O Estado de S.Paulo - 24/09
A autonomia do presidente de um banco central nunca foi tão questionada e, na prática, nunca tão defendida, até mesmo por quem a questiona, como se vê agora, quando se inicia o processo de escolha do novo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que administra a moeda mais importante do mundo.
Ontem, um dos governadores do Fed, o durão Richard Fisher, de Dallas, criticou o presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, pelas declarações que deram a entender que procurava indicar o novo presidente do Fed que fizesse depois o jogo do governo dele: "O Fed não pode ser instrumento político", disse Fisher.
De vez em quando alguém argumenta que os presidentes de bancos centrais têm poder demais. Interferem tanto na oferta quanto na procura da mercadoria mais importante de uma economia, agem com enorme desenvoltura e, no entanto, são colocados lá sem eleição. Por isso, conclui essa gente, é preciso submeter qualquer banco central e sua direção ao cabresto de quem recebe mandato popular para governar.
Ainda está para ser conhecido presidente de banco central que não sofra pressões de seus governos. Entretanto, do ponto de vista estritamente técnico, há enorme incompatibilidade entre o que geralmente pretende um governo e a função de um banco central.
Político adora gastar. Se puder, quer controlar sempre a emissora de moeda. Enquanto isso, a principal função de qualquer banco central é zelar pela defesa do mais importante patrimônio de uma economia, que é sua moeda. Essa incompatibilidade é fator tão decisivo que, a partir do momento em que um banco central passa a fazer o jogo do governo e não mais o da estabilidade da moeda, perde o respeito e a credibilidade dos agentes econômicos e, com ela, perde a capacidade de conduzir com um mínimo de eficácia a política monetária (política de juros) de uma economia.
A perda de credibilidade não ocorre só quando critérios políticos de curto prazo interferem na política monetária. Quando um banco central deixa o mercado financeiro solto demais e não se opõe a que os bancos criem moeda, como ocorreu nos Estados Unidos nos oito primeiros anos da última década, também trabalha contra a saúde da economia.
Essa matéria é tão importante que nem o homem mais poderoso do mundo se sente livre para nomear quem estivesse disposto a executar sua política. Qualquer desvio grave nesse ponto teria pronta e irresistível reação.
Também sempre há aqueles que argumentam, como parece ter feito Obama, que o valor maior não é garantir a integridade da moeda, mas garantir o crescimento do emprego, como se os dois objetivos fossem antagônicos.
No Brasil, o único mandato institucional do Banco Central é manobrar a política monetária de modo a manter a inflação dentro da meta. Mas há quem defenda o duplo mandato, como no Fed, para que a defesa da moeda não se faça em prejuízo do emprego e vice-versa.
Essa é uma questão exaustivamente estudada. As conclusões são convergentes. O melhor meio de defender o emprego e o avanço econômico é garantir a estabilidade da moeda. O modo mais rápido de destruir o salário e o emprego é deixar solta a inflação. Essa é também a razão pela qual o ponto de vista hoje prevalecente seja o de que todo banco central tenha autonomia para fazer o que tem de ser feito. Qualquer interferência política prejudica o desempenho de sua função.
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