quinta-feira, julho 04, 2019

Série Heróis da Liberdade: Calvin Coolidge - JOÃO LUIZ MAUAD

INSTITUTO LIBERAL - O4/07





Meu homenageado de hoje da série ‘Heróis da liberdade’ é Calvin Coolidge, o único presidente da história americana nascido em 4 de julho. É justo que ele tenha essa distinção, uma vez que Coolidge – mais do que qualquer outro Presidente do século 20 – incorporou uma dedicação aos princípios que os Fundadores lutaram para estabelecer na Revolução Americana. Durante seu governo, ele desregulou o mercado, baixou a dívida nacional em 1/3 e não interveio no setor privado. Sob seu governo, o crescimento econômico foi tão tão extraordinário, que produziu um enorme superávit orçamentário, permitindo inclusive que ele baixasse alguns impostos.

“Não espere erguer o fraco derrubando o forte.”

“Civilização e lucros andam de mãos dadas.”

“A menos que o povo, por meio da ação unificada, surja e assuma o controle de seu governo, ele descobrirá que seu governo se encarregou dele. A independência e a liberdade desaparecerão, e o público em geral se encontrará numa condição de servidão a uma agregação de interesses organizados e egoístas.”

“É difícil para os homens no alto escalão evitar a doença da auto-ilusão. Eles estão sempre cercados por adoradores. Eles estão constantemente, e na maior parte sinceramente, seguros de sua grandeza.”

“Se o governo entrar em atividade em larga escala, logo descobriremos que os beneficiários tentam desempenhar um papel importante no controle. Embora, em teoria, seja para servir ao público, na prática, estará servindo amplamente interesses privados.”

“Este país não seria uma terra de oportunidades, a América não poderia ser a América, se o povo estivesse preso a monopólios do governo.”

“Compensação dos trabalhadores, horários e condições de trabalho são consolações inúteis, se não houver emprego.”

“Quando um homem começa a sentir que ele é o único que pode liderar esta república, ele é culpado de traição ao espírito de nossas instituições.”

“Nossos problemas domésticos são, na maior parte, econômicos. Temos uma enorme dívida a pagar e estamos pagando. Temos o alto custo do governo para diminuir e estamos diminuindo. Temos um pesado fardo de impostos para reduzir e estamos reduzindo. Mas, embora progressos notáveis ​​tenham sido feitos nessas direções, o trabalho ainda está longe de ser realizado.”

“Há sempre aqueles que estão dispostos a entregar seus negócios a alguma autoridade nacional, em troca de um pagamento de dinheiro do Tesouro Federal. Sempre que eles acham que algum abuso precisa ser corrigido em sua vizinhança, ao invés de aplicar o remédio privado, eles tentam mandar um tribunal de Washington para cumprir seus deveres por eles, independentemente do fato de que, ao aceitar tal supervisão, eles estão abrindo mão de sua liberdade.”

“Quando o direito do indivíduo à liberdade e à igualdade é admitido, não há como escapar da conclusão de que ele sozinho tem direito às recompensas de sua própria indústria. Qualquer outra conclusão implicaria necessariamente privilégio ou servidão.”

“Se todos os homens são criados iguais, isso é definitivo. Se eles são dotados de direitos inalienáveis, isso é definitivo. Se os governos obtêm seus poderes justos do consentimento dos governados, isso é definitivo. Nenhum avanço, nenhum progresso pode ser feito além dessas proposições.”

“O bem-estar dos mais fracos e o bem-estar dos mais poderosos estão inseparavelmente unidos. … O bem-estar geral não pode ser previsto em nenhum ato, mas é bom lembrar que o benefício de um é o benefício de todos, e a negligência de um é a negligência de todos.”

“Exigimos toda liberdade de ação e esperamos que o governo, de algum modo milagroso, nos salve das conseqüências de nossos próprios atos.”

“Uma das primeiras lições que um presidente precisa aprender é que cada palavra que ele diz pesa uma tonelada.”

“Eu não quero ver ninguém suplicando em favor do governo, pois todos deveriam ser mestres independentes de seu próprio destino.”

“Eu quero que as pessoas trabalhem menos para o governo e mais para si mesmas. Eu quero que eles tenham as recompensas de sua própria indústria.”

“Não há justificativa para a interferência pública em assuntos puramente privados.”

“Você não pode aumentar a prosperidade taxando o sucesso.”

“Afinal, o principal negócio do povo americano é o negócio. Eles estão profundamente preocupados em produzir, comprar, vender, investir e prosperar no mundo.”

“Depois da ordem e da liberdade, a parcimônia é um dos mais importantes fundamentos de um governo livre.”

“Enquanto andava com meu pai, quando ele cobrava impostos, eu sabia que quando os impostos eram pagos, alguém tinha de trabalhar duro para ganhar o dinheiro para pagá-los.”

“Em última análise, direitos de propriedade e direitos pessoais são a mesma coisa.”

“O dever não é coletivo; é pessoal.”

“Você não pode demonstrar maior sabedoria do que resistir a propostas de legislação desnecessária.”

“É muito mais importante revogar as despesas ruins do que aprovar as boas.”

“Eu quero que o povo da América possa trabalhar menos para o governo, e mais para si”

“A liberdade não é coletiva, é pessoal. Toda liberdade é liberdade individual.”

“Não há como escapar do fato de que, quando a taxação de grandes receitas é excessiva, elas tendem a desaparecer.”

“A tentativa de regular, controlar e prescrever todos os tipos de conduta e relações sociais é muito antiga. Sempre foi a prática dos povos primitivos.”

“No cumprimento dos deveres deste cargo, há uma regra de ação mais importante que todas as outras. Consiste em nunca fazer nada que alguém possa fazer por você.”

“A fixação de preços pelo governo, uma vez iniciada, não tem justiça nem fim. É uma loucura econômica da qual este país tem todo o direito de ser poupado.”

“Eu ficaria muito triste em ver os Estados Unidos mantendo alguém em confinamento por causa de qualquer opinião que essa pessoa possa ter. É um princípio fundamental de nossas instituições que as pessoas têm o direito de acreditar naquilo em que querem acreditar e manter as opiniões que quiserem, sem ter que responder a ninguém por sua opinião pessoal.”

“Nada é mais fácil do que gastar dinheiro público, que parece não pertencer a ninguém.”

“Coletar mais impostos do que o absolutamente necessário é um roubo legalizado.”

