domingo, novembro 08, 2009

BRASÍLIA - DF

Teses sobre o governo Lula

CORREIO BRAZILIENSE - 08/11/09



Crítico do governo Lula, o cientista político Luiz Werneck Viana, do Iuperj, inspirou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a caracterizar o governo Lula como um projeto de poder que mistura o nacional-desenvolvimentismo com o resgate do populismo da Era Vargas. No texto intitulado Tópicos para um debate sobre conjuntura (http://www.acessa.com/gramsci), Werneck sintetiza a série de artigos que escreveu nos últimos anos sobre o atual governo.

Para o cientista político carioca, a crise de 2008 serviu como teste do capitalismo brasileiro e do atual governo, que projeta externamente “uma ordem grã-burguesa”. O presidente Lula desenvolve uma estratégia de Estado consciente dos seus objetivos econômicos e políticos de maximização de poder, em estreita articulação com o grande empresariado. Segundo Werneck, a crescente mobilização de recursos e fins da política para a condução da economia “já indicam uma via de capitalismo politicamente orientado, velha conhecida da tradição republicana brasileira, a partir da qual, em conjunturas diversas — a de Vargas, a de JK, e a do regime militar — realizou-se o processo de modernização do país.”

Efeito da crise
A crise trouxe de volta o tema do Estado e de seu papel como agência organizadora da economia. Na opinião de Werneck Viana (foto), atualizou, imprevistamente, o repertório da tradição republicana brasileira, “com os patéticos postulados de grandeza nacional que já se fazem ouvir”. Para ele, políticas estratégicas são conduzidas pelo Estado sem anuência explícita da sociedade civil e de suas instâncias de deliberação. “É toda uma forma de Estado que ressurge, em particular no novo papel concedido às corporações e à representação funcional. O Estado se amplia com a incorporação de representantes das entidades classistas de empresários e de trabalhadores”, destaca.

Equívoco
Para Werneck, porém, é falso e anacrônico conceber a próxima sucessão eleitoral como a reedição dos embates entre a UDN e o PTB. “Estado forte, sim, mas sob controle da sociedade, e não sobreposto assimetricamente a ela”, avalia. Segundo ele, o capitalismo brasileiro é um experimento bem sucedido, com parque industrial diversificado, mercado interno em expansão, um pujante agronegócio e um sistema financeiro racionalizado, que se mostrou capaz de atravessar sem maiores abalos a crise mundial de 2008. E o Judiciário promove uma reforma que vai racionalizar ainda mais o Estado.

Mr. Fiel
Perdão, Mister Fiel, documentário longa-metragem que conta a história do operário Manoel Fiel Filho (foto), morto nos porões do DOI-Codi de São Paulo em 1976, é aguardado com grande expectativa no Festival de Cinema de Brasília, de 17 a 24 de novembro. Dirigido pelo jornalista Jorge Oliveira, traz revelações inéditas de um ex-agente do DOI-Codi, do presidente Lula e dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney. Conta com detalhes como eram mortos e esquartejados os presos políticos que chegavam à Casa de Petrópolis e nos DOI-Codi de São Paulo e Rio de Janeiro.

Orçamento
O pau vai quebrar na Comissão Mista de Orçamento, terça-feira, entre as bancadas do PT e do DEM. Para não fazer cortes nos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o relator-geral Geraldo Magela (PT-DF) meteu a tesoura no orçamento de infraestrutura apresentado pelo relator setorial Efraim Moraes (DEM-PB). Para o PAC, foram reservados R$ 28 bilhões


Farroupilha
Virou jogo de empurra o debate interno no PMDB gaúcho sobre a sucessão da tucana Yeda Crusius no governo gaúcho. O prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, teme deixar a prefeitura no meio do mandato para disputar a eleição. O ex-governador Germano Rigotto emite sinais de que pretende mesmo se candidatar ao Senado. O deputado Eliseu Padilha, cacique da legenda, avalia que a governadora alvejada por denúncias tem plenas condições de reeleição.


Generais/ Lista de promoções encaminhada pelo Comando do Exército ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, e ao presidente Lula: para general de exército, os generais de divisão Américo Salvador de Oliveira e Gilberto Arantes Barbosa; para general de divisão, os generais de brigada Celso José Tiago, Luiz Alberto Martins Bringel, Marcelo Flávio Oliveira Aguiar, Eduardo Segundo Liberali Wizniewsky e Oswaldo de Jesus Ferreira.

Coronéis/ Também estão sendo promovidos a general de brigada os coronéis Walter Souza Braga Netto, Luís Antônio Silva dos Santos, Décio Luís Schons, Luiz Felipe Linhares Gomes, Amauri Pereira Leite, Lauro Luís Pires da Silva, Antônio dos Santos Guerra Neto, César Augusto Nardi de Souza, Franklimberg Ribeiro Freitas, Carlos Maurício Barroso Sarmento, José Luiz Laborandy Junior e Waldir da Silva Lucena.

Comenda/ Na próxima segunda-feira, às 19h, o vice José Alencar receberá das mãos do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, o título de presidente emérito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O governador de São Paulo, José Serra, participará da homenagem.

Debandada/Minguado nas eleições municipais, o DEM corre risco de perder sua relevância política no Ceará. Principal nome do partido no estado, o ex-deputado Moroni Torgan se mudou para Portugal, onde foi convidado a coordenar a congregação mórmon no país. Único deputado estadual da legenda, Edson Silva debandou para o PSB do governador Cid Gomes.

Sabatina
A Comissão de Relações Exteriores do Senado marcou para quinta-feira, 12, a sabatina do novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Mauro Vieira. O governo norte-americano já concedeu o agrément para que assuma o posto em Washington. Substituirá Gonzaga Patriota, atual secretário-geral do Itamaraty.

OPINIÃO - O GLOBO

1989

O GLOBO - 08/11/09

A História às vezes parece andar se arrastando, com passos de tartaruga.

Mas, de repente, pode saltar como um felino.

Assim foi em 1989, ano tão histórico quanto 1789, ou 1917. Um império que parecia destinado a uma longa existência, um dos polos de poder do mundo, desaparecia como que num passe de mágica, sem grandes conflitos, quase sem derramamento de sangue.

Naquele momento crítico, a rapidez dos acontecimentos foi extraordinária.

A 19 de agosto de 1989, a Hungria abriu suas fronteiras a alemães orientais que queriam entrar no lado ocidental.

No dia 9 de novembro, o Muro de Berlim veio abaixo quase que por acaso, em seguida a uma declaração mal entendida de um funcionário do leste alemão. A 17 de novembro, a “revolução de veludo” promovia a troca de regime em Praga. Em dezembro, na Romênia, o tirano Ceausescu foi apeado do poder e imediatamente executado. A URSS ainda seguiu o seu caminho, trôpega, por algum tempo; mas em menos de dois anos as 15 repúblicas soviéticas proclamavam a sua soberania, e um Gorbatchov ainda desejoso de manter o status quo era atropelado por Boris Yeltsin, que se convertera no homem da hora.

O qu e a c o n t e c e u que justificasse mudanças tão drásticas? Livro sobre livro tem sido escrito para tentar explicar a data histórica de 20 anos atrás, cada um deles com a sua ênfase preferencial.

Mas alguns fatos são cristalinos, como a decisão de Mikhail Gorbatchov de, de repente, jogar uma luz crua sobre a realidade do sistema soviético. Foi o que ele chamou de “glasnost”, “transparência”, e que foi detalhado no livro que traçava os rumos da “perestroika” (“reconstrução”). Ali ele explicava que o sistema estava fazendo água por todos os lados, que todos os indicadores apontavam para baixo, e que não havia saída sem mudanças radicais.

Gorbatchov tinha sido selecionado, alguns anos antes, como o dirigente “jovem” que poderia trazer ar fresco a um sistema combalido.

