terça-feira, setembro 24, 2013

Os cozinheiros contra Hitler - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 24/09

Em 2013, é fácil atropelar Hitler em filmes de TV. Infelizmente, os alemães não o fizeram nos anos decisivos


Fez sucesso na Alemanha um comercial amador de TV no qual um carro Mercedes-Benz atropela mortalmente um jovem. Esse jovem é Adolf Hitler.

A Mercedes já veio distanciar-se do filme. Mas eu entendo a filosofia dele: se alguém tivesse atropelado o monstro na juventude, o monstro não teria sobrevivido para destruir a Europa.

Acontece que houve na Alemanha quem tivesse tentado atropelá-lo antes de Hitler chegar ao poder. A jornalista Silvia Bittencourt explica como no seu "A Cozinha Venenosa".

Ponto prévio: o livro foi publicado pela editora da Folha e existem sempre os "idiotas da objetividade" (obrigado, Nelson Rodrigues) que não gostam de endogamias críticas. Elogiar um livro da própria empresa não fica bem, dizem eles.

Com a devida vênia aos "idiotas da objetividade", só posso responder que ignorar este livro por motivos tão pedestres seria silenciar um dos mais importantes estudos históricos em língua portuguesa que me lembro de ter lido sobre a ascensão de Hitler. Que isso tenha sido publicado pela Três Estrelas só merece cinco estrelas.

O estudo pioneiro de Silvia Bittencourt concentra-se na história de um jornal da Baviera, o "Münchener Post", que apesar de ter tido influência intelectual considerável na formação da social-democracia alemã do século 19, conheceria os seus anos de fogo depois da Primeira Guerra e antes da Segunda.

E, nesse interlúdio entre os dois morticínios, um nome vai povoando em crescendo as páginas de jornal: Adolf Hitler.

Primeiro, de forma marginal, quase negligente. Em 1920, quando o ex-cabo austríaco já discursava pelas cervejarias de Munique, destilando aquela mistura boçal de ressentimento e antissemitismo, o jornal falava de um partido "que ainda anda de fraldas" e de "um senhor chamado Adolf Hitler" que era tratado com uma mistura de repulsa e indiferença.

Essa indiferença foi desaparecendo à medida que o partido começou a abandonar as fraldas e a arregimentar milhares de militantes. Soou o alarme no "Münchener Post". Que se tornou mais intenso quando os nazistas, cansados de discursar, começaram também a sovar os inimigos, reais ou imaginários.

Foi então que se tornou permanente a pergunta fundamental do "Münchener Post": até quando? Sim, até quando as autoridades da Baviera permitiriam a emergência de um "messias" que fazia do incitamento ao ódio e à violência o seu programa político?

A questão tornou-se mais premente depois do golpe falhado de Hitler em 1923, que não foi tratado pela Justiça com a dureza exigida. O cárcere, para além de ter permitido a Hitler a composição do seu "Mein Kampf", devolveu-o rapidamente à liberdade (com uns quilinhos a mais) --e permitiu ao futuro ditador a projeção nacional do partido e dos seus, digamos, "princípios".

Quando, nos inícios de 1930, o partido nazista surgia nas eleições com peso parlamentar crescente, o mesmo "Münchener Post" não hesitava em tornar perceptível a luta no curto prazo como uma escolha entre a democracia e a ditadura.

E, sobre o tipo de ditadura que esperava os alemães, escrevia o jornal com assombrosa presciência: a Alemanha será uma ditadura construída sobre as cinzas do Parlamento e através de uma radical "desjudificação" do país.

Sabemos bem como terminou essa história a partir de 1933, quando Hitler chegou ao poder. Terminou mal: para a Alemanha, para a Europa e, claro, para o "Münchener Post", que sem surpresas foi expeditamente destruído. Hitler não poderia tolerar que a "cozinha venenosa" continuasse a servir os seus petiscos.

O livro de Silvia Bittencourt consegue essa rara proeza de revisitar uma história conhecida pelo ângulo particular de um jornal. E, ao fazê-lo, consegue também mostrar duas verdades antigas que às vezes precisam de repetição contemporânea.

A primeira é que a função do jornalismo não é servir ao poder; é vigiá-lo e, perante espetáculos de barbárie, denunciá-los sem tréguas.

A segunda é que talvez o irlandês Edmund Burke tivesse razão quando afirmava que o mal só triunfa quando os homens de bem nada fazem.

Em 2013, é fácil atropelar Hitler em filmes de TV. Infelizmente, os alemães não o fizeram nos anos decisivos em que o "Münchener Post" pregava no deserto.

Banco central político - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 24/09

A autonomia do presidente de um banco central nunca foi tão questionada e, na prática, nunca tão defendida, até mesmo por quem a questiona, como se vê agora, quando se inicia o processo de escolha do novo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que administra a moeda mais importante do mundo.

Ontem, um dos governadores do Fed, o durão Richard Fisher, de Dallas, criticou o presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, pelas declarações que deram a entender que procurava indicar o novo presidente do Fed que fizesse depois o jogo do governo dele: "O Fed não pode ser instrumento político", disse Fisher.

De vez em quando alguém argumenta que os presidentes de bancos centrais têm poder demais. Interferem tanto na oferta quanto na procura da mercadoria mais importante de uma economia, agem com enorme desenvoltura e, no entanto, são colocados lá sem eleição. Por isso, conclui essa gente, é preciso submeter qualquer banco central e sua direção ao cabresto de quem recebe mandato popular para governar.

Ainda está para ser conhecido presidente de banco central que não sofra pressões de seus governos. Entretanto, do ponto de vista estritamente técnico, há enorme incompatibilidade entre o que geralmente pretende um governo e a função de um banco central.

Político adora gastar. Se puder, quer controlar sempre a emissora de moeda. Enquanto isso, a principal função de qualquer banco central é zelar pela defesa do mais importante patrimônio de uma economia, que é sua moeda. Essa incompatibilidade é fator tão decisivo que, a partir do momento em que um banco central passa a fazer o jogo do governo e não mais o da estabilidade da moeda, perde o respeito e a credibilidade dos agentes econômicos e, com ela, perde a capacidade de conduzir com um mínimo de eficácia a política monetária (política de juros) de uma economia.

A perda de credibilidade não ocorre só quando critérios políticos de curto prazo interferem na política monetária. Quando um banco central deixa o mercado financeiro solto demais e não se opõe a que os bancos criem moeda, como ocorreu nos Estados Unidos nos oito primeiros anos da última década, também trabalha contra a saúde da economia.

Essa matéria é tão importante que nem o homem mais poderoso do mundo se sente livre para nomear quem estivesse disposto a executar sua política. Qualquer desvio grave nesse ponto teria pronta e irresistível reação.

Também sempre há aqueles que argumentam, como parece ter feito Obama, que o valor maior não é garantir a integridade da moeda, mas garantir o crescimento do emprego, como se os dois objetivos fossem antagônicos.

No Brasil, o único mandato institucional do Banco Central é manobrar a política monetária de modo a manter a inflação dentro da meta. Mas há quem defenda o duplo mandato, como no Fed, para que a defesa da moeda não se faça em prejuízo do emprego e vice-versa.

Essa é uma questão exaustivamente estudada. As conclusões são convergentes. O melhor meio de defender o emprego e o avanço econômico é garantir a estabilidade da moeda. O modo mais rápido de destruir o salário e o emprego é deixar solta a inflação. Essa é também a razão pela qual o ponto de vista hoje prevalecente seja o de que todo banco central tenha autonomia para fazer o que tem de ser feito. Qualquer interferência política prejudica o desempenho de sua função.

Imposto de menos e nada mais - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/09

Redução de impostos leva mais de 1% do PIB do cofre do governo, mas ficamos meio na mesma


ATÉ AGOSTO, o governo federal deixou de arrecadar R$ 51 bilhões em tributos devido às reduções de impostos concedidas com o objetivo de estimular o crescimento econômico.

Isso dá mais ou menos 1,1% do PIB, de toda a produção da economia até agosto. É muito dinheiro. Mais de um terço da antiga meta oficial de superavit primário (diferença entre receita e despesa do governo, excluídos os gastos com juros).

