quinta-feira, junho 04, 2020

Um ex-preso ganha e outro perde Banco estatal. Sobrevoe a Papuda, general! - REINALDO AZEVEDO

UOL - 04/06



Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto: ambos queriam o Banco do Nordeste. O segundo levou a melhor. Logo será preciso abrir um escritório do governo na PapudaImagem: Reprodução


É do balacobaco!

O governo Bolsonaro vai desmoralizar até a fisiologia!

O Conselho de Administração do Banco do Nordeste destituiu nesta quarta Alexandre Borges Cabral, que tinha sido empossado presidente da instituição na terça.

Seu padrinho é o ex-deputado Roberto Jefferson, que comanda o PTB — aquele que agora resolveu defender Bolsonaro de fuzil na mão e metralhadora na língua.

Conforme revelou reportagem do Estadão, o Tribunal de Contas da União (TCU) apura suspeitas de irregularidades em contratações quando Cabral presidia a Casa da Moeda, em 2018. O valor envolvido na investigação é de R$ 2,2 bilhões.

Então ele foi demitido por isso?

Olhem, se o critério for esse, vai ser difícil encontrar almas impolutas no fundão do Centrão. Afinal, o homem havia sido indicado por um ex-presidiário.

Ocorre que o busílis não está aí.

O cargo já tem dono. Pertence a um outro ex-presidiário: Valdemar Costa Neto, dono do PL.

Há dias, Bolsonaro afirmou que estava, sim, distribuindo cargos entre partidos, mas nada de entregar estatais e bancos...

Vê-se.

Na disputa dos ex-presidiários pelo Banco do Nordeste, Costa Neto levou a melhor.

Daqui a pouco, Jefferson posa com uma bazuca. O alvo será definido de acordo com o atendimento ou não de sua, como direi?, visão elevada do papel do Estado brasileiro.

Bolsonaro prometeu inovar e está inovando. Nunca antes na história deste país, o presidente de um banco estatal ficou um dia só no cargo porque ex-presidiários querem o mesmo banco.

O governo Bolsonaro já juntava ineficiência a autoritarismo. Agora soma as contribuições de Jefferson e Costa Neto, que sempre souberam ler os cofres públicos.

Mais um pouco, o general Fernando Azevedo e Silva terá de sobrevoar de helicóptero a Papuda. Para saudar as manifestações de apoio ao governo...

Viram? Quem disse que Bolsonaro não acredita na recuperação de presidiários? Acredita! Dá até banco para eles!

Risco de cassação da chapa explica novo tom de Mourão - VERA MAGALHÂES

ESTADÃO - 04/06

O novo tom adotado pelo vice-presidente Hamilton Mourão no artigo escrito ao Estadão no qual classificou de “delinquentes” manifestantes contra o governo e repreendeu o ministro Celso de Mello, do STF, por sua carta aberta apontando semelhanças entre o momento político atual e a Alemanha de Hitler se deve a um fato muito específico: passou a ser considerada grande no governo a possibilidade de que avance um processo na Justiça Eleitoral para cassar a chapa Bolsonaro-Mourão.

É por isso que o inquérito das fake news, que corre no Supremo, mas deve abastecer com provas as ações no TSE, tira o sono da família Bolsonaro.

E é por isso que Mourão fez uma guinada “bolsonarista” em seu último texto: uma coisa é ficar olímpico e falar em nome da democracia quando o risco maior é de impeachment, processo que leva o vice-presidente a assumir. Outra é ser colocado no mesmo balaio num processo de cassação por financiamento ilegal de campanha por empresários para comprar disparos de fake news — linha que pode ser seguida pela Justiça Eleitoral.

Mourão vinha tentando se mostrar leal a Bolsonaro, mas diferente. Daí porque seus artigos, entrevistas e caras e bocas em reuniões públicas sempre denotassem certa ironia ou condescendência diante dos arroubos do presidente. Daí também por que ele insistisse em dar declarações dissociando as Forças Armadas do governo e afastando o risco de intervenção militar ou autogolpe — iniciativa que ele defendeu como possível durante a campanha de 2018, é sempre importante lembrar.

Setores civis do governo e expoentes de diversos partidos do Congresso, além de ministros do Supremo, avaliam que, caso as investigações no STF (são várias) e no TSE avancem e convirjam para o afastamento da chapa e novas eleições, Mourão se unirá a Bolsonaro, aí sim com a participação dos militares, para defender o governo. E os protestos de rua podem ser a desculpa ideal para uma ação nesse sentido.

O rali da Bolsa de Valores - CELSO MING

ESTADÃO - 04/06

A disparada do Índice Bovespa não tem explicação única


Muita gente olha para a disparada da Bolsa e balança a cabeça: o mercado de ações não deve refletir a economia? Se a economia está nesse deus nos acuda, com as contas públicas aos cacos, grande número de empresas com o caixa parado e à beira da insolvência, como explicar esse rojão? Pura especulação? Não há uma única explicação para o sucesso da Seleção de 70 – e lá se vão 50 anos. A conquista do tri foi o resultado de vários fatores positivos, que agora os comentaristas esportivos vêm analisando, cada um com sua carga de saudades. O momento da Bolsa também não tem explicação única.

A começar pela mola que existe (dizem) no fundo do poço. Em apenas três semanas a partir de março, a Bolsa havia despencado 40% (veja o gráfico), empurrada pelo efeito manada, quando prevalecia o medo da pandemia e seus efeitos sobre a economia. Esta alta tem a ver com um movimento dialético que busca a volta do equilíbrio, que ninguém sabe onde está.

Outra catapulta é o afundamento dos juros no mercado interno. A Selic (juros básicos) está no seu piso histórico de 3,0% ao ano, com perspectiva de cair ainda mais. O Banco Central já avisou que, na próxima reunião do Copom (dia 16), cairá mais 0,75 ponto porcentual, para 2,75% ao ano. Com o estancamento da demanda, a inflação foi para o negativo e deve continuar aí. O mercado entende que, até o fim deste ano, a Selic estará a 2,25%, como ficou mostrado na última segunda-feira pelo Boletim Focus, do Banco Central.

Estamos falando de números que apontam para um rendimento líquido também negativo para a maioria das aplicações de renda fixa, desde que se coloquem nos cálculos a inflação e os juros rastejantes, mais as garfadas da taxa de administração e do Imposto de Renda. Ou seja, o administrador de um patrimônio está sendo empurrado para as aplicações de risco. A Bolsa reflete o aumento de demanda por seus ativos.

E há o retorno à atividade econômica nos países avançados, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, depois de quase três meses de isolamento social. É a economia mundial voltando a se mexer e isso esparrama alento pelos mercados.

Não se pode desprezar o efeito do enorme despejo de moeda pelos grandes bancos centrais, não ainda para retomada do emprego e da renda, mas, principalmente, para manter o mercado irrigado. É natural que uma parcela desses recursos tome o rumo do segmento de risco, especialmente o das ações. A Bolsa brasileira está sendo beneficiada com isso porque grande número de papéis de empresas brasileiras está sendo negociado nas bolsas internacionais. O que acontece por lá acaba tendo impacto também por aqui.

Há boa dose de lógica nesses fatos. Embora os juros devam continuar muito baixos e, portanto, estimulando as aplicações de risco, não dá para, a partir daí, contar com trajetórias firmes dos preços das ações nos próximos meses. A Bolsa é de se antecipar. Em março antecipou-se aos efeitos do coronavírus e agora, à recuperação lá fora. Em seguida, poderá olhar para o que foi destruído e para as novas incertezas e será outro movimento.

CONFIRA

O tombo do dólar

Há apenas 21 dias, as cotações do dólar no câmbio interno se aproximavam dos R$ 6 – apesar da intervenção do Banco Central, que não parou de fornecer milho para os bodes. De lá para cá, houve clara percepção de que tinham ido longe demais (“overshooting”). As contas externas não estão em perigo e o País não está afundado em dívida externa. Os ativos de risco voltaram a ser atrativos, exportadores e investidores voltaram a trazer seus dólares e, assim, o câmbio recuou 13,4% desde março.

A chave do problema - GUY PERELMUTER

ESTADÃO - 04/06

Nunca estivemos tão conectados, e nunca a privacidade de nossa vida online foi tão importante


A criptografia, cuja raiz vem do grego kryptos (escondido) e de graphia (escrita), viabiliza o uso da Internet. É ela que permite que possamos trocar informações preservando nossa privacidade, de forma que apenas o destinatário correto seja capaz de decifrar seu conteúdo graças ao uso de operações matemáticas aplicadas sobre as mensagens. Imagine que você queira enviar uma mensagem para alguém, e que você deseja que apenas a destinatária da sua mensagem seja capaz de lê-la. Mais que isso, você também deseja que a destinatária tenha certeza que o remetente da mensagem foi você, e não alguém se passando por você. Em outras palavras, você quer garantir simultaneamente a confidencialidade da comunicação e a autenticidade de sua autoria, e quer se comunicar com qualquer pessoa que também possua chaves públicas e privadas

Como pares de chaves públicas e privadas funcionam? De forma simplificada, cada usuário possui um par de chaves: a primeira, chamada de chave privada, como o próprio nome indica, deve ser de conhecimento apenas da pessoa que a possui. A segunda chave, chamada de chave pública, é divulgada para o maior número possível de pessoas (via redes sociais e na assinatura de e-mail, por exemplo) . Para enviar uma mensagem de A para B, a remetente A deve encriptar a mensagem com a chave pública de B, e para ler essa mensagem, o destinatário B usa sua chave privada. Analogamente, se B quer enviar uma mensagem para A, deve ser utilizada a chave pública de A, que só pode ser decifrada com a chave privada associada. Você pode imaginar que a chave pública faz o papel do cadeado, trancando a informação – e essa informação só pode ser liberada com o uso de uma chave específica (a chave privada).

