá um impacto de 25% a 28% no preço final (entenda como peará no quadro da pág. ao lado).

"O Brasil sofre assédio da indústria mundial. Nosso consumo vem crescendo e esse aumento tem sido preenchido por importações. Corremos o risco de exportar empregos", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O que ele não disse é que as causas fundamentais da falta de competitividade da indústria brasileira - e, consequentemente, da citada exportação de empregos - permanecem em segundo lugar no plano de ações do governo: carga tributária complexa, ambiente de negócios burocrático e infraestrutura deficiente. Para João Carlos Rodrigues, diretor da consultoria especializada JATO Dynamics, aumentar o IPI sobre os carros importados não operará milagres na indústria nacional.

O aumento do nível de emprego e da renda nos últimos anos pôs o Brasil na rota das montadoras. O mercado nacional automotivo tornou-se o quinto maior do mundo, atrás apenas das potencias China, Estados Unidos, Japão e Alemanha; Para atenderem a salto na demanda, as importações de veículos dispararam, acompanhando as vendas da indústria nacional. Explica Stephan Keese, sócio da consultoria Roland Berger: "O Brasil se tornou um mercado muito atraente. Mas os custos de produção são muito elevados e acabam estimulando a importação". Foram vendidos neste ano, até agosto, 531000 automóveis e caminhões estrangeiros - crescimento de 35% em relação a 2010. Hoje, um em cada quatro veículos novos no Brasil é importado. Mas, apesar do discurso do governo de defesa do emprego nacional, mais da metade dos veículos de fora vai escapar do aumento da tributação porque é produzida em países do Mercosul ou no México. O governo alega que acordos bilaterais impedem que esses mercados paguem a sobretaxa. Especialistas afirmam que o Brasil corre o risco de sofrer uma contestação na Organização Mundial do Comércio (OMC), cujas regras estabelecem que o único imposto que pode ser discriminatório - levando em conta a produção nacional e a estrangeira - é o de importação.

O discurso da defesa do interesse nacional é populista e perigoso. Nos anos 90, a abertura da economia brasileira às importações foi acompanhada de previsões catastrofistas de que a indústria nacional iria quebrar. Não só não quebrou como ela se fortaleceu e avançou em competitividade. Mas nem é preciso ir tão longe na memória. No mês passado, o governo já havia lançado um plano de estímulo protecionista para a indústria. Desta vez, as próprias autoridades admitiram que as medidas adotadas tem caráter emergencial e que um novo regime para o setor automotivo, um dos que mais empregam na . economia, tem de ser feito. Tomara que o imediatismo ceda às estratégias de longo prazo.

CLAUDIO DE MOURA E CASTRO - Ensino médio com sabor de jabuticaba


Ensino médio com sabor de jabuticaba
CLAUDIO DE MOURA E CASTRO
REVISTA VEJA

"Temos o currículo fixo das escolas europeias e a alternativa da escola única dos americanos. Ou seja, escola única com currículo único. É estarrecedor que não se critique essa aberração"

Ainda que tardiamente, universalizamos o ensino fundamental. O ensino médio parecia ir pelo mesmo caminho, mas encruou. Pior, muito antes de atingir uma cobertura aceitável, está encolhendo. Some-se a isso o fato de que os alunos aprendem pouquíssimo. É hoje o nível que traz mais perplexidades. Nossos alunos tem um nível médio de compreensão de leitura equivalente ao de europeus com quatro anos a menos de escolaridade. Ademais, a sua variedade é imensa. Alguns são tecnicamente analfabetos ao entrar no médio. Mas há os geniozinhos de Primeiro Mundo. Uns gostam de teatro, outros de química. Uns de equações do terceiro grau, outros de música. Uns aprendem rápido, outros ainda precisam aprender a ler!

Em busca de inspiração, quem sabe,damos uma espiada no que fazem os outros países? Uma viagem pelos mais avançados vai mostrar dois modelos de organização do ensino médio. Na Europa, o modelo dominante lida com a variedade de interesses e competencias dos alunos, mediante a criação de alternativas escolares para cada perfil. Por exemplo, na França há cursos profissionalizantes que dão e que não dão acesso ao superior, sem abrir mão da profissionalização. E há os cursos que levam ao baccalaunfat (bacharelado), com vários sabores: os futuros poetas evitam as matemáticas, outros chafurdam nas equações, uns são mais difíceis, outros menos recheados de teorias.

No modelo americano, todos frequentam a mesma escola, mas há uma variedade estonteante de disciplinas, ao gosto do fregues, seja no assunto, seja no nível de dificuldade. Cada um faz seu currículo. E como é a escola que oferecemos? Tomamos o currículo fixo das escolas europeias e a alternativa da escola única dos americanos. Ou seja, escola única com currículo único. E, se só existe no Brasil e não é jabuticaba. será que pode prestar: É estarrecedor que não se critique essa aberração.

Alvíssaras, o MEC pensa em diversificar o ensino médio. Mas como? Há quinze disciplinas obrigatórias (mais o inglês, inevitável). A lei não deixa tirar nenhuma delas. O campo de manobra é ridiculamente estreito para fazer algo parecido com o que existe na França (ou com o que já tivemos). Só dinamitando a legislação tacanha que criou essas reservas de mercado para professores disso ou daquilo. São plausíveis as justificativas de cada disciplina. O problema é que, somadas, elas criam um monstrengo grotesco.

Mas é ainda pior, pois, como se pode ver nos livros, há assuntos demais, dentro de cada disciplina, como se todos fossem gênios e o tempo de aula fosse o dobro. Como nos diz a teoria cognitiva - e Whitehead, lá nos idos de 1917 -, o que quer que se ensine tem de ser em profundidade. Com a inundação de conteúdos, nada se aprende, mas de tudo se ouve falar. Sabemos que só se aprende quando se aplica, mas falta tempo para lidar com exemplos, projetos e pesquisas. Sem isso, nada feito. Soma-se ao desastre uma jornada escolar excessivamente curta, além das greves e do mau uso do tempo. Aqui não dá para falar do ensino técnico, que soma enguiços e mais mil horas em um currículo já sobrecarregado.

Não bastasse isso, ainda há o vestibular, com perguntas dificílimas, magnetizando o ensino, mesmo daqueles que não pretendem fazê-lo. Para piorar, muitos professores não têm a preparação mínima para a disciplina ensinada. Como consertar isso? Vejamos uma dieta mínima, ainda que politicamente impopular: 1- limitar dramaticamente as disciplinas obrigatórias, ficando com português, matemática e pouco mais; 2 - redefinir as ementas, de forma que as exigências sejam explícitas e estejam ao alcance do aluno real; 3 - variar os níveis de exigência, de acordo com o perfil dos alunos; 4 - diversificar, para atender às preferências dos alunos, pela oferta de "sabores" diferentes (humanidades, ciências naturais, biológicas etc.); 5 - enfatizar a aplicação das teorias em projetos e exercícios práticos (impossível com o dilúvio curricular de hoje). Note-se que não é profissionalização; 6 - simplificar o acesso e mesmo encorajar excelentes profissionais sem licenciatura a ensinar as matérias afins à sua área (engenheiros, médicos, advogados, farmacêuticos etc.); 7 - aumentar a jornada escolar, em pelo menos uma hora. para todos os alunos da escola, não apenas para um grupelho.

Como nos rincões - REVISTA VEJA


Como nos rincões
REVISTA VEJA

Deputado do PT é acusado de comprar votos de sem-terra, oferecendo transporte, dinheiro, lanche e ató cargos públicos. Isso aconteceu em Brasília
HUGO MARQUES

Em 2004, o senador João Capiberibe e sua mulher, a deputada Janete Capiberibe, ambos eleitos pelo Amapá, tiveram o mandato cassado depois que um processo judicial concluiu que eles compraram o voto de dois eleitores por pouco mais de 20 reais cada um. O deputado federal Roberto Policarpo, do PT de Brasília, encontra-se diante de um problema parecido. Ele está sendo acusado de arregimentar e pagar 4000 reais a um grupo de quarenta trabalhadores semterra em troca de votos. Em 3 de outubro do ano passado, o dia da eleição, a polícia interceptou um ônibus suspeito de transportar ilegalmente eleitores. Os passageiros, que moravam em um acampamento rural nos arredores da capital, confessaram metade do crime. Admitiram ter aceitado a "carona" para ir até as seções de votação, mas disseram que não sabiam que aquilo era proibido. O motorista, que tamb6m alegou inocência, contou que o ônibus fora emprestado por um empresário e que todos ali eram fiéis de uma tal igreja Assembleia União da Fé. A Polícia Federal abriu um inquérito para apurar o caso. Porém, sem maiores evidências sobre a identidade dos responsáveis ou sobre os beneficiários da fraude, as investigações não evoluíram - até a semana passada, quando começou a surgir a outra metade da história.

Depois de ficar sete dias preso e aguardar por quase um ano um emprego público que não veio, o motorista do ônibus, Francisco Manoel do Carmo, resolveu revelar a parte mais importante da história: ele confessou que recebeu 4000 reais do deputado petista para arregimentar os sem-terra. Com o dinheiro, alugou o ônibus, comprou comida para os eleitores e distribuiu santinhos com o nome, o número e a foto dos candidatos nos quais o grupo deveria votar - o deputado Roberto Policarpo e o governador Agnelo Queiroz, também do PT. "O dinheiro nos foi entregue pela mulher do deputado, no comito dele. Ela tirou um maço de notas de um envelope pardo e o entregou nas mãos da minha mulher: Nos pediram para selecionar e trazer para cá os acampados que tinham título eleitoral de Brasília", conta Francisco, que, além dos 600 reais que embolsou pelo trabalho, afirma ter recebido a garantia do deputado de que, se eleito, seria recompensado com um emprego no governo petista.

A versão do motorista foi confirmada por Edmilson Lopes, um dos coordenadores da campanha do parlamentar. "O deputado me orientou pessoalmente a providenciar o transporte dos sem-terra", diz o ex-assessor. Presidente do PT de Brasília, Roberto Policarpo confirma que Edmilson foi um de seus auxiliares na campanha, mas diz que nem ele nem sua mulher, Maria do Socorro, sabem dos fatos: "Nunca ouvi falar dessa história de ônibus apreendido. Isso só pode ser vingança de alguém, chantagem de quem perdeu o emprego". Até abril deste ano, Edmilson tinha um cargo no governo de Brasília, ganhava 2700 reais e era subordinado à esposa do deputado. Mais um pequeno mas triste e simbólico exemplo de descaso pela ética do partido que chegou ao poder justamente para restaurá-la.

