domingo, julho 12, 2020

Sobre aqueles que não mudaram - LEANDRO KARNAL

ESTADÃO - 12/07

Mesmo ante milhares de mortos, há os que insistem que a covid-19 não foi nada, apenas histeria


Opinar é pensar de improviso, baseado em dados por vezes escassos, ora abundantes. Sei algo sobre um assunto, penso (quando o faço) e emito uma sentença sobre aquilo. Isso é minha opinião, ou seja, isso é o que acho verdade diante de algo sobre o qual sei pouco ou mais do que nada.

Mudar de opinião é sinal ambíguo. Pode ser símbolo de quem não tem firmeza ou convicções. Jô Soares desenvolveu, décadas atrás, uma personagem maravilhosa que era a encarnação desse tipo: Múcio. Para quem não se lembra, era daqueles que não querem desagradar a ninguém, logo... concordava com tudo o que lhe diziam. O quadro sempre se passava diante de um diálogo em que opiniões divergentes se cruzavam. De um lado, alguém dizia: vinho tinto, definitivamente! Do outro, a réplica vinha: melhor o branco, sempre! Passando despercebido, Múcio era sempre chamado para funcionar como um fiel da balança e asseverar com quem estava a razão. Pobre coitado! Começava ouvindo os argumentos do defensor dos tintos, que falava sobre taninos, corpo, robustez, inigualável para carnes. Ao fim, concordava com aquilo: “Sim! Tintos, claro. Tintos”. E, quando ameaçava retomar sua marcha, era segurado pelo colarinho pelo outro lado, que, então, lhe explicava o valor de um branco, seu frescor, leveza, acompanhamento inigualável para peixes e pratos suaves. Ao fim da peroração, anuía: “Claro, claro, brancos são superiores!”. Irritando ambos os lados, pressionado para se decidir, buscava o consenso: “Tomemos rosé”.

Na outra ponta de Múcio, está o cabeça-dura, o teimoso. Gente que, diante de evidências concretas, se apega a sua opinião já pronta. Não cede, não muda. Há quem louve seres assim, e chamam a dureza de resolução ou firmeza. De fato, há quem por teimosia tenha ganhado guerras ou acertado na loteria. Mas, para cada vitorioso dessa cepa, há milhões de exemplos de gente chata e recalcada apenas, disposta a morrer em navio com casco furado, jurando que aquilo pode e será consertado com um pouco de breu e de obstinação.

Vivemos a era da opinião. Redes sociais ao alcance de nossos dedos fazem com que eu queira opinar sobre tudo e todos. Sobre a pandemia que nos assolou, não foi diferente. Cansamos de ver Múcios querendo agradar à – olhem a ironia – opinião pública, trocando de convicção sobre o que fazer e como fazer com a frequência com que passamos álcool em gel nas mãos. Ao mesmo tempo, lá estão os que, diante de curvas exponenciais, dados sobre falência de sistemas de saúde e colapso de sistemas funerários, diante de corpos padecendo e milhares de outros sem vida, insistiam que a covid-19 não foi nada, apenas histeria, tempestade em copo d’água.

Não estou demonizando a nossa capacidade de opinar, tampouco reduzindo o mundo a dois tipos de pessoa: Múcios e anti-Múcios.

Porém, argumento que o bom senso nos impele a mudar diante das evidências, que isso é sinal de inteligência. Múcio era carente e apenas desejava se livrar de enrascadas, de falsas diatribes. O acordo, contudo, era, para ele, sobrevivência emocional, não política pública. Anti-Múcios têm, no geral, zero de inteligência emocional e, igualmente, ausência de sabedoria prática.

No começo das notícias do coronavírus, tudo parecia longe e distante, talvez fosse contido ali mesmo na China. Depois, novidades vieram de contaminados em países vizinhos. Tudo bem pensar que estivéssemos sãos e salvos. O vírus já estava na Califórnia nessa época, mas ninguém sabia. Ele então tomou de assalto a Europa e, de lá, importamos o problema. Um caso em São Paulo e foi curado. Problema menor. Eu escrevi um texto bem mais otimista antes de março de 2020. Depois outro, e mais outro, a primeira morte. As evidências estavam ali. Chegamos ao patamar de milhares de mortes por dia. Em uma semana, pereciam mais pessoas da nova doença do que de gripe comum em um ano todo. Só os EUA perderam um, depois dois Vietnãs de americanos.