“Todo crescimento depende da atividade. Não há desenvolvimento físico ou intelectual sem esforço, e esforço significa trabalho.”

“Embora a legislação possa estimular e encorajar, a capacidade criativa real que constrói e desenvolve o país, e em geral torna a existência humana mais tolerável e a vida mais completa, deve ser fornecida pelo gênio das próprias pessoas. O governo não pode substituir a empresa.”

“É somente quando as pessoas podem sentir que suas vidas e a propriedade que sua indústria produziu hoje continuarão a ser seguras … que pode haver progresso econômico.”

“Quando as pessoas estão desnorteadas, elas tendem a se tornar crédulas.”

“O que precisamos não é mais do governo federal, mas de um melhor governo local.”

“Não há dignidade tão impressionante e nenhuma independência tão importante quanto viver dentro de seus recursos.”

“Quatro quintos de todos os nossos problemas desapareceriam, se apenas nos sentássemos e ficássemos quietos.”

“Onde quer que o despotismo apareça, as fontes de informação pública são as primeiras a serem colocadas sob seu controle. Onde quer que a causa da liberdade esteja caminhando, uma de suas maiores realizações é a garantia da liberdade de imprensa.”

“A propriedade do povo pertence ao povo. Tirar isso deles pela tributação não pode ser justificado, exceto por necessidade pública urgente. A menos que esse princípio seja reconhecido, nosso país não estará mais seguro e nosso povo não será mais livre.”

“O patriotismo é fácil de entender na América. Significa cuidar de si mesmo, olhando para o seu país.”

“Sou a favor da política de economia, não porque desejo economizar dinheiro, mas porque desejo ajudar as pessoas. Os homens e mulheres deste país que trabalham são aqueles que arcam com o custo do governo. Cada dólar que desperdiçamos descuidadamente significa que sua vida será mais escassa. Cada dólar que economizamos significa que sua vida será mais abundante.”

“Somos muito solicitados para que o governo intervenha. Em teoria, primeiro, porque as próprias pessoas são desamparadas e, segundo, porque o governo tem capacidade superior de ação. Muitas vezes, ambas as conclusões são erradas.”

“Nenhum método de procedimento jamais foi concebido, pelo qual a liberdade poderia ser divorciada do autogoverno. Nenhum plano de centralização jamais foi adotado, sem que não resultasse em burocracia, tirania, inflexibilidade, reação e declínio.”

“Esperar aumentar os preços e depois mantê-los em um nível superior por meio de um plano que deve necessariamente aumentar a produção, ao mesmo tempo em que diminuir o consumo é fugir de uma lei econômica tão bem estabelecida quanto qualquer lei da natureza.”

“Não importa o que alguém possa dizer sobre fazer os ricos e as corporações pagarem impostos, no final eles saem das pessoas que trabalham”

“Eles me criticam por insistir no óbvio; Se todas as pessoas nos Estados Unidos fizessem as poucas coisas simples que eles sabem que deveriam fazer, a maioria dos nossos grandes problemas cuidaria de si mesmos.”

“Numeradas entre nossa população são cerca de 12 milhões de pessoas de cor. De acordo com a nossa Constituição, os seus direitos são tão sagrados como os de qualquer outro cidadão. É um dever público e privado proteger esses direitos. O Congresso deve exercer todos os seus poderes de prevenção e punição contra o hediondo crime de linchamento, do qual os negros não são, de modo algum, os únicos sofredores, mas para os quais fornecem a maioria das vítimas.”

“Quanto mais eu estudo [a Constituição], mais eu a admiro, percebendo que nenhum outro documento inventado pela mão do homem trouxe tanto progresso e felicidade à humanidade.”

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

O coletivismo depende de líderes messiânicos - LUDWIG VON MISES


Os sacerdotes dessa religião atribuem a seu ídolo as mesmas virtudes que os teólogos atribuem a Deus



Segundo as doutrinas do universalismo, do realismo conceitual, do holismo e do coletivismo, a sociedade é uma entidade que vive sua própria vida, independente e separada das vidas dos diversos indivíduos, agindo por sua própria conta e visando a seus próprios fins, que são diferentes dos pretendidos pelos indivíduos.

Assim sendo, é evidente que pode surgir um antagonismo entre os objetivos da sociedade e os objetivos individuais.

Logo, para salvaguardar o florescimento e futuro desenvolvimento da sociedade, torna-se necessário controlar o egoísmo dos indivíduos e obrigá-los a sacrificar seus desígnios egoístas em benefício da sociedade.

Chegando a esta conclusão, todas as doutrinas coletivistas têm forçosamente de abandonar os métodos tradicionais da ciência humana e do raciocínio lógico e adotar uma profissão de fé teológica ou metafísica. Ato contínuo, e recorrendo a líderes carismáticos, os adeptos desta doutrina têm de obrigar os homens — que são perversos por natureza, isto é, dispostos a perseguir seus próprios fins — a entrar no caminho certo que a história quer que eles trilhem.

Esta filosofia é a mesma que, desde tempos imemoriais, caracteriza as crenças de tribos primitivas. Tem sido um elemento de todos os ensinamentos religiosos. O indivíduo torna-se obrigado a respeitar os decretos promulgados por um poder super-humano e obedecer às autoridades, encarregadas por este poder de fazer cumprir a lei.

Sob as doutrinas do universalismo e do coletivismo, o indivíduo, ao agir de acordo com o código ético, não o faz em benefício direto de seus interesses particulares, mas, ao contrário, renuncia aos seus próprios objetivos em benefício dos desígnios da comunidade.

Na visão do coletivismo, é inútil tentar convencer a maioria pela persuasão e conduzi-la, amigavelmente, ao caminho certo. Os que receberam a "iluminação" — sempre guiados pelo carisma de seu líder — têm o dever de pregar o evangelho aos dóceis e de recorrer à violência contra os intratáveis. O líder carismático é praticamente um vigário da Divindade, o representante dos genuínos interesses da sociedade, um instrumento da história. É infalível e tem sempre razão. Suas ordens são a norma suprema.

Por isso, o coletivismo é necessariamente um sistema de governo teocrático. A característica comum de todas as suas variantes é a postulação de uma entidade com características sobre-humanas à qual os indivíduos devem obediência. O que as diferencia uma das outras é apenas a denominação que dão a esta entidade e o conteúdo das leis que proclamam em seu nome. O poder ditatorial de uma minoria não encontra outra forma de legitimação a não ser apelando para um suposto mandato recebido de uma autoridade suprema e sobre-humana.