O descalabro do ensino - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

O descalabro do ensino 
CARTA AO LEITOR 
REVISTA VEJA

Em sua coluna em VEJA da semana passada, Gustavo Ioschpe alertava os pais com filhos em escolas privadas para o fato de que as altas mensalidades e o esforço familiar para pagá-las davam a falsa ilusão de que isso era o bastante para proporcionar aos rebentos uma vantagem inicial na luta pela vida. "Tenho más notícias", escreveu Ioschpe, e continuou: "Os tempos mudaram, e a arena de competição desta geração não é mais o Brasil, mas o mundo. (...) seu filho vai perder o emprego para um indiano, australiano ou chinês". Esta edição de VEJA traz uma reportagem coordenada por Monica Weinberg, chefe da sucursal no Rio de Janeiro, que faz o retrato em números da situação calamitosa apontada por Ioschpe, concentrando-se nas causas do fracasso do ensino médio público e privado no Brasil.

O principal fator é o despreparo dos professores, produto de escolas de pedagogia dominadas pelo proselitismo ideológico embalado em teorias tão arcanas quanto inúteis. Apenas 20% do tempo é dedicado às questões práticas de sala de aula. Passa da hora de inverter essa fórmula maligna que forma, no jargão da esquerda, "parteiros da história" e dedicar 80% do tempo a treinar os professores para ensinar matemática, português, ciências e lógica aos alunos.

Os espantosos resultados do mais recente Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, divulgados na semana passada, reforçam os diagnósticos da reportagem, que se conclui com um artigo do economista Claudio de Moura Castro.

"Temos escola única com currículo único. É estarrecedor", escreveu Moura Castro. A tabulação das provas do Enem feitas por 3,2 milhões de estudantes brasileiros traduz em números uma realidade que, de tão perversa, exigiria que de uma vez por todas a educação de qualidade fosse colocada como a grande prioridade nacional: apenas 6% das escolas - 1500 de um total de 23900 que participaram do exame - poderiam ser listadas como instituições de ensino que formam alunos preparados para os imensos desafios propostos pela economia global e digital do século XXI. É muito pouco. É quase nada. É um desastre. Urge mobilizar as energias do país para começar a reverter esse trágico descalabro.

Desde o início de agosto, o jornalista Otávio Cabral, de 40 anos, assina a coluna Holofote, com notas exclusivas sobre personalidades da política, economia e outros setores da vida nacional. Cabral faz parte da equipe de VEJA desde 2004. Na sucursal de Brasília, destacou-se na cobertura do escândalo do mensa150, com reportagens como a da chantagem do lobista Marcos Valério contra a cúpula do PT, para tentar safar-se da Justiça. Agora em São Paulo, Cabral vem conciliando, com sucesso, o trabalho de campo com a missão de manter a coluna Holofote entre as mais bem informadas do país e uma das mais lidas pelos leitores da revista.

TUTTY VASQUES - Gastão: espécie em extinção!


Gastão: espécie em extinção!
TUTTY VASQUES
O ESTADÃO - 18/09/11

Numa época em que só se fala em cortar gastos, um ministro chamado Gastão não deixa de ser engraçado, coisa que, no caso do sucessor de Pedro Novais, já é um grande avanço.

Seja lá quem for esse Gastão Vieira (além de deputado maranhense e amigo do Sarney, pré-requisitos básicos para comandar o Ministério do Turismo), o sujeito assume, junto com o cargo, o desafio de contrariar o verbete de dicionário que define seu nome como sinônimo de "esbanjador, quem gasta excessivamente", igualzinho seu conterrâneo antecessor.

A piada pronta da semana - "o governo trocou um Gastão por outro" - ganhou panos quentes na versão do deputado Tiririca sobre a mudança anunciada na quarta-feira: "Todo ministro é meio gastão".

Hoje em dia, como se sabe, ninguém é "gastão" impunemente. Não à toa, o nome próprio homônimo do adjetivo está em extinção no País. O último brasileiro assim batizado deve ter uns 40 anos, ou seja, veio ao mundo no finalzinho do chamado "milagre brasileiro".

Naquele mundo até então de fantasia, Walt Disney já havia criado para os quadrinhos um personagem que aqui no Brasil foi chamado de Gastão (Gladstone Gander, no original em inglês). Elegante, esnobe e preguiçoso, tem como principal característica a fama de ser "o pato mais sortudo do mundo", para azar do primo Donald, com quem disputa - sem muita cordialidade, diga-se de passagem - a herança do Tio Patinhas e o amor da Margarida.

É cedo ainda para apostar numa coisa ou noutra, mas fica aqui a torcida para que o ministro Gastão Vieira, em vez de honrar a etimologia de seu nome, seja tão somente um pato de sorte. Quem sabe, né?


DNA

Chega a ser comovente o entusiasmo de Aloizio Mercadante com a fábrica da Apple em Jundiaí SP). O ministro está se sentindo meio pai do iPad no Brasil.


Logo agora!

A nova classe média brasileira começa a tomar bronca do governo. Isso lá era hora de sobretaxar o carro importado, caramba?!


Probo da corte

Nelson Jobim está todo prosa de novo. A toda hora é citado no noticiário como o único ex-ministro da Dilma que não deixou o governo sob suspeita de roubalheira. Parece que até as fardas ele pagou do próprio bolso!


Jeitão diferente

Hugo Chávez está ficando a cara do detetive Kojak, personagem de Telly Savalas na série policial dos anos 70 na TV. Se botar um pirulito na boca, fica igual!


Teoria conspiratória

José Dirceu virou, de repente, o maior aliado dos ministros militares no lobby por mais investimentos nas Forças Armadas. Aí tem!


Acredite se quiser

Parece mentira, mas José Genoino e ACM Neto reuniram-se dia desses para decidir o futuro da Comissão da Verdade.


Pura perseguição

Como se não bastasse ser filho do prefeito de Belo Horizonte, Tiago Lacerda tem nome de galã da TV Globo. Ainda assim, o Ministério Público está criando caso com a nomeação do rapaz pelo pai para a presidência do Comitê Executivo da Copa na capital mineira. Pode?


Quem sabe?

Deu no noticiário da BBC Brasil: britânico que perdeu polegar da mão esquerda no serrote implantou com sucesso no lugar o dedão do pé. O Lula podia tentar algo parecido, né?


Briga eterna

Quem, no Rio, roubou as joias da família Petraglia? Tem gente no território livre da internet culpando os Tucanaglias!

CAETANO VELOSO - Amelia e Telluride


Amelia e Telluride
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 18/09/11


“Pina”, de Wenders, é a primeira coisa em 3D que enfrenta a densidade e a seriedade


Gosto especialmente de Amelia Rabello. Senti muito ter perdido, na véspera de minha vinda para a Bahia agora, a apresentação dela no Teatro Rival. Só tinha aquele dia para ficar no Rio e precisava encontrar Inês Pedrosa, a escritora portuguesa que também adoro — e que ia viajar para Lisboa na mesma quarta-feira em que embarquei para Salvador. Um dia falo mais sobre Inês. Agora quero escrever algumas palavras sobre Amelia.

Eu a ouvi pela primeira vez num show de Paulinho da Viola. Ela fazia coro e, em meio ao espetáculo, Paulinho a convidava para cantar sozinha uma canção. Fiquei impressionado com a aparição da alma do samba assim exposta numa precisão musical de cantor jazzístico. Era como se o espírito de Dona Ivone Lara estivesse no domínio do aparelho de cantar de uma Elis Regina. Toda a exuberância do pianista
Cristovão Bastos ( com quem partilhei o palco na primeira temporada da Banda Black Rio, nos anos 1970), que mais parece um desperdício de alterações harmônicas — como é frequente em instrumentistas de jazz pósbebop e em todo o samba-jazz brasileiro — ganha sentido de necessidade. Se nos trabalhos com Paulinho Cristóvão mostra sempre sensibilidade profunda para o vocabulário do samba, com Amelia ele chega à economia perfeita e à adequação total. Mas é o canto dela que parece fazer — de modo exigente — a liga. Seu timbre já explica cada escolha harmônica de um ponto de vista culto. Da cultura do samba carioca em suas manifestações mais puras. Claro que é Paulinho quem paira sobre tudo isso: sem ele essa história não estaria no estágio em que está .Mas Amelia parece material bruto.
Mesmo que Paulinho seja o mestre que veio de mais perto do núcleo do samba, Amelia, que ouviu o chamado e chegou perto , soa como se ela própria fosseuma das referências a que ele tem de se reportar. Seu novo disco — com Cristóvão no piano e nos arranjos e quase todo composto de letras de Paulo César Pinheiro (mas com um Radamés sobre Ataulfo e um Ataulfo pouco conhecido, além de um Roque Ferreira, um Moacyr Luz e um Pedro Amorim) — chama-se “A delicadeza que vem desses sons” e deve ser ouvido por quem quer que queira entender de samba e de cantoras.