Mesmo diante disso tudo, houve aqueles que não mudaram. Aqueles que continuaram sua vida, praguejando. Aqueles que não se abalaram. Mantiveram sua opinião sobre o vírus, sobre a ciência, sobre a economia, sobre a política. Diante dessas pessoas, aqueles que não mudaram, escrevo hoje pensando se existe um jeito de convencer quem não se abre a argumentos. Boa semana para 
todos.

As crianças na pandemia - ROSELY SAYÃO

ESTADÃO - 12/07

Diariamente lemos, ouvimos, falamos, assistimos a reportagens e trocamos ideias a respeito da doença provocada pelo covid-19, da gravidade dela e da morte


Nunca a morte – bem como a ideia dela – esteve tão em evidência para nós quanto nestes tempos de pandemia. Diariamente lemos, ouvimos, falamos, assistimos a reportagens e trocamos ideias a respeito da doença provocada pelo covid-19, da gravidade dela e da morte.

Sofrimento e morte: eis os temas que têm ocupado lugar privilegiado em nossos pensamentos. Muitos perderam pessoas próximas, com quem tinham laços de parentesco ou de vínculo de afeto. O sofrimento decorrente dessas perdas tem sido muito intenso e o luto, nada fácil. Afinal, quase todos foram privados do funeral e do enterro, rituais que ajudam a organizar o luto das pessoas. Mesmo quem não perdeu alguém conhecido ou próximo sofre por empatia.

Já lemos opiniões e análises de que as notícias sobre o número de infectados e mortes poderia desumanizar a dor da perda de tantos brasileiros, já que se as informações acabam se transformando em números e estatísticas. Entretanto, nossa humanidade não permite que ignoremos por completo o fato de que o sofrimento, a angústia, a ansiedade e o medo, entre outros, nos rondam neste período de pandemia e não há vacina tampouco tratamento efetivo para a doença.

Nesse panorama, é importante perguntar: como ficam as crianças e os adolescentes nesse contexto? Vale lembrar que todos eles estão com acesso a todas as informações do mundo adulto. Como será que entendem e elaboram essas questões? Como a ideia de morte é percebida? Como responder às perguntas que nos fazem?

Primeiramente, é preciso lembrar que a ideia da morte varia de acordo com o estágio de desenvolvimento da criança, bem como com as experiências já vivenciadas. Por exemplo: uma criança de 4 anos pode não entender a morte no seu real significado, e outra, da mesma idade e mesmo estágio de desenvolvimento, por viver em locais de extrema violência, pode ter um entendimento mais pleno da finitude humana.

Vamos lembrar que a aceitação da morte é difícil até para adultos e que, a partir dessa ideia, as crianças passaram a ser poupadas da ideia da morte, como se isso fosse possível! Muitas famílias não contam aos filhos pequenos sobre a morte de um parente próximo e até criam mentiras para explicar a ausência das pessoas que morreram. Em vez de dizer, por exemplo, “o vovô morreu”, dizem: “o vovô viajou”. No geral, devemos sempre respeitar a criança e dizer-lhe a verdade. Ocultar a morte para evitar sofrimento não ajuda em nada: a criança percebe que há pessoas tristes ao redor e a relação de confiança sofre, então, uma quebra.

Dizer a verdade à criança a respeito da morte pode sofrer variações de acordo com a idade dela. Para as que estão na primeira infância pode ser útil recorrer a alguns mitos. Por exemplo: “vovô morreu e agora está no céu, com as estrelas”, uma fantasia que ajuda a criança a elaborar o conceito.

Crianças maiores já entendem o significado da morte quase como um adulto: “É o fim”, me disse uma garota de 10 anos. E quando essa compreensão chega, em geral chega acompanhada de medo – medo de perder os pais, medo da morte.

Acolher amorosamente esse medo, sem falsas promessas, é o melhor que podemos ofertar. Não podemos garantir que ela não morrerá, mas podemos aquietar o quanto possível essa angústia: “Irei sempre cuidar de você e de sua saúde, da minha também”. Isso dá segurança à criança. E quando eles perguntam o que não sabemos? “Por que as pessoas morrem?”é uma curiosidade frequente. Responder que é “porque toda a vida acaba” é um modo delicado de apontar a finitude da vida.