Pouco importa se o autocrata baseia sua autoridade no direito sagrado dos reis ou na missão histórica da vanguarda do proletariado; nem se o ser supremo se denomina Geist (Hegel) ou Humanité (Auguste Comte). Os termos "sociedade" e "estado", como empregados pelos adeptos contemporâneos do socialismo, do coletivismo, do planejamento e do controle social das atividades dos indivíduos, têm o significado de uma divindade.

Os sacerdotes dessa nova religião atribuem a seu ídolo todas aquelas virtudes que os teólogos atribuem a Deus: onipotência, onisciência, bondade infinita etc.

Se admitirmos que exista, acima e além das ações individuais, uma entidade imperecível que visa a seus próprios fins, diferentes dos homens mortais, teremos já estruturado o conceito de um ser sobre-humano. Não podemos, então, fugir da questão sobre quais fins têm precedência, sempre que houver um conflito: se os do estado ou sociedade, ou os do indivíduo.

O indivíduo e o coletivo
A resposta a esta questão já está implícita no próprio conceito de estado ou sociedade como entendido pelo coletivismo e pelo universalismo. Ao se postular a existência de uma entidade que, por definição, é mais elevada, mais nobre e melhor do que os indivíduos, não pode haver qualquer dúvida de que os objetivos desse ser eminente devem prevalecer sobre os dos míseros mortais.

Se o estado é uma entidade dotada de boa vontade, boas intenções e de todas as outras qualidades que lhe são atribuídas pela doutrina coletivista, então, pela lógica, é simplesmente absurdo confrontar as aspirações triviais do pobre indivíduo com os majestosos desígnios do estado.

O caráter quase teológico de todas as doutrinas coletivistas torna-se evidente nos seus conflitos mútuos. Uma doutrina coletivista não proclama a superioridade do ente coletivo in abstrato; proclama sempre a proeminência de um determinado ídolo coletivista e, então, ou nega liminarmente a existência de outros ídolos do mesmo gênero, ou os relega a uma posição subordinada e auxiliar em relação ao seu próprio ídolo.

Os adoradores do estado proclamam a excelência de seu próprio governo. Se dissidentes contestam o seu programa — quase sempre anunciando a superioridade de algum outro ídolo coletivista —, a única resposta é repetir muitas vezes: nós estamos certos porque uma voz interior nos diz que nós estamos certos e vocês estão errados. Os conflitos entre coletivistas de seitas ou credos antagônicos não podem ser resolvidos pela discussão racional; só podem ser resolvidos pelo recurso à força das armas.

Todas as variantes de credos coletivistas estão unidas em sua implacável hostilidade às instituições políticas fundamentais do sistema liberal: tolerância para com as opiniões divergentes, liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa, igualdade de todos perante a lei. Essa união dos credos coletivistas nas suas tentativas de destruir a liberdade deu origem à suposição equivocada de que a controvérsia política atual seja entre individualismo e coletivismo. Na verdade, é uma luta entre o individualismo de um lado e uma variedade de seitas coletivistas do outro. E o ódio e hostilidade mútuos entre essas seitas são ainda mais ferozes que sua aversão ao sistema liberal.

O modus operandi e as consequências
A aplicação das ideias coletivistas só pode resultar na desintegração social e na luta armada permanente. É claro que todas as variedades de coletivismo prometem a paz eterna a partir do dia de sua vitória final e da derrota completa de todas as outras ideologias e seus defensores. Entretanto, para que estes planos sejam realizados, é necessária uma mudança radical no gênero humano. Os homens devem ser divididos em duas classes: de um lado, o político onipotente, messiânico, quase divino; do outro, as massas, que devem abdicar da vontade e do raciocínio próprio para se tornarem meros peões no tabuleiro deste pretenso ditador.

As massas devem ser desumanizadas para que se possa fazer de um homem o seu senhor divinizado. Pensar e agir, as características primordiais do indivíduo, tornar-se-iam o privilégio de um só homem. Não é necessário mostrar que tais desígnios são irrealizáveis. Os impérios milenaristas dos ditadores são fadados ao fracasso; nunca duram mais do que alguns anos. Já assistimos à queda de muitas destas ordens "milenares". As remanescentes não terão melhor sorte.

O atual ressurgimento das ideias coletivistas, causa principal das agonias e desastres de nosso tempo, tem sido tão bem-sucedido, que fez esquecer as ideias essenciais da filosofia social liberal. Para os adeptos do coletivismo, em qualquer uma de suas várias roupagens, as maiorias têm sempre razão simplesmente porque têm o poder de derrotar qualquer oposição; governo majoritário equivale à ditadura do partido mais numeroso, e a maioria no poder não sente necessidade de se refrear na utilização do seu poder nem na condução dos negócios públicos.

Logo que uma facção consegue obter o apoio da maioria dos cidadãos — e, desse modo, assume o controle da máquina governamental —, considera-se com a faculdade de negar à minoria todos aqueles direitos democráticos por meio dos quais conseguiu alcançar o poder.

Já os liberais não divinizam as maiorias nem as consideram infalíveis; não sustentam que o simples fato de uma política ser apoiada por muitos seja prova de seus méritos para o bem-comum. Não recomendam a ditadura da maioria nem a opressão violenta das minorias dissidentes. O liberalismo visa a estabelecer um arranjo político que assegure o funcionamento pacífico da cooperação social e a intensificação progressiva das relações sociais mútuas. Seu objetivo principal é evitar conflitos violentos, guerras e revoluções que necessariamente desintegram a colaboração social e fazem os homens retornarem ao barbarismo primitivo, quando todas as tribos e grupos políticos viviam permanentemente em luta uns com os outros.

O liberalismo é simplesmente uma defesa do individualismo, que, quando respeitado, geram a divisão do trabalho, a cooperação social e a intensificação progressiva dos vínculos sociais.

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Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

O artigo acima contém excertos do livro Ação Humana, de 1948.

20 anos depois - ALEXANDRE-SCHWARTSMAN

INFOMONEY - 04/07


O principal ganhador do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia é o consumidor, principalmente o do lado de cá do Atlântico, que passará a usufruir de produtos melhores e mais baratos



O anunciado acordo comercial com a União Europeia (UE) é uma excelente notícia, ainda mais num país carente de boas novas, principalmente (mas não apenas) na área econômica. A começar porque se trata de um pacto de porte num mundo que tem se movido no sentido oposto.