O país cresceu mais devido à redução de impostos (ênfase no "devido")? Sabe-se lá. O assunto vai render artigos e teses por alguns anos. A estatística até agora não é muito animadora. Em 2012, o país cresceu 0,9%. Até junho de 2013, crescêramos 1,9% (taxa acumulada em 4 trimestres, em um ano).

Supondo que o Brasil tenha crescido esse ponto percentual a mais devido à redução de impostos, valeu a pena?

Em termos macroeconômicos, parece que não. A inflação está na mesma faixa do ano passado, perto de incômodos 6% ao ano, de resto maquiada por controles artificiais de preços. Devido à inflação renitente, o Banco Central aumenta a taxa de juros. No curto prazo, juros mais altos contêm o crescimento, além de elevar a despesa do governo (com pagamento de juros).

Mesmo que fosse relevante calcular o efeito de uma redução de impostos sobre o crescimento de curto prazo, há tantos outros fatores que podem influenciar o resultado da economia nesse período, há tanto "ruído", que a conta quase sempre vai parecer duvidosa.

Para começar pelos ruídos causados pela própria redução de impostos, é bem possível argumentar que a insistência quase exclusiva na política de estímulo direto elevou o descrédito na administração da economia e, assim, a confiança dos ditos agentes econômicos (pois as contas do governo pioraram e temos mais um ano de inflação limítrofe).

O governo poderia ter arrecadado e poupado o dinheiro das "desonerações"? Difícil, mas poderia --já o fez. Mas o crescimento não seria menor e, assim, a receita de impostos? Uhm. Pode ser. Mas mesmo com tombos horríveis no crescimento a receita de impostos não caiu assim, como no caso das desonerações.

Para ficar num caso anedótico e extremo, vide a virada de 2008 para 2009, quando a economia caiu de um ritmo de 5,2% de crescimento para -0,3%, quando a receita total caiu o equivalente, em reais, a um terço do que deve cair neste ano. Desde o real, a arrecadação caiu ainda apenas no desastroso ano de 2003, com o país quebrado, na virada de FHC para Lula.

O corte de impostos não melhorou a vida de ninguém? Difícil dizer. As desonerações foram picadas entre impostos e setores. Teve até para a cesta básica. Mas não é possível julgar o benefício tributário pela mudança da alíquota. Na prática, o benefício do corte de impostos depende da situação de cada mercado específico, do tipo de bem sobre o qual incidiu a mudança etc. Em tese, redução de custo para empresa tende a ser um estímulo à produção. Em tese, caso o resto do ambiente econômico não conspire contra a produção.

O corte de impostos vai azeitar a economia para os próximos anos? Pode ser, num ou noutro setor bem específico. No geral, o corte de impostos não mudou lá grande coisa na estrutura de custos do Brasil.

Contraste alemão - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/09

A chanceler alemã Angela Merkel está numa curiosa situação: teve uma forte vitória, mas ainda não tem um governo. Ela já é a liderança europeia dos tempos atuais mais bem sucedida eleitoralmente. Margaret Thatcher e Tony Blair e ela venceram três eleições, mas os britânicos tiveram votações decrescentes e Merkel teve o maior percentual de votos na terceira eleição.

O que a coloca na contradição de vitória incompleta é que seu aliado do partido liberal foi eliminado do parlamento pela cláusula de barreira — teve menos de 5% dos votos e, assim, não tem representantes — e por isso ela tem que negociar uma nova coalizão. Por um lado, pode se juntar aos Verdes e aos pequenos partidos de esquerda e terá uma coalizão mais fraca; por outro, negociar com o segundo maior partido, os social-democratas, que são mais fortes e a empurrarão para atenuar as políticas de austeridade.

Para entender a vitória do CDU, partido de Merkel, olhando para a economia, um indicador chama atenção: o desempenho do mercado de trabalho, que criou barreiras contra a maré de desemprego que assola a região. O índice chegou a 5,3% em julho, e 7,7%, entre jovens. Números mais baixos que os do Brasil.

A Europa continua convivendo com números dramáticos no mercado de trabalho. O desemprego chegou a 27% na Grécia, e na Espanha, a 26%. Portugal tem 16,5% de desempregados. Entre os jovens, os números são muito piores: 62%, na Grécia; 56%, na Espanha; e 39%, na Itália. Na média, a zona do euro mantém desemprego de dois dígitos, em 12,1%, em julho. Na Alemanha, a taxa de desemprego alemã hoje é menor do que quando Merkel foi reeleita pela primeira vez, em setembro de 2009, um ano após o início da crise americana.

Na campanha, Merkel ao mesmo tempo que defendeu mais Europa, sustentou que o contribuinte alemão não pagaria a conta sem que os vizinhos fizessem reformas econômicas e cortes de gastos. Mas o economista-chefe da Acrefi, Nicola Tingas, explica que a expectativa dos europeus, principalmente gregos, espanhóis, portugueses e irlandeses, é de que a vitória de Merkel abra espaço para uma mudança de estratégia na condução da crise. Na campanha, a chanceler tinha a necessidade de dialogar mais com o eleitorado alemão e isso se traduzia no discurso de proteger o contribuinte. Mas o resultado da eleição a obrigará a fazer uma coalizão mais à esquerda. Isso pode fazer com que o terceiro mandato signifique menos austeridade fiscal na região.

— Nas últimas semanas, houve sinalizações do governo alemão de que políticas pró-crescimento poderiam começar a ser adotadas. Seria como dizer que o principal do esforço fiscal já foi feito. Com a vitória, isso pode acontecer. A Europa não pode só cortar gastos, e a Alemanha precisa que todos os outros países voltem a ser fortes para ela também ficar mais forte — explicou.

O diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, Ingo Plöger, concorda e avalia que uma coalizão com os social-democratas pode dar a Merkel o argumento necessário para uma guinada na condução da crise, apesar de estarem em campos políticos opostos.

— A política fiscal pode ser um pouco atenuada no terceiro mandato, com um discurso de que o fundo do poço já passou e que as principais reformas já foram feitas. Nesse sentido, uma coalizão com os social-democratas viria a calhar, porque ela teria um motivo para rever a sua posição — explicou.

Merkel vai demorar ainda a formar sua coalizão. Só depois disso se saberá a cara do novo governo alemão. Ontem, ela já telefonou para os líderes social-democratas, que pediram um tempo para pensar. Mas ela disse que quer formar uma coalizão forte e isso só poderá ser com eles.

Dose de otimismo - JOSÉ PAULO KUPFER

O Estado de S.Paulo - 24/09

Há muito mais do que a constatação de que o volume total de crédito, na economia brasileira, quase setuplicou, nos últimos dez anos, nos números e indicadores levantados pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), em estudo divulgado na semana passada. A análise da situação do crédito, fotografado no mês de junho, de 2003 a 2013, serve de excelente resumo da evolução da própria economia no período.

Em tempos de difusão do veneno do pessimismo, o que aparece no filme da evolução do crédito vale como antídoto, na forma de uma dose de otimismo. Somente uma economia dinâmica seria capaz de registrar salto tão impressionante como o ocorrido no sistema de financiamento das atividades produtivas e do consumo das pessoas. Nenhuma economia, de fato, sai de um volume de crédito que nem chega a irrisórios 25% do PIB e avança até 55% do PIB, em meros dez anos, sem que tenha passado por profundas e positivas transformações.

Elaborado com base no acompanhamento mensal produzido pelo Banco Central, os números coletados no levantamento da Anefac impressionam. O volume total de crédito cresceu 560% no período e a expansão foi ainda maior no segmento de recursos livres, com aumento de 573%. No caso dos financiamentos para pessoa física, a diferença do volume livre total contratado entre 2003 e 2013 passa de 750%.

Taxas de juros, spreads, prazos de financiamento, inadimplência, tudo mudou muito - e para melhor. Os juros médios, por exemplo, recuaram de 56,7% ao ano para 26,5%, enquanto os spreads encolheram de 33,2% para 16,7% (81,4% para 34,9%, no segmento das pessoas físicas). Sim, ainda são altos, mas a redução é marcante.

Mais impactante foi o que ocorreu com o prazo médio de financiamento e com a inadimplência. De 7,3 meses, em 2003, o prazo médio dos empréstimos avançou para 38,4 meses, em 2013 - um prazo cinco vezes mais elástico. E a inadimplência da pessoa física, se hoje ainda é alta, com 7,2% dos financiamentos vencidos há mais de 90 dias, há dez anos chegava a 15,5% - proporcionalmente mais do que o dobro.