E os adolescentes? Com eles, a questão é mais complexa porque, em tempos de pandemia, de isolamento físico, de quebra do acesso ao mundo adulto que eles vinham conquistando, a ideia de morte pode acrescentar à ansiedade e à tristeza deles um fator perigoso. Muitos amigos psiquiatras têm relatado a procura de pais de adolescentes que têm falado de ideias suicidas. Nesses casos, é preciso procurar rapidamente um profissional.

No geral, devemos incentivar no adolescente o amor à vida e o cuidado com ela, em qualquer situação, e nunca o desafio da morte.

É PSICÓLOGA

Cloroquina é inútil contra o desgoverno - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo - 12/07

Desprezando o direito à vida, Bolsonaro busca reeleição sem nunca ter governado


Não tentem curar despreparo, ignorância, incompetência ou irresponsabilidade com cloroquina. Não vai dar certo, como já foi comprovado no Brasil e nos Estados Unidos. Consumidor, defensor e propagandista desse medicamento, o presidente Jair Bolsonaro já testou positivo para o novo coronavírus, mas continuou testando negativo para as funções de governo. No meio de uma pandemia, o Brasil completou na última sexta-feira quase dois meses sem titular no Ministério da Saúde. No mesmo dia, um novo ministro da Educação, o quarto em pouco mais de um ano meio, poderia ser anunciado. Na véspera, numa de suas lives, o presidente havia tentado mostrar otimismo. “A economia vai pegar”, disse ele, atribuindo a profecia ao ministro da Economia. “Se a economia não pegar, fica complicado. Mas acredito no Paulo Guedes”, acrescentou. Acredita mesmo?

Confiando no ministro, mas nem tanto, na mesma live o presidente voltou a cobrar a reabertura mais pronta das atividades. “Há sinais de retomada na economia, mas precisamos de governadores e prefeitos que comecem a abrir o comércio, caso contrário as consequências vão ser danosas para todo mundo no Brasil”, disse Bolsonaro. A insistência contrasta com seu desinteresse, exibido até recentemente, pelos assuntos econômicos. Como explicar a mudança? Uma súbita iluminação?

Bolsonaro completou seu primeiro ano de mandato com a economia em pior estado do que em 2018. O produto interno bruto (PIB) cresceu apenas 1,1% em 2019, menos que em qualquer dos dois anos precedentes.

No começo deste ano o desemprego, superior a 11%, era pouco menor que o de um ano antes e mais que o dobro da média (5,2%) da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A indústria, depois de alguma retomada em 2017 e 2018, emperrou de novo. Entre novembro de 2019 e março de 2020, a produção industrial de cada mês foi sempre menor que a de um ano antes.

O presidente nunca se mostrou preocupado com esses números – até a pandemia bater no Brasil e começar a discussão sobre como enfrentar os novos problemas. A gravidade da crise sanitária foi reconhecida com algum atraso pelo Executivo federal, mas em seguida houve ações importantes. A política de saúde foi reforçada com mais dinheiro. Além disso, medidas emergenciais foram anunciadas para ajudar empresas pequenas e médias, defender o emprego e socorrer famílias mais vulneráveis. O governo cuidou de realçar os próprios feitos, como se resultassem de iniciativas excepcionais. O autoelogio, porém, foi um tanto exagerado.

As ações anticrise foram positivas, sem dúvida, mas muito parecidas, em aspectos essenciais, com as implantadas em dezenas de países. Dados da OCDE divulgados mostram amplo recurso a medidas fiscais e monetárias de apoio à atividade econômica, ao emprego e às populações mais necessitadas. Com algumas variações, políticas desse tipo foram lançadas em países tão diferentes quanto Noruega, Alemanha, Tanzânia, Costa Rica, Estados Unidos, Indonésia, Argentina, França, Japão, Vietnã, Coreia do Sul, Uganda, República Dominicana, Colômbia, Peru, Paraguai, Malásia, Austrália, Tunísia, México, Índia, Israel e Nova Zelândia.

Com ou sem Bolsonaro teria prevalecido orientação semelhante. Isso em nada reduz o mérito das políticas. Simplesmente as situa numa perspectiva realista. Mas, ainda assim, suas ações têm algumas características particulares.