O grande desafio para viabilizar o modelo de criptografia de chave pública estava em conseguir utilizar um canal não confiável (a Internet) para trocar informações sensíveis, como as chaves dos usuários (necessárias para assinar e encriptar as mensagens). A resposta para essa questão foi publicada em 1978 por três cientistas de computação: o norte-americano Ron Rivest, o israelense Adi Shamir e o matemático norte-americano Leonard Adleman, que desenvolveram o algoritmo batizado com a primeira letra de seus sobrenomes (RSA) durante seu período de estudos no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, Estados Unidos. A mesma solução havia sido encontrada cinco anos antes pelo matemático inglês Clifford Cocks enquanto trabalhava no Quartel General de Comunicações do Governo do Reino Unido (GCHQ, Government Communications Headquarters), porém seu trabalho foi classificado como confidencial e só foi divulgado em 1997.

A segurança do algoritmo RSA, amplamente utilizado para criptografar e descriptografar conteúdos transmitidos digitalmente, está baseada em um problema matemático que, até hoje, não possui solução eficiente: a fatoração em números primos de valores elevados. O problema consiste em descobrir quais são os números primos que, multiplicados uns pelos outros, resultam no número original – que é utilizado como chave para criptografar e assinar mensagens. Reforçando: a grande utilidade do RSA é que, combinando-se as chaves públicas e privadas dos usuários A e B, é possível garantir que apenas a usuária B vai conseguir ler a mensagem do usuário A, e ainda que a usuária B poderá ter certeza que o usuário A é o autor da mensagem original.

Até agora, apesar de esforços de estudiosos ao redor do mundo, não foi encontrado um algoritmo que consiga fatorar um número grande em fatores primos em um intervalo de tempo aceitável (ou seja, re-escrever esse número como um produto de números primos). Por exemplo, a fatoração de um número de 232 dígitos (representado por 768 bits em um computador) foi conseguida em 2009 após um conjunto de mais de cem computadores trabalhar no problema por dois anos – e quanto maior o número de dígitos, muito maior será a demora. A questão crítica é que até hoje não foi provado matematicamente que esse problema é impossível de ser resolvido – em outras palavras, ainda não é possível determinar se de fato não existe uma forma eficiente de fatorar um número em seus fatores primos. Porém, o advento de computadores quânticos é visto por alguns como uma ameaça ao modelo RSA, pois é possível que o processamento de diversos algoritmos seja feito de forma bem mais eficiente em máquinas desse tipo — inclusive a decomposição em fatores primos. É esse o tema da próxima coluna. Até lá.

*Fundador da GRIDS Capital e autor do livro Futuro Presente - o mundo movido à tecnologia, é Engenheiro de Computação e Mestre em Inteligência Artificial

General corajoso para ato golpista se acovarda diante de recorde de mortes - REINALDO AZEVEDO

UOL - 04/06


O país não vai se transformando apenas num grande cemitério de vítimas da Covid-19. O velório da vergonha na cara precedeu em muito esse desastre. E que coisa, não? Temos um general falastrão e palanqueiro, que tem a coragem de aderir a um protesto que prega golpe de Estado, mas que se acovarda quando a confirmação diária de mortes bate recorde.

Leiam o que informa a Folha. Volto sem seguida.

O Brasil registrou um novo recorde diário de mortes, com 1.349 óbitos, além de 28.633 novos casos de coronavírus nas últimas 24 horas, segundo o Ministério da Saúde. Ao todo, são 32.548 mortes e 584.016 casos confirmados no país até agora. Na terça (2), o Brasil havia registrado 1.262 novos óbitos, e ultrapassado a marca tétrica de 30 mil óbitos desde o início da pandemia. Esse é o segundo dia consecutivo com recorde de mortes.

O Ministério da Saúde não comentou os novos números. Uma entrevista com a equipe técnica para apresentar um perfil epidemiológico da epidemia da Covid-19 no país estava marcada para a tarde desta quarta, mas acabou cancelada e adiada para quinta (4). A divulgação dos dados também sofreu atrasos. Inicialmente marcada para 19h, só ocorreu às 22h. Em nota, o ministério alegou problemas técnicos para a mudança de horário. Atrasos, porém, têm sido frequentes.

As mudanças na divulgação dos dados começaram ainda na gestão do ex-ministro Nelson Teich, e se intensificaram sob a gestão do ministro interino, o general Eduardo Pazuello. Antes diárias, as coletivas de imprensa passaram a ocorrer em dias intercalados, e sem análise dos números atuais. A pasta também passou a destaque ao número de recuperados da Covid-19 em plataformas próprias, em detrimento do total de mortes.

Das 1.349 novas mortes confirmadas nesta quarta, 408 ocorreram nos últimos três dias, e o restante em dias anteriores. A distribuição por data não foi divulgada. O total real de casos e mortes, porém, tende a ser ainda maior, devido a subnotificação e ocorrência de casos ainda à espera de análise. Boletim do Ministério da Saúde aponta que o país soma 4.115 óbitos em investigação.

Análises recentes feitas pela equipe do Ministério da Saúde em boletins agora semanais apontam ainda que o país segue em tendência de aumento de casos e mortes pelo novo coronavírus, sem que haja sinais de desaceleração da epidemia. O diretor-executivo da OMS, Michael Ryan, afirmou nesta quarta (3) que a transmissão comunitária de coronavírus continua intensa no Brasil e que o país é um dos que preocupam a OMS, ao lado do Haiti, da Nicarágua e do Peru.

"Quando a transmissão comunitária se instala, é muito difícil interrompê-la. Exige várias intervenções em conjunto, coordenação entre todos os níveis de governo, comunicação clara, adesão da população e decisões baseadas em conhecimento científico", disse ele.

Segundo a líder técnica da entidade, Maria van Kerkhove, a experiência de países que foram mais afetados pela pandemia (como Itália ou Espanha) mostra que, quando a transmissão está fora de controle, é preciso priorizar os locais onde há mais concentração de vírus circulando: aqueles em que há mais contato entre as pessoas.

Dados compilados pela Universidade John Hopkins (EUA) apontam que o país é hoje o segundo em número de registros da Covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, que soma quase 1,8 milhão de casos. Em número de mortes, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking, atrás de EUA, Reino Unido e Itália -- a qual deve em breve ser ultrapassada na lista, caso seja mantido esse ritmo de aumento por aqui.
(...)

RETOMO

É um acinte e um disparate que o Ministério da Saúde evite uma entrevista coletiva no dia em que se tem um novo recorde de mortes. O colapso no atendimento ameaça várias capitais, mas o nosso homem de guerra que cuida da pasta silencia.

Faz sentido. Ele não está lá porque tenha algo a dizer a respeito. Está justamente porque não tem nada a dizer.

Se, no entanto, estivesse ocorrendo uma manifestação em favor do golpe de Estado, como a do dia 24 de maio, ele se apresentaria às armas, como se apresentou. De máscara e passos resolutos, lá estava ele, com coragem, num ato que pedia o fechamento do Congresso e do Supremo.

Também teve a coragem de assumir o protocolo da cloroquina. Contra a ciência.

Ele só amarela diante da realidade.

Como é mesmo a frase do nosso Sêneca da pistola com leite condensado? "Todos nós iremos morrer um dia".

Impagáveis erros - SOLANGE SROUR

FOLHA DE SP - 04/06

Aprovar mais gastos dizendo que 'depois a gente faz as reformas' é a fórmula do fracasso



A atual crise será duradoura, com graves implicações econômicas. Estamos e ficaremos ainda mais pobres, endividados e menos produtivos.

A rede de proteção aos mais vulneráveis terá de ser estendida de forma permanente. Mas um debate pouco cuidadoso com os números e com a restrição fiscal já saltou para uma opção mais radical: a instituição de um programa de renda universal ou a simples perenização do atual auxílio emergencial.

Projetos nessas direções já foram até apresentados no Congresso. No entanto, está ausente do debate a questão fundamental: como ampliar os benefícios sociais sem criar restrições ao crescimento, que, em última instância, é de onde se pode extrair recursos. É surpreendente que décadas de estagnação não nos fizeram conscientes de que a redução da pobreza dependerá cada vez mais de ganhos de produtividade.

Transformar simplesmente o coronavaucher em um programa de renda básica permanente, ainda que com um valor menor, constitui um erro. A escolha feita durante a paralisação da atividade econômica não deve ser a mesma quando a economia volta a operar.

O auxílio emergencial foi uma solução temporária, adequada à restrição do isolamento social. O valor generoso e a falta de focalização foram inevitáveis, devido à comoção política e à pressa em colocar a política em prática. Já a construção de um programa de caráter contínuo está sujeita a novas restrições, sendo a mais importante sua viabilidade no longo prazo.

Qualquer proposta de aumento de gastos precisa respeitar os fatos:

1) a relação dívida/PIB chegará ao fim deste ano perto de 100%. Gastamos em menos de um ano o equivalente às despesas poupadas na reforma da Previdência;

2) os recursos são finitos, e existe restrição de endividamento. Nosso histórico de alta inflação, controles cambiais e confisco não nos permite monetizar déficits;

3) gastamos mal. Dado o alto volume de gastos públicos, temos tido pouco sucesso na redução da desigualdade e da pobreza;

4) a expansão fiscal e o aumento da carga tributária das últimas décadas vêm prejudicando o crescimento.