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Telluride é uma cidade bem americana. Quando você chega a uma cidade americana, você não sente que entrou nela: mais parece que você saiu para o descampado. Em Telluride essa única rua que se vê nos filmes de caubói abre-se para a visão das Montanhas Rochosas. No tempo das diligências, era uma zona de mineração. Há 38 anos mantém um festival de cinema que é um paraíso para cineastas e cinéfilos. Não há competição nem prêmios. E — o mais impressionante — não há repórteres nem paparazzi. Este ano, embora lá estivessem George Clooney e Tilda Swinton (além de Werner Herzog, Wim Wenders e Alejandro Iñárritu) não se via nem uma cena sequer de fotógrafos assediando-os ou de microfones surgindo sob seus queixos. A moça que foi me buscar no aeroporto me disse que temia que a imprensa se acercasse do festival este ano, já que uma descendente de Bush ia se casar com um descendente de Ralph Loren numa fazenda logo ali ao lado. Mas que nada. O que havia era gente vendo filmes e conversando sobre cinema. Apresentei seis filmes, como diretor convidado. Tradicionalmente eles convidam uma pessoa que não (necessariamente) seja do métier para exibir e comentar filmes de sua escolha. Suponho que foi Peter Sellars (o diretor de teatro e ópera de vanguarda, o idealizador de “Nixon in China”, não o igualmente genial ator do “Doutor Fantástico” e da “Pantera Cor de Rosa”, aliás já falecido) quem sugeriu meu nome a Tom Luddy. Enquanto ainda duvidava se poderia aceitar o convite, tinha uma única certeza: que levaria “As grandes manobras”, de René Clair. É que, apesar de minha paixão pelo cinema italiano (que, de resto, já foi externada num disco dedicado a Federico Fellini e Giulietta Masina e numa canção chamada “Michelangelo Antonioni”), ter visto o filme de Clair em Santo Amaro aos 16 anos teve um impacto sobre mim ao qual eu sei que tenho de ser leal. E há a
certeza de que dificilimamente alguém elegeria esse filme para uma mostra agora: Clair foi esnobado pela geração da Nouvelle Vague e, se seus filmes mudos e os primeiros falados gozam de alta reputação, uma comédia sentimental (colorida) dos anos 1950 fica abaixo da varredura dos radares. O resto foi consequência da decisão inabalável de mantê-lo na lista. Eu quis levar “Matou a família e foi ao cinema”, de Bressane, mas o esquecimento em que se encontra “Deus e o Diabo” entre os críticos e cinéfilos americanos me fez sentirme obrigado a insistir nele.
A combinação de “Grande manobras” com “Deus e o Diabo” — aquele reafirmado por “Se meu apartamento falasse”, de Billy Wilder; este, pelo desequilíbrio inocente e brilhante de “Aniceto”, de Leonardo Favio — e com o insuperável Godard de “Viver a vida” como fiel da balança — todos ligados pela revelação (para mim) de “Nordeste: cordel, repente, canção”, de Tânia Quaresma — fizeram de minha minimostra um monstrinho intrigante. Valeu.

Mais valeu ver “Pina”, de Wenders. É a primeira coisa em 3D que enfrenta a densidade e a seriedade. Esperemos que seja logo lançado no Brasil.

Mas a cena que melhor ilustra o festival se deu quando, tendo ido até o alto da montanha para apresentar
“Vivre sa vie”, encontrei Wenders, que me dizia: “Há 25 anos não vejo esse filme”.

YOANI SÁNCHEZ - O DNA que legitima o poder


O DNA que legitima o poder
YOANI SÁNCHEZ
O Estado de S.Paulo - 18/09/11

Há portas que só se abrem quando murmuramos diante delas um sobrenome, um cargo ou o pedigree histórico de alguém. Salvo-condutos que podem nos livrar de uma porção de problemas, e sempre que vêm avalizados por uma assinatura reforçada por alguma alta patente militar. Durante décadas aqueles que desceram da Sierra Maestra se alçaram ao status de fonte dos direitos na Cuba revolucionária. Os parentes desses antigos guerrilheiros exibem com presunção o vínculo sanguíneo que têm com eles e alardeiam o fato de estarem incluídos na sua árvore genealógica. Ter um parente general ou tenente-coronel ajuda não apenas na hora de evitar os trâmites burocráticos, podendo também reduzir penas de prisão, apagar antecedentes criminais e - é claro - corresponder a substanciais privilégios materiais.

O humor popular criou expressões de todo o tipo para destacar as prerrogativas que acompanham esses rebeldes de outrora. Até a linguagem corporal desenvolveu sua própria maneira de fazer alusão a eles. Basta que, no meio de uma conversa na qual fala-se sobre um jovem que exibe um carro surpreendentemente moderno, alguém diga que teria sido presente do pai dele, tocando então o ombro com os dedos médio e indicador juntos. Essa simples senha adverte que o reluzente veículo chegou ao seu dono porque seu progenitor veste uma farda, tem ramos de oliveira nas dragonas ou medalhas no peito. O nepotismo é tão comum no país que os cubanos nem se surpreendem mais; o favoritismo genético chega a ser uma parte indissociável do próprio sistema. Assim, quem não compartilha do DNA dos "líderes históricos" tem poucas oportunidades.

Numa estrutura de poder que se apoia nesses clãs e famílias, a morte de um dos patriarcas visíveis coloca em risco a posição de todos os seus parentes. Telefonar para pedir um favor a um tio que lutou com Fidel Castro em 1958 não é o mesmo que invocar, post mortem, a memória dele para escapar de algum apuro. As parcelas de poder são reduzidas quando o parente membro da hierarquia deixa de respirar, pois a presença dele é necessária para que a sua linhagem seja mantida na lista de franquias do poder. Os parentes que sobrevivem a eles nunca voltarão a ocupar o lugar em que o morto os havia instalado.

A longevidade torna-se assim imprescindível para que filhos e netos assumam cargos e posições, especialmente do ponto de vista econômico, antes que morra aquele que um dia desembarcou do Granma, atacou o Quartel Moncada ou pegou em armas para combater nas montanhas do leste cubano. Uma morte precoce limita a ascendência de seus descendentes, rebaixando drasticamente a posição deles na hierarquia do poder.

As novas gerações desses clãs se veem então presas entre a ânsia de ocupar seu próprio espaço e a necessidade de manter o chefe da família como verdadeiro estandarte até alcançar a ascensão. O sucessor nunca receberá a mesma consideração da qual o pai desfrutou, pois essa condição decorria da participação num feito do passado, e não do presente. A história torna-se fonte infinita de legitimidade enquanto a juventude é maculada por não ter participado do momento posteriormente considerado como "a consagração".

Agora nos encontramos diante de provas de que a biologia está deixando sem líderes muitos destes grupos do poder. Poucos dias atrás, a morte de Julio Casas Regueiro, ministro das Forças Armadas, confirmava a fragilidade de um governo cuja idade já ultrapassa os limites da aposentadoria. Especula-se que ele pode ser substituído por outro dos líderes históricos, e fala-se nos nomes do general Leopoldo Cintra Frías, de Álvaro López Miera, membro do Politburo, e do atual vice-ministro Joaquín Quintas Solá. Os mais pessimistas incluem nesta lista também o próprio filho de Raúl Castro, o coronel Alejandro Castro Espín.

Com a morte de Casas Regueiro, todo um clã e uma família perdem posições, mas fica também demonstrado o fracasso da sucessão entre as gerações. Com 75 anos e à frente do ministério desde 2008, havia há meses rumores sobre seu estado de saúde. O momento em que Raúl o nomeou como substituto à frente do Minfar foi precedido por fortes especulações segundo as quais a camada jovem sem vínculos genéticos teria finalmente sua vez no comando do país.

Figuras como Carlos Lage e Felipe Pérez Roque se apresentavam como a troca da guarda política daqueles que havia quase meio século seguravam o timão do país. Ainda assim, em vez de apostar na renovação, a cúpula cubana preferiu nomear figuras mais velhas e mais "garantidas". Meses depois, ambos seriam defenestrados, e com eles se perderia o breve sopro de diversidade sanguínea que percorreu as esferas mais altas do poder. As declarações de Fidel Castro contra ambos puseram fim às suas carreiras políticas. Tanto o chanceler quanto o vice-presidente do conselho de Estado tinham se convertido - de acordo com o severo comandante-chefe - em "viciados no mel do poder".

Agora, quando raramente se passa um mês sem que seja publicado um obituário ilustre nos jornais oficiais, seguimos nos perguntando se as linhagens continuarão a definir o rumo político do país; se os poderosos sobrenomes de hoje cederão espaço a outros mais novos ou se tentarão transmitir hereditariamente o poder aos seus descendentes, conservando-o como um negócio em família. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL



É JORNALISTA CUBANA E AUTORA DO BLOG GENERACIÓN Y. EM 2008, RECEBEU O PRÊMIO ORTEGA Y GASSET DE JORNALISMO

BARBARA GANCIA - Vale tudo no asfalto


Vale tudo no asfalto
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP - 18/09/11

O trânsito de São Paulo produz tipos peculiares. Já discutimos aqui o talibiker, radical do bem-viver que tenta impor seu estilo impoluto de vida goela abaixo a todos os pagadores de boletos de IPVA, consumidores de transgênicos e deglutidores de dogão com purê, maionese e/ou vinagrete.

Perceba a cena: estava eu na av. Faria Lima, zona sul, na hora do rush, trafegando pela pista da esquerda quando tive de acionar os freios para não entrar com tudo em cima de um sem noção desses. Camarada vinha em ritmo de subida de montanha de Tour de France, desprovido de qualquer sinalização na bike, ocupando, sem cerimônia, o espaço de um automóvel, meião da faixa, como se fosse um domingo de sol.

Saí de trás dele e tomei a pista do meio. Quando fomos chegando ao farol fechado à nossa frente, abri a janela e sinalizei para que parasse. Notei que estava de fone e sem capacete. "Você vai se matar", disse-lhe, com aquele tom que mães e juízes utilizam. "Quase passei por cima de você!" O rapaz era lindo, ninguém me tira a ideia de que passou até hoje à base de leite materno, arroz integral e pêssegos. Minhas palavras tiveram o efeito de removê-lo de um transe. "Achei que a luz traseira estava ligada, obrigado, valeu! Obrigado mesmo!"

Ele mexeu debaixo do selim, acionou uma luz estroboscópica muito interessante e partiu para ser o dono da rua de novo. Pensar que poderia estar todo ralado. Que música será que estava ouvindo no iPod? Alguma mãe no mundo deveria estar fazendo um bolo para mim naquele momento. Mas, em vez de receber um agradecimento simbólico, o que eu tomei a seguir foi um baita susto. Sujeito veio por trás, no meio dos carros e desceu o braço na lataria do meu Ford Focus Titanium novinho. Quem poderia cometer uma violência dessas contra Madre Tereza de Barbará?

Ora, o pedestre ranzinza, quem mais? A mais nova aberração produzida na ilha do Dr. Moreau do planalto paulista. Em qualquer outro complexo demográfico do mundo o pedestre sorri mais do que o motorista. Mas nós, ultimamente, estamos experimentando o rancor e o descontrole de pedestres que tentam a todo custo descontar anos de maus-tratos em um só quarteirão de caminhada.

