O Estado de S.Paulo - 24/09
Há muito mais do que a constatação de que o volume total de crédito, na economia brasileira, quase setuplicou, nos últimos dez anos, nos números e indicadores levantados pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), em estudo divulgado na semana passada. A análise da situação do crédito, fotografado no mês de junho, de 2003 a 2013, serve de excelente resumo da evolução da própria economia no período.
Em tempos de difusão do veneno do pessimismo, o que aparece no filme da evolução do crédito vale como antídoto, na forma de uma dose de otimismo. Somente uma economia dinâmica seria capaz de registrar salto tão impressionante como o ocorrido no sistema de financiamento das atividades produtivas e do consumo das pessoas. Nenhuma economia, de fato, sai de um volume de crédito que nem chega a irrisórios 25% do PIB e avança até 55% do PIB, em meros dez anos, sem que tenha passado por profundas e positivas transformações.
Elaborado com base no acompanhamento mensal produzido pelo Banco Central, os números coletados no levantamento da Anefac impressionam. O volume total de crédito cresceu 560% no período e a expansão foi ainda maior no segmento de recursos livres, com aumento de 573%. No caso dos financiamentos para pessoa física, a diferença do volume livre total contratado entre 2003 e 2013 passa de 750%.
Taxas de juros, spreads, prazos de financiamento, inadimplência, tudo mudou muito - e para melhor. Os juros médios, por exemplo, recuaram de 56,7% ao ano para 26,5%, enquanto os spreads encolheram de 33,2% para 16,7% (81,4% para 34,9%, no segmento das pessoas físicas). Sim, ainda são altos, mas a redução é marcante.
Mais impactante foi o que ocorreu com o prazo médio de financiamento e com a inadimplência. De 7,3 meses, em 2003, o prazo médio dos empréstimos avançou para 38,4 meses, em 2013 - um prazo cinco vezes mais elástico. E a inadimplência da pessoa física, se hoje ainda é alta, com 7,2% dos financiamentos vencidos há mais de 90 dias, há dez anos chegava a 15,5% - proporcionalmente mais do que o dobro.
Todos esses números são testemunhas incontestáveis de que a economia mudou de patamar nos últimos dez anos, mas também não pode haver a menor dúvida de que nada disso seria minimamente possível sem as transformações ocorridas nos dez anos anteriores. Sem a estabilidade monetária alcançada após o Plano Real e as reformas institucionais dos anos seguintes - algumas especificamente favorecedoras da ampliação do crédito -, a história seria outra.
Também seria outra se, mesmo com condições ambientais favoráveis, não tivesse sido promovido, no período, um grande esforço de inclusão social e de ampliação do acesso aos mercados - no qual o crédito, como em qualquer economia digna do nome, teve papel destacado. Mesmo permanecendo entre os campeões da desigualdade de renda, esse movimento configurou no Brasil, finalmente, um mercado de massas, que começa a fazer jus às dimensões do País.
Pode-se, é claro, ressalvar aspectos dessa evolução. Sua expansão, talvez em velocidade excessiva, o protagonismo assumido pelos bancos públicos, a dificuldade em mudar rumos e promover novas reformas quando os ventos globais viraram. Etc., etc. Nada disso, porém, nem mesmo as evidentes dificuldades atuais, parece capaz de desqualificar as conquistas alcançadas.
A espantosa evolução do crédito aponta, é verdade, para o longo caminho que ainda terá de ser percorrido até que a economia brasileira se aproxime das mais avançadas, nas quais o volume do crédito, em tempos normais, equivale ao tamanho do PIB. Mas o que já se avançou, além de ser mais uma prova da inutilidade do insistente Fla-Flu que opõe simpatizantes dos governos de Fernando Henrique e Lula/Dilma, mostra do que somos capazes.
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