Nosso sistema de proteção social e emprego é composto por programas sobrepostos e mal articulados. Gastamos cerca de 2,7% do PIB, em linha com países pares. Se desejamos aumentar esse valor, não podemos nos dar ao luxo de não rever o que já temos, incentivando a participação no mercado de trabalho formal e o aumento da produtividade.

Teremos que aceitar rediscutir programas como BPC e abono salarial, que não focam os mais pobres, e pensar como ampliar o mais eficiente, o Bolsa Família, criando mecanismos que incentivem a saída dele.

A dificuldade política dessa tarefa é enorme: basta lembrar que todas as mudanças propostas para o BPC, na reforma da Previdência, foram descartadas pelo Congresso. Estaremos dispostos a levar essas mudanças adiante em nome de financiar uma renda básica para todos?

A alta do desemprego será duradoura, e muitos trabalhadores não terão as habilidades necessárias para voltar ao mercado, cada vez demandante de mais escolaridade e tecnologia. A poupança compulsória via FGTS e o seguro-desemprego precisam ser reformulados, eliminando a excessiva rotatividade da mão de obra, que resultam da interação dos dois.

Com a Selic baixa, o financiamento do setor imobiliário pode prescindir da poupança compulsória dos trabalhadores. Há várias propostas elaboradas, nas quais a remuneração do FGTS converge para taxas de mercado e as multas rescisórias são destinadas a facilitar a inserção dos desempregados e a melhoria de sua qualificação.

Não só de ganhos de eficiência virão os recursos para financiar a expansão da assistência social discutida no Congresso. Falsas soluções, como o fim do teto de gastos ou a criação de novos impostos, derrubarão o que sobrou da confiança dos investidores.

Queremos um Plano Real da desigualdade? Urge, então, ao Executivo e ao Legislativo, primeiro, definir de onde sairá do dinheiro e tomar as providências para que, de fato, ele esteja liberado. Aprovar mais gastos dizendo que "depois a gente faz as reformas para arrumar o dinheiro" é a fórmula certa do fracasso.

É imprescindível avançar com privatizações e com as reformas engavetadas, como a administrativa e a tributária, que podem não só custear uma rede de proteção ampliada mas principalmente produzir ganhos de produtividade. Do ponto de vista da redução da desigualdade, é possível alcançar maior progressividade sem aumento de carga, enquanto a reforma administrativa altera benefícios apropriados por quem que está bem longe da pobreza.

A velha ideia de que gasto aumenta consumo, arrecadação e gera crescimento foi a essência da "nova matriz econômica" do governo Dilma. A conta ainda está sendo paga: baixo crescimento e aumento da pobreza.

Assistência social não é impagável, basta não recorrermos aos malabarismos econômicos fracassados.

Solange Srour
Economista-chefe da gestora ARX Investimentos. É mestre em economia pela PUC-Rio.

Não há nenhum adulto em Brasília? - CORA RÓNAI

O GLOBO - 04/06

Há algo francamente errado quando até torcidas organizadas de futebol se unem para ir às ruas no auge de uma pandemia


Mais de meio milhão de casos, mais de 31 mil mortos, quase três meses de quarentena e isolamento social. Enterros feitos às pressas, parentes que desaparecem de um momento para o outro sem que as famílias possam se reunir para chorar, para se lembrar e para encontrar conforto. Filhos, irmãs, tios, avós, maridos, esposas, pais e mães, madrinhas, amigos, amigas. Antes, quando líamos relatos das epidemias antigas, descrevendo charretes que percorriam as cidades juntando cadáveres casa a casa, não entendíamos como era possível entregar assim os restos dos entes queridos, sem um mínimo de ritual e de reverência; agora entendemos. As fotos dos caixões amontoados na Itália, os caminhões frigoríficos parados às portas dos hospitais, os corpos embrulhados estendidos nas ruas de Guayaquil.

Tudo isso nós vimos, tudo isso está gravado para sempre nas nossas lembranças coletivas.

Neste momento, deveríamos estar vivendo única e exclusivamente o luto da pandemia, solidários na quarentena, mergulhados no que acontece de espantoso à nossa volta; deveríamos estar concentrando esforços para encontrar a melhor saída diante de tantas perdas, o jeito possível de remendar os nossos cotidianos partidos.

Mas não.

Passamos os dias angustiados com as notícias, interpretando entrevistas de generais e declarações de magistrados. Não há nenhum plano traçado para o país, nenhuma política que se vislumbre. Bolsonaro não governa, não governou nunca, não faz ideia do que é governar, apenas ocupa espaço cultivando rancores e pondo a nação em perigo. Dizem que ainda há juízes em Brasília, mas pelo visto não há adultos, não há ninguém que chame para si a responsabilidade de dar um basta no moleque obsceno que está no poder.

Bolsonaro é uma pessoa má, sem uma gota de empatia e sem o menor preparo para o cargo. Com esses defeitos, no entanto, o país já provou algumas vezes que consegue viver. O problema é que, acima de tudo, Bolsonaro é burro, e a burrice é fatal. Foi essa estupidez opaca que o impediu de compreender a dimensão do desastre da Covid-19, a despeito de tudo o que já estava acontecendo em outros países, e de perceber que a tragédia lhe oferecia uma chance única de mostrar liderança.

Ele não é responsável pela pandemia, mas é o responsável direto pela forma criminosa como o estado brasileiro vem se conduzindo. Num mundo digno, sairia do Planalto direto para Haia, para prestar contas ao Tribunal Internacional de Justiça pelo número descomunal de mortos que a sua burrice malsã nos legou.

Estamos todos exaustos, no limite da paciência.

Nos Estados Unidos a população explodiu, enfim, contra o racismo — mas a raiva das ruas vai além disso. A pandemia esticou uma corda que estava para se romper há tempos: a verdade é que ninguém consegue mais respirar num mundo tão desigual e perverso.

We can't breathe.

Lá como cá, a Covid-19 se tornou coadjuvante diante da real ameaça à democracia representada por um sistema moralmente falido e por um homem sem decência e sem limites.

O Brasil vai pelo mesmo caminho. Há algo francamente errado quando até torcidas organizadas de futebol se unem para ir às ruas no auge de uma pandemia.

______

De Braulio Tavares, no Twitter: “Aqui no Brasil tem ocorrido certas coisas que se acontecessem num país iam ter graves consequências.”

Ato contra Witzel tem cheiro de arbitrariedade, a mesma que já o beneficiou - REINALDO AZEVEDO

UOL - 04/06



Marcelo Bretas e Wilson Witzel logo depois da posse. De amigos de fé, irmãos, camaradas a antípodas. O juiz continua terrivelmente bolsonarista à espera de que Bolsonaro indique para o STF alguém terrivelmente evangélicoImagem: Reprodução


Que as coisas caminharam pelo pior na construção dos hospitais de campanha do Rio de Janeiro... bem, não há como duvidar. Dos sete prometidos, que um dia foram nove, só um funciona. E, ainda assim, sem plenas condições de atendimento.

O governador Wilson Witzel assinou um decreto nesta quarta que afasta o Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) do comando dos hospitais móveis. A Fundação Estadual de Saúde vai assumir a gestão dos espaços. Em meio à tragédia abismal do coronavírus, há lances de um ridículo tragicômico. Em um dos descalabros protagonizados pelo Iabas, respiradores, previstos no contrato, foram substituídos por mesas de anestesia.

Mais: o ex-subscretário de Saúde Gabriell Neves, preso sob acusação de superfaturamento na compra de respiradores, diz que cumpria ordens superiores. Vamos ver.

Uma coisa é certa: os dados de posse da Procuradoria Geral da República, que motivaram o mandado de busca e apreensão em endereços do governador e o recolhimento do seu celular são de uma fragilidade assombrosa. Entendam: NÃO ESTOU AFIRMANDO QUE NÃO HOUVE IRREGULARIDADE. Estou dizendo que aquilo de que dispunha a PGR não era suficiente para motivar aquele tipo de operação — ainda que autorizada pela Justiça.

Por enquanto, nem mesmo se tem uma acusação direta contra o governador ou alguém que diga ter atuado em parceria com Witzel em alguma lambança. TRATOU-SE DO CLÁSSICO "VAMOS MANDAR COLHER O MATERIAL PARA VER SE ACHAMOS ALGUMA COISA". OU POR OUTRA: NÃO SE INVESTIGA A PARTIR DE UM INDÍCIO, MAS SE ABRE A INVESTIGAÇÃO EM BUSCA DO INDÍCIO.

É claro que não é assim que se faz na democracia.

O PRÓPRIO REMÉDIO

Pois é.. Witzel, um ex-juiz federal, enfrenta um procedimento claramente heterodoxo. Mas já foi um beneficiário de patranha execrável.

No dia 4 de outubro de 2018, Alexandre Pinto,secretário de Obras do Rio quando Eduardo Paes era prefeito, afirmou, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, que o ex-prefeito — então candidato ao governo do Estado — havia recebido propina da Odebrecht. Atenção! Em dois depoimentos anteriores, ele já havia negado o envolvimento de Paes com atos irregulares. Mais: em delação premiada, diretores da empreiteira negaram, com depoimentos devidamente gravados, que o ex-prefeito tivesse recebido propina.