O pedestre com o qual me alterquei não veio de uma faixa de trânsito. Surgiu, fuleiro, de trás de um ônibus. Estava atravessando no meio dos carros. Achou ruim porque eu havia tomando a faixa do ônibus quase na altura da esquina para fazer a conversão à direita. "O senhor bateu no meu carro por que mesmo? É fiscal da rua, por acaso?", perguntei-lhe, com tom algo enérgico. Sr. Pedestre certamente calculou que a gorducha de meia idade dificilmente reagiria à agressão.

Foi maus. A gordinha encrespa. Especialmente quando mexem no carro que ela vai levar 24 meses e muito imposto para pagar.

Quando viu que eu não estava para brincadeira, o melindrado encurvou os ombros e saiu de fino. Menos mal que não era um Dominguin do asfalto, o pedestre mais lamentável que o motorista pode encarar nestes dias de confronto homem x carro. O Dominguin desafia o carro como quem peita um touro na arena. Ai de mim...

ALON FEUERWERKER - Abram-lhe a barriga!


Abram-lhe a barriga!
ALON FEUERWERKER
Correio Braziliense - 18/09/2011

O monopólio dos recursos eleitorais pelos chefes partidários poderá ser facilmente contestado na Justiça, pois cada deputado ou vereador continuará pedindo votos para si próprio. Seria uma lista fechada disfarçada, com as cúpulas detendo o poder de vida ou morte, o poder total de decidir quem terá mais dinheiro para a campanha e quem não

Como já foi relatado, inclusive aqui, o chamado financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais é a tentativa de atacar o elo mais fraco do modelo, pelo ângulo da opinião pública. Um esforço elitista de décadas para demonizar a política levou à conclusão bizarra: como a atividade apresenta problemas, a solução é estatizá-la.

Reduzir o grau de liberdade dos cidadãos e aumentar o poder do Estado.

Mas esse "Estado" é uma abstração, como bem informa a boa teoria política. Quando o caro leitor, ou leitora, ouvir ou ler o termo, tente fazer um exercício: substituir "Estado" por "governo". A ideia de um Estado que paira acima das forças em litígio é apenas falsificação intelectual.

Já discuti um aspecto complicado da proposta em debate na Câmara dos Deputados, por dar aos partidos hegemônicos vantagem financeira insuperável, pois o desempenho na última eleição seria a regra para distribuir o dinheiro pelas legendas.

O relator, Henrique Fontana (PT-RS), argumenta que, ao contrário, o mecanismo proposto garante à oposição um recurso que provavelmente não teria, pois em toda eleição a tendência dos doadores privados é engrossar a manada do vencedor.

É um debate a concluir. Ainda que provavelmente a discussão vá ao Supremo Tribunal Federal, pois conferir a priori vantagem financeira decisiva e intransponível a um partido, ou a um grupo de partidos, pode ser objeto de questionamento jurídico à luz da igualdade de direitos garantida pela Constituição.

Mas há outro aspecto que merece lupa. Pelo andar da carruagem, a reforma vai abandonar a ideia da lista fechada, pela qual o partido decide previamente a ordem dos candidatos a deputado e vereador e elege os primeiros da lista conforme o número de cadeiras obtidas na urna.

O eleitor não aceitaria mesmo outorgar a caciques partidários a prerrogativa absoluta de definir quem vai se eleger e quem não.

Mas se todo candidato a deputado e vereador precisará continuar correndo atrás de votos para si próprio, qual o sentido de implantar o financiamento exclusivamente público?

Pois estaríamos diante de uma lista fechada disfarçada. Com o monopólio do dinheiro, cada direção partidária decidirá quem eleger e quem não. E com o provável acordo dos já parlamentares para dividir a parte do leão entre eles, deixando fora da festa os demais.

É outro detalhe que, facilmente, pode ser contestado na Justiça. Hoje, os partidos já decidem, por exemplo, dar mais tempo de televisão a uns que a outros. Mas os preteridos têm uma válvula de escape. Podem buscar na sociedade recursos e apoio material para tentar reequilibrar o jogo.

No sistema proposto essa porta estará fechada.

A política dos proponentes da reforma é impulsionar o financiamento exclusivamente público para, uma vez aprovado, passar a tratar das consequências, que, como bem revelou ao mundo o Conselheiro Acácio, vêm depois.

Talvez seja melhor inverter. Saber com grau razoável a cirurgia que se pretende fazer, antes de abrir a barriga do paciente.

Mais guerra
O pedido para que as Nações Unidas admitam a Palestina como país independente não é, nas palavras da própria Autoridade Palestina, o passo final. A ela devem seguir-se novas negociações para definir o status definitivo da encrenca.

O objetivo da liderança palestina é negociar a partir de uma posição de força, o que é um desejo legítimo. Mas o nó crítico não está aí. Está no reconhecimento ou não de que o status final deverá contemplar dois Estados, um hegemonicamente judeu e um hegemonicamente palestino.

O campo político liderado pelo Irã defende que o Estado Palestino na Cisjordânia e Gaza seja apenas um passo tático, a criação de uma plataforma político-militar para anexar o território que já era de Israel entre 1949 e 1967.

Um roteiro seguro para mais guerra.

MERVAL PEREIRA - Qualidade em xeque


Qualidade em xeque
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 18/09/11

O resultado do mais recente Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que revelou um incrível desnível das escolas públicas em relação às escolas privadas do país, além de colocar em discussão a qualidade do ensino em si, está também acendendo o debate sobre a eficácia dos diversos mecanismos de avaliação da educação no país.

O movimento "Todos pela Educação", aliança de empresários brasileiros cujo objetivo é garantir educação básica de qualidade para todos os brasileiros até 2022, ano do bicentenário da Independência, está aprofundando uma análise das avaliações, pois há pesquisadores questionando os resultados medidos pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) ou pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

Questões de amostragem podem pôr em xeque os avanços registrados, que, embora para o ministro da Educação Fernando Haddad pareçam evidentes, são questionados por educadores.

O Brasil ficou em 53º lugar, entre 65 países, numa prova que avaliou a capacidade de leitura de alunos de 15 anos. O Pisa ainda avaliou habilidades em Matemática e Ciências.

Mas, segundo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil teve "um grande ganho" na nota de leitura nos últimos anos. Apesar disso, ainda fica atrás de Chile (44º ), Uruguai (47º ), Trinidad e Tobago (51º ) e Colômbia (52º ). Em Ciências, os estudantes brasileiros obtiveram 405 pontos, e, em Matemática, 386 (contra 600 da China).

Fernando Veloso, especialista em educação do IBRE/FGV, lembra que os resultados do Enem, por ser este um teste voluntário, não devem ser interpretados como uma medida de qualidade do ensino médio. Para analisá-la, seria melhor usar os resultados do Pisa e do Ideb, que se baseiam em amostras representativas do total de alunos.

Veloso diz que os resultados do Pisa e do Ideb mostram "uma evolução da qualidade da educação no Brasil, embora ainda lenta, principalmente no ensino médio".

Os resultados recentemente divulgados da prova ABC, que avalia leitura, escrita e Matemática ao fim do 3º ano do ensino fundamental, também mostram enorme disparidade no desempenho das escolas públicas e particulares, assim como revelou o Enem.

Embora possam refletir diferenças de gestão, Veloso diz que elas estão relacionados às diferenças nas condições socioeconômicas dos alunos das redes pública e particular.

Como desenhar intervenções que reduzam o impacto das condições socioeconômicas no desempenho dos alunos é uma questão muito debatida hoje nos EUA, diz Veloso. Têm surgido experiências promissoras, que combinam maior duração do dia e do ano letivos, avaliações frequentes de professores e alunos e preocupação em estimular características como disciplina, motivação e persistência.

O ponto importante, diz, é que as intervenções de sucesso consistem em uma combinação de determinadas ações adaptadas a cada contexto específico. "Portanto, são algo muito diferente de simplesmente abrir novas creches ou aumentar o tempo na escola".

Na mesma linha vai o educador Arnaldo Niskier, ex-secretário estadual de Educação e membro da Academia Brasileira de Letras. Embora admita que a escola está sendo submetida a avaliações de todo o tipo, "o que é um mau, toma um tempo precioso do que interessa mesmo, que é dar aula, ministrar conhecimento", Niskier lembra que o país viveu "sem avaliação 500 anos e nunca se teve instrumentos para se medir com precisão o que deveria ser feito para melhorar a qualidade do ensino, que é o que está em jogo".

O que é inequívoco, diz, é que para quem tem uma escola boa, qualquer que seja a avaliação, o resultado será o mesmo. "É o caso do São Bento, uma escola de qualidade há cem anos, baseada numa educação humanista".

Ele cita várias razões para os avanços e recuos do ensino, especialmente a formação dos professores: "Eles são muito mal remunerados e mal formados no início da carreira, e não têm a formação continuada que nos países desenvolvidos é permanente. Se o professor não se atualiza, o aluno perde o respeito intelectual pela figura do mestre".

Niskier lembra que o Rio já teve a liderança pedagógica do país, e que, de uns tempos para cá, enquanto o ensino privado vai bem, o ensino público no estado "é caótico".

Frisa que o colégio São Bento, considerado o melhor do país, tem tempo integral: o aluno entra às 7h30m e sai às 18h20m. No sistema público, o máximo são quatro horas.

Para Niskier, nas escolas particulares bem colocadas no Enem "se pratica a disciplina de forma bastante séria, em que o aluno não é dono da escola; quem manda é o professor. Nas públicas é onde ocorrem os maiores fenômenos de indisciplina e violência, por distorção de prioridades".

Para o educador, "o Brasil não pode dormir tranquilo com sua educação nos últimos lugares no âmbito internacional. A economia está crescendo, oferecendo novas oportunidades, mas vamos bater em uma barreira que é a ausência de recursos humanos qualificados".

João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, considera que os dados do Pisa revelam que nossos alunos sabem ainda menos Matemática que Português. O Pisa é para alunos de 15 anos, e o Enem, para quem têm em torno de 17 anos; portanto, são aplicados a gerações muito próximas.

"Os resultados de um são espelhados no resultado de outro. E, claro, refletem que não houve mudanças na educação que justificassem mudanças nos resultados".

Ele diz que a estabilidade das avaliações reflete a boa qualidade dos testes: testes bem feitos só mudam muito se houver mudanças dramáticas num sistema educacional. Diz que há poucas semanas o "Todos pela Educação" apresentou pesquisa com alunos do 3º ano em 2011, "cujos dados mostram que a aprendizagem continua muito baixa".