Foi o que ele tentou com a “perestroika”. Mas logo se viu que o regime não tolerava esse grau de abertura: bastou um pouco de ar para que a casa inteira viesse abaixo.

Assim se demonstrava, também, que os fatos históricos podem ter razões complexas, e poderosas, mas que eles se modificam de acordo com os indivíduos que estão à frente dos acontecimentos.

Se, em vez de Gorbatchov, estivessem no comando homens como Andropov e Chernenko (seus dois antecessores), certamente continuaria a resistência à mudança. Ela ia acontecer em prazo maior, e a um custo muito mais alto. A Gorbatchov, o mérito indiscutível de ter colaborado com o inevitável.

Outros atores também influíram vigorosamente — como o “papa polonês”, João Paulo II, cuja eleição, em 1979, certamente trouxe ânimo e inspiração ao movimento sindical liderado por Lech Walesa — o Solidariedade. Na defesa dos operários poloneses, o papa estabeleceu com o presidente americano Ronald Reagan uma parceria altamente eficaz.

E não se pode esquecer as inquietações nacionalistas que fizeram correr um calafrio por todo o sistema soviético — que era um império multinacional ao estilo antigo. Esse era um problema tão grave que, com 20 anos de antecedência, a historiadora francesa Hélène Carrère D‘Encausse, no grande livro que se chama “L´Empire Éclaté”, previu que ele levaria à dissolução do império.

O paradoxal é que, em algum período entre os anos 70 e 80, o sistema parecia relativamente vigoroso, e chegou a ter apoio popular com suas políticas que garantiam saúde, educação e moradia a custo zero. São as vantagens relativas de um sistema autoritário, que faz o que quer, quando quer e como quer.

Mas, depois, vem a esclerose resultante do próprio autoritarismo, da falta de oxigênio político. Na terramãe do sistema, o autoritarismo era uma herança secular, que, desde Ivan, o Terrível, nunca fora realmente contestada.

Mas, para países do Leste europeu como a Polônia, a Hungria e a Tchecoslováquia, o estado policial e o dirigismo russo eram doenças difíceis de tolerar.

O regime central sufocou brutalmente qualquer tentativa de mudança — na Hungria, em 1956, na Tchecoslováquia, em 1968.

Mas esse endurecimento do gigante moscovita produziu maus efeitos por toda parte — um quadro caracterizado pelo segredo e pela coerção, a cultura da suspeita, a promoção dos leais à frente dos capazes, dos medrosos em lugar dos criativos.

No conjunto, as repúblicas soviéticas mostravam-se incapazes de competir com o Ocidente.

Mas, para manter algum apoio interno, não podiam retirar os subsídios que impregnavam toda a economia.

A saída encontrada foi a de empréstimos cada vez mais vultosos ao próprio sistema ocidental que a vulgata marxista vilipendiava.

Até que, num determinado momento, acendeu-se a luz vermelha.

Daí por diante, nada mais podia segurar as correntes subterrâneas da História, que afinal se manifestaram com ímpeto avassalador

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

PARA....HIHIHIHI

NA PORTA DO CU DO DONO

Essa rola antigamente
Vivia caçando briga
Furando pé de barriga
Doidinha pra fazer gente
Mas hoje tá diferente
No mais profundo abandono
Dormindo um eterno sono
Não quer mais saber de nada
Com a cabeça encostada
Na porta do cu do dono.

Já fez muita estripulia
Firme que só bambu
Mais parecia um tatu
Fuçava depois cuspia
Reinava na putaria
O priquito era seu trono
Trepava sem sentir sono
E sem precisar de escada
Mas hoje vive enfadada
Na porta do cu do dono.

Nunca mais desvirginou
Uma mata vaginosa
Há muito tempo não goza
A noite de gala passou
Vive cheia de pudor
Sonolenta e sem abono
Faz da ceroula um quimono
E da cueca uma estufa
Vive hoje a cheirar bufa
Na porta do cu do dono

COLABORAÇÃO ENVIADA POR APOLO

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Quanto vale uma má companhia?

O ESTADO DE SÃO PAULO - 08/11/09


Nos próximos dias o Brasil receberá a visita de um personagem polêmico, para dizer o mínimo. O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, chefia um governo que não reconhece direitos civis e humanos de parcelas importantes da população. Seu regime persegue minorias étnicas e não permite aos homossexuais a liberdade de escolher a orientação sexual. Defende posições esdrúxulas, como a de que o Holocausto seria uma mentira contada apenas para justificar o direito aos judeus de terem o seu país, Israel. Além de negar a História, ele prega a destruição de Israel.

Sua reeleição para a presidência do Irã foi um triste episódio de violação explícita das regras da democracia. Ahmadinejad simplesmente ignorou os votos obtidos pelos candidatos oposicionistas e reprimiu brutalmente as manifestações de protesto que se seguiram. Os brasileiros se perguntam: com esse currículo, o que esse senhor vem fazer em nosso país? Os brasileiros judeus - como eu - vão além e manifestam sua indignação por essa visita. Afinal, como explicá-la? Como justificá-la?

O governo Lula e o Itamaraty dizem que o Brasil tem interesses econômicos em relação ao Irã e, em nome desses interesses, nosso país deveria fechar os olhos para os pecados do seu regime. Afinal - segue o argumento -, a defesa dos interesses nacionais sempre fala mais alto nas relações entre os países. Por que seria diferente com o Brasil? Se como nação temos alguns objetivos e se esses objetivos são importantes, por que não podemos abrir mão de princípios e valores, se isso for necessário para sua consecução? É assim que nossas autoridades têm justificado a estranha visita. Vender mais para o Irã, ampliar nosso comércio com esse país, justificaria o pecado de receber essa visita com virtudes tão escassas.

É difícil aceitar o argumento. Nós, brasileiros, que passamos por períodos difíceis, conquistamos a liberdade e a democracia e vivemos numa terra abençoada e tolerante, não gostamos de conviver com governantes que impõem aos seus povos privações contra as quais nos insurgimos. Sem aceitar a troca de valores e princípios por vantagens econômicas, pelo menos temos o direito de saber o preço que estamos pagando para passar por essa experiência. Afinal, quais seriam as dimensões dos interesses econômicos nacionais em jogo? O Irã seria mesmo um mercado importante para nossos produtos e o Brasil se beneficiaria tanto assim com a ampliação e a consolidação de nossas exportações para aquele país? Vamos, então, aos números.

É verdade que o Brasil desfruta um saldo positivo no seu comércio com o Irã. Mas tanto o saldo como o volume dos fluxos comerciais entre os dois países são modestos. Em 2008 o Brasil vendeu ao Irã apenas US$ 1,1 bilhão. Quase nada, comparado com o volume total de nossas exportações, que alcançaram naquele ano US$ 198 bilhões. Nosso faturamento para o Irã representou apenas 0,57% do total exportado. No mesmo ano compramos desse país apenas US$ 14,8 milhões, que representaram insignificante 0,01% das nossas importações totais. Como não compramos quase nada deles, apenas vendemos, o saldo em 2008 foi favorável ao Brasil em cerca de US$ 1,1 bilhão, que representou 4,5% do saldo total na nossa balança comercial. Em suma, como parceiro comercial o Irã representa muito pouco. Portanto, infelizmente, os números não apoiam a justificativa econômica da visita. O argumento do interesse econômico não se sustenta.

Além da visita não nos trazer resultados econômicos importantes, vai nos impor custos, pois afetará negativamente a imagem do Brasil na comunidade das nações. Como explicaremos aos nossos parceiros democratas e progressistas que acolheremos em nosso solo pacífico o representante de uma tirania obscurantista e retrógrada? Se há tão pouco a ganhar em termos econômicos e muito a perder na imagem, quais seriam, então, os verdadeiros interesses nacionais em jogo que justificariam tal visita? E por que não são revelados com clareza? Como brasileiros, temos o direito de saber. Afinal, o que vamos ganhar para passar por uma situação tão embaraçosa como essa? O que receberemos em troca por andar em tão má companhia?

*Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), é presidente do Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (Ibret)

GOSTOSA

ELIANE CANTANHÊDE

O julgamento

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/11/09



BRASÍLIA - Tudo indica que o Supremo acatará, nesta quinta, o pedido de extradição do ex-guerrilheiro Cesare Battisti para a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos. Mas a votação está apertada.
Os defensores políticos de Battisti visaram a opinião pública, via imprensa e internet, tentando levar a questão para a seara humanitária e lapidar seu perfil atual como pacato escritor e pai de família. Já os advogados do governo italiano foram direto ao alvo: concentraram-se no STF e nos meandros jurídicos.
A primeira derrota de Battisti foi a recusa do refúgio -até porque seria esdrúxulo, senão inédito, classificar como refugiado um estrangeiro que entrou clandestinamente no Brasil e foi preso anos depois sem jamais pedir socorro e acolhimento às autoridades do país. Ao contrário, fugindo delas.
Agora, julga-se extraditar ou não. Votaram a favor da extradição (logo, contra Battisti) o relator Cezar Peluso, Ellen Gracie, Ayres Britto e Ricardo Lewandowski. Contra (e a favor dele), Carmen Lúcia, Eros Grau e Joaquim Barbosa. Quatro a três. Como Marco Aurélio Mello rejeita a extradição, vai dar empate.
Isso joga o destino de Battisti na mão do presidente, Gilmar Mendes, que deve mandá-lo de volta para casa -e para a cadeia italiana.
Esse resultado pode se inverter caso o novato Toffoli se declare apto a votar e/ou o experiente Ayres Britto reveja seu voto, ambos para negar a extradição, favorecendo Battisti e derrotando o governo da Itália. Britto estaria sendo muito assediado pelo mentor, Celso Antônio Bandeira de Mello.
São hipóteses remotas, porém.
Toffoli acompanhou a primeira fase do julgamento como advogado-geral da União, ao lado dos defensores de Battisti. Como não se dizer impedido? E Britto é um homem sério, respeitado. Diria que votou levianamente e daria uma cambalhota para mudar de lado? Nos dois casos, seria um vexame.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Guerra tecnológica


O GLOBO - 08/11/09


Olho para o relógio e estranho o que vejo. Por hábito muito pontual, meu amigo já estava atrasado mais de dez minutos, Da primeira vez em que telefonei, chamava e ninguém atendia. Imaginei então que ele estivesse a caminho, o que lhe tomaria uns dois minutos adicionais. Mas ele demorou ainda mais. Novos telefonemas e nada. Talvez eu devesse dar um telefonema final e, como determinam as boas normas entre coroas, dos quais volta e meia um cai duro para trás, verificar pessoalmente o que se passava. Não sem um pequeno suspense, esperei o telefone tocar e somente no quarto toque ele atendeu.

- É ele! É esse desgraçado, essa desgraçada! Estava o tempo todo aqui, claro que só podia ser ela, mas o toque parece que vem das paredes´é uma espécie de assombração.

- Tenha calma, o que é que houve, tem alguém aí com você?

- Não! Tem! Não, tem essa bola, eu estou falando numa bola de futebol.

- Está falando no quê?

- Numa bola de futebol, bola de futebol! O telefone é uma bola de futebol.

- O telefone é uma bola de futebol? Como assim, uma bola de futebol?

- Você entende bola de futebol? Pois então, pois é isso mesmo, uma bola de futebol. Pelo jeito, deve dar até pra jogar, mas no momento eu estou falando nela, o telefone desta casa de maluco é uma bola de futebol. Quer dizer, um dos telefones desta casa, porque aqui agora tem mais telefone que a Nasa.

- Mas eu só tenho esse número e você deixou de atender a várias chamadas.

- Você já procurou um telefone no meio de uma sala bagunçada e esse telefone era uma bola de futebol?

- Tudo bem, é que foram várias tentativas.

- Eu ouvi as primeiras, lá de fora. Mas não conseguia abrir a porta, me enrolei todo.

- Você não disse que seu genro aboliu as chaves e que agora a chave é pela impressão digital?

- É, mas eu nunca sei de qual é o dedo. Acho que, assim numa reação meio instintiva, eu sempre parto do dedo médio da mão direita e aí, se você não acerta isso, tem uma sequência de dedadas de segurança, que eu nunca acerto, é pior que raiz cúbica. Se lembra do tempo em que a gente tirava raiz cúbica na munheca? Eles pegam moleza esses caras de hoje, nem tabuada eles sabem mais, aí ficam inventando essas assombrações. Eu parecia um sanfoneiro ligadão, misturando os dedos naquele negócio. Sempre acho que vão me eletrocutar ou me mandar para Alcatraz.

- Alcatraz não é mais cadeia.

- Então Sing-Sing, qualquer uma dessas de cinema, onde o cara entrava e o James Cagney cobria ele de porrada. Bem, acho que é melhor eu descer. Já está na hora e a verdade é que não me sinto bem, falando numa bola de futebol, acho meio constrangedor. Se você estivesse me vendo agora, saberia o que quero dizer.

Assegurei-lhe que me solidarizava com ele e encontrei-o bem menos nervoso do que eu esperava. A experiência com o telefone bola de futebol ainda o marcava um pouco - literalmente, marcas de cadarço no rosto. Mas, fora isso, era subitamente um novo homem. Puxou do bolso um vistoso aparelho eletrônico e o contemplou à distância de um braço estendido.

- É um celular?

- É bem mais que um celular, eu nem sei direito o que ele fez, faz tudo.

- Mostre uma coisa aí.

- Bem, se eu apertar este botão verde aqui, ele me dá a velocidade do vento e a temperatura em Montreal. Aí, se eu aperto outro botão, ele apaga. Aí eu aperto o verde, vem Montreal etc. Devem ter contrabandeado isso lá do Canadá. Mas ele vai servir mais tarde, tudo a seu tempo.

No breve período entre o telefonema futebolístico e sua vinda até ali, chegará a uma conclusão lógica. Já devia ter percebido que São Judas Tadeu não lhe falharia nesse transe, ele era que estava cego para o que agora se exibia, luminoso como o sol. Não era, afinal, tarefa impossível botar para fora de casa o genro sopeiro, que nem pobre era e que viera para ficar somente até seu apartamento ser entregue e já durava três netos, seiscentos churrascos acafajestados e mais engradados de uísque do que um armazém de carga em Glasgow. Nada de usar argumentos racionais e muito menos entrar em verdadeiros arranca-rabos domésticos, como já acontecera, trazendo como única sequela uma infinidade de trombas femininas e adolescentes pela casa toda e quem já enfrentou trombas desse quilate sabe como elas são temíveis.

Na próxima segunda-feira iniciará seu treinamento com um personal technologist. O especialista contratado neutralizará todos os 58 controles remotos da casa, com exceção dos três que o contratante sabe usar. Em seguida, centralizará o Pay Per View num comando e quem quiser assistir pagará à vista, notadamente os amigos duros do genro, que podem passar o tempo que quiserem falando pela bola de futebol com a operadora, sem adiantar nada.

- E isto é somente o começo - disse ele, examinando o celular outra vez . - O tempo em Montreal está muito bom.

O IDIOTA

CELSO MING

O culpado pelas bolhas

O ESTADO DE SÃO PAULO - 08/11/09


Quando o desastre aconteceu, antes mesmo do socorro às vítimas, os acusadores de sempre procuraram pelos culpados. E, nessa crise, um dos mais alvejados foi Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

E foram duas as principais críticas. A primeira, mais profunda, foi a de que Greenspan deixou o mercado inundado de dinheiro no período entre junho de 2003 e junho de 2004. Foi quando os juros básicos nos Estados Unidos permaneceram ao redor de 1% ao ano. Esse dinheiro fácil, distribuído por um crédito mais fácil ainda, se tornou o enorme produtor de bolhas financeiras de todos os tipos, que acabaram por estourar em 2007 e 2008. Enfim, o Fed não tomou a iniciativa de adotar políticas prudenciais.