E o que fez Bretas, que era amigão de Witzel? Tornou público o depoimento de Pinto a três dias da eleição. E, claro!, o troço caiu como uma bomba na campanha de Paes, beneficiando, por óbvio, o agora governador.

Witzel, pois, foi um beneficiário de uma ação absolutamente heterodoxa do juiz. E, por óbvio, as provas contra Paes nunca apareceram. Antes caçador, o governador agora se vê no papel de caça.

Será que eu digo um "dane-se!"? Não. Lamento a miséria do estado de direito no país e do devido processo legal.

Pouco depois da posse de Witzel, o governador e o juiz posavam para foto de mãos entrelaçadas.

Nota final: Bretas e Witzel estão distantes. O juiz segue fanaticamente bolsonarista e não perde a chance de deixar claro que é "terrivelmente evangélico". Chegou a fazer parte de uma comitiva de autoridades que recebeu Bolsonaro no Rio, ainda na pista de pouso.

Sonha com uma vaga no Supremo.

Eis flagrantes da tal "nova política"...

Limite para a Selic - MARIO MESQUITA

Valor Econômico - 04/06

A fragilidade fiscal não necessariamente inviabilizará flexibilização monetária adicional no curto prazo, mas tende a torná-la menos sustentável


A redução da taxa básica de juros para o patamar inédito de 3% ao ano e a sinalização, pelo Copom, de que a mesma pode cair mais, suscitaram um crescente debate sobre qual seria o limite inferior para a Selic. Na ausência de espaço fiscal, este debate fica particularmente mais intenso, uma vez que a política monetária passa a ser praticamente a única ferramenta para estimular a economia.

Em diversas economias avançadas, a taxa de juros de política monetária chegou a zero, ou até a valores levemente negativos. Nas economias emergentes, as taxas básicas têm geralmente atingido níveis mínimos em território positivo, ainda que às vezes próximo de zero. No caso brasileiro ainda estamos bem distantes de zero, mas o debate sobre o limite mínimo começou, inclusive dentro do Copom, como registrado na ata de sua mais recente reunião.

A discussão sobre o limite mínimo para a Selic explicita uma diferença conceitual importante. No regime de metas para a inflação, a taxa básica de juros deve ser calibrada para que as projeções de inflação do Banco Central convirjam para a trajetória almejada. Assim, se as projeções desviam da trajetória por baixo/cima, cabe aos banqueiros centrais cortar/elevar a taxa de juros.

Dado o choque ocasionado pela covid-19, que tem impactos predominantemente desinflacionários, ainda que afete negativamente tanto a oferta quanto a demanda, a reação das autoridades tem sido a esperada, cortar a taxa básica de juros. Se continuarmos observando pressões desinflacionárias adicionais, então a tendência é de redução das projeções de inflação, o que abriria espaço para novas quedas da Selic. A princípio, enquanto as autoridades seguirem as “regras do jogo” do regime de metas para a inflação, diante de um choque desinflacionário persistente, não há limites conceituais para que a taxa Selic chegue próxima de zero nos meses à frente - ainda que a corrente deterioração fiscal suscite muitas dúvidas sobre a sustentabilidade do ambiente de taxas de juros baixas no médio prazo.

Entretanto, em contraste com os países desenvolvidos, a discussão sobre o limite inferior de juros em economias emergentes com frequência envolve considerações sobre o comportamento dos fluxos de capitais e da taxa de câmbio, ou seja, a “paridade externa”. Se, em vez de seguir as regras do jogo descritas acima, as autoridades monetárias estiverem mais preocupadas em conter a depreciação cambial, então a lógica de determinação das taxas de juros é outra: basicamente trata-se de adicionar prêmios de risco à taxa de juros externa (geralmente a taxa básica nos EUA, dado o caráter de moeda de reserva do dólar). Essa lógica, paridade externa, imperou no país entre 1995 e o início de 1999, na fase inicial do Plano Real, antes da adoção do regime de metas para a inflação.

Fazendo esse tipo de exercício para diversas economias da região, considerando medidas de risco país (usualmente os prêmios de seguro contra eventos de crédito nas dívidas soberanas em diferentes horizontes) e a taxa de juros nos EUA, encontramos pisos para as taxas básicas que estariam em um intervalo que vai de 0,3% ao ano até 3,5% ao ano.

Considerando-se apenas as estimativas médias para cada economia, países com fundamentos fiscais mais sólidos e, consequentemente, medidas de risco país mais baixas, têm limites inferiores mais baixos, cerca de 0,6% ao ano para Chile e Peru. Economias com fundamentos fiscais mais frágeis, como Colômbia e México, têm taxas mínimas mais altas, em torno de 1,5% ao ano, ao passo que no Brasil, com situação fiscal ainda mais débil e piorando na margem, o piso estaria em torno de 2% ao ano.

Aplicando essa lógica, o Brasil teria pouco espaço para flexibilização monetária adicional, o mesmo valendo para Chile e Peru, onde as taxas básicas encontram-se atualmente em 0,5% e 0,25% a.a., respectivamente. Já a Colômbia (taxa básica em 3,25% a.a.) e, em especial, o México (5,5% a.a.) teriam mais latitude para relaxar a política monetária.

A rigor, calibrar a taxa de juros para estabilizar a taxa de câmbio é geralmente inconsistente com o regime de metas para a inflação. Isso não quer dizer que a taxa de câmbio seja irrelevante para as decisões de política monetária sob o regime de metas. As duas lógicas, “regras do jogo” e paridade externa, podem mesmo ser reconciliadas em circunstâncias excepcionais, se o comportamento da taxa de câmbio passar a dominar a dinâmica inflacionária prospectiva.

Moedas emergentes, como o real, são ativos de risco que depreciam em crises e recessões. Assim, investidores demandam um prêmio “cambial” para segurar ativos denominados em real. Esse prêmio cambial é adicional ao risco país, medido, por exemplo, pelo CDS. Se a Selic deixar de incorporar prêmios com relação à paridade cambial, os mercados podem não repassar novos cortes da taxa básica para a curva de juros (mesmo em prazos curtos). Alternativamente, poderia ocorrer um overshooting cambial para um nível que torne provável uma valorização futura da moeda nacional. Em um ambiente incerto como o atual, esse overshooting do real poderia ser muito intenso, ameaçando as projeções de inflação.

No Brasil, os sinais de repasse da depreciação cambial aos preços internos têm se mantido, até o momento, limitados (mas não nulos, haja vista o comportamento dos preços ao atacado). Isso não quer dizer que o repasse cambial não possa aumentar quando a atividade econômica passar a se recuperar. A fragilidade fiscal, em resumo, não necessariamente inviabilizará alguma flexibilização monetária adicional no curto prazo, mas tende a torná-la menos sustentável. E o canal de contágio é a taxa de câmbio - não estabelece um piso, mas limita a nossa capacidade de conviver com juros muito baixos por períodos de tempo mais estendidos.

Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

Espiões de Heleno não viram elefante do centrão - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 04/06


Desde que Jair Bolsonaro começou a deslizar para o colo do centrão, esperava-se pelo pior. Mas não se imaginava que o alarme soaria tão cedo. O vexame da nomeação, posse e demissão do presidente do Banco do Nordeste em menos de 24 horas ficará gravado na crônica do desgoverno como um aviso sobre os riscos a que estão novamente submetidos os cofres da República.

Descobriu-se que Alexandre Cabral, o escolhido do centrão, carrega atrás de si o rastro pegajoso de suspeitas de irregularidades que lhe são atribuídas desde a época em que presidiu a Casa da Moeda (2016 a 2019). A coisa está sob apuração no TCU, que estimou o prejuízo em cerca de R$ 2 bilhões. Um detalhe adicionou dose extra de constrangimento ao que já era espantoso.

Embora se vanglorie de submeter os currículos que lhe chegam por indicação política a um pente-fino da Abin, o Planalto tomou conhecimento das suspeitas levantadas pelo TCU por meio de notícia do Estadão —indício de que Bolsonaro tinha razão quando apontou, na reunião ministerial de 22 de abril, a ineficiência dos serviços de inteligência do seu governo.

"A gente não pode viver sem informação", ralhou o presidente. "Quem é que nunca ficou atrás da porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Depois que ela engravida não adiante falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era."

No caso do Banco do Nordeste, a equipe de espiões do general Augusto Heleno (GSI), superior hierárquico da Abin, esqueceu de encostar a orelha na porta do centrão. Crítico contumaz dos outros Poderes, Heleno convive com espiões que não conseguem enxergar um elefante do centrão.

'Bolsonaro pode alegar que precisa conviver com o centrão por instinto de sobrevivência. Ou por uma noção míope de esperteza política. Mas ir atrás do centrão, cortejar o centrão, entregar a viabilidade do seu mandato às conveniências do centrão sem vigiar a manada do centrão é um prenúncio de desastre.

Mas há males que vêm para pior. Alexandre Cabral, o breve, fora indicado numa parceria de dois partidos controlados por mensaleiros: o PTB de Roberto Jefferson e o PL de Valdemar Costa Neto. Consumada a escolha, Valdemar torceu o nariz. Preferia outro prontuário. O enrosco deu a Valdemar a oportunidade de levar a Bolsonaro um novo azar, com uma tromba mais ajustada aos seus interesses.