Em primeiro lugar, é evidente o destaque dado por Bolsonaro a seus objetivos eleitorais. O Brasil teve, nos últimos meses, um presidente em guerra contra os governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, tratados como prováveis adversários na eleição presidencial de 2022. A preocupação política explica também, de modo muito claro, o empenho de Bolsonaro em apressar a reabertura do maior número possível de atividades.

Em segundo lugar, é notória a prevalência dos objetivos políticos sobre as preocupações com a segurança dos cidadãos. Mesmo depois do teste positivo, Bolsonaro continuou minimizando o perigo do coronavírus e, mais que isso, menosprezando o direito à vida. Ele age como se alguns milhares de mortos a mais fossem um preço razoável para apressar a retomada econômica e facilitar sua reeleição. Não se distingue, quanto a isso, de seu líder Donald Trump. Em Tulsa, Oklahoma, mais de 200 casos diários de covid-19 foram registrados duas semanas depois do famigerado comício do presidente americano. Eram menos de 100 por dia antes do evento, segundo o governo local.

Qualquer presidente, dirão boas almas, tem o direito de cuidar de seus objetivos políticos, incluída a reeleição. É verdade. Mas no começo do segundo ano de mandato? E sem ter governado? Desde janeiro de 2019 Bolsonaro cuidou de assuntos como posse de armas, atrapalhou a discussão dos grandes temas, como a reforma da Previdência, deu prioridade a interesses pessoais e familiares. Além disso, tem prestigiado manifestações golpistas. Não se pode, enfim, acusá-lo de ter governado mal. De governo ele jamais cuidou.

Entre dois vazios - BOLÍVAR LAMOUNIER

O Estado de S.Paulo - 12/07

O presidente quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?


Na tradição liberal, a atividade política é entendida como a arte de equacionar os problemas da sociedade com o mínimo possível de confronto e violência. Uma arte que pressupõe o uso do poder do Estado, mas de forma comedida, guiada por um sentimento de proporção.

Em seu primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro ignorou solenemente esse ensinamento fundamental da história política ocidental. Orientado, segundo se diz, pelo sábio da Virgínia, ele adotou uma linguagem radical, como se as urnas lhe houvessem conferido autoridade para mudar as próprias bases da sociedade e do sistema político. Como se a maioria eleitoral lhe tivesse outorgado autoridade para fazer o que lhe aprouvesse. Para refazer os fundamentos da economia e liquidar o que denominou “velha política”. Não hesitaria sequer em intervir no campo dos valores e comportamentos, implantando uma nova moralidade.

Por mais críticos que sejamos das estruturas e práticas públicas vigentes em nosso país, salta aos olhos que o bolsonarismo da primeira fase não se deixava pautar por uma perspectiva de comedimento e proporção. Em vez de se acomodar à distribuição de forças e objetivos corporificada na Constituição e nas leis, não disfarçava sua preferência por uma linha de terra arrasada, bem próxima do que o filósofo Bernard Yack denominou o mito da revolução total.

Nem de longe advogo uma opção pelo status quo. Sabemos todos que o Estado brasileiro está desde há muito corroído por interesses patrimonialistas e corporativistas, e pela corrupção sistêmica. Que nossa economia está travada, desprovida de dinamismo, excessivamente fechada e, portanto, incapaz de superar a chamada “armadilha do crescimento médio”. Que nossas desigualdades sociais, em si inaceitáveis, são diariamente reforçadas por um sistema educacional calamitoso. Que nosso sistema político é manifestamente disfuncional. Não há como ignorar ou subestimar a gravidade de tais desafios, mas o imperativo de superá-los terá de ser compatibilizado com o regime democrático, cujos pilares são, como antes argumentei, o comedimento e um sentimento de proporção.

É óbvio que o projeto inicial do bolsonarismo – se assim pode ser denominado – não poderia dar certo. Nenhuma sociedade, e em particular as regidas por regimes democráticos, se deixa dobrar com a facilidade que ele pressuponha. Ele haveria de esbarrar, como esbarrou, na diversidade corporificada nas instituições do Estado e na miríade de grupos e associações existentes no País. Se tais restrições em alguma medida sempre se impõem, mais dramaticamente ainda se impuseram a partir do momento em que o Brasil e o mundo inteiro sofreram o tremendo impacto da covid-19. Incapaz de levar avante o esforço (sem dúvida, louvável) de ajuste nas contas públicas, o governo viu-se forçado a trilhar o caminho inverso, destinando cifras consideráveis ao combate à doença.