A segunda crítica é a de que, uma vez formadas as bolhas, Greenspan nada fez. Em nome da autorregulação, deixou os bancos e todo o sistema financeiro soltos demais para perpetrarem as lambanças que bem entenderam. E deixou que as bolhas estourassem e produzissem o estrago que conhecemos.

Essa segunda crítica é quase irrespondível. O Fed pouco fez para enquadrar os bancos. Se os tivesse submetido às regras da Basileia, talvez não tivesse sido tudo, mas teria sido um passo importante.

A primeira crítica parece menos relevante. Greenspan argumenta, com certa razão, que não havia em 2003-2004 inflação a combater. Além disso, os índices de produtividade vinham aumentando substancialmente e a necessidade de aumentar o emprego sugeria que havia dinheiro à vontade para turbinar o crescimento. E foi o que fez.

Não importa aqui se Greenspan estava certo ou errado. Ele já fez algumas autocríticas e provavelmente fará outras. O importante é entender que o potencial atual de formação de bolhas é ainda maior do que naquele período. Os juros internacionais estão no fosso há mais tempo, os bancos centrais injetaram dezenas de vezes mais dinheiro nos mercados. E os Tesouros não ficaram atrás. Há cerca de US$ 10 trilhões a mais zanzando nos mercados, assoprando todo o tipo de bolhas no mercado de ações, no de commodities e, provavelmente, também no de petróleo.

Desta vez, os bancos centrais adotam o mesmo discurso de então para não mexer nesses recursos. Avisam que não há inflação a combater, como se viu nas justificativas da semana passada, tanto do Fed como do Banco Central Europeu. E que, por isso, não há contraindicação importante para manter os juros onde estão. E acrescentam outro argumento: o de que a recuperação da economia continua frágil, como os números sobre o emprego estão demonstrando. E que, dessa forma, não se pode começar a puxar os juros de volta para cima.

Certos ou errados, os bancos centrais não estão sendo condenados pela fartura nos mercados. De vez em quando um durão qualquer (ou durona, como a chanceler da Alemanha, Angela Merkel) se atreve a criticar a leniência dos bancos centrais. Mas são logo engolfados por elogios que espocam por toda parte.

Mas, ninguém se iluda, quando começarem a estourar as bolhas, os dedos indicadores serão apontados para os atuais dirigentes dos grandes bancos centrais: "A culpa é deles, porque em 2008, 2009... e, assim, mantiveram os juros no subsolo."

Confira
Sem discurso - Continua dramática a falta de discurso da oposição. As regras do pré-sal vão sendo empacotadas do jeito que o governo quer. Não há posicionamento sobre a questão ambiental. Ninguém sabe o que a oposição pensa do trem-bala e o que fará com o PAC.

José Serra, principal aspirante das oposições à Presidência da República, só manifestou duas opiniões contrárias à atual política do governo Lula: ele é contra o câmbio e contra a política de juros.

São colunas mestras da atual política. E, no entanto, ninguém sabe o que um possível governo Serra colocaria no lugar delas.

PAINEL DA FOLHA

Turno e returno

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/11/09

Depois de passar em branco na Câmara, onde não conseguiram emplacar suas reivindicações nos quatro projetos do pré-sal que vão ao plenário nesta semana, lobistas das grandes empresas privadas de petróleo já se articulam pelos corredores do Senado.
No "tapete azul", os representantes apostam no poder de fogo da oposição, cuja bancada possui mais musculatura do que a de deputados, e na simpatia de alguns governistas ligados ao setor, como o petista Delcídio Amaral (MS). Além disso, as petrolíferas privadas esperam também que o governo atue entre os senadores com uma margem de negociação bem maior que a permitida até agora.


Prioridade. Entre outros pontos, o lobby petrolífero tenta derrubar a regra que estabelece a Petrobras como operadora única dos novos campos e a que dá poder de veto à Petro-Sal, a estatal que gerenciará a exploração.

Última instância. Depois de jogar a toalha na CPI da Petrobras, advogados do PSDB entregam nesta semana à cúpula do partido dez representações direcionadas ao Ministério Público, com pedidos de investigação na estatal.

Bandeiras. Documento do PT com as posições que serão levadas à Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro, cobra o "combate aos monopólios" do sistema atual e classifica o marco regulatório como "anacrônico, autoritário, fragmentado e que privilegia grupos comerciais".

Blogosfera. No texto, os petistas demonstram especial preocupação com o "novo cenário tecnológico" que, avaliam, "dentro de poucos anos superará o antigo modelo".

Régua. Fala ainda em criar "instâncias regulatórias" e de um modelo que "garanta mecanismos efetivos de sanção aos meios de comunicação".

Corda... De Carlos Minc (Meio Ambiente), diante da sinalização do governo de não apresentar compromisso de redução de emissão de gases-estufa antes da conferência do clima em Copenhague: "Para a maioria das propostas, vamos ter um número."

...esticada Relator do projeto do Código Florestal, Aldo Rebelo (PC do B-SP) desabafa sobre a briga entre ruralistas e verdes: "Essa ideia de proibir boi na Amazônia está chegando a tal ponto que vão querer acabar com o Garantido e o Caprichoso em Parintins".

Inquilinos 1. Os partidos políticos que ocupam salas no Congresso pagam à Câmara pela cessão dos espaços 30% a menos do que o valor exigido no Senado. A Câmara informou ao TCU que estipulou R$ 25,60 pelo metro quadrado, incluindo luz, água, limpeza, segurança e conservação. Na "Casa Alta", custa R$ 36,43.

Inquilinos 2. DEM, PMDB, PP, PSDB e institutos e fundações ligados a eles ocupam áreas do Congresso. A maior delas cabe ao Diretório Nacional do DEM, com 211 metros quadrados.

Fiador. No auge da crise no Senado, um dos senadores assediados pelo grupo de José Sarney (PMDB-AP) para reforçar a resistência aos processos contra o peemedebista foi Expedito Júnior (PSDB-RO), que permaneceu na Casa até quinta-feira à revelia do Supremo Tribunal Federal.

Para depois. O projeto de reforma do plenário do Senado não sairá da gaveta neste ano. O primeiro-secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI), agora tenta viabilizar o início das obras durante o recesso de julho de 2010.

Tesourada. O PT prepara proposta para acabar com as emendas de comissões, que sofrerão cortes no Orçamento de 2010. O argumento é que a execução delas é baixa.

Calendário. Uma ala do PMDB reclama da ideia de reunir seus governadores com Lula, conforme ficou combinado depois de selado o acordo de gaveta com o PT para as eleições do ano que vem. As queixas são de que o encontro, se feito agora, poderia expor muitas divergências locais e desgastar a relação.

com LETÍCIA SANDER e RANIER BRAGON

Tiroteio

"Pelo menos dessa vez a gente espera que seja o PT quem esteja pagando."
Do senador DEMÓSTENES TORRES (DEM-GO), comparando o encontro de prefeitos do PT com Dilma Rousseff, neste final de semana, a outro com 5.000 prefeitos em Brasília, em fevereiro, questionado pela oposição na Justiça Eleitoral.

Contraponto

Mania de grandeza

Na reunião que precedeu a ida da comitiva presidencial para vistoriar as obras da transposição do São Francisco, o ministro Alfredo Nascimento (Transportes) apresentou gráficos sobre estradas construídas e reformadas na região.
Nascimento fez uma longa exposição e recebeu elogios. Até que, no final, Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), cujo ministério toca a transposição, não resistiu em cutucar:
- Você pode falar o que quiser, mas a única obra que todo mundo vai ver da Lua é a minha!