Para Oliveira, "salvo milagre, a continuar como vão esses alunos, daqui a nove anos eles vão repetir esses resultados no Enem". Em síntese, diz, "não há nada no panorama educacional brasileiro que justifique razão para otimismo".

O nome correto do presidente do IBP é João Carlos França de Luca, e não José Carlos como escrevi na coluna de ontem.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA


Pesos e medidas
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SP - 18/09/11

Em conversa com auxiliares, Dilma Rousseff avaliou ter sido um erro optar, na formação do governo, por manter quase todos os partidos nos ministérios que ocupavam na gestão anterior. Para defender seu ponto de vista, a presidente citou distorções como o fato de o PR, uma sigla de porte médio, comandar o robusto Ministério dos Transportes, que só lhe foi dado, lá atrás, numa deferência de Lula ao vice José Alencar.
O PP abocanhou as Cidades mais ou menos na época em que, num acidente de percurso, elegeu o presidente da Câmara. Hoje, a representação da legenda no Congresso está aquém do tamanho da pasta.

Para mais O Esporte era pouca coisa quando foi dado ao diminuto PC do B. Mas agora há Copa e Olimpíada, e o partido, que tem ainda a Embratur e a Agência Nacional do Petróleo, está superdimensionado no governo.

Para menos Dilma reconhece que, por essa lógica, quem está subrepresentado na Esplanada é o PMDB.

Em tempo Na transição, um dos defensores do modelo "cada macaco no seu galho", que replicou em boa medida o desenho partidário do ministério de Lula, foi o vice Michel Temer (PMDB).

Dupla dinâmica A parceria entre Francisco Dornelles (PP-RJ) e Lindberg Farias (PT-RJ) em repetidas e tensas reuniões no Senado sobre a partilha dos royalties do petróleo rendeu-lhes o apelido de "Batman e Robin".

Duelo? Depois da retirada da candidatura de Jovair Arantes (PTB-GO), outros dois deputados devem desistir de concorrer a uma vaga de ministro do Tribunal de Contas da União: Sérgio Brito (PSC-BA) e Vilson Covatti (PP-RS). Restarão ainda seis nomes inscritos para a eleição desta quarta no plenário da Câmara, mas a disputa real deve se dar entre Ana Arraes (PSB-PE) e Aldo Rebelo (PC do B-SP). Isso se Aldo também não mudar de ideia.

Calculadora A CNB, corrente majoritária do PT, se reúne amanhã para discutir a eleição de 2012. Será a segunda tentativa de referendar Fernando Haddad como candidato do grupo à prefeitura paulistana. Mas não há consenso. "A chance é de 50%", arrisca um aliado do ministro da Educação.

Arquibancada 1 Geraldo Alckmin abriu consulta aos presidentes dos grandes clubes de futebol sobre o projeto que libera a entrada de bandeiras nos estádios, aprovado pela Assembleia paulista. Antes de vetá-lo ou sancioná-lo, o tucano quer saber se os cartolas consideram viável a mudança, desaconselhada pela Polícia Militar.

Arquibancada 2 Do seu time do coração, o Santos, o governador recebeu sinal verde. Luis Álvaro Ribeiro disse acreditar que a festa nos gramados ficará valorizada com a medida. O mesmo afirmou Andrés Sanchez, que preside o Corinthians.

Preliminar O comitê organizador local convocou as sedes da Copa amanhã ao Rio para transmitir novas instruções sobre segurança nas arenas. A ideia é explicar as diretrizes da Fifa aos dirigentes regionais antes da conferência unificada sobre o tema promovida pelo Ministério da Justiça, na sexta-feira, em Porto Alegre.

Boleiros Mais dois ex-jogadores devem se aventurar nas eleições para as Câmaras Municipais em 2012. Zé Elias (ex-Corinthians) é cortejado pelo PPS para disputar vaga de vereador na capital paulista e Washington (ex-São Paulo e ex-Flu) se filiou ao PDT de Caxias do Sul (RS).
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Nós achávamos que o 'caçador de marajás' havia se convertido à democracia, mas parece que não. Será que tem mais uma Elba da qual ele não quer que o país saiba?"
DO DEPUTADO ANDRÉ VARGAS (PT-PR) sobre Fernando Collor (PTB-AL), que ironizou a defesa petista da Lei de Acesso à Informação, cuja votação o senador tenta adiar, lembrando que o partido reivindica marco regulatório para a mídia.

contraponto
Manda quem pode

Na recente sabatina do novo diretor-geral do Dnit, o senador Blairo Maggi (PR-MT) discorria sobre a dificuldade em fazer uma rodovia em região de Mato Grosso onde há uma reserva indígena.
-Os índios, na época, não permitiam a passagem. Mas essa mudança tem praticamente vinte anos que foi feita. A gente conhece os índios muito bem, eles eram muito amigos do meu pai. Tem até um lá que se chama Blairo.
Eduardo Braga (PMDB-AM) não perdeu a deixa:
-No mínimo, ele é o cacique da tribo!

JOSUÉ GOMES DA SILVA - Humor é coisa séria


Humor é coisa séria
JOSUÉ GOMES DA SILVA
FOLHA DE SP - 18/09/11 

Um intelectual certa vez disse: "Sorria dentro de uma fortaleza e ela desmoronará". Recente episódio ocorrido na Síria, cujo povo está lutando pela democracia, mostra que esse pensamento é verdadeiro.
O chargista Ali Ferzat foi espancado e teve as mãos quebradas em ataque chamado pelos agressores de "advertência". Seu "crime"? Veiculava pela internet mordazes críticas aos ditadores do mundo árabe. Os autores da barbárie temem o que diz o pensamento e conhecem o poder do humor.
Sempre tive fascínio pela capacidade desses artistas em levar-nos a pensar sobre os mais diferentes aspectos da vida. O humor é forma vigorosa de impactar as pessoas, fazendo captar -pelo riso- o que é sério, está errado e precisa ser corrigido. É impressionante a capacidade do criador gráfico que, em reduzido espaço, abre a ferida do momento político, econômico e social.
Uma das primeiras coisas que faço todos os dias é ler os jornais. Mesmo que falte tempo para ler as reportagens, não deixo de ver as charges; é uma forma rápida de obter informação e começar o dia com bom humor. E o Brasil é berço de grandes artistas desse gênero, que têm defendido nossos mais importantes valores.
Desde o século 19, quando nos fizeram rever o ranço social deixado pelo Império, passando pela República e até os dias de hoje, com poucos traços e palavras, seus desenhos denunciam impostores, censuram maus políticos e administradores públicos, ridicularizam o nonsense, mas também aplaudem os positivos feitos da humanidade.
Chargistas e cartunistas são legítimos porta-vozes do sentimento popular. Seus trabalhos são um canal onde o povo se manifesta, demonstrando sua opinião contra ou a favor.
Cartuns e charges sempre enfrentaram adversidades. No início, na Europa, foram rejeitados no universo da arte por desrespeitarem as leis da estética e serem "meros provocadores". Até hoje, seus autores ainda enfrentam agressões físicas e conceituais nos regimes totalitários.
No Brasil, o panorama é totalmente oposto. Chargistas, cartunistas, quadrinistas e caricaturistas brasileiros e de outros 60 países estão reunidos em nova edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no interior paulista. O clima é de plena liberdade criativa, com expressiva integração de artistas e visitantes que vivenciam o "rir é o melhor remédio".
Comparando o ambiente do Salão de Piracicaba com o triste episódio envolvendo o artista sírio Ali Ferzat, cabe a pergunta: até quando vão acontecer atrocidades desse tipo? É preciso garantir a sagrada liberdade de expressão, um direito de todos nós. E se tiver bom humor, ainda melhor!

LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO - Com ou sem gás


Com ou sem gás 
LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO
O ESTADÃO - 18/09/11


– Uma mineral – pediu o homem.

– Com ou sem gás?

– Pois é. Decisões, decisões... Com gás. Não, sem. Com.

– O senhor quer couvert?

– Não precisa. Ou então traga, sim. Mas só pão.

– Não quer manteiga? Talvez umas azeitonas?

– Isso. Azeitonas.

– Verdes ou pretas?

– Ah, pode escolher? Verdes. Não, pretas. Verdes. Não importa. Traga as duas.

– O senhor precisa se definir.

– Eu sei, eu sei. É que nem sempre é fácil...

– E a manteiga. Vai querer?

– Hmm. Deixa ver. Você precisa da resposta agora?

– Sim, senhor.

– Manteiga, manteiga... Não. Manteiga não. Ou sim.

– Sim ou não?

– Calma. As escolhas não podem ser assim, definitivas, meu caro. Por exemplo: você quer ser enterrado ou cremado?

– Ainda não pensei nisso.

– Pois é. Eu penso nisso a toda hora. E ainda não cheguei a uma conclusão. Você acredita em vida depois da morte?

– Acredito.

– Eu não sei se acredito. Acredita em Deus?

– Acredito.

– Não tem nenhuma dúvida a respeito?

– Não.

– Eu não sei se acredito ou não.

– Olhe, o prato do dia hoje é filé de peixe a dorê com batatas.

– Pode vir.

– As batatas podem ser fritas ou cozidas.

– Hmm. Certo. Eu quero fritas. Não, cozidas. Fritas!

– Molho remolado ou bechamel?

– O que?

– Com o peixe. Molho remolado ou bechamel?

– Ai meu Deus. Deixa eu pensar.

– Remolado ou bechamel?!

– Espera um pouquinho.

– REMOLADO OU BECHAMEL?!

– Você está me pressionando.

– O senhor precisa se decidir, cavalheiro.

– Eu sei. Pensa que eu não sei?

– Remolado ou bechamel?

– Assim não dá. Querem que a gente tenha opiniões definitivas. Como se tudo pudesse ser decidido assim, na hora. Pena de morte, sim ou não? Pagode, sim ou não? Liberação da maconha, sim ou não? Remolado ou bechamel? Mineral com gás ou sem gás é apenas o começo. Depois querem que eu me posicione a respeito de tudo. Pois não lhes darei essa satisfação. Não quero água mineral nem com gás nem sem gás. Vou tomar vinho!