Todos esses números são testemunhas incontestáveis de que a economia mudou de patamar nos últimos dez anos, mas também não pode haver a menor dúvida de que nada disso seria minimamente possível sem as transformações ocorridas nos dez anos anteriores. Sem a estabilidade monetária alcançada após o Plano Real e as reformas institucionais dos anos seguintes - algumas especificamente favorecedoras da ampliação do crédito -, a história seria outra.

Também seria outra se, mesmo com condições ambientais favoráveis, não tivesse sido promovido, no período, um grande esforço de inclusão social e de ampliação do acesso aos mercados - no qual o crédito, como em qualquer economia digna do nome, teve papel destacado. Mesmo permanecendo entre os campeões da desigualdade de renda, esse movimento configurou no Brasil, finalmente, um mercado de massas, que começa a fazer jus às dimensões do País.

Pode-se, é claro, ressalvar aspectos dessa evolução. Sua expansão, talvez em velocidade excessiva, o protagonismo assumido pelos bancos públicos, a dificuldade em mudar rumos e promover novas reformas quando os ventos globais viraram. Etc., etc. Nada disso, porém, nem mesmo as evidentes dificuldades atuais, parece capaz de desqualificar as conquistas alcançadas.

A espantosa evolução do crédito aponta, é verdade, para o longo caminho que ainda terá de ser percorrido até que a economia brasileira se aproxime das mais avançadas, nas quais o volume do crédito, em tempos normais, equivale ao tamanho do PIB. Mas o que já se avançou, além de ser mais uma prova da inutilidade do insistente Fla-Flu que opõe simpatizantes dos governos de Fernando Henrique e Lula/Dilma, mostra do que somos capazes.

Capitalismo caboclo - CARLOS ALEXANDRE

CORREIO BRAZILIENSE - 24/09

Apesar do otimismo do governo de Dilma Rousseff, a política de concessões mostrou-se frustrante após a realização dos primeiros leilões. O desinteresse empresarial na exploração de rodovias e do pré-sal indica obstáculos no modelo definido, e assim perpetuam-se os problemas na infraestrutura nacional. A dificuldade em privatizar estradas, ferrovias, portos e aeroportos aumenta os gargalos para o escoamento da produção e afeta atividades econômicas importantes, como o turismo. Houvesse condições mais favoráveis, parcela significativa de brasileiros preferiria viajar de carro, de ônibus ou de trem a enfrentar muitos aborrecimentos nos impraticáveis aeroportos.

Uma leitura política poderia explicar a baixa expectativa em relação ao programa de concessões. Há quem diga que os governos petistas têm urticária do lucro e pretendem limitar os ganhos dos investidores. Outra crítica recorrente é a insegurança jurídica nos contratos propostos. Os defensores das políticas de concessões, com a ministra Gleisi Hoffmann à frente, desconsideram os ataques e afirmam ser possível estabelecer os termos adequados para transferir à iniciativa privada a gestão do combalido patrimônio público.

Chama a atenção que a infraestrutura, assunto da predileção de Dilma Rousseff dos tempos em que ela era secretária estadual de Energia, no Rio Grande do Sul, enfrente dificuldades na gestão da presidente. Em quase 11 anos de governo continuado no Planalto, percebe-se que a privatização à moda do PT - partido francamente contrário ao modelo adotado por Fernando Henrique Cardoso - está longe de despertar o "espírito animal" do setor privado e sofre para alcançar as metas definidas em Brasília. Esse descompasso entre os poderes econômico e político implica as concessões simplesmente naufragarem ou - em um pior cenário - acontecerem em condições lesivas ao interesse público.

Note-se que as concessões constituem tão somente o primeiro passo para instituir avanços na infraestrutura e no setor terciário. A frouxidão no controle da qualidade dos serviços prestados pelo empresariado nacional representa outro pecado do nosso capitalismo caboclo. A atuação pífia de agências como Anatel, Anac, ANS e ANTT evidencia a limitação do Estado em garantir aos cidadãos o retorno à brutal quantidade paga de impostos, assim como o reconhecimento de seus direitos como consumidor. No Brasil, está difícil dizer o que é pior: o público ou o privado.

Brasil e OMC - RUBENS BARBOSA

O GLOBO - 24/09

País está em desvantagem pelo seu isolamento em acordos comerciais



Pela trigésima segunda vez, realizou-se no Rio de Janeiro o encontro nacional dos exportadores (Enaex). O maior e mais importante evento de comércio exterior no Brasil, como em muitas outras vezes, não contou com os principais responsáveis pelo setor no Governo federal, frustrando cerca de 500 participantes, empresários e interessados.

Participei, representando a Fiesp, de painel sobre o multilateralismo, com ênfase nas negociações comerciais e no encontro ministerial da OMC em Bali, em dezembro.

Com o fracasso das negociações multilaterais da Rodada de Doha, a Organização Mundial de Comércio (OMC) está paralisada. Com 159 membros, a OMC mantém uma estrutura superada e um processo decisório difícil de formar consensos, que tem de ser aperfeiçoado.

No encontro ministerial de Bali em dezembro, os países membros tentarão retomar o processo negociador da Rodada de Doha, mas encontrarão dificuldades pela baixa prioridade que os EUA e a Europa atribuem, no momento, à retomada dos entendimentos. Estão sobre a mesa acordos de facilitação de comércio, de segurança alimentar, acordo plurilateral de serviços e isenções tarifárias para os países de menor desenvolvimento relativo. Caso não seja possível retomar os entendimentos sobre a Rodada de Doha, o novo diretor da OMC, o brasileiro Roberto Azevedo, terá de concentrar-se em uma agenda reformulada para ser discutida pós-Bali.

Um dos grandes desafios da OMC para o próximo ano será a forma como serão tratadas as inúmeras regras que estão sendo incorporadas aos acordos de livre comercio de ultima geração: mega acordos como o acordo dos EUA com países asiáticos, o acordo entre os EUA e Europa e dezenas de bilaterais. Esses acordos incorporam as formas modernas de comércio representadas pela integração das cadeias produtivas e tratam de competição, serviços, propriedade intelectual, compras governamentais, investimentos, barreiras sanitárias, meio ambiente e regras trabalhistas. Desse modo, a OMC, que busca a liberalização comercial pela redução das barreiras tarifárias e não tarifárias na fronteira, está fora das negociações para a implementação de regras de ultima geração que interferem com políticas dentro do território dos países.

O Brasil está em desvantagem nessa discussão pelo seu isolamento nas negociações dos acordos comerciais, pela distância das cadeias produtivas globais e pela vulnerabilidade do seu setor externo.

Fiz duas sugestões sobre o que fazer diante dos grandes desafios interno e externo do comercio exterior brasileiro:

* definir uma nova estratégia de negociação comercial externa que inclua o aprofundamento dos acordos regionais no âmbito da Aladi e acordos com os países desenvolvidos, que possam aportar inovações tecnológicas e integrar as empresas brasileiras nas cadeias produtivas, como o acordo com a União Europeia (se necessário, desvinculado dos parceiros do Mercosul);

* modificação na estrutura decisória do comércio exterior para elevar o nível burocrático de seu tratamento com a criação da função de presidente da Camex, subordinado diretamente ao presidente da Republica.

A fala na ONU - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 24/09
O protesto contra a espionagem americana no Brasil e o chamado à comunidade internacional para a criação de mecanismos de governança da internet serão o ponto forte do discurso com que a presidente Dilma Rousseff, por força da tradição, abrirá hoje a Assembleia Geral da ONU. Com o adiamento da visita a Washington ainda ecoando, Dilma lançará uma agenda nova, esperando fortalecer o protagonismo do Brasil, destacando sua postura altiva diante da maior potência, dizem vozes palacianas. E, também, é claro, colher o aplauso interno. Analistas não descartam, porém, o risco de sua fala cair na irrelevência, seja por desinteresse da comunidade internacional, resignada ao fato de que todos espionam, cabendo a cada país se defender, seja pela maior atenção ao encontro entre Barack Obama e o novo presidente do Irã, Hassan Rohani, que pode levar a uma distensão nas hostilidades que prosperaram durante a presidência de Ahmadinejad.
Também por força da tradição, Obama falará logo depois de Dilma, podendo tanto fazer uma breve referência a essa parte do discurso dela como passar ao largo, o seria ruim para a aposta brasileira na definição de uma nova agenda, diz o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves. Ele considera acertado o adiamento da viagem diante das circunstâncias criadas pelas denúncias de espionagem. Dilma não poderia ir à Casa Branca tendo esse assunto como pano de fundo, embora fosse tratar de outros importantes. Entre eles, um acordo para que os Estados Unidos pudessem voltar a usar comercialmente a Base de Alcântara para lançamento de satélites e a possibilidade de um pronunciamento mais afirmativo a favor da pretensão brasileira a um lugar no Conselho de Segurança da ONU. Haveria também enorme constrangimento se, no curso da visita, surgisse outra denúncia envolvendo o Brasil. 