GOSTOSA

MÍRIAM LEITÃO

Perigos da floresta

O GLOBO - 08/11/09


Quanto a floresta aguenta? Qual é o limite de desmatamento que a Amazônia suporta? Essas perguntas têm sido feitas pelo climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que, junto com seus alunos, tem escrito estudos publicados em revistas científicas do exterior. O último estudo conclui que 40% é o limite. Acima disso a floresta entra em colapso

Quem sobrevoa a Amazônia com olhos leigos, como os meus, tem a impressão de que ela será eterna, que aquele mundo imenso de cobertura verde é indestrutível.

A verdade científica é que ela é mais frágil do que parece. Quem olha o percentual da floresta que já está desmatada — em corte raso — acaba pensando que é pouco. Hoje, estão desmatados 18% da Amazônia e outros 10% a 12% estão em estado de degradação ou fragmentação. Essa é a parte da floresta que começou a ser desmatada, mas não foi completamente limpa em corte raso. Parece pouco, mas na verdade estamos perigosamente perto do que os cientistas definem como tipping point, o ponto a partir do qual tudo se precipita, tudo se acelera, e a floresta começa a morrer.

O tamanho do verde e o percentual da destruição só enganam os leigos, não os cálculos de climatologistas e especialistas. Eles sabem de um fenômeno assustador: que a partir de um determinado ponto, a floresta começa a se savanizar, perde a capacidade de regeneração, fica mais vulnerável ao fogo e às secas, muda de natureza. Deixará de ser a Amazônia como a conhecemos.

— Pelos nossos estudos, o desmatamento não pode chegar a 40%, do contrário, o clima muda permanentemente.

E quando mudar o clima, a floresta não volta.

Ela perde a capacidade de se regenerar, perde sua resiliência.

Na floresta tropical úmida, o solo precisa de água o ano inteiro, o que não acontece numa vegetação savanizada, onde chove apenas uma parte do ano, seguido por longo período de seca — disse Carlos Nobre.

Esse tema tem sido objeto de estudo dele e de seus alunos desde 2003. Alguns desses estudos estão em várias publicações científicas de primeira linha no mundo inteiro. O último estudo, “Tipping Points for the Amazon Forest”, escrito por Nobre e Laura De Simmone Borma, também do Inpe, chega a este número de que perto de 40% a floresta está em perigo.

— Temos feito avaliação também de quanto de aumento de temperatura a floresta aguenta antes de se desestabilizar. E concluímos que é três graus centígrados.

Com um aumento além desse nível, a floresta também se savaniza. São esses os dois tipping points, como dizemos, os dois pontos de quebra, a partir do qual a floresta não aguenta — explica Nobre.

Quanto mais a floresta é desmatada, mais ela afeta o clima. Quanto mais o clima é afetado, mais põe em risco a floresta. No estudo recente, eles incluíram o efeito do fogo na análise, mostrando que isso aumenta o risco. A explicação é que na Amazônia o fogo não prospera além de um certo ponto, ao contrário do cerrado, em que o fogo é parte da dinâmica do bioma. Quanto mais seca e mais quente a Amazônia for ficando — como efeito do desmatamento —, mais o fogo tem capacidade de penetração e destruição, alimentando o círculo vicioso que pode levar à destruição completa da floresta.

— É uma ameaça: mais quente e mais seca, ela acelera o processo que poderá levar à savanização — afirma Nobre.

Com todos esses riscos é preferível nem testar o nível de 40%. O mais sensato é conter já o desmatamento.

O corte raso é diferente de área degradada, explica o pesquisador. Na área degradada, há perda de biodiversidade, mas a floresta, dependendo do estágio da destruição, pode ainda se regenerar. Mas somando-se o que há de corte raso e degradação, o estrago já seria de 30%, perigosamente perto do ponto de não retorno.

O cientista recomenda que o país não teste a floresta além desse ponto.

A Amazônia se espalha por nove países, mas — alerta o estudo — 80% do desmatamento ocorrem no Brasil. O desmatamento da Amazônia corresponde a 47,8% da perda mundial de florestas tropicais, numa taxa que é quatro vezes o segundo lugar, que é da Indonésia.

E a destruição no nosso caso está concentrada em áreas muito bem definidas, que formam o arco do desmatamento. Deter o avanço da destruição não apenas é responsabilidade brasileira, como está no horizonte das nossas possibilidades.

Quem vê a Amazônia assim tão gigante e isolada pode pensar que ela não está no centro de um problema que aflige o mundo inteiro. No texto, os cientistas afirmam que “o equilíbrio do clima e vegetação na Amazônia tem sido identificado como um dos tipping points do sistema climático global”.

Isso tem que estar na mente dos tomadores de decisão no Brasil antes de pensar pequeno na preparação da posição brasileira para Copenhague, ou na tentativa de ceder à pressão dos ruralistas. Eles querem mais liberdade para desmatar, chances de plantar árvores exóticas em áreas destinadas a reserva legal, querem a possibilidade de compensar desmatamento ilegal com uso de fragmentos em outras áreas. Tudo pode parecer razoável para quem quer manter um status quo que nos levou a perder 18% da floresta e colocou sob ameaça imediata outros 10%. Um pouco mais de desmatamento pode nos levar a um terreno desconhecido. Portanto, a pergunta relevante deve ser feita aos cientistas: quanto mais a Amazônia aguenta de desmatamento? Eles dirão que está tão perto o tipping point que o mais sensato a fazer é não desafiar mais a sorte.

CLÓVIS ROSSI

O câmbio, o peixe e o gato

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/11/09



SAINT ANDREWS (Escócia) - Governos, quaisquer que sejam, têm uma quase invencível resistência a admitir dificuldades ou problemas. O governo Lula levou essa tendência ao paroxismo, até pelo estilo "nunca antes" do presidente.
Por isso, é louvável que o ministro Guido Mantega reconheça, agora, que a valorização do real é excessiva e pode, se mantida por um período mais ou menos longo, "acabar com a indústria brasileira".
Pior: o dólar está muito desvalorizado também em relação às demais moedas relevantes, com exceção do yuan chinês, praticamente indexado a ele. Há, portanto, o risco de se criar uma nova bolha, quando o mundo mal está se recuperando do estouro da bolha anterior.
Mantega, que conversa regularmente com Nouriel Roubini, o economista tornado icônico por ter sido um dos raríssimos que previu a crise, deve ter ouvido dele a apocalíptica previsão de que se está formando uma "bolha monstro" como decorrência do mecanismo chamado "carry trade".
Funciona assim: investidores tomam empréstimos em dólares, a juros de avô para neto, e compram ativos por exemplo em países que têm juros mais altos e nos quais o dólar também está baratinho, baratinho (o Brasil se enquadra em ambos os casos).
É um dos desequilíbrios da economia mundial que deveria estar na agenda da reunião ministerial do G20, que terminou ontem aqui na Escócia. Por força das imposições industriais, sou obrigado a escrever este texto antes de conhecer as decisões do encontro, mas as informações disponíveis indicam com certa segurança que a discussão não avançou o suficiente. Os ministros voltarão ao assunto no início de 2010.
Até lá, o governo brasileiro será obrigado a manter um olho no peixe da euforia e outro no gato do câmbio, que pode comê-la em algum ponto futuro.

GOSTOSAS DO TEMPO ANTIGO

ARI CUNHA

E depois da festa?

CORREIO BRAZILIENSE - 08/11/09


Ano que vem Brasília faz 50 anos. Nascida do barro, brotavam obras para todos os lados. Subir e descer em cima das caixas dos elevadores, atravessar as manilhas, nadar na água acumulada entre as quadras 100 e 200 e escalar os esqueletos dos prédios eram algumas das diversões da primeira geração crescida aqui. Todos se conheciam.