O pior dos exemplos - MARIA HERMÍNIA TAVARES

Folha de S. Paulo - 04/06

Bolsonaro sabota esforços para conter a destruição trazida pelo coronavírus


Três meses depois da chegada da Covid-19, o país continua tateando em relação a tudo o que é importante para enfrentá-la. Muitos estados e municípios ensaiam a flexibilização do distanciamento social sem a segurança mínima que só a capacidade de rastrear os atingidos é capaz de dar. A única preocupação do presidente na matéria parece ser a de empurrar para governadores e prefeitos a imensa conta da catástrofe sanitária e econômica em curso.

Ou é ilusão, ou má-fé da parte dele. A sua responsabilidade é inequívoca e se desdobra em muitos planos: na falta de coordenação da política sanitária que caberia ao ministério cujo titular mudou três vezes em um mês; na hostilidade gratuita à Organização Mundial da Saúde, apartando o país das redes internacionais de cooperação nessa área literalmente vital; na demora em adotar medidas de proteção aos mais pobres e vulneráveis, aos empregados com carteira, aos pequenos empreendedores e às milhares de empresas necessitadas de apoio —iniciativas cujo porte mesquinho foi em parte corrigido pelo Congresso; na ausência, enfim, de qualquer noção do que fazer nos próximos meses, para não falar no próximo ano.

Como se fosse pouco, Bolsonaro comportou-se por palavras e atos como o principal agente desorganizador dos esforços para conter o impacto destrutivo do novo coronavirus. Desinformou os brasileiros e incentivou o desrespeito ao isolamento social, que até o momento é o único redutor comprovado da velocidade da contaminação.

Recente pesquisa nacional de opinião realizada pelo DataPoder360 mostra a população dividida ao meio entre os que se sentem e os que não se sentem seguros para sair de casa e retomar as suas atividades. Sintomaticamente, entre os 28% que apoiam Bolsonaro chega a 73% a proporção daqueles que acham seguro abandonar o distanciamento social. No grupo dos que o desaprovam, são apenas 37%.

À parte isso, estudo ainda inédito dos pesquisadores Ivan F. Fernandes, Gustavo A. Fernandes e Guilherme A. Fernandes —“Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de Covid19”— mostra que a votação de presidente no primeiro turno, por município, tem correlação negativa com a taxa de isolamento, e correlação positiva com mortes por Covid-19. Ou seja, ali onde ele teve mais votos, o isolamento é menor e, em decorrência, maior o número de óbitos.

Embora os resultados não permitam dizer que as atitudes de Bolsonaro explicam o descaso de seus eleitores com a própria saúde e a dos outros, na melhor das hipóteses as suas bravatas o estimulam.

Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

Poucas boas novas no mar da crise - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 04/06

Há algumas notícias favoráveis, e fatos positivos, como a mobilização de pessoas e firmas, mas o governo Bolsonaro aposta na crise


A energia solar ultrapassou a soma da potência instalada das usinas nuclear e a carvão. As indústrias farmacêuticas e de alimentos conseguiram se manter em abril e fechar o mês com produção maior do que março. O dólar, que estava em R$ 5,93 em 14 de maio, chegou ontem a R$ 5,05, queda de 14,8% pela taxa Ptax. É possível encontrar algumas boas novas, mas o avanço do coronavírus continua matando brasileiros, os prefeitos e governadores começam a liberar atividades, alguns com mais cautela, outros de forma impensada, e os infectologistas avisam que ainda é cedo demais.

No mar da nossa crise não há apenas o coronavírus. O governo em si é um problema. Diariamente o presidente cria um estresse com alguém ou alguma instituição. Se fossem só implicâncias, seria possível tolerar, ainda que o normal seria que o executivo fizesse seu papel de coordenar o país para a superação da pandemia. O governo Bolsonaro falhou flagrantemente. Além disso, trouxe de volta para a vida nacional fantasmas exorcizados há décadas. O país se pôs a discutir o significado de um artigo da Constituição, promulgada há 32 anos. O Ministério da Defesa soltou notas sequenciais para dizer que as Forças Armadas são democráticas. Brasileiros se juntam em manifestos pelo Estado de Direito. Como se fosse pouco o nosso padecimento, o governo Bolsonaro levanta o espectro do autoritarismo.

Na economia, ontem foi um dia de comemorações. Há uma interpretação de que o retorno das atividades na Europa está ocorrendo de forma mais rápida do que o imaginado. Ontem, em um seminário online da Febraban, o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, presidente do conselho do Credit Suisse, explicou o clima positivo no mercado como resultado de eventos externos. “Em vários dos países observamos quedas dos casos, contágio e óbitos”. Esclareceu, contudo, que não subscrevia totalmente esse otimismo.

— Estamos no Brasil, não saímos ainda. Não debelamos o aumento dos casos. Tem planos de retorno, mas não fizemos o dever de casa. Estamos pagando o custo de sustentar esse período difícil. E isso num país com dívida alta e espaço fiscal pequeno — disse Ilan, lembrando que também não houve melhora aqui nos “conflitos institucionais”.

Para Ilan, quem decide a recuperação da economia é o vírus, e a capacidade do Brasil de debelar esse vírus mortal:

— É isso que vai permitir sair com tranquilidade para consumir, passear, e o produtor voltar a produzir.

A produção industrial de abril teve um tombo de 18,8% em relação a março, a pior queda em 18 anos, no início da série. Foi até considerado positivo, por incrível que pareça. Primeiro, porque havia uma dispersão enorme de previsões, todas piores, que iam de 20% a 45%. A queda foi menor do que a mediana das projeções, que estava em 32%. Segundo, porque houve setores que conseguiram ter resultado positivo, como a indústria alimentícia, que teve alta de 3,3%, e a indústria farmacêutica, com 6,6% positivo.

Como se viu na divulgação do PIB, o agronegócio continua forte, aumentando as exportações. E, ao contrário do que pensa Ricardo Salles, não é aproveitando a distração da imprensa para passar a boiada. O agro que exporta sabe que tem que seguir as normas ambientais e sanitárias se quiser continuar no mercado internacional.

Um levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) mostrou que a potência total instalada da fonte — se forem somadas as grandes usinas solares e os pequenos sistemas instalados em residências, comércio, indústrias, produtores rurais e prédios públicos — chegou a 5.764 MW. Se forem somadas as usinas mais poluentes, as que usam carvão, com as usinas nucleares, chega-se a 5.587 MW. No meio da crise que atingiu violentamente o setor de energia, o sol brilha.

O Brasil poderia estar pegando as poucas boas novas e implantando um plano de retomada, com segurança e, quando fosse possível, das atividades da economia. Poderia aproveitar a onda de solidariedade das empresas e a mobilização das pessoas para construir o impulso necessário para a superação.

Mas o país, machucado pela pandemia e abalado pela crise econômica, tem que revisitar batalhas que já venceu, defender valores que já consagrou, rediscutir o que está pactuado há três décadas. O governo abriu o baú dos horrores para lembrar que tudo sempre pode piorar. Que mesmo a democracia não está garantida.

Intervenção sob encomenda - BRUNO BOGHOSSIAN

Folha de S. Paulo - 04/06

Presidente busca conflitos para justificar uma intervenção das Forças Armadas sob encomenda


Jair Bolsonaro busca uma intervenção militar sob encomenda. Em menos de um ano e meio, o presidente e seus aliados ameaçaram chamar as Forças Armadas ao menos sete vezes para reprimir opositores e intimidar críticos do governo.

Ainda em outubro, ele disse enxergar perigo nos protestos que aconteciam no Chile e afirmou que havia conversado com o ministro da Defesa sobre a possibilidade de convocar os militares em caso de manifestações por aqui. “A gente se prepara para usar o artigo 142, que é pela manutenção da lei e da ordem.”

O Brasil não viu uma fagulha do que ocorreu em Santiago, mas o comportamento incendiário permaneceu. Dias depois, Eduardo Bolsonaro disse que o governo poderia repetir medidas de exceção da ditadura caso a esquerda adotasse uma postura considerada radical. No mês seguinte, foi Paulo Guedes quem falou no risco de um novo AI-5.

Na época, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto que isentaria militares de punições nas operações de garantia da lei e da ordem, o que se aplicaria à repressão a protestos. A proposta acabou engavetada.

Bolsonaro voltou a agitar essa bandeira na reunião ministerial de 22 de abril: “Qualquer dos Poderes pode pedir às Forças Armadas que intervenham para reestabelecer a ordem”. Depois, cobrou ação do Ministério da Defesa para enfrentar o que chamou de contragolpe de seus rivais.

O assunto voltou nas últimas semanas, quando Eduardo propôs acionar as Forças Armadas para pôr “um pano quente” nos embates entre o Planalto e o STF —a favor do governo, é claro. Foi seguido pelo pai, que divulgou um vídeo que defendia essa hipótese, um dia depois.

O presidente continua à procura de conflitos. Nesta quarta (3), ele citou o uso da força para reprimir protestos e chamou de terroristas os manifestantes que foram às ruas contra o governo nos últimos dias. Foi o mesmo termo que ele empregou no ano passado, quando apresentou a proposta que protegeria militares durante operações dessa natureza.

Autocontenção - ZEINA LATIF

O Estado de S. Paulo - 04/06

A sociedade manda recado de que não aceitará retrocessos democráticos


As atitudes antidemocráticas do presidente Bolsonaro fazem muito mal à jovem democracia brasileira. Estimulam a intolerância e o radicalismo já presentes na sociedade, e estressam as instituições democráticas, aumentando indevidamente seu ativismo. O País desvia-se do caminho do enfrentamento dos seus problemas e do avanço civilizatório.