Foi assim, forçado pelos equívocos intrínsecos de sua fantasia inicial e pela chegada da pandemia, que o presidente Bolsonaro se viu obrigado a retroceder. Obrigado não só a desistir do combate ao que vagamente denominava “velha política”, mas a trazer uma parte concreta dela – o chamado Centrão – para dentro do Estado. Não só a desistir do combate à corrupção, mas a aliar-se aos que se empenhavam em deter seu ímpeto, levando de roldão os avanços logrados pela Lava Jato. A opção que lhe restou para conservar certa similitude com o personagem fantasioso que inicialmente quis encarnar foi assumir uma conduta irresponsável em relação à pandemia, solapando abertamente a ação dos agentes médicos que lhe fazem frente nos níveis estadual e municipal.

Quanto ao projeto inicial, o passar do tempo não deixa dúvidas. Era um vazio, um oco total. Um buraco negro que só poderia perdurar engolindo toda a luz que em volta dele restasse. Seu fracasso nos arremessou de volta não ao ponto onde nos encontrávamos, uma vez que, bem ou mal, tínhamos uma agenda de reformas razoavelmente bem delineada. Arremessou-nos a um ponto anterior, a uma molécula nefasta na qual o populismo e a irresponsabilidade do presidente se sobrepuseram ao desafio das reformas que cedo ou tarde teremos de enfrentar.

Sabemos todos que, enquanto não dispusermos de um remédio ou de uma vacina eficaz, milhares de vidas continuarão a ser diariamente ceifadas. Que, por ora, o que podemos fazer é observar estritamente o distanciamento e o uso de máscaras. Isolado em suas crenças, na contramão do resto do mundo, Bolsonaro insiste em fazer o oposto: sai à rua sem máscara, aglomera-se com correligionários e chega mesmo a abraçar crianças e bebês. Cria esse espetáculo para propagandear o remédio milagroso que julga ter descoberto. Com que objetivo? Essa pergunta não parece comportar uma resposta racional. Pretende manter-se na crista da onda, de olhos fitos na eleição de 2022? Despreparado para a vida pública e para o cargo que ocupa, quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?

Só Deus sabe.

Cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

Bolsonaro e o sonho americano - BRUNO BOGHOSSIAN

Folha de S. Paulo - 12/07

Pandemia pode isolar o Brasil e deixar mais distante o ingênuo sonho americano do Planalto


Há um mês, Donald Trump citou o Brasil como exemplo negativo na pandemia. O americano errou tudo o que podia no combate ao coronavírus, mas disse que o país governado por Jair Bolsonaro enfrentava “um momento bem difícil” devido às suas escolhas durante a crise.

A reação do brasileiro ilustrou perfeitamente a postura de um país que escolheu a bajulação como pilar de sua política externa. Bolsonaro mandou um abraço para Trump, afirmou que gostaria de aprofundar as relações com os EUA e disse torcer pela reeleição do colega.

O Planalto recebeu, nas últimas semanas, algumas amostras dos efeitos de sua ingenuidade. O impacto econômico da pandemia, as barbeiragens do governo brasileiro na crise e sua negligência ambiental tornaram a subserviência aos americanos uma ferramenta diplomática inútil.

A torcida de Bolsonaro pelo sucesso de Trump nas urnas em novembro, que já era um erro político, passou a ser uma aposta de risco. Embora o cenário continue incerto, o democrata Joe Biden abriu vantagem nas pesquisas.

Seu partido, que é maioria na Câmara, já deu recados amargos ao brasileiro.

Em junho, o comitê tributário daquela casa, dominado pelos democratas, assinou uma carta em que dizia se opor a “qualquer tipo de acordo comercial com o governo Bolsonaro” devido a seu desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Se o partido levar a Casa Branca, o sonho americano do presidente brasileiro ficará distante.

Mesmo uma vitória de Trump não garante um reforço nessa parceria. Ao mirar a retomada pós-pandemia, o americano retomou seu tom nacionalista, que pode restringir o acesso brasileiro à economia americana.

Em entrevista na última semana, ele disse que “terras estrangeiras roubaram nossos empregos com acordos comerciais horríveis”.

O Brasil pode sair da crise mais isolado. A União Europeia já freou negociações com o Brasil. Até o lunático Rodrigo Duterte, das Filipinas, tenta se distanciar de Bolsonaro.