A comunidade era pequena. Cinquenta anos depois, a projeção é de que a população de Brasília tenha por volta de 3 milhões de pessoas. Novas moradias ao longo do asfalto vão aparecendo. Transporte, saúde, educação e muito trabalho precisam acompanhar o ritmo, muitas vezes desenfreado.

Como capital, Brasília paga alto preço por abrigar políticos de todos os estados do país. É criticada por isso. Geralmente quem fala mal de Brasília não soube votar e enviou um representante desonesto para a cidade abrigar. Mas isso tende a melhorar. O governo do Distrito Federal comemora o cinquentenário de Brasília com o mesmo espírito de construção de JK.

O governador Arruda sabe cada centímetro de asfalto, cada quilo de cimento investido no desenvolvimento da cidade em sua gestão. Tem feito mais do que o possível para resgatar a dignidade das pessoas que optaram por viver na capital do país. Para as festividades, o vice-governador Paulo Octávio mostra que essa é a pitada a mais que Brasília tem, além de ser centro político e administrativo.

Juscelino Kubitschek ficaria orgulhoso se estivesse vivo. Na agenda, uma comissão programa o grande evento. Nomes internacionais e nacionais serão contratados para alegrar o povo com muita música. Informações aos turistas pela internet, moeda comemorativa, investimento de R$ 20 milhões para marcar a data.

Mas, e depois? O que as próximas gerações vão receber de herança do que foi programado para a festa dos 50 anos de Brasília? O que vai restar para quem estiver na cidade daqui a meio século? O governador José Roberto Arruda poderá ser lembrado por ter, aos 50 anos da capital da República, determinado a preservação de 500 nascentes do DF.

Fica a sugestão. Absolutamente nada impede que condomínios e assentamentos respeitem as nascentes locais. Com o mínimo de inteligência não é necessário devastar ou aterrar as nascentes quando se quer habitar perto delas. A convivência é possível e recomendada. Muitos anos de vida, Brasília. (Circe Cunha)


A frase que foi pronunciada

“Tem terreno em seu nome? Então você é sem-terra.”
Professor Gilberto, de geografia cultural, na UnB, respondendo a um aluno que criticava o movimento
.



Convite
Luiz Amorim coloca a Orquestra de Viena na rua! Na noite de 12 de dezembro, sem desembolsar um tostão, todos vão poder ouvir a mais famosa orquestra do mundo. O Quarteto de Brasília também vai participar do evento promovido pelo açougue cultural T Bone, que fica na 312 Norte. Luiz Amorim conseguiu exclusividade enquanto o grupo estiver em Brasília.

Polícia
Dessa vez Lula estava voando de verdade. O farsante que se fez passar pelo presidente do Brasil conseguiu tapear por quase meia hora uma jornalista brasileira de rádio estrangeira. O assunto está sendo apurado pela segurança do Planalto.

Novidade
Há anos a Associação Brasileira do Vestiário tenta padronizar o tamanho das roupas infantis. Atualmente, a idade é impressa na etiqueta. A ABNT consultou consumidores, confeccionistas, modelistas, associações pediátricas e empresários. Foram estabelecidas 24 medidas corporais que agora vão facilitar a exportação.

Doutor
Salário para advogados com piso estabelecido. A proposta do deputado Eliene Lima foi acatada nessa sexta-feira na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. De acordo com o texto, o advogado será remunerado com R$ 4.650 para uma jornada semanal de 36 horas; ou R$ 3.720 para 20 horas semanais.

Agenda
Programa desagradável nas agendas do senador Arthur Virgílio e da senadora Ideli Salvatti. Dia 17 vão depor como testemunhas sobre o mensalão. O Supremo marcou a audiência porque eles não estavam presentes nos depoimentos marcados pela
Justiça Federal.

TCU
Terça e quarta-feira o TCU vai receber a comunidade e autoridades para discutir as mudanças climáticas no país. O ministro Carlos Minc e a senadora Marina Silva confirmaram a presença ao ministro Aroldo Cedraz, que organiza o debate.

História de Brasília

Como o assunto mudança está em baila, vale lembrar, também, a existência do final da vila Amaury. Ainda bem grande, por sinal. A Vila Planalto, ultimamente também invadida, isso afora pensar no caso das invasões da Cidade Livre. (Publicado em 17/2/1961)

DANUZA LEÃO

Para não esquecer

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/11/09


Nenhum brasileiro gosta de ser chamado, pelo presidente, de "eles", como se tivesse nascido em terra inimiga

EU JÁ FUI fã do presidente Lula.
A primeira e única vez que o vi de perto foi num encontro com a classe artística no Canecão, no Rio, isso antes do seu primeiro mandato; mesmo tendo achado que ele se comportava um pouco como Silvio Santos, andando no palco para lá e para cá com o microfone na mão, fiquei fascinada com o personagem.
Além de sua impressionante trajetória pessoal, Lula transpirava sinceridade e honestidade, além de enorme simpatia; e afinal, o PT era o PT, partido que ia levar a ética para o Planalto. Alguns amigos, poucos, me disseram que eu estava enganada, que esperasse para ver. Mas Lula encantou o país e foi eleito num clima de expectativa jamais visto, com a maior parte da população acreditando que tudo daria certo, enfim.
Sua posse, com Brasília vestida de verde e amarelo, foi uma apoteose, mas já naquela noite o novo governo, que comemorou a vitória no salão de um hotel, deixou uma impressão preocupante. Na porta do tal salão, a segurança dava medo, e não deixava ninguém chegar nem perto.
Alguns colegas da imprensa, que estavam lá para fazer seu trabalho, contar como tinha sido a festa, não conseguiram; Lula não deu o ar de sua graça nem para um alô de longe.
O clima ficou um pouco tipo linha-dura, sobretudo na comparação com Fernando Henrique, que foi o mais cordial dos presidentes.
Comecei a prestar mais atenção no noticiário político e vi que muitos dos que apoiaram Lula foram se afastando. Dava para desconfiar; por que seria? Depois vieram os escândalos, as antigas estrelas do PT sumiram e muitas são réus do mensalão.
Mas não vou falar de política, nem para elogiar os sucessos nem para cair de pau no governo. Vou falar de coisas aparentemente sem importância, e que não teriam mesmo nenhuma importância se não se tratasse de um presidente, e que incomodam, e não só a mim.
Logo no início, quando Lula e sua mulher, d. Marisa, recebiam para jantar, os homens levavam uma garrafa de bebida, as mulheres um pratinho de doces, economizando dinheiro do país, lembra? Oh, demagogia, teu nome é Lula, teu nome é PT. Ok, passemos. Claro que não vou falar da prosperidade de Lulinha, nem de d. Marisa, que nunca fez rigorosamente nada -pelo menos para se distrair- em sete anos de primeira-dama, a não ser se vestir de verde e amarelo nas ocasiões propícias. Além do chapéu de palha que o casal tem a mania de usar, como se fossem dois roceiros, Lula se deslumbrou com ele mesmo, mas não aprendeu que, como presidente, não pode dizer "o Obama me disse", ou "falei no telefone com o Sarkozy"; ficaria mais condizente com seu cargo dizer "o presidente Obama", ou "o presidente Sarkozy". O Itamaraty não podia ensinar essas coisas? E não acredito que jamais o presidente Obama ou o presidente Sarkozy dissessem um descalabro desses.
Mas o que me incomoda mesmo é quando Lula diz -e isso está se repetindo, ultimamente- que "eles" estão mordidos, "eles" estão com raiva -ou com seu sucesso, ou porque "eles" já sabem (é o que Lula acha) que vão perder a próxima eleição, ou sei lá o que, não importa; o que importa é o "eles". "Eles" quem? Presumo que sejam todos os que não são do PT, portanto inimigos.
Lembro o dia em que Lula, já eleito, se encontrou com Bush. Foi com a estrela do PT na lapela, quando deveria ter ostentado a bandeira do Brasil. É como agora: espera-se que um presidente seja a favor do país para o qual foi eleito, não só ao partido que o elegeu. Nenhum brasileiro gosta de ser chamado, pelo presidente do seu país, de "eles", como se tivesse nascido numa terra inimiga.
E para não dizerem que não gosto do PT, vou dar uma mãozinha na candidata de Lula: para ter boa votação, quanto menos Dilma Roussef aparecer na TV, mais votos ela terá.