Depois de décadas de abertura crescente, mais ancorada, é verdade, em tratos bilaterais do que num grande acerto multilateral (como seria a rodada Doha), testemunhamos recuos importantes nesta frente no mundo. Alguns exemplos são a retirada americana do Trans-Pacific Partnership (TPP) e a guerra comercial entre EUA e China, bem como diversas outras instâncias de restrição ao comércio internacional, em geral amparadas em argumentos duvidosos, quando não simplesmente falsos.

Contra esse pano de fundo, não há como minimizar a importância desse empreendimento apesar da desproporção entre os parceiros: pela paridade de poder de compra, o PIB da União Europeia é pouco inferior a US$ 19 trilhões, enquanto o do Mercosul se encontra ao redor de US$ 4,5 trilhões. Tomadas em conjunto, essas economias representam perto de 20% do PIB global.

Em linhas gerais, o acordo elimina as tarifas sobre 93% das exportações do Mercosul para a UE (hoje cerca de um quarto das exportações para lá se beneficia disso) e oferece “tratamento preferencial” para os 7% restantes, enquanto, na direção oposta, 91% das exportações europeias para o Mercosul ficam livres de tarifas. Dado o perfil das exportações brasileiras para lá, espera-se que o agronegócio brasileiro seja bastante favorecido, já que restrições hoje existentes limitam severamente as vendas de um setor muito competitivo sob condições de igualdade.

Isto dito, não tenho como aferir a precisão dos números divulgados acerca de possíveis ganhos de PIB num horizonte de 15 anos, que vão de US$ 88 bilhões a US$ 125 bilhões. A começar porque as mudanças não ocorrerão imediatamente, mas de forma gradual, ao longo de 10-15 anos, depois da aprovação por parte dos parlamentos nacionais das respectivas uniões aduaneiras (inclusive o Parlamento Europeu), o que deve demandar mais alguns meses pelo menos.

Todavia, apesar do costume de embalar acordos comerciais em termos das vantagens para o produtor nacional e aumento do PIB, não é esta a ótica correta para analisar tais acertos. Quem paga a conta do protecionismo é o consumidor, em favor de uns poucos setores mais bem organizados que conseguem convencer as forças políticas a criar arranjos que transferem renda dos setores dispersos.

Assim, o principal ganhador é o consumidor de ambos os lados do Atlântico, que passará a usufruir de produtos melhores e mais baratos, principalmente os do lado de cá. As tarifas cobradas pelo Mercosul são mais altas em média, chegando a 35% no caso de automóveis e artigos de vestuário e, crucialmente, 27% no caso dos vinhos...

Há também, é bom deixar claro, ganhos de produtividade, pelos efeitos de redirecionamento de trabalho e capital para os setores relativamente mais produtivos em detrimento de segmentos que serão reduzidos (ou deixarão de existir) ao fim do processo de transição. Novamente, por força das distorções serem maiores na economia que inicialmente apresenta tarifas mais altas, os ganhos devem ser também maiores no Mercosul e, por extensão, no Brasil.

Não deve ser, porém, um processo sem custos. Como notado, nem todas as empresas sobreviverão e a migração de trabalhadores de setores em declínio para os em expansão não ocorrerá de forma imediata e indolor. Como o prazo de transição é extenso, ainda é possível atenuar alguns destes custos, mas seria mentira afirmar que todos se beneficiarão no final do processo: não apenas o ganho será desigual, mas provavelmente haverá também perdedores.

Isto não é razão para voltar atrás. Muito do nosso atraso se deve precisamente aos obstáculos que foram erigidos (em alguns casos reconstruídos) para isolar a economia nacional da concorrência em benefício de poucos. Manter o estado atual das coisas serve apenas para preservar privilégios à custa do restante da sociedade. Trata-se, pois, de um avanço inequívoco, que deve ser comemorado mesmo que demoremos a sentir seus efeitos.

Bolsonaro trabalha para desmoralizar a reforma da Previdência - FERNANDO JASPER

GAZETA DO POVO - PR - 04/07


O presidente Jair Bolsonaro nunca esteve tão empenhado na reforma da Previdência. Para desmoralizá-la, no caso.

Nesta semana, trabalhou pessoalmente para favorecer policiais federais e outros profissionais da segurança pública, que o haviam chamado de “traidor”. Na quarta (3), chegou a desmarcar compromissos para convencer deputados a suavizar as regras de transição que seu próprio governo apresentou para esses profissionais.

Até certo ponto, funcionou. Ao que se sabe, o acordo só não saiu porque os policiais, ainda insatisfeitos, pediram mais. E têm boas chances de conseguir o que querem nas etapas seguintes da tramitação. Até porque, nesta quinta (4), Bolsonaro voltou a apelar para que os deputados "resolvam" o que ele classificou de "equívoco" do governo.

"Eu peço, por favor. O discurso de alguns, como se quiséssemos privilegiar também Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, não procede. São aliados nossos e nunca tiveram privilégio no Brasil", afirmou o presidente em café da manhã com a bancada ruralista.

A reforma nunca teve a ambição de igualar as regras para todos os trabalhadores. Profissionais que já tinham regras mais brandas – seja por características de suas atividades ou pela força de seu lobby – continuaram, no projeto do governo, tendo direito a se aposentar mais cedo que os demais. É o caso dos trabalhadores rurais, dos professores, de quem trabalha exposto a certos riscos, dos militares, dos policiais.

A proposta original, portanto, já reconhecia as peculiaridades dessas carreiras e lhes dava tratamento especial. A questão é que, para alguns, o tratamento parece nunca ser especial o bastante.

Hoje os policiais federais – assim como os civis, nos estados – se aposentam após 25 anos (mulheres) ou 30 anos (homens) de contribuição, desde que tenham no mínimo 15 e 20 anos de exercício do cargo, respectivamente. Não precisam atingir uma idade mínima.

O que a reforma propôs para eles foi uma elevação gradual no tempo de cargo, até chegar a 20 e 25 anos, e a necessidade de no mínimo 55 anos de idade, para ambos os sexos.

Não custa lembrar: a chamada regra geral da reforma, que valerá para a maioria dos brasileiros, será de idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para os homens. Quer dizer: mesmo que a nova legislação seja aprovada como está, sem os benefícios adicionais pleiteados, as policiais federais vão se aposentar sete anos antes das demais trabalhadoras e os policiais, dez anos.