– Tinto ou branco? – Tinto. Branco. Tinto. Não, branco.

– Seco ou frutado? – Suspende o almoço!

MÔNICA BERGAMO - CHAPA ALVINEGRA


CHAPA ALVINEGRA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 18/09/11

A escola de samba Gaviões da Fiel diz não ter medo de ser acusada de chapa branca ao homenagear Lula no Carnaval 2012

A escola de samba Gaviões da Fiel já está em velocidade máxima nos preparativos de seu desfile de Carnaval de 2012. O ex-presidente Lula, num carro alegórico, será a estrela do samba, que contará a sua vida. Ou melhor, só "a parte linda e bonita da história dele", segundo revela Antônio Alan Silva, o Donizete, presidente da agremiação, à repórter Lígia Mesquita.

Mensalão? Nada disso. Quebra do sigilo do caseiro Francenildo? Nem uma alegoria a respeito. Protestos? Só os que Lula comandou contra os outros em seus tempos de sindicalista. O ex-presidente, corintiano de carteirinha e padrinho do bilionário Itaquerão, o tão sonhado estádio do Timão, será reverenciado na avenida com os slogans "Verás que o Filho Fiel Não Foge à Luta" e "Lula, o Retrato de uma Nação".

"Vai meu gavião... cantando a saga do menino sonhador/ Um filho do sertão, cabra da peste... irmão/Que Deus pai iluminou", diz a letra de uma das músicas que concorrem a samba oficial da escola. "Companheiro fiel/ Por liberdade/ Na corrente do bem/ Contra a maldade", segue o refrão.

O abre-alas, com o título A Despedida do Carcará e do Escorpião em Busca do Mundo Melhor, representará a saída de Lula, criança, de Garanhuns, em Pernambuco -o ex-presidente é do signo de escorpião. Uma das alas subsequentes terá componentes com fantasias inspiradas no animal. a Lula vai desfilar no último carro alegórico. Não tem fantasia -vai vestido como quiser. "Meu sonho é que ele venha de sandálias havaianas", diz o carnavalesco Igor Carneiro, um dos responsáveis pelo desfile, ao lado de Delmo de Moraes e Fabio Lima. Perto do petista, passistas vestirão chapéus com garrafas de cerveja. "A ala vai representar tudo o que ele gosta, tudo o que todo torcedor gosta." Vai se chamar Futebol e Carnaval.

Entre as duas pontas do sambódromo paulistano, 4.500 integrantes devem desfilar no sábado, 18 de fevereiro. Lula é um chamariz poderoso. "O número de destaques pulou de 40 em 2011 para cem em 2012", diz Carneiro. E já há uma lista de espera de 20 mulheres, segundo Cida Araujo, diretora de comunicação da Gaviões. As fantasias começam a ser vendidas amanhã, com preço em torno de R$ 500 -as de destaque, a partir de R$ 2.000.

A literatura de cordel foi fonte de pesquisa para a comissão de Carnaval da escola. "Usamos as referências principalmente da luta do bem contra o mal na primeira parte do desfile. Isso vai aparecer exageradamente no carro da democracia em duelo contra a ditadura", afirma Carneiro. E no uso de trajes típicos nordestinos e tecidos como chita e juta.

Dona Lindu, mãe de Lula, é a inspiração para a tradicional ala das baianas, que terá o nome Mãe Terra, Mãe Coragem, Pátria Mãe.

A bateria sairá com macacões com desenhos de engrenagens, inspirados nos uniformes de operários. Lula trabalhou em uma fábrica no ABC paulista.

O sindicalismo aparecerá logo na primeira parte do desfile, em uma fantasia que destaca a placa "Greve Geral". Já a ala Fundação de um Partido para os Trabalhadores terá a cor e a estrela do PT. Só não terá o nome da legenda. "Não vamos fazer propaganda política", afirma o carnavalesco Delmo de Moraes.

O carro alegórico A Esperança Venceu o Medo traz um Rolls Royce preto, veículo oficial usado na posse presidencial, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.

"Daí em diante, começa o quarto setor do desfile, que fala do sentimento do povo e da autoestima", explica Carneiro. É nessa hora que irão surgir no Anhembi fantasias como Diploma de Brasileiro. "Com o Brasil aparecendo, o Lula devolveu ao povo o orgulho de dizer que é brasileiro." A Copa 2014, no país, e a Olimpíada 2016, no Rio, surgem na ala O Brasil no Mapa.

O final da apresentação fará a ligação do fundador do PT com o Corinthians. O ex-presidente desfilará ao lado da mulher e de seus convidados no último carro, que trará a imagem de são Jorge, padroeiro da equipe paulista.

Lula se reuniu com os carnavalescos e a diretoria da agremiação há dois meses. "Ele ficou emocionado, dava pra ver os olhos lacrimejando. Ele não fez nenhuma objeção e foi muito simpático. Chamou todo mundo pra entrar na sala", diz Moraes. "A gente assustou quando ele brincou com o horário do desfile. Ele falou: 'Se for muito tarde...' e fez uma pausa. Aí continuou: 'Não vou poder levar as crianças!'. E todo mundo riu", lembra Carneiro. >> Veja a primeira eliminatória dos sambas-enredo e a entrevista com os carnavalescos
folha.com/no976023

LINDA E BONITA

Antônio Alan Souza Silva, presidente da Gaviões da Fiel, falou à coluna:

Folha - Não teme desagradar quem não gosta do Lula?
Antônio Souza Silva - Nem Jesus agradou a todo mundo. Mas tenho certeza que a grande maioria tá muito feliz aí com nossa escolha.

Quem está patrocinando?
A gente usa os recursos que todas as escolas têm, que vêm da Liga das Escolas de Samba. E estamos tentando captar outros.

Com quem?
Isso é um trabalho particular e a gente prefere não expor para não atrapalhar as negociações. Além da nossa cerveja [Nova Schin], não temos ninguém ainda.

Qual o valor estimado?
Não sei. Mas pode ter certeza de que o investimento é muito grande.

A Gaviões não corre o risco de ser acusada de chapa branca?
Não vimos pelo lado político. Não estamos fazendo marketing. Essa escolha foi feita pelo fato de ele ser corintiano e ter uma história muito bonita.

O mensalão vai aparecer?
O mensalão não.

Por que nenhuma crítica?
Acima de tudo, a gente vai contar a parte linda e bonita da história de vida dele, entendeu? É só isso que nos interessa.

GAUDÊNCIO TORQUATO - Nascem flores no pântano


Nascem flores no pântano
GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 18/09/11

A flor de lótus nasce no pântano. Exibe beleza e força. Das águas lodosas desabrocham flores brancas, imaculadas, uma perfeição da natureza. A imagem da flor foi usada, faz bom tempo, neste espaço para expressar a crença de que no meio do caos há uma réstia de esperança. A frase era: "A política chegou ao fundo do poço em matéria de moral. Mas não morreu a esperança de nascer uma flor no pântano". Saulo Ramos, jurista e sábio, e também um incréu, pinçou a alegoria em seu livro Código da Vida para atribuí-la aos "puros, os poetas, os idealistas", não sem fazer votos para que "eles tenham razão" na pregação.

Pois bem, a política continua cercada de lama por todos os lados, mas são inegáveis as flores que nascem aqui e ali, sob os cuidados atentos de uma gente de fé que junta forças e motivação para deixar o conforto de sua casa e organizar uma Marcha Contra a Corrupção, dando-se as mãos, erguendo faixas, ecoando palavras de ordem, clamando por decência. As manifestações do dia 7 de setembro, em Brasília e em outras regiões, mostram que o Brasil está longe de ser um gigante adormecido em berço esplêndido. Fazia tempo que não se distinguiam, em rostos juvenis, as cores verde e amarela, traços da estética cívica que o Brasil tem gravados desde os tumultuados idos do impeachment de Collor.

Há uma chama iluminando parcela considerável da consciência social. Ou, para usar outra imagem, um rastilho de pólvora se infiltra em numerosos espaços, pronto para receber o fósforo da explosão. A escalada ética que se descortina neste instante é emoldurada, de um lado, pelo desenho da assepsia que a presidente Dilma Rousseff realiza em estruturas críticas da administração federal e, de outro, por atos corporativos como o da Câmara ao inocentar a deputada federal Jaqueline Roriz, flagrada em indecoroso gesto de receber dinheiro suspeito.

A mobilização social pela moralização de costumes e práticas na política ganha volume ao impulso das redes sociais, sendo este, aliás, um fenômeno que se amolda ao modo de pensar e agir das correntes da sociedade. O fato é que os milhões de internautas que usam cotidianamente as redes tecnológicas da comunicação - beirando 50 milhões de pessoas - configuram um poderoso núcleo irradiador de informações e visões e, como tal, funcionarão como pulmões a oxigenar o coração da opinião pública. Não há mais como deixá-los à margem do processo comunicacional brasileiro. Doravante deverão ser avaliados sob o prisma da articulação e da mobilização, sendo demonstração cabal de seu poderio a convocação da Marcha Contra a Corrupção, sob a égide exclusiva das teias sociais.

Ao lado do fator tecnológico, que confere ao Brasil posição de destaque no ranking da internet mundial, é oportuno atentar para a organicidade social. O País alcança grau elevado no que concerne à organização de grupos, núcleos, categorias profissionais, gêneros, raças e etnias. O IBGE acaba de catalogar 338 mil organizações não governamentais. Adicione-se o exército composto pelos batalhões informais para contabilizar cerca de meio milhão de entidades jogando fermento na massa nacional.

Voltemos às flores do pântano, para lembrar que sua proliferação se deve, também, ao denso composto organizacional aqui formado. É inegável que os últimos ciclos governamentais privilegiaram a articulação com movimentos da sociedade, que foram incentivados a tomar assento na mesa de políticas públicas e em foros de participação política. Reforço a essa estratégia foi proporcionado pelo universo político, na esteira de crises intermitentes que o consomem e que se apresentam ao crivo da opinião pública sob o desfile de denúncias de abusos, desvios, flagrantes de conchavos, prisões escandalosas, etc.