Um episódio que merece reflexão foi a resposta do STF à infame reunião ministerial com ataques à instituição. Parte da classe jurídica aponta excessos na decisão monocrática do ministro Celso de Mello de divulgar quase na íntegra a reunião, com temas alheios às investigações de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal.

Correta ou não, a divulgação da intimidade de discussões de trabalho traz consequências indesejáveis, que deveriam ter sido consideradas. No caso, contribui para uma maior polarização social, acirra a desconfiança entre os Poderes, prejudica a imagem do País no exterior e retira ainda mais o foco na superação da crise atual. Poderá também prejudicar agendas importantes, como a de buscar caminhos para melhorar a ação estatal no campo, sem ameaçar o meio ambiente.

O presidente com frequência desrespeita e maltrata a imprensa, cuja reação autodefensiva muitas vezes a faz desviar de sua missão, que é informar e estimular o debate público – um ingrediente essencial na construção da agenda dos países.

Tem-se discutido pouco as soluções para a área da saúde e as lições das diferentes experiências de combate à covid-19. Assunto não falta: o caso sueco de confinamento mais frouxo; as evidências de que o isolamento social é pouco efetivo em regiões carentes; as diferentes situações nos Estados brasileiros; as estratégias para o fim do isolamento; e como garantir a vacinação em massa no futuro.

Na economia, falta debate qualificado sobre a divisão entre analistas nas recomendações de políticas públicas. Alguns argumentam que não se deve pensar em restrições orçamentárias, enquanto se defende o ativismo do Banco Central no financiamento do déficit público. Outros alertam para a necessidade de garantir o bom uso dos recursos públicos e que as políticas emergenciais não extrapolem o período de calamidade pública, recomendando-se evitar atalhos para aumentar os gastos que poderão custar caro adiante.

A ausência do bom debate e da busca de consensos poderá contaminar os trabalhos no Congresso. A reforma da Previdência saiu porque o debate público amadureceu. Sem isso, a tendência de muitos políticos é defender medidas de cunho mais populista, evitando também combater os problemas estruturais.

Outro ponto a ponderar são as consequências da instabilidade política na economia. Considerando apenas a questão econômica, diferentemente de 2016, quando o impeachment de Dilma era visto como a chance de corrigir a equivocada política econômica, uma ruptura agora poderá penalizar ainda mais o enfrentamento da crise e alimentar a indisciplina fiscal.

Certamente, a questão econômica precisará ficar em segundo plano em caso de ameaça à democracia. No entanto, os analistas políticos estão divididos quanto a gravidade do discurso radical de Bolsonaro. Alguns apontam como blefe, não havendo um projeto autoritário, enquanto outros veem com preocupação sua proximidade com grupos armados, incluindo polícias militares e baixas patentes.

A julgar pelas manifestações do alto escalão das Forças Armadas, desde sempre preocupado com o risco de indisciplina e desordem, haverá esforços para coibir excessos desses grupos, não havendo risco iminente à democracia.

Além disso, a sociedade, agora mais participativa, manda recado de que não aceitará retrocessos democráticos. É improvável que as autoridades do País ignorem o quadro de inquietação.

Convém os adultos voltarem para a sala e praticarem a autocontenção, para não alimentarem extremismos que possam gerar mais instabilidade.

Que as instituições democráticas cumpram seu papel com firmeza e sem complacência, evitando porém revanchismos e visando ao bem comum.

Consultora e doutora em economia pela USP

Uma ilha chamada Brasil - ASCÂNIO SELEME

O Globo - 04/06


Está certo, temos problemas aos montes e não podemos mesmo nos dispersar muito cuidando de questões que ocorrem em outros países. Mas por vezes parecemos alienados, isolados do mundo, fechados num egoísmo absurdo que não permite que enxerguemos um pouco além do nosso próprio horizonte. Estou falando do assassinato estúpido do negro George Floyd por um policial branco em Minnesota e que há dez dias mobiliza todo o planeta em protesto contra o racismo. O que se viu no Brasil nestes dias? Muito pouco, ou quase nada.

Logo o Brasil foi se calar. Logo aqui, onde jovens negros são mortos por policiais diariamente sem direito à defesa e muitas vezes sem motivação e sem crime. As imensas manifestações pela morte de Floyd ganharam rapidamente os Estados Unidos e se espalharam pelo mundo. Muitos episódios emocionantes foram registrados por fotógrafos e cinegrafistas nesta jornada que não tem data para acabar. No Brasil, onde a polícia é muito mais violenta e onde os negros são mil vezes mais vitimados, não se viu nada, fora uma manifestação solitária em Laranjeiras e a convocação de outra para domingo que vem, na Candelária.

Em Brasília, o presidente da República brindou com dois puxa-sacos usando copos de leite. Disse estar fazendo campanha em favor dos produtores de leite. Pode ser, mas houve quem enxergasse no episódio um gesto em favor de supremacistas brancos. Logo depois, um dos seus blogueiros prediletos fez o mesmo brinde e, citando a live de Bolsonaro, levantou o copo e disse “entendedores entenderão”. Justamente o blogueiro Allan dos Santos, processado no Supremo Tribunal Federal por fake news. E houve também a noite das tochas em frente ao STF, em que milicianos lembravam a Ku Klux Klan.

Mais grave ainda, porque explícita, foi a declaração do presidente da Fundação Palmares sobre o movimento negro. Não que a estupidez de Sérgio Camargo pudesse surpreender alguém. Ninguém ignora que, embora negro, ele não esconde seu ódio a qualquer política ou movimento afirmativo. No auge das manifestações de repulsa ao assassinato de Floyd, Camargo foi ao Twitter e escreveu que “a influência do movimento negro sobre os negros é perniciosa e deletéria”.

No dia seguinte, conforme diálogo publicado pelo “Estadão”, Camargo reclamou com assessores do sumiço de seu celular corporativo. E logo encontrou um responsável pelo sumiço do aparelho. “Quem poderia ter feito isso?”, indagou. Ele mesmo respondeu: “Os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita”. Esse é o presidente de uma “instituição pública voltada para a promoção e a preservação de valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. E o que se viu no Brasil? Por ora quase nada, ou muito pouco.

Gastando menos

Estudo do pesquisador e jornalista Fábio Vasconcellos, professor da Uerj, mostra que despencaram em 68% os gastos da Câmara dos Deputados com as cotas parlamentares em dois meses de distanciamento social. Em abril e maio, os 513 deputados federais brasileiros gastaram R$ 11 milhões, contra R$ 37 milhões consumidos nos mesmos dois meses do ano passado. Obviamente o gasto que mais caiu foi o com passagens aéreas, já que os parlamentares estão nas suas bases e não viajaram nesse período. Antes da pandemia, este gasto representava 29,9% do total das cotas. Agora, somou apenas 0,6% do total, com R$ 67 mil.

A notícia é boa? Depende do ângulo em que se olha para ela. Claro que economia é sempre muito bem-vinda, sobretudo de dinheiro público usado em representação. Mas, por outro lado, a atividade parlamentar foi substancialmente prejudicada nestes dois meses de isolamento social. E o que menos pode se querer neste momento é deixar o Poder Executivo jogando sozinho, já que o presidente ignora a determinação de distanciamento. Todo mundo está economizando com a quarentena. Empresas, famílias, indivíduos gastam menos porque consomem menos. Mas também produzem menos. No caso do Legislativo, essa não é uma boa notícia.

Inverdade sabida - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 04/06

Fake news nada tem com a liberdade de expressão, como afirmaram Bolsonaro e seus seguidores, diz Ayres Britto


Outro dia um aluno confrontou o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto com uma frase sua: “Não é por temor do abuso que se vai proibir o uso”. Britto criticava as fake news, e o aluno considerava uma incoerência com o que defendera em 2009, quando foi o relator de um processo em que o então deputado Miro Teixeira pedia a revogação da Lei de Imprensa, da época da ditadura militar, por não se coadunar com a Constituição democrática de 1988.

A Constituição previa, por exemplo, a pena de prisão para jornalistas condenados por calúnia, injúria e difamação. Ayres Britto deu um voto que se tornou símbolo da defesa da liberdade de expressão. Por isso mesmo, ele se considera em condições de afirmar que fake news nada tem com a liberdade de expressão, como afirmaram o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores que estão sendo investigados no inquérito das fake news aberto no Supremo, com o ministro Alexandre de Moraes como relator.

Conforme escreveu naquele seu voto, “quem quer que seja pode dizer o que quer que seja”, mas, esclarece, “nesse plano de informação tida como verídica, correta”. E se responsabiliza pela consequência de suas palavras. A Constituição fala sobre liberdade de informação, mas sobre algo existente ou que já existiu, explica Ayres Britto: informação para se inteirar das coisas, ou transmiti-las; o direito de informar e ser informado, no pressuposto da factualidade, da veracidade. Sair à cata da informação por conta própria. Prospecção, investigação.

No bloco de direitos sobre a comunicação humana na Constituição, está dito que é livre a liberdade de expressão: da atividade intelectual, artística, cientifica; de comunicação. “Fake News não é nada disso. É o contrário, é desinformação. Não é categoria jurídica nem como pensamento, nem como informação”.

Para Ayres Britto, a Constituição pré-exclui a figura das fake news de qualquer bem jurídico por ela protegida: “Não é abuso da liberdade de expressão, porque o abuso pressupõe o uso válido. Eventualmente você se excede, extrapola, e prejudica a imagem de terceiros, prejudica a honra de terceiros, a vida privada. Na fake news, não há abuso, há fraude, estelionato comunicacional”.