Isso posto, ele acha que tudo dependerá da ênfase que ela porá na questão da espionagem. Se conferir excessiva importância ao tema, como gostariam alguns setores do governo, poderá colher a indiferença dos demais países. Por um lado, o encontro entre Obama e Rohani, durante a Assembleia da ONU, será acompanhado com enorme atenção. Os dois países romperam relações há 35 anos e viveram às turras na presidência anterior. "Certamente, esse será um evento concorrente com a fala da presidente Dilma", diz Castro Neves. Depois, "outros países supostamente espionados reagiram com mais moderação porque sabem que a espionagem é inevitável. O Brasil é que tem sido muito displicente na defesa da informação, ao ponto de o criptofone (misturador de vozes antiescuta) ter caído em desuso nas conversas entre autoridades", diz ele. Tudo dependerá, portanto, da disposição dos outros para comprar a proposta de Dilma, que não está, de todo modo, inventando a roda. O tema já foi debatido no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, onde alguns países já defenderam a proteção da privacidade como direito fundamental. A Unesco e a União Internacional das Telecomunicações (UIT), duas agências da ONU, também já debatem a regulamentação da internet, no que toca à proteção de dados e informações. No vácuo atual, controlando a maior parte das redes e as tecnologias, os Estados Unidos deitam e rolam.

Força do estigma

Castro Neves atribui à rejeição brasileira a tudo que veio da ditadura o descaso com as atividades de contrainformação. O SNI era um serviço voltado para a identificação e a repressão dos adversários do regime. Parte do entulho autoritário, com a redemocratização, foi transformado na Abin, que, até hoje, não encontrou seu papel e lugar no Estado brasileiro. É vista com desconfiança e associada à "arapongagem" com fins nem sempre virtuosos.
O despreparo brasileiro não é menor para lidar com outro grande perigo do mundo atual, a guerra cibernética. "Estamos na infância", admitiu o ministro da Defesa, Celso Amorim, em entrevista que o Correio publicou anteontem, embora lembrando que os outros países estão começando a montar seus esquemas preventivos aos ataques que, por meio de vírus e armas digitais, podem atingir alvos militares ou aparatos logísticos, como hospitais ou aeroportos.

Outras frentes

Com mais ou menos ênfase na espionagem, Dilma apoiará a solução diplomática proposta pela Rússia para a crise da Síria, e voltará a cobrar a reforma do Conselho de Segurança para incluir o Brasil e outros emergentes. Amanhã, ela participa de um fórum importante sobre desenvolvimento sustentável e desdobramentos da Conferência Rio+20. Na quarta, venderá a investidores seu peixe de estimação, as oportunidades de investimento em projetos de infraestrutura no Brasil. A calhar, depois do fracasso de um dos leilões de rodovia e do retraimento de petroleiras americanas em relação ao leilão do Campo de Libra, a joia do pré-sal. Ontem, o ministro Moreira Franco previu para 22 de novembro os leilões dos aeroportos de Confins e do Galeão. O êxito de todos eles é crucial, para o país e o governo.

Mais do mesmo

O tempo praticamente se esgotou para que fossem aprovadas regras melhores para o pleito do ano que vem. O Movimento Eleições Limpas faz hoje desesperada ofensiva a favor de seu projeto, realista e progressista. Mas o Congresso deve nos dar é a minirreforma eleitoral: mais do mesmo com mais facilidade. Hoje, o TSE pode nos dar é mais dois partidos, o Pros e o Solidariedade. Já a Rede de Marina Silva mobilizou milhares de pessoas, mas deve morrer na praia. É dura a vida num país que negligencia seu sistema político.

Guardar sem esquecer - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 24/09

Prestígio e poder eles já estão perdendo. Falta aquela indispensável consequência, dos atos criminosos: o castigo. Ou seja, a cadeia



A lógica e o bom senso aconselham que assuntos desagradáveis sejam tratados com igual preocupação na eficiência e na rapidez. O que não impede que sejam guardados na memória: esquecer os erros e os tombos ajuda-nos a repeti-los.

Essa afirmação do óbvio (parece coisa de antigos almanaques) aplica-se, sem dúvida alguma, ao nefando caso do mensalão. Para quem chegou agora de outro planeta, ou desmemoriados incuráveis, trata-se de um vergonhoso escândalo que envolveu nomes de poder e prestígio no país. Prestígio e poder eles já estão perdendo. Falta aquela indispensável consequência, dos atos criminosos: o castigo. Ou seja, a cadeia. Não são poucos, na História do país, os casos em que bandalheiras foram canceladas — e os bandalhos simplesmente mandados para casa.

Na bandalheira do mensalão, os efeitos das ações criminosas foram cancelados — na medida do possível, que é como acontecem essas coisas no universo dos colarinhos-brancos. Falta a etapa indispensável da punição dos culpados. Do total, 25 foram condenados — o que deixou de fora bastante gente. Sejamos otimistas: já aconteceu coisa pior neste país, sem punição alguma.

No que pode ser o último capítulo dessa vergonhosa novela, 12 dos 25 punidos recorreram contra as sentenças, e seu destino será decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Os sortudos ganharam o direito a novo julgamento, por meio de um recurso chamado embargo infringente, que todos vocês sabem o que é. Ministros do Supremo Tribunal Federal já estão prevendo que o julgamento a respeito ficará para o ano que vem. Como ninguém ignora, coisas infringentes dão um trabalhão danado.

Devemos torcer por um trabalho em que o desejo de fazer justiça não entre em conflito com a vontade de tirar das manchetes um episódio lastimável. O ideal é que se trabalhe com agilidade e eficiência — mas sem qualquer intenção, o que não é raro na História do país, de trancar no fundo do baú de nossa história um momento desagradável (o que é quase um eufemismo) de nossa vida pública.

Dilma em NY - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 24/09

BRASÍLIA - Cada dia, sua agonia; cada ano, sua criatividade. Pode-se dizer sobre a visita de Dilma a Nova York e o seu discurso de hoje na Assembleia-Geral da ONU, para cerca de 190 países.

Os presidentes brasileiros abrem a assembleia anualmente. No seu primeiro ano, Dilma capitalizou o fato de ser a primeira mulher a fazer o discurso inaugural, mas isso não é mais novidade. No segundo, vangloriou-se da política econômica dos governos do PT, mas a economia não está essa maravilha toda e ela já falou tudo sobre dólar na Rússia. Agora, no terceiro, Dilma vai é de espionagem.

Ela vai abordar a questão sob a ótica dos direitos humanos, defendendo que os serviços de inteligência não são apenas aceitáveis como existem em toda a parte, mas daí a bisbilhotar e-mails dos cidadãos, documentos de empresas e até a Presidência da República são outros quinhentos. O direito à privacidade é um direito fundamental e universal.

Dilma acertou o tom com a Alemanha (que também não gostou nenhum pouco de ser espionada pela maior potência) e pretende destacar duas coisas. Uma é que a espionagem norte-americana não atingiu um só governo, um só país, um só continente, mas expandiu-se mundo afora. Outra é a grande surpresa de que não foi coisa de países fechados, autoritários, mas, sim, de um país que se arroga a condição de maior democracia do planeta.

Além dessa investida em busca de afirmação e liderança na ONU, Dilma vem tendo vários encontros paralelos com empresários e investidores e, aí, o objetivo é de ordem bem mais prática. Os empresários e os grandes grupos precisam acreditar que os leilões são apetitosos, as regras são cumpridas, a remuneração privada é respeitada, a ideologia não contamina.