Nossa democracia representativa vive o clímax de sua crise crônica. Eventos negativos se sucedem. A escatologia da política pantanosa transparece em exibições midiáticas e, agora, frequenta a lupa de milhares de olheiros e analistas das redes, que não se furtam a expressões virulentas contra os atores flagrados com a boca na botija. Portanto, ante o refluxo e o descenso do poder centrífugo - o poder das instituições políticas - emerge, abrindo novas fronteiras, um poder centrípeto, que se movimenta a partir das margens sociais em direção ao centro. No espaço intermediário da pirâmide social - e essa é a observação a frisar - abrigam-se novos grupamentos médios, vindos de baixo, os quais começam a se iniciar nas artes e técnicas usadas pelas classes tradicionais. Essa faceta da composição social passa a gerar efeitos sobre o modo nacional de pensar. A dedução é que as marolas no meio da lagoa pantanosa se multiplicam, com possibilidade de deflagrar uma cadeia homogênea de pressões e interações, as quais, por sua vez, fazem o papel de filtro contra o lodo.

É interessante observar que o dicionário da política, antes restrito a meia dúzia de letrados, começa a ganhar locução aberta e irrestrita nas redes da internet. Conceitos como reforma política, sistema de voto, qualidade da representação, renovação e até posições individuais de atores políticos passam a ser acompanhados de maneira atenta. E essa corrente pode vir a alargar as ondas da reforma política. Com maior clareza sobre coisas como voto em lista, voto distrital, distritão, tais instrumentos poderão compor o debate imediato sobre essa reforma, principalmente quando lideranças, como Lula, se dispõem a colocar a temática na agenda nacional.

O fato auspicioso é que a consciência cívica dá sinais de alerta nestes tempos de intensa mudança de quadros, troca de ministros e de mutirões de mobilização, destinados a permanecer nas redes sociais. No dia 12 de outubro, a convocação pela via eletrônica sinalizará uma nova marcha, desta feita pela educação e contra a corrupção.

Não há por que deixar de crer - e ver - que resplandecem flores no pântano.

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Ainda avionando


Ainda avionando
JOÃO UBALDO RIBEIRO
 O Estado de S.Paulo - 18/09/11

É claro que aquele papo da semana passada, sobre saudades dos tempos do bom e velho DC3, é meio fantasioso. Talvez para poder achar que a vida foi melhor do que efetivamente foi, a gente filtra as lembranças, amenizando as más e romantizando as boas. Mas a verdade é que não desperta muita saudade recordar o bom o velho DC3 baloiçando ao vento debaixo de chuva, com a senhora ao lado deitando os burros n"água não tão discretamente, a boca colada num saquinho de papel. E as viagens longas eram muito chatas, apesar do serviço de bordo extraordinariamente caprichado sob qualquer ponto de vista, muito especialmente os padrões de hoje. Faziam tudo para entreter os passageiros (cinema a bordo era quase ficção científica), até mesmo a festa da diplomação dos que estavam cruzando o equador pela primeira vez. Recebiam um diploma personalizado, assinado por Netuno, champanhe ilimitada de graça e bagulhinhos sortidos.

Na verdade, o serviço era tão bom que, com toda a certeza, uma das lenga-lengas de coroa mais ouvidas pelos jovens é sobre como esse serviço era fantástico. Para estes tempos da barra de cereal, era fantástico mesmo, guardanapo de pano, talheres de metal, aperitivos diversos, menus a escolher e vinhos também, além de espaço para usar isso tudo - na classe econômica. Hoje, como se sabe, o destino de alguns viajantes mais duros ou mais pães-duros já é pagar pelo banheiro. E uma companhia pequena, não lembro onde na Europa, está testando viagens curtas com o passageiro em pé. Em pé, apoiado num encosto especial, quase vertical, em que ele amarra o cinto. Acho que há uma alça para ele se segurar, como no metrô, e não sei a que mais confortos tem direito, talvez apenas o de ser despejado no aeroporto de destino, provavelmente na esteira da bagagem. E estou esperando a qualquer momento aparecer uma companhia aérea oferecendo a classe supereconômica, em que os passageiros viajarão em engradados (muito cômodos e, em mais uma atenção ao freguês, forrados de espuma de borracha).

Bem verdade que, houve, em voos da Varig, até churrascos na brasa, preparados numa churrasqueira por um gaúcho a caráter (eu tenho foto para provar, porque sei que acham isso uma certa extravagância - e era, mas não minha), mas daí a querer viajar nas condições técnicas de antigamente, a não ser uma vezinha, para rememorar, a distância é grande. Suspeito igualmente haver certa dose de exagero nas histórias que ouço sobre os Electras da velha Ponte Aérea, que tinham uma espécie de lounge na parte de trás. De fato, muita gente viajava ali, bebericando, fumando e jogando conversa fora, como num boteco fino. Mas acho que não é verdade que havia quem comprasse passagens para a tarde toda e ficasse voando até o último horário da noite.

E, enfim, a respeito de voos de antigamente, tenho uma história, não sei se verídica, que me foi contada há muitos anos, não lembro mais por quem. Ela me foi passada como a expressão da verdade. Deu-se que, num avião de passageiros de antigamente, decerto anterior ao próprio DC3, começou a espalhar-se pela cabine um cheiro de banheiro sujo insuportável. Havia dois banheiros, um em frente ao outro. Investiga-se o assunto, um esperto comissário de bordo descobre que um dos vasos estava entupido, daí aquela fedentina mortal. Usando a criatividade brasileira, o comissário pensou um bocadinho e se lembrou dos extintores de incêndio, daqueles de boca larga e pressão de não sei quantas libras. Claro, um disparo de arma tão poderosa empurraria toda aquela porcariada lá para baixo, solucionando a desagradável situação. Mira cuidadosamente feita, postura de atirador de bazuca assumida, o comissário deu no gatilho. Um estrondo, seguido de um ploft-ploft, ecoou na cabine. O comissário espiou o vaso, olhou para os passageiros que acompanhavam a ação e sorriu, apontando o polegar para cima. Uma salva de palmas é iniciada, mas aí se notou algum barulho ou movimento no banheiro em frente ao recém-desentupido. Silêncio curioso de todos, um pequeno instante de suspense, enquanto a porta desse banheiro se abre muito devagar e dele sai um senhor de paletó e gravata, com a cara de choro e coberto de cocô.

Não imagino que esse tipo de acidente fosse comum naqueles tempos heroicos, mas recontá-lo faz as saudades diminuírem bastante. Até as canetas-tinteiro usadas por todo mundo tinham que ser encaradas com cautela, porque a mudança de pressão durante o voo fazia com que elas vazassem e estragassem a roupa do portador. As melhores companhias ofereciam uma capinha especial, de material absorvente, para o freguês guardar sua caneta. Enfim, sem dúvida a era do jato é infinitamente melhor.

É o que penso, enquanto apalpo os bolsos e remexo a sacola, para ver, pela décima vez, se os papéis estão no lugar. Sou representante da numerosa categoria chato a jato e fico insuportável durante quase toda a viagem, inclusive com pesadelos em que esqueço o passaporte e acordo de repente, para procurá-lo, com a certeza de que nunca mais vou vê-lo e serei preso ao desembarcar. Mas isso é uma simples neura individual, a viagem é outra coisa, macia e silenciosa, sem nenhum dos sobressaltos de outrora.

Mas, ai de nós, nada nesta vida é perfeito. Lembro o que vou fazer nesta viagem. Vou fazer algo que sempre insistem que eu faça: explicar o Brasil a uma educada plateia estrangeira, que acha que todo brasileiro mora na Amazônia e está mentindo, se disser que não come ninguém, pois claro que come, só que literalmente. Cheguei a pensar em não mais aceitar esse tipo de missão, mas por que não? Dança-se conforme a música. Até porque não tem importância, pois, quando se conta como é Brasil, ninguém acredita mesmo em nada.

JANIO DE FREITAS - O mundo se debate


O mundo se debate
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 18/09/11 

É improvável que, ao fim da Assembleia da ONU, Obama seja o mesmo, tanto faz se mais forte ou mais fraco


Há farta e fértil reserva de novidades internacionais, nelas envolvida a política externa brasileira, a se iniciarem nos próximos dias a partir da Assembleia Geral da ONU, para cujo discurso inaugural a presidente Dilma Rousseff viajaria ontem a Nova York.
Além de sua continuada presença de mais de 60 anos como um dos temas centrais da ONU, o conflito Israel versus palestinos chega ao debate mundial com configuração crítica, inclusive projetando reflexos poderosos no futuro de Barack Obama.
A "Primavera Árabe", porém, apenas se inaugura, mas já o faz como tema relevante, ao juntar suas tantas incógnitas às provenientes do Irã e sua imprecisa nuclearização -neste ponto, encontra-se uma novidade brasileira.
A cautela do ministro Antonio Patriota, em contraste com a afoiteza desinibida do antecessor Celso Amorim, explica sua afirmação de que "as linhas básicas permanecem as mesmas", ao responder a Fernando Rodrigues (para a parceria Folha-UOL) sobre a política externa brasileira, em particular a relacionada ao Irã.
"O reconhecimento de que existe um problema de desconfiança", disse sobre sua referência anterior a "temores com algum fundamento" do programa iraniano, "é um reconhecimento que sempre existiu da parte do Brasil".
Lula, sobretudo, e também Amorim foram sempre afirmativos de sua certeza dos fins apenas pacíficos e econômicos da aplicação iraniana a um projeto nuclear. As conservadas "linhas básicas" devem ser entendidas, portanto, como alicerces que permanecem, mas o que se ergue sobre eles é diferente.
Os primeiros pilares dessa base, é bom lembrar, completam 50 anos neste 2011, como parte do cinquentenário do governo e renúncia de Jânio Quadros. A "Política Externa Independente" foi a mais importante (e corajosa) inovação trazida por Jânio. Hoje é inimaginável o que significava e o que exigia em um país geograficamente situado nos domínios dos Estados Unidos na Guerra Fria. Aquela política motivou os primórdios golpistas americanos e brasileiros concluídos em 1964, quando o Brasil voltou a vestir avental e touca nas dependências de serviço do Departamento de Estado.
Até hoje não se sabe da exatidão ou equívoco das convicções de Lula e Amorim. Sabe-se que, em uma ou outra hipótese, eram precipitadas: o Brasil não dispunha de comprovação da finalidade apenas doméstica da nuclearização iraniana, como atestam a desconfiança agora admitida e sua única razão possível.
Se combinada com a precaução no caso da Líbia, em vez do esperável engajamento do governo Lula em defesa de Gaddafi contra o belicismo voraz de franceses e ingleses, são desnecessários outros exemplos para constatar que a construção sobre os antigos alicerces tem diferenças importantes.
Não na estratégia, ao que tudo sugere, ao contrário do que se passa com Obama e seu governo. Depois de tanto reiterar que a solução para o conflito Israel versus palestinos são dois Estados, Obama avisa: usará o poder de veto dos Estados Unidos contra o reconhecimento do Estado palestino, se reivindicado agora na ONU, como promete a Autoridade Palestina. É a campanha reeleitoral em ação.
Obama inverte-se para não contrariar o Aipec, o fortíssimo lobby israelense nos Estados Unidos, com reconhecida capacidade de direcionar até decisões da Câmara de Representantes e do Senado, por seu poder econômico e influência nos meios de opinião e propaganda.
Em contrapartida, no entanto, a tendência é que a imagem de Obama sofra desgaste não só em parte do seu eleitorado, como no já abalado prestígio nos países numerosos que têm apoiado a ideia dos dois Estados.
É improvável que, ao fim da Assembleia, Obama seja o mesmo de hoje, tanto faz se mais forte ou mais fraco.
Enfim, uma Assembleia da ONU que volta à perspectiva de produzir alterações na disposição política do mundo.