A classe, no entanto, quer idades mínimas ainda mais baixas, de 52 e 53 anos, pelo menos para quem já está na carreira. Bolsonaro e parte dos deputados da comissão especial da Câmara articularam para que assim fosse.

Mas os policiais não aceitaram, na transição, cumprir um pedágio de 100% sobre o tempo que falta para se aposentar pelas regras atuais. Querem os mesmos 17% que o governo ofereceu aos militares das Forças Armadas e das polícias estaduais, corporações que também têm espaço cativo na lista de prioridades de Bolsonaro. Para estas, nem idade mínima haverá; apenas o tempo de serviço subirá dos atuais 30 anos para 35 anos de contribuição.

Várias outras categorias, principalmente de servidores públicos, fizeram e fazem pressão sobre deputados por regras mais brandas. E já conseguiram algumas facilidades – no regime de transição, por exemplo.

A diferença, no caso dos profissionais da segurança, é o envolvimento pessoal do presidente da República. Os próprios parlamentares já fizeram o alerta: oferecer esse tipo de vantagem é abrir a porteira para outras, incontáveis. O tipo de coisa que ajudou a afundar a reforma de Michel Temer."

‘Presidente oscila entre miudezas e mundo da lua’ - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 04/07


Noutros tempos, os constrangimentos eram provocados por opositores. Hoje, Jair Bolsonaro é quem causa embaraços ao governo. Na articulação para aprovar a reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes afirma uma coisa e o presidente pratica o oposto. Em conversa com o blog, um integrante da equipe do ministro da Economia se queixou: "Numa hora em que todos se mobilizam por uma boa reforma, o presidente Bolsonaro oscila entre as miudezas e o mundo da lua."

O auxiliar de Guedes impressionou-se com o noticiário sobre um café da manhã que Bolsonaro ofereceu a deputados da bancada ruralista. O anfitrião pediu aos comensais apoio para salvar na Câmara o seu decreto sobre armas. "Quando foi para o mundo da lua, o presidente reiterou o lobby pela concessão de aposentadoria especial para policiais militares, federais e rodoviários federais, que já são privilegiados", lamentou o membro da equipe econômica.

Logo que a primeira versão do relatório da Câmara sobre reforma da Previdência veio à luz, há 20 dias, Paulo Guedes comentou o conteúdo em timbre corrosivo. Disse que os deputados renderam-se às "pressões corporativas" dos servidores do Legislativo. "Acho que houve um recuo que pode abortar a nova Previdência", declarou.

Agora, chamado pelos policiais de "traidor" Bolsonaro dobra os joelhos diante de sua corporação predileta, deixando seu ministro sem chão e sem língua. "Dizer o quê?", pergunta o auxiliar de Guedes, sob a proteção do anonimato.

Há um quê de burlesco na conjuntura brasiliense. O time de Paulo Guedes, mãos postas, reza em silêncio para que as articulações de Bolsonaro não prosperem. Na comissão especial, aprovou-se o texto-base sem o aditivo tóxico dos policiais. Mas Bolsonaro não se deu por vencido. Apela a deputados amigos que tentem desvirtuar o desejo do Posto Ipiranga por meio de emendas.

Não entre. É um livro de receitas - EVERARDO MACIEL

ESTADÃO - 04/07

Os parlamentares, ao examinarem a PEC 45, não devem esquecer que as vítimas do aumento de carga tributária e da complexidade, além de serem contribuintes, são eleitores


Como mencionei em artigo anterior (Um elefante em loja de louças, Estado, 6/6/2019), a PEC 45, autodesignada “reforma tributária”, é uma fonte inesgotável de críticas.

Fundamentada em vetustos dogmas e principismos, proclama o primado da alíquota única, justamente o que existia na vigência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), hoje ICMS, até a promulgação da Constituição de 1988, e no PIS/Cofins, até a deflagração da farra dos regimes especiais em 2003.

É indiscutível que é iníqua a profusão de alíquotas efetivas no ICMS e no PIS/Cofins, tanto quanto é inconveniente perfilhar uma alíquota única, porque essa tese desconhece as especificidades de setores econômicos. Não pode haver uma medida igual para tudo, como ensina Douglass North, Prêmio Nobel de Economia.

A PEC 45 não discrimina alíquotas e os discursos dos que a defendem, por conveniência, omitem as pertinentes informações. É que não podem tratar desse assunto, para não ficar evidente o espetacular aumento de carga tributária para importantes setores.

As primeiras vítimas são os optantes do lucro presumido que recolhem o PIS/Cofins na sistemática cumulativa. São cerca de 850 mil contribuintes e contra eles existe uma incompreensível má vontade.

Admitida a conservadora hipótese de dois sócios por empresa, temos um universo de quase 2 milhões de advogados, médicos, engenheiros, contadores, jornalistas, consultores e outros profissionais liberais, além de pequenos prestadores de serviços, comerciantes e industriais. Todos inevitavelmente teriam um aumento brutal de tributação. O aumento alcançaria também setores que têm regimes especiais, como o imobiliário, o agrícola, o de radiodifusão.

Por sua vez, a tributação dos setores sujeitos no PIS/Cofins à substituição tributária (bebidas e tabaco) ou à incidência concentrada (combustíveis, automóveis, produtos farmacêuticos) entraria no campo do absolutamente imprevisível.

Pretende-se extinguir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e criar um enigmático Imposto Seletivo, visando à contenção de consumo. Esse estranho propósito leva a entender que a agenda oculta é a extinção da Zona Franca de Manaus, visto que o IPI já é um imposto seletivo.

Se verdadeira a hipótese, é estarrecedor o ressentimento contra os investimentos feitos na Amazônia e seus trabalhadores.

Alega-se que, em prazo (prorrogável) de dois anos, seriam experimentadas alíquotas, o que constitui evidência de que não se conhece o impacto tributário ou que, caso exista alguma estimativa, se cuida de omiti-la. É a opção pelo aventureirismo.

Além disso, pelo prazo de dez anos o proposto tributo conviveria com o ICMS, ISS e PIS/Cofins. Não é necessário muito esforço para concluir o que significa isso em termos de aumento de obrigações para os contribuintes. Nenhum dos atuais problemas daqueles tributos é resolvido e criam-se novos.