CLASSE A AAAAAAAAAAaaaaaaaaarrombada

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

A expulsão do vestido curto risca a fronteira que separa o país moderno do Brasil das cavernas

7 de novembro de 2009

O monumento ao primitivismo que começou a ser erguido na noite de 22 de outubro, quando centenas de alunos do campus de São Bernardo protagonizaram a tentativa de linchamento da moça do vestido curto, foi inaugurado com a expulsão de Geisy Arruda e a aprovação, com louvor, dos agressores. A nota divulgada pela direção da Uniban, com o título A educação se faz com atitude e não com complacência, faz sentido nestes tempos estranhos. Num Brasil pelo avesso, o certo virou errado e o errado virou certo.

Como o culpado é inocente, Antonio Palocci pode estuprar a conta do caseiro, o MST pode invadir o que vier pela frente, José Sarney pode continuar engordando o prontuário de matar de inveja um general do PCC. Como o inocente é culpado, Francenildo Costa não pode queixar-se da condenação ao desemprego, os fazendeiros não podem invocar o direito de propriedade nem alegar que as terras são produtivas. Por divulgarem verdades sobre um homem incomum, oEstadão merece censura e merecem pancadas jornalistas que escrevem livros contando um pouco do muitíssimo que fez o dono do Maranhão.

Como o que era já não é, diplomas de universidades estrangeiras agora equivalem a atestados de elitismo. Devem ser transferidos da parede para o porão, antes que os diplomados sejam considerados inimigos do Grande Ignorante e, portanto, da pátria. Falar e escrever direito é coisa de preconceituoso, miudezas desprezíveis para um enviado da Divina Providência. O brasileiro tem de aprender a desaprender, porque é de linguagem chula que o povo gosta, é palavrório grosseiro o que o povo quer.

A minissaia foi inventada em 1960, os trajes das universitárias hoje sessentonas eram bem mais ousados. Mas um microvestido ficou moderno demais, porque o país está avançando para trás. A sindicância interna concluiu que Geisy teve “uma postura incompatível com o ambiente da universidade, frequentando as dependências da unidade em trajes inadequados”.

A sorte é que jovens de boa família estavam lá para defender “os princípios éticos, a dignidade acadêmica e a moralidade” desrespeitados pela moça desvestida de vermelho. “A atitude provocativa da aluna resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar”, descobriu a Uniban.

Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, a Uniban transformou o campus de São Bernardo no muro da boçalidade. A expulsão do vestido curto riscou a fronteira que separa o país moderno do Brasil primitivo. A turma das cavernas está do lado de lá.

MERVAL PEREIRA

Nivelando por baixo

0 GLOBO - 08/11/09


Já pelo próprio nome, dado pela imprensa — mensalão mineiro —, a situação do senador Eduardo Azeredo e do seu partido, o PSDB, do qual já foi presidente, é difícil no sentido político do julgamento, que é o que interessa na nossa análise, pois as consequências penais de eventuais processos só se materializarão daqui a muitos anos, se é que esses processos darão em alguma coisa para algum dos envolvidos

A distinção entre uso de caixa dois, que aconteceu na campanha de Azeredo para o governo de Minas em 1998, e a compra sistemática de votos, que foi a evolução do esquema para o mensalão petista, é sutil demais para o grande público, mas não deveria sê-lo para o Supremo Tribunal Federal.

O operador do esquema foi o mesmo, o publicitário mineiro Marcos Valério, os bancos foram os mesmos, e as práticas são tão parecidas que o ministro Joaquim Barbosa propõe, numa aparente coerência, que os processos do mensalão petista e do mineiro sejam julgados ao mesmo tempo.

Mas, se isso é verdade, por que no processo do mensalão não aparece o nome do presidente Lula, e no do mineiro o candidato a governador Eduardo Azeredo é o principal culpado? Se é porque no caso do mensalão o esquema foi coordenado pelo então chefe da Casa Civil, José Dirceu, que o ministro considerou o chefe da “quadrilha criminosa”, e no caso mineiro o coordenador da campanha, o ex-ministro Mares Guia, não tinha autonomia para tal ação criminosa, é preciso que o ministro Joaquim Barbosa nos diga de onde tirou essa conclusão.

O tal recibo de R$ 4,5 milhões, que Azeredo acusa de ser falso e ter sido incluído no processo pelo relator Joaquim Barbosa, parece ser prova frágil que deve ser descartada.

Mas parece ter havido, por parte do relator dos dois processos, um temor reverencial pelo presidente da República, apesar de todos os indícios de que ele foi o maior beneficiado pelo esquema corrupto, que não poderia acontecer sem a sua aquiescência.

Assim como é improvável que o senador Eduardo Azeredo não soubesse de nada do que seu coordenador Mares Guia estava negociando, por baixo dos panos, com o publicitário Marcos Valério.

Mas, que o “aperfeiçoamento” do esquema mineiro acabou gerando um dos ataques mais sérios à democracia brasileira, com a compra de votos no Congresso para a base de apoio do governo petista, disso não há dúvidas.

O caixa dois de campanhas eleitorais, uma tradição política brasileira que o presidente Lula tratou com a leniência que concede aos companheiros envolvidos em ilegalidades, já é uma distorção de n o s s o s i s t e m a p o l í t i c o q u e m e r e c e r i a m u i t o maior rigor no combate pela Lei Eleitoral.

O esquema do mensalão instituído pelo PT acabou de vez com a pouca organicidade dos partidos políticos e, mesmo depois de denunciado, continua fazendo seus estragos na nossa frágil institucionalidade.

Não apareceram mais indícios de que continue havendo a distribuição de dinheiro constatada no mensalão, quando os políticos iam receber a verba na boca do caixa. Mas a divisão dos cargos e do orçamento público para beneficiar os aliados está sendo feita de maneira tão escancarada que certamente está tendo o mesmo efeito do antigo método.

Além de escapar ileso, o presidente Lula, que a certa altura da crise de 2005 disse que fora traído, passou a se dedicar à tarefa de tentar legitimar a ação de cada um dos mensaleiros, não perdendo a oportunidade de apoiá-los em público, baseado em sua imensa popularidade.

Como a demonstrar que qualquer político pode fazer acordos com o governo que será protegido pelo presidente carismático, no melhor estilo mafioso.

Também o PSDB agiu desta maneira com relação a seus políticos envolvidos em denúncias, em vez de colocar-se como um contraponto à política petista.

Q u a n d o o s e n a d o r Eduardo Azeredo foi acusado de ter sido o iniciador dos esquemas fraudulentos do lobista Marcos Valério na disputa pelo governo de Minas em 1998, o partido recusou-se a enfrentar o assunto, dando margem até mesmo a que o PT espalhasse a versão de que a campanha tucana havia sido o embrião do mensalão, quando deveria ter assumido desde logo uma atitude crítica severa.

O partido está assumindo a mesma atitude de proteção dos companheiros com relação ao ex-governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, cassado por unanimidade pelo TSE por abuso do poder econômico na campanha de 2006.

As provas são irrefutáveis, o comportamento de distribuir cheques aos eleitores condenável, mas o PSDB acha que deve defender seu cacique, especialmente os potenciais candidatos Aécio Neves e José Serra, pois ele é um dos principais líderes políticos do Nordeste, onde o PSDB perde para o PT de Lula.