Dilma tem de convencer os grandes grupos de que vale a pena investir no Brasil. E essa é uma missão bem mais difícil do que falar grosso com os EUA no microfone da ONU.

O estilo é o homem? - ARNALDO JABOR

O Estado de S. Paulo - 24/09

Meu Deus do céu! Estou revendo as provas de meu próximo livro de artigos. Vai sair pela Editora Objetiva. Rever textos é duro; todos os deslizes da vaidade aparecem ali, na cara. O desejo de bancar o inteligente, de parecer mais culto, a vontade do roubo, do plágio, ficam visíveis, em flor. E os adjetivos? "Belo, inominável, contemporâneo." E os "portantos", os "outrossins" e os "menos que..."? Devia haver uma polícia retórica. E as repetições da mesma ideia, por medo de não ser entendido? E a vontade de se esconder atrás das palavras? Quantas metáforas nos ocultam... E a esperança de atingir uma "essência", ou pelo barroco ou pelo seco? (Eu já ia escrever: ou por Gongora ou por Graciliano, numa sórdida tentação de parecer erudito.) E o desejo de ser amado? E a vontade de influir? De mudar o mundo? E o Messias que há em nós? E o S. Francisco de Assis? E, pior, os erros de português: o "o" ou "lhe", e o "infinitivo flexionado" (é esse o nome?) Ahh, mãe... "Fazer pirâmides e não biscoitos", como queria Rosa? (Nelson Rodrigues, que odiava Guimarães Rosa, dizia que ele fazia "pirâmides como bolos de confeitaria".) Ou então "Biscoitos finos para a massa", como queria o Oswald? Ou o "Seja burro!", como queria o Nelson? Ser o quê? (Tem circunflexo?) "Por que, porque ou por quê"? Escrever é uma barra.

"O estilo é o homem", disse o célebre Buffon (quem terá sido ele?) ou "o Homem é o estilo", como disse Lacan, que eu estudei um pouco, mas... quão pouco sei... Lembro que Rubem Braga dizia que despediria o redator que escrevesse: "Tirante, é óbvio…" ou que "o trem ficou reduzido a um montão de ferros retorcidos…". Eu serei um deles?

E os desejos inconfessáveis? E a vontade de ser sempre "progressista", de jamais ser chamado de "reacionário"? E o desejo de enganar, mentir, roubar o leitor, "meu semelhante e irmão", como dizia Baudelaire, em almanaques para falsos chutadores.

E a busca do elogio? Às vezes, quebro a cara, com o elogio rancoroso: "Você escreve melhor do que filma". E o contrário: "Você devia era filmar e parar de dizer bobagem no jornal...". E o elogio terrível e burro: "Rapaz, você pra mim é o melhor escritor, depois do fulano de tal (uma besta, claro...)". Ou o elogio errado: "Cara, aquele artigo que você fez a favor do neoliberalismo foi ótimo!".

E os inimigos? Sempre de olho em meus erros. E como eu escrevo na navalha fina entre o sim e o não, entre o bem e o mal (viram como eu tento uma complexidade não maniqueísta?) ou melhor dizendo, como eu tento uma distância brechtiana do mundo, um "verfremdung effect" (viram? Alemão...) diante dos fatos ou, como eu tento fugir de definições fechadas, sou alvo de ataques de imbecis que querem subir na vida pelo "aplique" de uma "negatividade lucrativa" (upa!...) ou seja, como eu acho que a verdade está entre a cruz e a caldeirinha, sou bom alvo para as minhocas fascistas, principalmente as que se chamam de "esquerdistas" ou até de nazistinhas mesmo, que me acham "criptocomuna".

Rever um livro é "vê-lo com os olhos dos outros". (ohhh...) Que vão dizer? Meu Deus, já pensou o Luiz Ruffato ler isso? E o Antonio Candido? Se ele pega esta... E o conspícuo João Ubaldo, o grande romancista que eu lancei na Revista da UNE em 1963, com o antológico conto Josefina? Que vai dizer? Rever provas de livro é feito arrumar a casa, como minha mãe dizia: "Não reparem..., a casa não está arrumada ainda...". Em suma, como ser humilde e maravilhoso? Como arranjar um título que englobe minha "complexa alma"? Que seja simples, discreto, e "profundamente inteligente"? Terei sido suficientemente indecifrável para ser contemporâneo e genial como David Foster Wallace ou para evitar a farsa de gente como Murakami? E o Bolaño? Conseguirei o inexplicável sucesso, como em Detetives Selvagens? Terei lido a Review of Contemporary Fiction com afinco? Como escrever sem esperança de sentido? Tenho de caprichar bastante para ser "distópico". (Viram, como tento me atualizar?)

E aí lembrei de Nelson quando diziam que seu texto era coloquial e pobre: "Só eu sei o trabalho que me dá empobrecer meus textos" ou de João Cabral: "Não perfumar a flor..." ou do Eça-narrador querendo impressionar o Fradique Mendes: "A forma de V. Exa. é um mármore divino com estremecimentos humanos" ou Mallarmé ("La chair est triste, hélas, et j'ai lu tous les livres" ou "Definir é matar; sugerir é criar!". (Profusas citações... viram?)

Em seguida, mostrarei alguns vexames que eu tirei do original (ohh, como ele é autocrítico e sincero!): "Mede-se esta ideia pela eficiência de uma práxis" ou "Michelangelo fez Pietà arrastado pelo amor de atingir o gesto humano no mármore". Eu escrevi isto? Escreveu sim, seu idiota. Ou isto: "Tudo não passa de indignação transida de esperança, remota oscilação na escala Richter da alma". Ou ainda: "Já começou o tempo de se tecer uma nova fome de utopias". E, os espantosos: "Há algo de sodomia purificadora naquele ritual sem Deus" e "nauseados, lamentamos o estar no mundo". Pode, uma coisa dessas? Já os arranquei do texto. E o que me escapou e que meus inimigos verão com a "maligna lupa do rancor"? (Opa!...)

Outra coisa angustiante é rever seus próprios truques. Movemo-nos entre quatro ou cinco categorias, meia dúzia de conceitos, somos muito mais falados pelas palavras do que as falamos (oh, truísmo!...). Rever provas é se rever num espelho cruel (anúncio de cosmético?). Então o que resta de mim nisto tudo? O espaço entre as palavras? Não sei, mas publicar um livro é morrer um pouco... (Coelho Neto?), publicar um livro é padecer num paraíso (quem?), publicar um livro é fugir da morte (Nietzsche?), publicar um livro é sublimar uma sexualidade perversa (Freud?), publicar um livro é o espírito querendo se libertar da finitude (Hegel?). É o que, afinal?

A quem (não) interessa Marina - DENISE ROTHENBURG

Correio Braziliense - 24/09

Nenhum dos candidatos deseja ver a Rede Sustentabilidade arrebanhando votos por aí. A maior torcida dos políticos é para que Marina não consiga formalizar o partido



A Rede de Marina Silva balança e, ainda que saia do papel nos próximos 11 dias, não haverá tempo de levar muita gente. A turma dela garante que a ex-senadora cumpriu todos os prazos legais e fez tudo dentro do script, mas há má vontade dos cartórios eleitorais para com o partido. Numa mesa na sala de café da Câmara, na semana passada, o ex-deputado Jorge Uequed contava que, por duas vezes, sua assinatura foi negada por um cartório gaúcho, até que ele foi até lá e, de viva voz, anunciou que apoiava a criação da Rede. Se Marina tiver que contar com essa disposição de todos os apoiadores, “lascou”, como diria meu pai, nordestino.

Mas, se formos levar ao pé da letra, tem muita gente boa torcendo para que Marina não saia candidata. E essa turma é capaz de encher o Mané Garrincha, porque une governo e oposição. Da parte do governo, os 20% que Marina segura hoje são votos válidos fundamentais para a realização do segundo turno. Não é errado dizer que, na falta da candidata defensora do meio ambiente, parte desses eleitores migrariam para Dilma Rousseff, como fizeram na eleição de 2010. Daí, a torcida contra de muitos “dilmistas”.