Apenas para argumentar, consultem os optantes pelo lucro presumido e sistemática cumulativa do PIS/Cofins se desejam migrar do atual regime tributário para o proposto. Seguramente nenhum deles faria tal opção, mas a arrogância, com pretensões à sabedoria, abomina a vontade alheia.

Os parlamentares, ao examinarem a PEC 45, não devem esquecer que as vítimas do aumento de carga tributária e da complexidade, além de serem contribuintes, são eleitores.

Leonard Mlodinow, físico e articulista do New York Times, em Elástico, relembra episódio do antigo programa Além da Imaginação. Nele se relata a invasão da Terra por alienígenas com 2,75 metros de altura, falando uma língua desconhecida, comunicando-se por telepatia e trazendo um livro que os criptógrafos só conseguiram traduzir o título: Para servir o homem.

Depois de algum tempo na Terra, convidaram o líder dos terráqueos para subir à nave. Quando o líder estava prestes a entrar, foi interrompido pelos gritos de uma criptógrafa que decifrara o resto do livro. “Não entre”, bradava ela, “é um livro de receitas.” O principal prato do menu eram homens.

Contribuinte, não entre na PEC n.º 45. É um livro de receitas. A vítima será você.

CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL

Bolsonaro insiste em governar sem o Congresso - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 04/07


Bolsonaro insiste em paparicar seu núcleo duro de eleitores, que o elegeram para mandatos sucessivos de deputado


O presidente Jair Bolsonaro tem uma fixação: não depender do Congresso para governar. É o sonho de consumo de todo político populista com pendores autoritários. Várias vezes ele já abordou o assunto, que ontem voltou a ser seu tema, no encerramento do discurso no Comando Militar do Sudeste, na transmissão de posse do General Andrade Ramos, que será o novo ministro chefe da Secretaria de Governo da presidência.

O presidente repete com constância desagradável que só deve “lealdade absoluta” ao povo, numa visão de democracia muito peculiar, que coloca essa entidade, o povo, acima de todas as instituições.

Ontem, além de agradecer às Forças Armadas, que seriam responsáveis por tudo o que alcançou na vida, Bolsonaro se dirigiu ao “povo brasileiro”: “Devo isso a vocês, povo brasileiro. Que são muito mais importantes que qualquer instituição nacional. Vocês conduzem nosso destino. A vocês, povo brasileiro, e somente a vocês, eu devo lealdade absoluta. Contem comigo, que eu conto com vocês.”

Bolsonaro parece não saber que “o povo brasileiro” tem seus representantes, eleitos pelo voto popular tanto quanto ele, trabalhando no Congresso Nacional, onde ele atuou por 28 anos. E que o presidente da República deveria representar todos os cidadãos, mesmo aqueles que não votaram nele.

Mas ele insiste em paparicar seu núcleo duro de eleitores, que o elegeram para mandatos sucessivos de deputado federal. Mas, se bastava esse eleitorado, basicamente de militares e congêneres, como guardas municipais, policiais militares, para elegê-lo deputado federal, agora teria que ampliar o alcance de seus atos.

Mas não, e o exemplo recentíssimo está na sua intervenção na reforma da Previdência para abrandar as condições de aposentadoria dos policiais militares.

Essa fixação em um apoio direto do eleitor não é de hoje. Em março, na cerimônia do 211º aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, Bolsonaro disse que a democracia só existe se as Forças Armadas quiserem. Ele fez o comentário quando descrevia sua vitória nas eleições do ano passado :“A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”.

Recentemente, em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, durante evento em memória ao marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.

Bolsonaro disse: “(…) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”.

De lá para cá, alguma coisa mudou, porque a democracia tem contrapesos que contêm o eventual voluntarismo do incumbente. A aproximação com países com ideologia semelhante à nossa nos afastaria da China, nosso principal parceiro comercial.
O que parecia uma ameaça da nova administração não passou de bravata, que a certa altura o chanceler Bruno Araújo pensou que era verdade. Mantivemos nossas relações com os chineses, e os interesses nacionais superaram as idiossincrasias oficiais.

A possibilidade de fazer parte da OCDE, que reúne as maiores economias do mundo ocidental, e também o acordo do Mercosul com a União Européia, obrigará a que o governo se enquadre em exigências como preservação do meio-ambiente e defesa de parâmetros democráticos.

Defender a ditadura militar é um mote caro ao presidente, que considera a instituição militar sua segunda família. Não seria necessário fazê-lo, e é especialmente perigoso quando a liga à ampliação do direito ao porte e à posse de armas.

Também aqui as instituições colocaram um limite às vontades do presidente, e o Congresso barrou os decretos, considerando-os inconstitucionais. Agora, outra instituição da democracia, o Supremo Tribunal Federal, vai cuidar do tema.

Os números que não mentem - WILLIAM WAACK

O Estado de S. Paulo - 04/07


O Brasil tem exemplos a dar em temas ambientais, mas esta não é sua imagem externa.


Números e narrativas não necessariamente coincidem e o Brasil é vítima de uma delas, com relevante repercussão internacional, sobretudo diante do anunciado acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul.

Exemplo clássico de números absolutos que não conseguem “narrar” corretamente uma situação é o da criminalidade. No Atlas da Violência do Ipea, verifica-se que São Paulo, com 4.631 mortos, figura entre os primeiros na lista de homicídios de 2017. Com menos da metade desse número – 2.203 casos – o Rio Grande do Norte está “confortavelmente” lá no meio da lista. Mas, em termos relativos, o Rio Grande do Norte apresentou uma taxa de 62 mortos (arredondando) por 100 mil habitantes em 2017. A mesma taxa para São Paulo era de 10, brutalmente inferior à do Rio Grande do Norte.

Vamos agora a um dos pontos nevrálgicos da discussão que o governo brasileiro terá de enfrentar ao tentar convencer europeus – governos e, especialmente, consumidores de produtos agrícolas brasileiros – de que o País atende aos padrões internacionais para o emprego de agrotóxicos. A narrativa consolidada é a de que o Brasil é o campeão mundial de uso de agrotóxicos, e o número absoluto não mente. Agrotóxicos são commodities, cotadas em dólares, e o valor do consumo brasileiro é o maior do mundo (indicando, portanto, a quantidade de toneladas compradas).

Mas, considerados em relação à área cultivada, ao tamanho da produção e à média de produtividade em função do uso desses agrotóxicos (um cálculo que leva em conta o consumo em dólares de pesticidas em relação à produtividade média por hectare de agricultura), os números da FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura, colocam o Brasil em situação incomparavelmente mais confortável do que potências europeias como França, Alemanha, Itália e Reino Unido (para curiosidade, os grandes vilões nessa comparação são Japão e Coreia).