Os três partidos mais influentes do país — PT e PSDB se revezam na Presidência da República desde 1994 e o PMDB é presença permanente em todos os governos — se confundem nos métodos de fazer política, embora aqui e ali possam restar traços de atuação mais ideológica ou programática no PT e no PSDB, resquícios dos tempos em que a política era feita com pelo menos mais pudor.

Já o PMDB pós-Ulysses Guimarães se caracteriza pela falta completa de ideologia, dedicando-se exclusivamente à conquista do poder e seu usufruto.

O problema do senador Eduardo Azeredo, e por extensão de seu partido, o PSDB, é que fica muito difícil se defender pedindo isonomia ao tratamento dado a Lula, se não for para concordar que o presidente realmente não sabia de nada do que ocorria embaixo de seu nariz, e para beneficiálo politicamente

GOSTOSA

ELIO GASPARI

Duas crises financeiras, dois resultados

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/11/09



Na crise de 97/99 o tucanato avançou no bolso da patuleia, na de 2008 Nosso Guia apostou no consumo

UM MALVADO devorador de números fez um exercício e comparou as iniciativas tomadas pelo tucanato durante a crise financeira internacional de 1997/1999 com as medidas postas em prática pelo atual governo desde o ano passado. Fechando o foco nas mudanças tributárias, resulta que os tucanos avançaram no bolso da patuleia, enquanto Nosso Guia botou dinheiro na mão da choldra.
Entre maio de 1997 e dezembro de 1998 o governo remarcou, para cima, as alíquotas de sete impostos, além de passar a cobrar um novo tributo.
A alíquota do Imposto de Renda do andar de cima passou de 25% para 27,5%. O IOF de créditos pessoais dobrou e aumentaram-se as dentadas nas aplicações. O IPI das bebidas ficou 10% mais caro, e a alíquota do Cofins passou de 2% para 3%. Tudo isso e mais a entrada em vigor da CPMF, que arrecadou R$ 7 bilhões em 1997.
A voracidade arrecadatória elevou a carga tributária de 28,6% para 31,1% do PIB. O produto interno fechou 1998 com um crescimento de 0,03% e a taxa de desemprego pulou de 10% para 13%. Em 1999, o salário mínimo encolheu 3,5% em termos reais.
A crise financeira mundial de 2008/ 2009 foi mais severa que as dos anos 90. Em vez de aumentar impostos, o governo desonerou setores industriais, baixou o IPI dos carros, geladeiras e fogões, deixando de arrecadar cerca de R$ 6 bilhões nos primeiros três meses do tratamento. Uma mudança na tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, resolvida antes da crise, deixou cerca de R$ 5,5 bilhões na mão da choldra. A carga tributária caiu de 35,8% do PIB para 34,5%. Em 2009 o salário mínimo teve um ganho real de 6,4%.
O desemprego deu um rugido, mas voltou aos níveis anteriores à crise. Ao que tudo indica, a crise de 2008 sairá pelo mesmo preço que a de 1997/98: um ano de crescimento perdido.
As duas situações foram diferentes, mas o fantasma do populismo cambial praticado pela ekipekonômica de 1994 a 1998 acompanhará o tucanato até o fim de seus dias. O dólar-fantasia teve uma utilidade, ajudou a reeleger Fernando Henrique Cardoso. Ele derrotou Lula em outubro, e o real foi desvalorizado em janeiro.

CONGESTIONAMENTO DE ESPERTEZAS

Alguém precisa acalmar os transportecas da burocracia do trânsito. O Denatran resolveu que até 2014 todos os veículos em circulação no Brasil deverão estar equipados com chips. Já havia decidido que essa exigência deveria ser cumprida em 2012. Trata-se de equipar todos os carros com os adesivos eletrônicos e todos os municípios com antenas. Todos, inclusive Uiramutã, no extremo norte de Roraima, onde há 4.600 habitantes e dez veículos.
A exigência nacional é um disfarce para justificar a compra de equipamentos nas grandes capitais. Só em São Paulo seriam necessárias 2.500 antenas. Segundo uma conta de 2007, o negócio custaria R$ 400 milhões.
Junte-se a isso um projeto que cria a Inspeção Técnica Veicular. Ele divide o país em 15 ou 25 áreas que serão entregues a concessionários. Gracinha: pelo projeto não poderão entrar nas licitações as oficinas mecânicas ou quem tiver qualquer vinculação com o setor automotivo.
Recentemente apareceu outro mimo. O Ministério das Cidades, via Denatran, criou um programa para os municípios aprimorarem seus serviços de educação no trânsito. Em tese, uma entidade se habilita, leva algo como R$ 4 milhões e faz seu serviço. Noutro tipo de tese, o deputado da base de apoio ou do partido do doutor, conversa no ministério, vai ao município, escolhe a entidade (que já existe) e faz bonito, se não fizer mais.

MADAME NATASHA
Madame Natasha aprendeu a gostar de índios lendo textos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Ela acredita que seu mestre de indiologia merece uma de suas bolsas de estudo, por conta de um trecho extraído de um livro que publicará no ano que vem, intitulado "Isso não é tudo: Lévi-Strauss e a mitologia ameríndia". Explicando o alcance da frase "isso não é tudo", do professor francês, ele escreveu:
"Ela aponta para o inacabamento da análise estrutural, sugere as razões desse inacabamento: a fractalidade e rizomaticidade de todo objeto determinado pelo método estrutural".
Natasha tentou saber o que ele quis dizer e ensinaram-lhe que a ideia de "fractalidade" tem a ver com "padrões escalares autossimilares que podem emergir de sistemas caóticos".
Madame desistiu. Esse dialeto só é falado pela tribo dos filósofos da Alta Sorbonne.

MAU EXEMPLO
A reitora da USP, doutora Suely Vilela, precisa pedir ao departamento de pedagogia que avalie uma universidade onde acontecem coisas assim:
Uma aluna de doutorado faz uma tese e recebe a colaboração de dez professores (entre eles a reitora), que dividem com ela a honra da publicação de um artigo numa revista científica.
Quando se descobre que o artigo plagiara três fotografias e algumas frases, sem mencionar os verdadeiros autores nem sequer na bibliografia, de quem é a culpa? Da aluna. Por muito menos, Larry Summers foi defenestrado da presidência de Harvard.

MARQUETAGEM
De um feiticeiro que consome pesquisas eleitorais e torce por Dilma Rousseff: "Os tucanos sorriem quando Serra encosta nos 40% e a ministra patina nos 20%. Faltam 11 meses para a eleição e eles não devem esquecer que, em maio de 2008, a seis meses do pleito, Marta Suplicy tinha 30%, e Gilberto Kassab, 15%. Em outubro ele foi o mais votado no primeiro turno e levou a prefeitura no segundo, com 61% dos votos".

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e encantou-se com a ideia de "autoritarismo popular" exposta pelo professor Fernando Henrique Cardoso e ficou intrigado com o trecho no qual ele lista a nobiliarquia-companheira do "subperonismo lulista": Sindicatos, fundos de pensão e o PT "atraindo sócios privados privilegiados". O ex-presidente já havia falado dos "felizardos de grandes empresas" que se associam aos fundos de pensão, e nos "vorazes, mas ingênuos capitalistas" de Pindorama.
Eremildo está curioso. Quem seriam esses empresários? Dias depois, viu a lista das 19 firmas que cacifaram o jantar de entrega do prêmio da Chatam House a Nosso Guia, em Londres. (Uma mesa de dez lugares custou o equivalente a R$ 44 mil, ou R$ 4.400 por cada prato de comida.) Por conta da Viúva, entraram os suspeitos de sempre: BNDES, a Petrobras e o Banco do Brasil.
Pela banda privada entraram quatro bancos (Itaú, Bradesco, HSBC e Santander). Mais a TAM, a Telefônica, a British American Tobaco (pode me chamar de Souza Cruz), o laboratório GlaxoSmithKline, a mineradora Anglo American e as petroleiras Shell, BG, Chevron e Eni.