Para os oposicionistas interessados em conquistar a segunda posição no pódio, Marina é vista como alguém que mais “atrapalha” do que ajuda. Vejamos o senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais. Terceiro colocado nas pesquisas, Aécio tende a ficar com um naco dos votos de Marina que são anti-PT. E o tucano é hoje quem tem mais estrutura para chegar à final. Daí, o fato de existir, entre os apoiadores de Aécio, quem torça para que Marina não forme a Rede e volte para o Acre.

Da parte de Eduardo Campos, presidente do PSB, o raciocínio é o inverso. Há, entre eleitores de Marina, muitos que não querem o PT, mas também não têm a menor intenção de votar no PSDB. Na visão dos socialistas, esse grupo poderia compensar os votos com os quais Aécio partirá de Minas e, assim, assegurar a Eduardo Campos uma vaga no segundo turno contra Dilma Rousseff.

Esse roteiro ainda tem José Serra. O ex-governador considera que a ausência de Marina da campanha aumenta as próprias chances de sucesso. Para completar, dá a ele o discurso de que a candidatura é fundamental para garantir o segundo turno, tirando aquele ranço de que a saída dele do PSDB, para concorrer à Presidência da República, seria um capricho pessoal.

Diante de tantos adversários, há, no grupo de Marina, quem defenda a candidatura dela mesmo sem a Rede. O movimento, entretanto, viria sem o brilho e sem a possibilidade de acolher os aliados, uma vez que o PEN já está criado e não daria aos parlamentares a mesma liberdade de mudar sem correr o risco de perder mandatos. Ou seja, Marina pode até sair candidata, mas sem o brilho da sua legenda. Não dá para colocar a culpa na torcida contra dos adversários. Afinal, ela começou tarde a gestação da Rede. E, para completar, hoje o partido dela não estará na pauta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Menos um dia.

Enquanto isso, em Nova York…
A presidente Dilma Rousseff repassou ontem o discurso que fará hoje na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Entram os temas óbvios — espionagem e Síria —, mas ela não deixará de lado o que repisou nos anos anteriores, como economia, a necessidade de ampliar o Conselho de Segurança da ONU e a gestão dos organismos internacionais. O problema é que, em tempos passados, a economia brasileira era considerada a vedete dos países em desenvolvimento. Agora, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, precisam gastar mais saliva e power points para tentar atrair investidores. Outros tempos.

E no mundo petista…
As propostas de reforma política em curso no Congresso estão com os dias contados. O PT não vai apoiar a minirreforma discutida no Senado nem o projeto em debate na Câmara. Até desautorizou Cândido Vaccarezza (PT-SP). O partido parece ter chegado ao ponto de que ou é financiamento público, ou nada. Ou é lista de candidatos ordenada pelo partido, ou nada. Sabe como é leitor, em política, quando o sujeito bate muito o pé em torno de um projeto e não aceita negociar nada, é sinal de que não quer nada mesmo.

Dias de definição - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 24/09
Apesar da advertência de Groucho Marx de que é muito perigoso fazer previsões, sobretudo sobre o futuro, é possível que nos próximos dez dias, quando estará definido o grid de largada para a corrida presidencial de 2014, o potencial favoritismo da presidente Dilma seja reforçado pela desistência de sua principal adversária até agora, a ex-senadora Marina Silva, caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recuse o registro de seu partido, Rede Sustentabilidade (e não Solidariedade, como escrevi duas vezes na coluna de domingo), o que parece bastante provável a esta altura.
Como ela se recusa a ter um plano B, por não considerar aceitáveis as alternativas ao partido que quer criar, resta jogar todos os seus esforços no pensamento positivo. Os infiéis, os descrentes não conseguem abalar a confiança de Marina, que, aconselhada pelo ex-ministro do TSE Torquato Jardim, continua convencida de que receberá o registro da Rede no dia le, a tempo de reunir em tomo de si grupa expressivo de parlamentares que, em diversos pontos do país, já preencheram as fichas de inscrição no novo partido.

Quem está pessimista no momento não tem espaço para aconselhar Marina a procurar um plano B, simplesmente está sendo afastado do centro decisório do novo partido, que só aceita os que acreditam na emanação de forças positivas. Mas a confiança de Marina não está baseada apenas na força dos pensamentos positivos, mas também em cálculo político. "Eles não vão querer me cassar na democracia" tem repetido a diversos interlocutores nos últimos dias.

No plano real, há dificuldades para a construção de um plano B. O Partido Verde (PV) estaria já combinado com o apoio a Dilma, o PEN mais uma vez foi rejeitado em nota oficial por Marina. O PPS seria a melhor opção, embora a maioria de seus membros tenha apoiado os ruralistas na votação do Código Florestal.

Mas o PPS também flerta com outros dois presidenciáveis: o ex-governador José Serra, que ainda não definiu sua situação (o mais provável é que fique no PSDB), e Eduardo Campos, de Pernambuco, como o presidente da sigla, Roberto Freire. Campos devolveu os cargos do PSB no governo federal e segue o caminho traçado há muito tempo para se apresentar como uma alternativa do campo governista caso a campanha de Dilma não decole.

Mantém relação de amizade com o ex-presidente Lula, mas distância política grande com o PT, o que dificulta a possibilidade de tomar-se uma opção governista. A aproximação com o candidato do PSDB, senador Aécio Neves, e com Marina é um malabarismo para mantê-lo na corrida como uma espécie de fiel da balança em caso de segundo turno, hipótese que perde a força sem a presença de Marina no páreo.

As atribulações que vem passando para formar seu partido têm feito também crescer a distância entre Marina e Dilma, a quem a ex-senadora culpa pela sua saída do Ministério de Lula e, agora, pela tentativa de impedi-la de concorrer Como a mais bem colocada adversária nas pesquisas, Marina seria a candidata a ser batida. Outros dois partidos que estão na hora de serem aprovados, o Solidariedade, do líder sindical Paulinho da Força, e o PROS também estão recebendo tratamento rigoroso da Justiça Eleitoral, no que muitos políticos veem a confirmação de que o governo federal age em várias instâncias para enfraquecer seus adversários antes mesmo da largada. O Solidariedade nascerá (ou nasceria) ligado à candidatura de Aécio, seria seu braço sindical na disputa com o PT. Barrando todos os partidos, o TSE estaria querendo mostrar que está sendo rigoroso com todos, e não apenas com a Rede de Marina.

A procuradora eleitoral Sandra Cureau, no entanto, disse ontem que o PSD do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab também foi aprovado com diversas assinaturas contestadas. Por isso, Marina continua acreditando na aprovação das assinaturas que faltam, cerca de 80 mil ainda estão presas nos cartórios, que já estouraram o prazo para certificação. 

O problema de Marina - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 24/09

O TSE deve explicações sobre vários itens da enrolada tentativa de criação da Rede


Tantos partidos de mero oportunismo financeiro --por certo, a maioria das três dezenas existentes-- e, no entanto, Marina Silva está diante de mal explicadas dificuldades de registrar o seu, a Rede Sustentabilidade, em tempo de usá-lo para candidatar-se à Presidência.

Os números não batem quando se trata das assinaturas para atender à exigência de 492 mil apoios de eleitores. Seja quanto à quantidade coletada, a aceitação ou a rejeição das assinaturas pelos cartórios eleitorais e a sua acusada lentidão. Seja, ainda, quanto ao número alegadamente alto de rejeições feitas pelos cartórios sem as justificar.

No caso de Marina e da Rede não se passa o mesmo que de repente acometeu Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, e o seu pretendido Solidariedade. Tudo lhes correra muito bem, tratavam já de compor os diretórios regionais, quando, como se podia prever, apareceram fraudes. A relação de funcionários da Câmara, com os respectivos dados, engordou a iniciativa de Paulinho com solidariedades que nunca lhe foram dadas.

Sob muitos aspectos, Marina Silva é uma incógnita. Apesar de ter sido candidata à Presidência, até hoje não se sabe o que pensa sobre o que talvez seja a maioria dos assuntos nacionais relevantes. Mas naqueles que a identificam sem dificuldade, em alguns até com posição de liderança incontestável, o seu partido viria a cumprir um papel de realce, em representatividade e em combate político, que nenhum desempenha. O PT, porque não é mais partido de ação; o PSDB, porque não seriam posições de interesse do setor financeiro e do grande capital; o PMDB, porque é o PMDB. Ah, e quanto a assuntos da clorofila, o Verde, porque amarelou.