Em outras palavras, é o Brasil que deveria acusar e não ser acusado de abusar do uso de agrotóxicos. Mas o País está acuado no debate internacional e não foi capaz ainda de encontrar uma fórmula para provar que os números que não mentem e contam como são os fatos relevantes deveriam favorecê-lo nas negociações duríssimas, com intrincados interesses cruzados (objetivamente, ambientalistas e protecionistas, por exemplo), que estão apenas começando.

Nessa questão específica, a do uso de agrotóxicos, sucessivos governos brasileiros perderam a batalha de comunicação doméstica também. Projeto de lei tramitando no Congresso para atualizar normas legais e permitir acesso a agrotóxicos mais modernos (menos tóxicos e venenosos, e que podem ser aplicados em dosagem menor) virou “PL do veneno”. O debate já se afastou dos argumentos científicos, suplantados pelo berreiro ideologizado.

De fato, o Brasil tem exemplos a dar para o mundo em energia renovável, biocombustíveis, aumento da produtividade na agropecuária e é uma formidável potência produtora de alimentos – sem, para isso, ter aumentada a área cultivada. Mas não é esta sua imagem externa, uma situação apenas em parte criada por grupos organizados vinculados ou não a interesses governamentais estrangeiros e comerciais. Diante das avenidas que podem se abrir com o acordo entre Mercosul e União Europeia, o governo brasileiro está diante da urgente necessidade de desenhar uma estratégia que o tire da atual postura defensiva.

Proferir frases contundentes em reuniões internacionais de cúpula, como o G-20, energiza e mobiliza o público cativo interno. Mas é pouco.


A boa batalha - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 04/07


O Estado irá se insurgir, por meio dos instrumentos que as leis e a Constituição oferecem, contra toda e qualquer agressão à liberdade de imprensa. Assim tem sido há 144 anos.


Há batalhas que merecem ser travadas não apenas pelo objeto da disputa, mas também pela reafirmação de valores caros a seus contendores. Foi imbuído deste espírito que O Estado de S. Paulo decidiu prosseguir com a ação cível movida contra o jornal pelo empresário Fernando Sarney mesmo quando o autor optou pela desistência de seu pleito censório, em 18 de dezembro de 2009. Este jornal desde sempre quis ver a causa julgada em seu mérito, pois, além de lutar pelo direito de informar, o Estado luta pela liberdade e pelo direito da sociedade de ser informada. O esforço e a firmeza de propósito foram recompensados.

O juiz Atalá Correia, da 12.ª Vara Cível de Brasília, julgou improcedente a ação que impedia o jornal de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica. A ação da Polícia Federal (PF) apurou o envolvimento de Fernando Sarney, filho do então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em um esquema de contratação de parentes e afilhados políticos do ex-presidente da República por meio de atos secretos do Senado. Uma liminar concedida pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) – que à época mantinha notórias relações sociais com a família Sarney –, acolheu recurso interposto por Fernando Sarney contra a decisão de primeira instância que havia negado a censura prévia ao jornal.

Desde então, o que se viu foi uma longa e tortuosa batalha jurídica até que, em outubro do ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassasse a decisão liminar do TJDFT e remetesse o processo de volta à primeira instância do Distrito Federal para que o mérito da causa fosse julgado.

“Trata-se (a decisão do juiz Atalá Correia) de um elogio à virtude da paciência de quem é réu e de seus advogados. O óbvio demorou a ser reconhecido, mas a sentença é um precedente valioso para a defesa da liberdade de informação”, disse o advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira. De fato, seria muito melhor que a decisão que reafirma a liberdade de informação consagrada pela Lei Maior tivesse chegado há mais tempo. A censura ao Estado durou inacreditáveis 3.327 dias. Um só dia já seria tempo insuportavelmente longo para que um órgão de imprensa fosse impedido de informar.

Na sentença, o juiz Atalá Correia escreveu que “não houve (por parte do jornal) divulgação de conversas estritamente particulares do autor, relacionadas à sua vida íntima e desconexas do interesse público”. Tudo o que este jornal publicou e pretendia publicar era, portanto, de interesse público. O juiz Correia afirmou ainda não ver no caso qualquer “situação excepcional” que ensejasse restrições à liberdade de informação.

A decisão da 12.ª Vara Cível de Brasília está em linha com o entendimento firmado pelo STF em 2009, segundo o qual “a plena liberdade de imprensa é categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.

Quase uma década para que a liberdade de informação que a Constituição protege fosse reconhecida pelo Judiciário é tempo longo demais. Se algo bom pode ser tirado do episódio é o fato de a decisão chegar num momento em que a imprensa livre está sob ataque, no Brasil e em outros países. A decisão, neste sentido, é um bálsamo para os amantes da liberdade.

Não têm sido raras as investidas para calar veículos de imprensa, como esta de que o Estado foi vítima. Por mais ou menos tempo, a sociedade tem deixado de ser informada a contento sobre questões de seu interesse por força da ação de pessoas ou organizações que preferem a falsa segurança das sombras para fazer valer os seus interesses, em geral contrários aos da Nação. Aqui e ali, vicejam tentativas de impor censura e desqualificar órgãos de imprensa sempre que estes publicam aquilo que se quer manter escondido.

O Estado irá se insurgir, por meio dos instrumentos que as leis e a Constituição oferecem, contra toda e qualquer agressão à liberdade de imprensa. Assim tem sido há 144 anos, sem jamais vergar diante dos arroubos dos liberticidas.


O presidente que desidrata - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 04/07

Policiais já têm regras mais brandas na reforma, mas querem mais. Bolsonaro fez lobby, mas relator não cedeu



A entrada do próprio presidente da República para desidratar a reforma da Previdência é algo realmente inusitado. Mas foi o que Jair Bolsonaro fez ontem. A mudança pela qual o presidente se bateu beneficiava quem já é beneficiado. Fica estranha a situação do ministro Paulo Guedes, que reagiu de maneira tão eloquente criticando a Câmara de ter cedido ao lobby de servidores do legislativo e ficou em silêncio diante da pressão do presidente da República para aumentar as vantagens dos funcionários do setor de segurança. Os policiais federais e rodoviários federais já tinham, na reforma, uma idade mínima 10 anos menor do que a do resto da população, mas quiseram mais vantagens. E tiveram como lobista o presidente.