CLÓVIS ROSSI - Dois Estados, nenhuma paz?


Dois Estados, nenhuma paz?
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 18/09/11

Ação palestina na ONU muda o jogo numa região hipersensível, mas EUA já anunciaram veto ao pedido


A AUTORIDADE PALESTINA tem uma boa coleção de motivos para reivindicar, na semana que vem, a concessão pelas Nações Unidas do status de membro pleno (hoje é apenas uma "entidade observadora não-membro").

Lista não exaustiva de motivos:

1 - Em 1948, resolução da própria ONU determinava a criação de dois Estados, um para os judeus, outro para os árabes. O Estado de Israel foi de fato criado. O palestino não saiu do papel nesses 63 anos.

2 - Israel foi comendo fatias do território destinado aos palestinos, a ponto de hoje, segundo cálculos de uma ONG (israelense) de direitos humanos, a B'Tselem, cerca de 500 mil israelenses viverem em áreas que deveriam ser dos palestinos.

"A cada dia que os palestinos esperam um Estado por meio de negociações [com Israel], outra lasca desse Estado é absorvida por Israel. Em poucos anos mais, praticamente nada restará", escreve Reza Aslan, ativista iraniano-americano considerado um dos principais especialistas na região.

3 - As negociações com Israel -o outro meio de obter o Estado palestino- estão estancadas há 18 anos.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, vê a obtenção do status de Estado como um meio de forçar a retomada de negociações em termos menos desfavoráveis aos palestinos.

Escreveu Abbas em maio: "A Palestina estaria negociando na posição de membro das Nações Unidas cujo território está militarmente ocupado por outro, e não como um povo derrotado".

Motivos à parte, a questão seguinte é saber se os palestinos obterão o Estado desejado. A resposta é não. Para ser membro-pleno da ONU, é preciso uma recomendação do Conselho de Segurança à Assembleia Geral. Os EUA já anunciaram o veto à proposição palestina.

A alternativa seria pedir à Assembleia Geral que conceda aos palestinos o caráter de "Estado observador não-membro", o que já é mais que "entidade", o rótulo atual.

Se o objetivo, de qualquer forma, é retomar a negociação, o estado de ânimo das duas partes não parece nada favorável. Michael Cohen, pesquisador do Projeto de Segurança Americano, que acaba de regressar de viagem a Israel, resume os sentimentos de cada lado, no site da revista "Foreign Policy": "Os israelenses estão completamente cegos ou desinteressados da humilhação [aos palestinos] que é a característica da ocupação israelense. Horas gastas em check-points, revistas pelos soldados israelenses e bloqueios nas estradas que restringem os movimentos e transformam o que seria uma curta viagem em uma excursão de dia inteiro são apenas uns poucos exemplos das pequenas degradações que fazem parte da vida diária dos palestinos".

Já os palestinos "têm limitada simpatia ou avaliação do trauma causado em Israel pelo fato de viver em estado de sítio constante e com medo de ataques terroristas". É sobre esse ambiente envenenado que incide a ação palestina na ONU.

Qualquer que seja o desenlace, muda o jogo e acrescenta mais tensão e dramaticidade ao que tem sido um dos pontos mais quentes do mundo nos últimos 60 anos.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Ministério propõe união de Brics para remédios
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SP - 18/09/11

A declaração do premiê chinês, Wen Jiabao, na quarta-feira, de que a ajuda à Europa depende de contrapartida europeia, jogou água fria no projeto do ministro Guido Mantega (Fazenda) de discutir o apoio dos Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) ao continente.
Mas o Brasil já tem outra proposta para os emergentes.
O Ministério da Saúde e representantes dos outros países se reuniram em Brasília para acelerar a criação de um Banco de Preços e Patentes de Medicamentos. A ideia, de início, é disseminar informações sobre valores e licenças para produtos de saúde voltados à exportação.
Em um segundo momento, os cinco países passariam a dominar a produção de determinados medicamentos e insumos a partir do compartilhamento de tecnologias e do nivelamento de preços.
"Aumenta o poder dos Brics com a cooperação, a troca de experiências e de informações", diz Carlos Gadelha, secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde.
Em outubro, haverá outro encontro com representantes dos Brics e a OMS (Organização Mundial de Saúde), preparatório para uma reunião prevista para ocorrer no início de 2012.
O projeto seria uma ampliação do que o ministro Alexandre Padilha vem tentando fazer no país.
Neste ano, o Ministério da Saúde utilizou um banco de preços internacionais e firmou parcerias público-privadas para comprar medicamentos nacionais e importados a preços mais baixos.
Segundo o ministério, a economia foi de R$ 603,5 milhões no primeiro semestre.

ENXADRISTA E BOTICÁRIO
A Lundbeck apresenta um estudo, segundo o qual só 1,3% entre 399 genéricos registrados pela Anvisa seriam afetados caso uma decisão da Justiça a favorecesse.
A farmacêutica trava disputa para evitar a venda de concorrentes genéricos de seu antidepressivo Lexapro.
A associação Pró Genéricos tem dito que isso afetaria mais remédios, prejudicaria a indústria e pacientes.
Cinco poderiam pegar carona, por meio de jurisprudência, em eventual decisão favorável, segundo a Lundbeck. Outros, que estão em fase de pedido de registro, também teriam impacto, diz Vitor Ferreira, da Universidade Federal Fluminense, uma das que participaram.
Há interpretações distintas sobre o caso. Alguns países garantem que dados acumulados em pesquisas clínicas para medicamentos, e que são submetidos às agências de vigilância, não sejam usados por elas para a aprovação de outros.
A Anvisa diz que não usa dados do dossiê de registro do remédio de referência na análise para genéricos.
Um pedido de liminar que a Lundbeck tinha conseguido foi suspenso pelo STJ. A empresa tenta reverter.
"Nossa lei garante proteção de dados", diz Rocha. Odnir Finotti, da Pró Genéricos, discorda. "É litigação excessiva para impedir concorrência. Estão gastando tempo do Judiciário."

O QUE ESTOU LENDO
Vicente Falconi, sócio do INDG
O consultor em gestão Vicente Falconi, cujas ideias têm sido adotadas por muitas empresas no Brasil, como Gerdau e Ambev, lê "Thinking in Systems", de Donella H. Meadows. "Tudo é ou faz parte de sistemas e o entendimento desse conceito nos faz pensar e julgar melhor os temas da vida", diz o sócio do INDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial). "O livro é de fácil entendimento e o tema deveria fazer parte de todos os cursos universitários, em especial, nas áreas exatas e biológicas."

HILTON RETOMADO
Após dois anos paradas, as obras do Hotel Hilton, em Salvador, serão retomadas. A previsão da Imocon, empresa portuguesa responsável pelo empreendimento de R$ 80 milhões, é que isso ocorra até dezembro.
Problemas com o Iphan (instituto do patrimônio nacional) e a crise internacional paralisaram as obras em 2009, após dois prédios terem sido demolidos para dar lugar ao hotel, diz Duarte Sandanha, um dos diretores da empresa no Brasil.
Para recomeçar os trabalhos, a Imocon fechou parceria com uma construtora brasileira, que investirá até R$ 40 milhões.
"Agora é 100% certo que sairá o hotel. Deve ficar pronto em 2013", afirma o também diretor Marcos Ramos.

Cama, mesa e banho A rede de lojas de departamentos Havan vai abrir 23 unidades até o fim de 2012. A empresa contratará mais de 10 mil funcionários.

Ofurô O Shopping das Banheiras pretende abrir cem franquias até 2015. Serão investidos R$ 20 milhões em marketing, consultoria e seleção de franqueados.

Em construção A OSX recebe neste final de semana uma boia de 17 metros de altura. O material, da Indonésia, será parte da unidade de produção que extrairá o primeiro óleo da companhia, em Waimea, na Bacia de Campos (RJ).

Água limpa A General Water investiu cerca de R$ 3 milhões em cada um dos seis projetos para reutilização de água em SP. Os 9.000 m3 de água gerados por mês em cada projeto são usados em vasos sanitários e áreas externas.

POLÍTICA NO SALÃO DE BELEZA
Pelos corredores da feira de cosméticos Beauty Fair, realizada neste mês em São Paulo, circularam secretários, deputados, prefeituráveis, prefeito e governador.
"A presença de políticos é intensa em ano de eleição, mas neste ano também foi", diz Cesar Tsukuda, diretor-superintendente do evento.
Além de Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab, os secretários Andrea Matarazzo (Cultura) e José Aníbal (Energia) visitaram a feira de produtos de beleza.
"O setor abrange temas que atraem a classe política, como geração de emprego", diz Tsukuda. Potencial de exportação e questões tributárias estão na pauta do setor.
"Ainda somos vistos como supérfluo. A tributação de tintura de cabelo é equiparável à de bebida alcoólica."
O segmento cresce na esteira da expansão da renda na classe C, onde está alocado o maior potencial de empregabilidade entre profissionais de salões de beleza, segundo Tsukuda.
com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