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o partido de Marina, a ser tomada em dias próximos, não é só mais uma sobre a criação de mais um partido. Não será o caso de concessões que transgridam as exigências da legislação, se estiverem pedidas (o recurso ao Supremo já está desmentido). Mas o TSE deve explicações sobre vários itens da enrolada tentativa de criação da Rede. Sobretudo para esclarecer, e eventualmente tomar providências, o que se passa de fato nos cartórios eleitorais, que são de sua responsabilidade por intermédio dos tribunais regionais, também estes devedores de explicações públicas.

PRÊMIO

É impossível saber a razão do clamor quando a irmã Dorothy Stang foi assassinada, no começo de 2005, se a sua vida não valia nada. Como indica o quarto julgamento do mandante do assassinato. Apesar de condenado a 30 anos, o dono de terras e fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura está livre do regime fechado.

EM TEMPO

Muito bonita a atitude e muito significativa a entrevista de Ives Gandra Martins, sobrepondo às suas extremadas divergências ideológicas com José Dirceu a convicção de jurista, no sentido de que "não há provas contra ele". Sua advertência de que o Supremo, ao inovar com a teoria do "domínio do fato" para condenar Dirceu, projeta insegurança jurídica de amplo alcance, é daquelas que merecem reflexão enquanto é tempo.

Lances inseguros - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/09

Resultado das incertezas que cercam o atual governo, programa de concessões tem atraído menos interessados do que seria de esperar


Se o programa de concessões do governo federal dependesse de superstições para ser bem-sucedido, seria o caso de registrar que a iniciativa não parece ter começado com o pé direito.

Verdade que o governo comemorou o leilão da rodovia BR-050 (MG-GO), a primeira a ser concedida à iniciativa privada no âmbito do Programa de Investimentos em Logística. O consórcio vencedor ofereceu desconto de 42% em relação ao preço máximo do pedágio --resultado considerado bom, embora não excepcional.

Entretanto, a ausência de interessados no outro trecho que deveria ter sido leiloado na semana passada, a BR-262 (ES-GO), surpreendeu o governo. Mais que isso, o fiasco foi um exemplo do tipo de problema que o país enfrenta pelas deficiências da regulação no setor de infraestrutura e pela falta de planejamento e previsibilidade da administração Dilma Rousseff.

No caso das rodovias, os vários órgãos públicos envolvidos demonstram pouca coordenação entre si. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não combina seus planos com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), órgão regulador do setor, e não dá sinais de se entender com todo o Ministério dos Transportes. A pasta, por sua vez, não conversa com as empresas a tempo de evitar fracassos.

Não ficaram restritas às rodovias as notícias de mau agouro. O campo de Libra, joia do pré-sal, atraiu menos concorrentes do que se esperava: 11 empresas se inscreveram no leilão, que deverá render R$ 15 bilhões ao governo federal.

Entre as interessadas estão seis estatais --especialmente chinesas, preocupadas em garantir fornecimento de petróleo--, mas gigantes privadas (ExxonMobil, Chevron, BP, BG) ficaram de fora, num sinal de que não consideram o retorno e o modelo de exploração suficientemente atraentes ou seguros.

Reproduzem-se em cada caso particular os problemas que são regra geral. No petróleo, uma incerteza regulatória adicional diz respeito à presença da nova estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), responsável pelos contratos de partilha de produção e com poderes de veto em algumas matérias.

O governo dá sinais de que garantirá o sucesso do leilão, em último caso até financiando a Petrobras para que a empresa ultrapasse a participação obrigatória por lei, de 30%. Como sempre, os bancos públicos teriam papel destacado.

Se o leilão de Libra for afinal um sucesso --como se imagina, apesar dos pesares--, o governo ganhará algum alívio. Mas o programa de concessões, por razões bastante conhecidas e nada sobrenaturais, começou mal.

A consagração da chanceler - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 24/09

A horas tantas da festa pela espetacular vitória da democrata-cristã Angela Merkel nas eleições de domingo na Alemanha, em meio ao coro de "Angie, Angie" e à cantoria em seu louvor, ela lembrou a todos que "amanhã, trabalhamos". Nada mais típico da mutti ("mamãe", outro de seus apelidos). Mesmo no auge do júbilo, ela não abre mão da responsabilidade de manter a disciplina em família. Mas, à parte o zelo inseparável da imagem dessa reservada senhora de 59 anos, o que tem proporcionado à maioria dos alemães um singular senso de segurança - em contraste com as agonias dos seus vizinhos atingidos pela crise do euro -, trabalho é que não vai faltar agora aos operadores políticos da chanceler que acaba de conquistar o terceiro triunfo consecutivo desde 2005.

Isso porque, embora Merkel tenha sido reeleita com mais votos que das vezes anteriores - numa inequívoca consagração pessoal -, o seu partido, a CDU, não alcançou os 45,5% de apoio exigidos na Alemanha para uma sigla fazer a maioria absoluta no Bundestag, a Câmara Baixa. (No Bundesrat, equivalente ao Senado, prevalece a coligação entre os sociais-democratas do SPD e o Partido Verde.) Contadas as cédulas dos cerca de 44 milhões de eleitores que compareceram às urnas (de um total de 61 milhões aptos a votar), o partido da chanceler e o seu braço regional na Bavária, a CSU, conquistaram 41,5% dos sufrágios. Seria mais do que suficiente para continuarem governando, se os seus aliados históricos do ultraliberal Partido Democrático Livre (FDP) repetissem o resultado de 2009, quando arrebanharam 14,6% dos votos.

Só que, achando um exagero a sua insistente pregação por menos governo e mais mercado, os alemães lhes deram apenas 4,8% da votação, abaixo do patamar de 5% para o acesso dos partidos ao Parlamento, conforme a cláusula de barreira adotada para dificultar a representação parlamentar de agremiações extremistas. A Esquerda, a legenda criada pelos simpatizantes do regime da antiga Alemanha Oriental, com 8,6% dos votos e 64 cadeiras, tornou-se a terceira força política do país, ao superar os verdes por 0,2 ponto porcentual e 1 cadeira. Diante desses resultados, que lhe deram 311 assentos em 630 - 5 aquém da maioria -, a CDU deve se voltar para a trabalhosa procura de um parceiro interessado em se coligar com ela.

Se dependesse apenas da atitude do SPD (25,7% dos votos e 192 cadeiras) e dos verdes diante do criticado programa de Merkel de resgate dos países europeus vítimas da crise financeira de 2008, como Grécia, Espanha, Portugal e Itália, condicionado à adoção de rígidos programas de austeridade, não haveria empecilhos insuperáveis. Com maior ou menor relutância, os sociais-democratas e os verdes votaram a seu favor. A chanceler caiu no agrado dos ambientalistas, ao ordenar a desativação das usinas nucleares do país, em seguida à catástrofe de Fukushima. Antes das eleições, porém, os verdes disseram não à hipótese de um acordo com a centro-direita. O mau desempenho do partido pode fazê-los mudar de ideia.

Do lado do SPD, com o qual Merkel poderia formar uma "grande coalizão" mais robusta, dado o tamanho da bancada rival, o precedente de 2005 não traz boas lembranças. O pacto foi facilitado pela desregulamentação do mercado de trabalho no governo Gerhard Schroeder, o último líder social-democrata antes de Merkel. Nas eleições seguintes, o partido sofreu uma traumática derrota, ficando com desmoralizantes 23% dos votos. Daí a acidez das suas críticas no decorrer do segundo mandato de Merkel. Ela teria transformado a Alemanha em um país de "miniempregos". O SPD propôs mais impostos e um salário mínimo nacional. A passos miúdos, como é de sua índole, Merkel contrapropôs pisos diferentes por regiões e setores. Mas aumentos de impostos, nem pensar.

Diante do estrondoso sim que os alemães deram à sua mutti, agora a única verdadeira líder europeia, talvez seja mau negócio para o SPD negar-se a um compromisso. O risco é de uma nova eleição - e de um êxito ainda maior da chanceler.