Parlamentares relataram terem se sentido ameaçados pelos policiais. A um certo momento da tarde, falou-se em redução da idade mínima para 52 e 53 anos. Era proposta do governo, mas os policiais federais não aceitaram. O que complica a negociação é que eles têm dezenas de lideranças e a negociação fica fragmentada.

Com todas essas dificuldades e pressões, o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) decidiu não ceder à pressão e manteve os 55 anos. Foi um dia muito tenso, e o presidente da República que não se mobilizou por nenhum ponto, nem mesmo pela inclusão dos estados e municípios, não poupou esforços para defender os policiais.

Durante as conversas mantidas com a equipe econômica, os policiais civis, federais e rodoviários federais disseram inicialmente que queriam as regras semelhantes aos militares das Forças Armadas. Os economistas afirmaram que aceitariam, desde que eles aceitassem também o mesmo tempo de trabalho para aposentadoria. Os policiais não concordaram. Nas Forças Armadas não há idade mínima, mas o pessoal tem que comprovar 30 anos de trabalho militar para ter direito à integralidade. Os policiais quiseram que fosse apenas 25 anos de serviço policial comprovado e que, além disso, tivessem também o direito à integralidade e à paridade, ou seja, se aposentassem com o último salário e com os proventos reajustados com todos os aumentos da ativa.

— Eles queriam uma regra melhor do que a de todo mundo. Nós oferecemos uma transição melhor, parecida com a do professor, mas melhor. Eles recusaram. Apesar de terem uma idade mínima muito menor do que a dos outros brasileiros, estão achando o fim do mundo, dizem que somos contra a polícia — relatou um dos negociadores.

Os policiais disseram que eles têm mais risco de morte. Integrantes do governo mostraram para eles os dados que provam que policiais militares têm alta taxa de mortalidade, mas as estatísticas de morte dos policiais civis, federais e rodoviários federais são iguais às dos demais servidores.

A declaração de Bolsonaro ontem diante de oficiais generais das Forças Armadas de que todos têm que fazer sacrifícios para aprovar a reforma era apenas retórica. O que houve de fato é que a proposta das Forças Armadas, enviada por Projeto de Lei, inclui um substancial aumento de salários para os militares, várias formas diferentes de adicionais e não tem idade mínima. As regras de transição são muito mais suaves do que as dos civis. É tanto aumento que a economia que seria de R$ 90 bilhões em dez anos cai para uma redução líquida de despesa de R$ 10 bilhões. Isso quando se desconta, da economia com a reforma, o custo do aumento de soldos. Portanto, Bolsonaro, quando fala que todos darão a sua cota de sacrifício, sabe que alguns estão dando uma cota muito menor desse sacrifício.

Na última versão do relatório do deputado Samuel Moreira anulou-se a possibilidade de alíquota extra de cobrança previdenciária dos servidores estaduais e municipais. A mudança do BPC, incluindo-se o valor da concessão na Constituição, também caiu. Foi revogada também o aumento da CSLL para cooperativas de crédito.

Outro problema que piorou o clima ontem foi o das emendas dos parlamentares. O governo promete, mas eles não confiam que o dinheiro será liberado. E não confiam porque o que foi prometido na votação do PLN 04 — que aprovou crédito suplementar ao Tesouro — ainda não foi liberado. O governo, com despesas contingenciadas, teria que cortar outros gastos para liberar essas emendas. Sobrou lobby e faltou o dinheiro das emendas nos debates de ontem.


Casos do ‘laranjal’ e de Queiroz têm de ser resolvidos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/07

Bolsonaro se elegeu com a promessa de combater a corrupção e não pode fingir que nada acontece a seu lado

Assim que denúncias e evidências de corrupção chegaram a seu território, o governo Bolsonaro, apesar de ter assumido com a acertada bandeira do combate ao roubo do dinheiro público, tem se comportado como vários outros: protela punições, não afasta suspeitos cercados de evidências, e usa o surrado argumento de que nada está provado.

Esquece-se de que o melhor é afastar a autoridade em questão, até que as investigações cheguem ao fim. O bom exemplo foi dado ainda pelo presidente Itamar Franco, ao destituir o chefe da Casa Civil, seu amigo Henrique Hargreaves, até que se esclarecessem denúncias feitas contra ele na CPI do Orçamento. Esclarecidas, Hargreaves reassumiu.

O governo de Jair Bolsonaro, que na campanha acenou com uma “nova política”, se comporta no figurino dos velhos costumes na vida pública, por desconsiderar as evidências do envolvimento do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no golpe do uso da cota de gênero nas eleições. A manobra é lançar candidaturas dentro da cota das mulheres, apenas com a finalidade de desviar dinheiro público do financiamento de campanha.

Como descobriu a “Folha de S.Paulo”, candidatas do PSL, partido do presidente, receberam cifras razoáveis para tentar se eleger, e obtiveram votações muito baixas, embora tenham justificado na Justiça Eleitoral gastos em campanha. Ficou evidente, depois, que essas despesas eram uma forma de transferir recursos do fundo eleitoral para bolsos privados.

Um dos polos desses esquemas funcionou em Minas, onde Marcelo Álvaro Antônio conseguiu se reeleger deputado federal e ganhar o cargo de ministro. Em torno dele transcorreram várias histórias dessas candidatas laranjas. Há pouco, a Polícia Federal, que investiga o golpe, indiciou três assessores de Álvaro Antônio e quatro candidatas mineiras que participaram deste esquema de roubo do dinheiro público, por meio de “laranjais” de candidatas.

O presidente, no entanto, mantém o ministro — não segue o exemplo de Itamar —, apenas exige que a PF investigue os demais partidos. Deve mesmo, mas isso não serve para encobrir os malfeitos no PSL.

Na proximidade de Bolsonaro, ainda se desenrola o caso ocorrido no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente, em que parte dos salários de assessores do deputado era devolvida para fins obscuros.

E no centro dessa história, encontra-se o ex-PM Fabrício Queiroz, provável operador deste esquema da “rachadinha” no gabinete do deputado, mas que está desaparecido.

O governo Bolsonaro tem méritos ao criar a pasta da Justiça e da Segurança Pública, entregue a Moro, para enfrentar a corrupção e a criminalidade organizada de forma geral, num trabalho coordenado com toda a Federação. Mas não pode fingir que nada acontece ao seu redor.