No Código Penal, ressalta Britto, é falsidade ideológica, uma mentira intencional, um engodo. “Omitir a verdade ou dar uma declaração que se sabe falsa”. Para ele, seria educativo colocar os autores de fake news como fora da lei. “Se conceituarmos cada qual dos bens jurídicos tutelados pela Constituição, - informação, expressão, pensamento -, não há lugar para a fake news”.

Ayres Britto preocupa-se com o que chama de “falta de qualificação jurídica das fake news”, que para ele é “uma inverdade sabida, uma inverdade autodefinida, e ainda assim o sujeito propaga”. A verdade sabida é a que não precisa ser provada, é pública e notória.

O projeto que tramita no Congresso sobre fakenews foi adiado para a próxima semana, pois o Senado não encontrou consenso em vários pontos. Um dos mais em disputa é a definição justamente do que seja “desinformação”.

Outro ponto de discórdia é a obrigatoriedade de o usuário se identificar de alguma maneira, para impedir o anonimato, que é proibido pela Constituição. O uso de verbas públicas para promover qualquer ação proibida pela lei será classificado como improbidade administrativa, ponto que hoje está em debate pela denúncia do Globo de que o sistema de comunicação da presidência da Republica usou a propaganda oficial para financiar os blogs acusados de distribuição de fake news.

O ponto crucial é a responsabilização das plataformas pelas mensagens que reproduzirem. No momento, pelo marco civil, a rede social só precisa retirar a notícia denunciada como falsa quando receber uma notificação judicial. Na proposta que está sendo debatida, após exame das mais de 60 emendas, o relator dispõe que, para pedir a retirada de uma mensagem de uma rede social, o usuário tem que notifica-la juntando um comprovante de que entrou na Justiça.

Caminhamos para um avanço na contenção das fake news, sem instituir uma censura impossível e indesejada nos novos meios.

Bolsonaro não pode se eximir de responsabilidade nas mortes - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/06

Equívocos do governo na Saúde dificultam combate à doença que já matou mais de 30 mil pessoas


‘Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, disse o presidente Jair Bolsonaro, na manhã de terça-feira, ao responder a uma apoiadora que pedira uma palavra para as famílias que perderam parentes em consequência da Covid-19. Naquele dia, o Brasil romperia a marca dos 30 mil óbitos.

Os números trágicos da Covid-19 no Brasil — que já é o segundo país com maior número de casos, atrás dos EUA —, porém, estão longe de ser uma fatalidade. Refletem a sucessão de equívocos do governo Bolsonaro, e também de governadores e prefeitos, no enfrentamento do novo coronavírus.

Bolsonaro tratou uma das mais letais pandemias da História como “gripezinha”, que não apresentaria maiores riscos para pessoas jovens e saudáveis. A doença infectou mais de 550 mil e pôs o país entre os quatro com maior número de mortes (atrás de EUA, Reino Unido e Itália). Em óbitos diários, o Brasil assumiu indesejável liderança.

Desde o início, Bolsonaro adotou discurso divergente do Ministério da Saúde de seu próprio governo. Enquanto a pasta defendia o isolamento para atividades não essenciais, o presidente criticava as quarentenas e dizia que as medidas de restrição eram um exagero.

A gestão do Ministério da Saúde durante a pandemia é talvez o melhor retrato do modo errático como Bolsonaro conduziu o combate à doença. Em plena fase de aceleração, demitiu o ministro Luiz Henrique Mandetta — cujo trabalho era aprovado pela população, segundo pesquisas de opinião — e levou o substituto, Nelson Teich, a pedir exoneração com menos de um mês no cargo. Os dois não resistiram às interferências de Bolsonaro em assuntos técnicos, como a liberação do novo protocolo da cloroquina, contra todas as evidências científicas, que apontam ineficácia do medicamento contra a Covid-19 e aumento do risco de mortes.

Com a efetivação ontem de Eduardo Pazuello como ministro interino da pasta, após 18 dias no cargo, o Brasil passou a ter três ministros da Saúde em menos de dois meses. Quando Mandetta saiu, o país registrava 1.924 mortes. Na terça, eram 31.199, o que representa um aumento de mais de 1.500%.

Evidentemente, governadores e prefeitos, que protagonizam o combate mais direto à pandemia, com autonomia dada pelo STF para decretar medidas de restrição, também têm suas digitais nesses números. Mesmo podendo contratar sem licitação numa situação de calamidade, não conseguiram adequar suas redes para receber a avalanche de doentes. Mas Bolsonaro não pode se eximir de responsabilidade, e muito menos falar em destino. Se o governo tivesse um discurso coeso, se a gestão da Saúde não enfrentasse tantos solavancos, se o país mantivesse uma política sanitária consistente, e mais comprometida com a Ciência, talvez o panorama hoje não fosse tão sombrio.

Mourão rima, mas não é a solução - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 04/06

Sem interlocução com partidos, de costas para a sociedade e para seu próprio estamento, vice se coloca, com seus ataques, para fora do tabuleiro


O vice-presidente da República deu início ao mandato do presidente Jair Bolsonaro como alvo número 1 do gabinete do ódio. Identificado como pretendente ao cargo, passou a ser tratado pelos filhos do presidente e seus acólitos como traidor em potencial e inimigo a ser abatido em todas as suas movimentações.

Hamilton Mourão nem parecia o general insubordinado que, mesmo punido, continuou a desobedecer o estatuto dos militares. Cultivou relações com empresários, partidos e até sindicatos, como a face civilizada de um governo cujo titular sempre demonstrou desapreço pela liturgia e pela missão constitucional da qual foi investido pelo eleitor. Acossado, se retraiu.

A bordo de um avião da FAB, passou a percorrer o país em palestras nas associações comerciais do interior para manter os motores em funcionamento sem o escrutínio da imprensa ou do gabinete do ódio.

Voltou à cena, primeiro com o artigo em que se apresentava como um vendedor de seguro para o titular. Mirou nos governadores e acertou todas as instituições. Um velho quatro estrelas diria a um ministro do Supremo: se parece difícil lidar com um capitão desabalado é porque ele ainda não topou com o general que o secunda.

Em novo artigo em “O Estado de S. Paulo”, o vice dobrou a aposta, desta vez, contra os manifestantes que foram às ruas no domingo e voltarão no próximo. A estes, que portavam faixas em defesa da democracia, denominou-os de baderneiros, extremistas, depredadores e criminosos. Voltou-se até contra “um ministro do STF”, que começa com Celso e termina com Mello, como “intelectualmente desonesto”.

Àqueles que ocupam a Praça dos Três Poderes nos fins de semana conclamando intervenção militar, agredindo enfermeiros em atos de solidariedade a colegas mortos e brandindo símbolos do ódio supremacista americano contra o Supremo Tribunal Federal, o vice limitou-se a denominar de portadores de “exagero retórico”.

Mourão se coloca como porta-voz não autorizado das Forças Armadas ao defendê-las da partidarização, mas acaba por atiçar os fantasmas da intervenção com a carta da baderna. Ao fazê-lo, distancia-se ainda mais de seus colegas da ativa que têm colecionado dissabores pela insistência com a qual Bolsonaro e seus ministros militares os empurram para a praça pública.

Com o artigo, Mourão se coloca como representante maior dos VIPs (valentes, inteligentes e patriotas), categoria em que os generais da ativa colocam os colegas que passam para a reserva e, sem tropas a comandar, se põem a ditar as ordens para a República.

À exceção de vozes solitárias como o ex-ministro e general Carlos Alberto dos Santos Cruz, tem faltado, à farda, apoio para que se mantenha longe das ruas, como o fez, nos Estados Unidos, o secretário de Defesa.

Mark Esper se manifestou ontem publicamente contra o uso da lei do fim do século 18 (“Insurrection Act”) para colocar a Guarda Nacional na repressão às manifestações de rua contra a violência policial que resultou na morte do ex-segurança George Floyd. Em vídeo que circula nas redes sociais, soldados da Guarda Nacional, depois de ouvirem o apelo de uma manifestante (“marchem conosco e nos protejam”), posam para uma foto com o grupo que os cerca.

Em artigo publicado no início desta semana na “The Atlantic”, Mike Mullen, que foi comandante do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas americanas, nos governos Bush e Obama, também se insurgiu contra o uso de seus ex-companheiros de farda para reprimir movimentos que têm sua solidariedade: “Os cidadãos não são nossos inimigos e nunca devem sê-lo”.

No Chile, que tem sido invocado por Bolsonaro desde as manifestações estudantis do ano passado, como exemplo de país em que as Forças Armadas, convocadas, agiram na repressão aos movimentos sociais, o que aconteceu foi exatamente o inverso.

Sebastián Piñera conseguiu arrancar um estado de sítio do Congresso e, durante duas semanas, as Forças Armadas foram para as ruas numa atuação sem violência em contraposição ao cassetete policial que vigorara até ali. Com o fim do prazo da medida, os militares voltaram pra casa mas os manifestantes, não.

O presidente chileno insistiu em nova incursão militar nas ruas de Santiago mas, desta vez, os comandantes se recusaram a acatar suas ordens. Não estavam dispostos a pôr em risco o prestígio reconquistado a duras penas junto à sociedade ao longo das três décadas passadas desde a sangrenta ditadura chilena.