Prioridade à desobstrução da Justiça - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/09

Defender um Judiciário mais rápido não significa querer cassar direitos de defesa. Trata-se, apenas, de impedir que o excesso de recursos eternize a impunidade



A polêmica sobre a admissão dos embargos infringentes no julgamento do mensalão recolocou em debate o problema do excesso de recursos a que o réu dispõe para retardar quase indefinidamente a conclusão do processo em que foi condenado. E não só isso, mas também as possibilidades que existem de redução do rigor da pena.

Antes de tudo, deve-se escapar da visão maniqueista segundo a qual qualquer crítica ao emaranhado de leis e códigos da Justiça brasileira, que permitem a eternização de processos, pode levar à precarização dos direitos de defesa e ao desmonte do “devido processo legal”.

Longe disso. Desejar uma Justiça eficiente, rápida, não significa querer execuções sumárias, marca registrada de regimes ditatoriais. O problema é que, no Brasil, a balança do Judiciário pendeu para o lado da morosidade, via rápida para a impunidade, fórmula eficaz, por sua vez, da banalização do crime — de qualquer tipo. Contabilizam-se cerca de 40 possibilidades de recursos, entre embargos, agravos etc. Bons advogados, desses que só altas contas bancárias podem remunerar, transitam com desenvoltura neste cipoal de leis à disposição de quem busca a prescrição de crimes por meio de medidas protelatóris nos tribunais.

O ministro Cezar Peluso, ainda na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), propôs medida radical: emenda à Constituição para as decisões judiciais serem executadas se confirmadas na segunda instância, sem precisar ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), tampouco ao STF. Peluso identificava na existência de quatro instâncias na Justiça brasileira causa importante da morosidade dos tribunais. A ideia precisa ser mais debatida.

Já o projeto de reforma do Código Penal, estacionado na Câmara dos Deputados, prevê a possibilidade de apenas um embargo declaratório em cada instância (aquele embargo usado para esclarecer dúvidas nas sentenças). Pode ser um caminho. Não parece haver maiores divergências diante do tema. Em entrevista ao GLOBO, o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse ser necessário “rediscutir todo o nosso sistema de aplicação de justiça”, para que condenados deixem de retardar a execução da sentença.

O próprio ministro do STF Luiz Roberto Barroso defendeu, em uma das suas primeiras intervenções na retomada do julgamento do mensalão, que, identificados recursos como manobras protelatórios, qualquer processo seja encerrado com o veredicto final.

Ideias e sugestões não faltam. Algumas já na forma de projeto, caso do Código Penal. Falta é aproveitar as frentes abertas na reforma do Judiciário, em andamento, e dar prioridade à eliminação das chances de chicanas advocatícias impedirem que se faça de fato justiça.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Olha só quem quer me impedir de entrar no meu quartel!”
Jair Bolsonaro (PP-RJ) a Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) no portão do antigo DOI-Codi


JOSÉ DIRCEU ATACA DILMA E ELOGIA EDUARDO CAMPOS

Ex-ministro da Casa Civil do governo Lula e mais influente dirigente do PT depois do ex-presidente, José Dirceu já não esconde sua aversão à presidente Dilma, a quem chamou de “incompetente” e “desastrada”, diante de uma dezena de convidados para um almoço que lhe foi oferecido na sexta (20), em Brasília. Curiosamente, na mesma ocasião, ele fez elogios rasgados ao presidenciável Eduardo Campos (PSB).

ELA, NEM PENSAR

O grupo de José Dirceu sonha com o retorno do ex-presidente Lula ao governo, mas prefere Eduardo Campos a apoiar a reeleição de Dilma.

CONTRAPONTO

Quando destaca despreparo de Dilma, Dirceu cita o contraponto do talento político do governador de Pernambuco: “Quanta diferença!”.

INCOMPETÊNCIA

Pessimistas, José Dirceu acha que Dilma não tem competência para se recuperar da queda vertiginosa nas pesquisas.

IRRITAÇÃO

Dirceu sobe nas tamancas quando lembra a declaração de Dilma pelo fim do julgamento do mensalão, para “não contaminar” campanha.

CABRAL SE OFERECE, MAS DILMA NÃO O QUER

É lorota do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), a suposta “sondagem” para virar ministro do governo Dilma. A verdade – segundo fonte com gabinete no Planalto – é que Cabral se ofereceu para ser ministro com a curiosa alegação de que “merece” o que chama de “saída honrosa”, após entregar o governo fluminense ao vice Pezão. Mas a presidente não quer nem ouvir falar nessa história.

PORTA DOS FUNDOS

Muito desgastado, até pela atitude arrogante nas manifestações, Cabral quer levar a família para Brasília, a quase 1.000km de distância.

APELO PATÉTICO

Cabral fez a Lula apelo patético, às lágrimas, segundo dirigentes do PT. Comovido, o ex-presidente prometeu interceder junto a Dilma.

NADA FEITO

O governador fluminense também pediu ajuda a José Dirceu para virar ministro, mas o ex-ministro avisou que Dilma jamais o atenderia.

COMO CARRAPATO

No cargo há 33 anos, Antônio de Oliveira Santos, presidente-carrapato da Confederação Nacional do Comércio, foi ao trabalho ontem alegando não ter sido notificado do seu afastamento por suspeita de irregularidades. Conta derrubar a liminar antes de esvaziar as gavetas.

CPI NA GAVETA

Ainda não saiu do papel a CPI para apurar fraude no pagamento de precatórios do Tribunal Regional do Trabalho, em Rondônia. O objetivo é investigar esquema que pode ter provocado rombo de R$ 5 bilhões.

EM ANDAMENTO

Apenas duas CPIs estão em funcionamento, atualmente, na Câmara, sem despertar qualquer atenção: a de Tráfico de Pessoas e a de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

PITIMAN NO PSDB

Autorizado pelo TSE, o deputado federal Luiz Pitiman (DF) se desfiliou do PMDB ontem, e tem sido cortejado por vários partidos que o querem como candidato ao governo do DF. Nesta terça, aceitou conversar com Gilberto Kassab (PSD), mas sua tendência é filiar-se ao PSDB.

MUDANÇA NO DF

Com a saída do secretário de Comunicação do governo do Distrito Federal, Rudolfo Lago, três semanas após a posse, cresce a opção de Samanta Sallum para voltar ao cargo. E correndo por fora está o jornalista Alexandre Oltramari.

PALAVRAS AO VENTO

Na tentativa de proteger o leilão do pré-sal, a presidente da Agência Nacional de Petróleo, Magda Chambriard, diz que o banco de dados não está na internet, como se os americanos espionassem só e-mails.

BERÇO ESPLÊNDIDO

Hackeado por brasileiros no sábado (21), estava ontem ainda fora do ar o site da Federação Nacional dos Delegados da PF, chamados de “porcos fardados”, sob caricatura de Dilma com Lula no broche.

PÕE NA CONTA

Escritórios especializados faturam com ações de correção de até 88,3% do FGTS. O governo federal reduz o índice com a inflação desde 1999, e em setembro de 2012 o governo Dilma zerou a TR – Taxa Referencial.

PENSANDO BEM...

Dilma Rousseff poderia nomear o mal falado governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, para o seu Cerimonial. Afinal, ele sabe onde pôr os guardanapos.


PODER SEM PUDOR

MORRER NA IGNORÂNCIA, NÃO

Sem candidato forte às eleições presidenciais de 1989, o PMDB hesitava entre Ulysses Guimarães, Waldyr Pires e Íris Rezende, quando Antônio Britto, José Fogaça e Dante de Oliveira foram ao Recife consultar Miguel Arraes. Ouviram o governador de Pernambuco durante cinco horas, com seu jeito engrolado de falar, e foram embora. Na volta, uma forte turbulência provocou pânico a bordo do jatinho. Dante tentou descontrair, sem êxito:

- O pior é que a gente vai morrer sem fazer ideia do que o Arraes falou!...

TERÇA NOS JORNAIS

Globo: Destruição e morte
Folha: Governo reduz exigência para leiloar Confins e adia disputa
Estadão: Governo reduz exigências e adia leilão de aeroporto
Correio: Sexo, corrupção e briga de policiais no centro do poder
Valor: China adere e Brasil se isola na negociação de serviços
Estado de Minas: Vaga subterrânea preço nas alturas
Zero Hora: PF fecha o cerco contra a cocaína
Brasil Econômico: Terceiro trimestre com mais otimismo