A recusa levou Piñera a recuar, pedir desculpas à população e aceitar um acordo com os partidos que levou à convocação de um plebiscito, adiado pela pandemia, que vai decidir sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte.

O papel ao qual as Forças Armadas brasileiras têm sido forçadas a colocariam na contramão da história, a isolariam do mundo e, ao contrário do contexto do golpe de 1964, até de seus vizinhos e da própria sociedade. É a pandemia que impede que os signatários dos manifestos marchem ao lado das torcidas de futebol. Se as Forças Armadas se orgulham de terem golpeado a Constituição em 1964 para defender a marcha em defesa de Deus, da família e da propriedade, desta vez estariam ao lado de quem?

O presidente está seguro no cargo enquanto os partidos não se puserem de acordo em relação à alternativa de poder. É esta, na verdade, a razão de fundo para as dificuldades da grande frente anti-Bolsonaro. O vice-presidente é a opção constitucional para comandar o país em caso de impeachment, mas se força para fora do jogo ao tomar posições mais elaboradas mas tão inconsequentes quanto a do capitão e fortalece saídas como a cassação da chapa pelo TSE, que opõe quatro votos a 57 milhões.

Sem entrada nos partidos, sem interlocução com o empresariado que extrapole os viciados corredores da Fiesp, de costas para a sociedade e para seu próprio estamento, Mourão parece tentar se viabilizar junto ao que restou de apoio ao presidente, o bolsonarismo raiz, o mesmo do qual sempre foi vítimas. Se não deu com Cosme, aqui está Damião. Nem um nem outro. Se governar como escreve, Mourão pode até fazer rima, mas deixa de ser uma solução.

A falta que faz liderança - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 04/06

Generais e ministros do Supremo estão às turras, sem solução à vista


Vamos pegar o bastão deixado pelo general Hamilton Mourão, que se converteu na voz política pública entre os militares. Ele encerra seu mais recente artigo, aqui no Estadão, dizendo agora ser mais importante do que nunca a “necessidade de uma convergência” em torno de uma agenda mínima de reformas. Mas, para isso, é preciso refletir sobre o que está acontecendo no Brasil.

Neste exato momento, fora a tripla crise de saúde, economia e política, o que está acontecendo é um seriíssimo embate entre a farda e a toga. O pessoal da farda (incluindo os que acabaram de trocá-la pelo paletó e gravata ou pelo pijama) está convencido de que, se houve “extremismos”, “exageros retóricos” e “falas impensadas” contra instituições, isso empalidece diante do que o pessoal da toga no STF impôs para cercear os poderes do presidente da República – uma usurpação acompanhada igualmente por falas irresponsáveis e desonestidade intelectual.

No mínimo desde o julgamento do mensalão o pessoal da toga andava dividido, mas se uniu ao entender que o pessoal da farda dá suporte a um presidente que pensa dispor de poderes imperiais, desrespeita limites entre Poderes estabelecidos na Constituição, age por interesses políticos próprios e pessoais para solapar instituições e só não jogou o País ainda numa irrecuperável crise institucional pois eles, os da toga, baseados em princípios e doutrinas, foram capazes de esclarecer e impor limites (como no caso de medidas de combate à covid-19).

Não há saída à vista para esse embate pois ele é a expressão de duas fortes forças políticas que ocuparam duas instituições. Não é só entre o pessoal da farda no palácio que reina a sincera convicção de que o pessoal da toga expressa um “establishment” (sim, é essa palavra meio fora de moda que se usa para falar do STF) que se articulou para defender privilégios que vão de ganhos da magistratura a benefícios fiscais e proteções a setores empresariais, passando pelo funcionalismo público. A luta do “establishment”, portanto, é para impedir a reforma do Estado representada por Bolsonaro e sua eleição.

No outro lado, figuras do STF sempre atentas aos ventos das redes sociais e opiniões publicadas encaram Bolsonaro e o que ele significa como um perigo real para as instituições democráticas e o estado de direito. Consideram suas ações políticas e o endosso explícito que concede a movimentos contra o Congresso e o Judiciário como ações políticas que não são apenas arroubos retóricos. São, nesse entendimento, parte do aberto intuito de destruir as normas mínimas do confronto político, da civilidade e do próprio jogo democrático.

Os bombeiros de sempre, de um lado e de outro, conseguem debelar incêndios pontuais. Mas não têm a capacidade de resolver a situação de fundo que resulta agora num precário equilíbrio. A saber: a “via jurídica” para destronar Bolsonaro, uma possibilidade com a qual uma parte do STF flerta, passa por uma PGR que não vê condições técnicas de denunciar o presidente. A rota para derrubar o presidente via TSE depende desse órgão alterar jurisprudência – fora o tempo que isso leva.

Bolsonaro e sua turma de aloprados não dominam as ruas, não dispõem de apoio nas Forças Armadas para levar adiante uma “revolução” que só existe na cabeça de malucos nos quais o entorno do presidente presta muita atenção. Talvez entendam que vociferar contra o STF nada vai produzir de prático, a não ser dar tempo para alternativas políticas “de centro” (que podem incluir facilmente o Centrão) se articularem e solidificarem.

Em outras palavras, ninguém tem forças para vencer ninguém. As crises econômicas e de saúde demonstraram fartamente a “necessidade da convergência” à qual o general Mourão se refere, mas também como diminui o espaço político para essa convergência. O maior efeito da demonstração da crise está, porém, em outro aspecto.

Para a tal “necessária convergência” precisa-se de liderança. Quem?

A rua não tem dono - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 04/06

Bolsonaro reivindica para seus fanáticos devotos o exclusivo usufruto das ruas como local de manifestação


O presidente Jair Bolsonaro qualificou como “marginais” e “terroristas” os grupos que se denominam “antifascistas” e que foram às ruas no fim de semana passado para protestar contra seu governo. É assim que o presidente da República resolveu tratar movimentos que, a despeito das restrições impostas pela pandemia de covid-19, começam a sair de casa para expressar seu repúdio a ele e a seu sistemático desrespeito à democracia.

Até agora, as ruas pareciam ser um território francamente dominado pelos camisas pardas do bolsonarismo. Hostis à quarentena imposta em quase todo o País para conter a pandemia, esses celerados desafiaram autoridades e realizaram frequentes protestos ao longo dos últimos meses, promovendo aglomerações em locais públicos e, assim, contribuindo para a disseminação do coronavírus, em claro atentado à saúde pública.

Em diversas ocasiões, o presidente da República, em pessoa, participou desses atos, estimulando seus apoiadores a continuar a afrontar governadores de Estado que haviam adotado medidas restritivas – tratados publicamente como inimigos por Bolsonaro. O presidente tampouco pareceu incomodar-se com as faixas de teor golpista que infestavam esses protestos contra o Judiciário e o Legislativo e demandavam “intervenção militar”.

A insolência dos bolsonaristas jamais foi objeto de crítica ou censura por parte do presidente, nem mesmo quando se soube que havia armas no acampamento de seus apoiadores em Brasília – cujos integrantes se apresentam como o “exército que vai exterminar a esquerda”. A líder desse bando chegou a divulgar um vídeo na internet em que faz ameaças diretas de violência contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, dizendo que iria “infernizar a vida” do magistrado.

Além disso, tem sido frequente, nas manifestações bolsonaristas, a presença de símbolos de um grupo paramilitar ucraniano de extrema direita que se identifica com o nazismo. Houve até um deputado bolsonarista que disse que “está na hora de ucrânizar (sic) o Brasil”, referindo-se aos confrontos que derrubaram o governo ucraniano em 2014, especialmente ao momento em que os manifestantes jogaram um deputado em uma caçamba de lixo – sonho de dez em dez bolsonaristas, hostis à política e à democracia representativa.

Para Bolsonaro, esse é o “povo” que “quer liberdade, quer democracia”. Já os cidadãos que, cansados de tanta afronta à democracia, resolveram deixar o confinamento para demonstrar seu absoluto repúdio a essa escalada autoritária, estes são chamados de “terroristas” pelo presidente. “Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile”, disse Bolsonaro, aludindo aos protestos contra o governo chileno em 2019, que em vários momentos se tornaram violentos. “Não podemos admitir isso daí. Isso, no meu entender, é terrorismo. A gente espera que esse movimento não cresça, porque o que a gente menos quer é entrar em confronto com quem quer que seja”, acrescentou o presidente, em ameaça explícita de violência contra seus opositores – exatamente como fez seu ídolo, o presidente americano, Donald Trump, que também chamou os manifestantes que tomaram as ruas dos Estados Unidos de “terroristas” e ofereceu o Exército para enfrentá-los.

Com isso, Bolsonaro reivindica para seus fanáticos devotos o exclusivo usufruto das ruas como local de manifestação. Quem quer que ouse ocupá-las para questionar seu governo, apontar sua inépcia diante da pandemia e da crise econômica e denunciar seus frequentes atentados à democracia é, aos olhos do presidente, um delinquente.

Nada disso é por acaso. Premido pelo coronavírus e seu monumental impacto na vida nacional, obrigado a negociar cargos com a bancada da boquinha no Congresso para evitar um impeachment e assombrado por investigações policiais contra si mesmo e contra os filhos, Bolsonaro parece disposto a derrubar o tabuleiro de xadrez diante do xeque. O presidente inventa um confronto, que tão avidamente deseja, não só para intimidar seus opositores, mas principalmente para desviar a atenção de sua clamorosa incapacidade de governar.

No que depender dos brasileiros decentes, não vai conseguir nem uma coisa nem outra.