quinta-feira, junho 04, 2020

O rali da Bolsa de Valores - CELSO MING

ESTADÃO - 04/06

A disparada do Índice Bovespa não tem explicação única


Muita gente olha para a disparada da Bolsa e balança a cabeça: o mercado de ações não deve refletir a economia? Se a economia está nesse deus nos acuda, com as contas públicas aos cacos, grande número de empresas com o caixa parado e à beira da insolvência, como explicar esse rojão? Pura especulação? Não há uma única explicação para o sucesso da Seleção de 70 – e lá se vão 50 anos. A conquista do tri foi o resultado de vários fatores positivos, que agora os comentaristas esportivos vêm analisando, cada um com sua carga de saudades. O momento da Bolsa também não tem explicação única.

A começar pela mola que existe (dizem) no fundo do poço. Em apenas três semanas a partir de março, a Bolsa havia despencado 40% (veja o gráfico), empurrada pelo efeito manada, quando prevalecia o medo da pandemia e seus efeitos sobre a economia. Esta alta tem a ver com um movimento dialético que busca a volta do equilíbrio, que ninguém sabe onde está.

Outra catapulta é o afundamento dos juros no mercado interno. A Selic (juros básicos) está no seu piso histórico de 3,0% ao ano, com perspectiva de cair ainda mais. O Banco Central já avisou que, na próxima reunião do Copom (dia 16), cairá mais 0,75 ponto porcentual, para 2,75% ao ano. Com o estancamento da demanda, a inflação foi para o negativo e deve continuar aí. O mercado entende que, até o fim deste ano, a Selic estará a 2,25%, como ficou mostrado na última segunda-feira pelo Boletim Focus, do Banco Central.

Estamos falando de números que apontam para um rendimento líquido também negativo para a maioria das aplicações de renda fixa, desde que se coloquem nos cálculos a inflação e os juros rastejantes, mais as garfadas da taxa de administração e do Imposto de Renda. Ou seja, o administrador de um patrimônio está sendo empurrado para as aplicações de risco. A Bolsa reflete o aumento de demanda por seus ativos.

E há o retorno à atividade econômica nos países avançados, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, depois de quase três meses de isolamento social. É a economia mundial voltando a se mexer e isso esparrama alento pelos mercados.

Não se pode desprezar o efeito do enorme despejo de moeda pelos grandes bancos centrais, não ainda para retomada do emprego e da renda, mas, principalmente, para manter o mercado irrigado. É natural que uma parcela desses recursos tome o rumo do segmento de risco, especialmente o das ações. A Bolsa brasileira está sendo beneficiada com isso porque grande número de papéis de empresas brasileiras está sendo negociado nas bolsas internacionais. O que acontece por lá acaba tendo impacto também por aqui.

Há boa dose de lógica nesses fatos. Embora os juros devam continuar muito baixos e, portanto, estimulando as aplicações de risco, não dá para, a partir daí, contar com trajetórias firmes dos preços das ações nos próximos meses. A Bolsa é de se antecipar. Em março antecipou-se aos efeitos do coronavírus e agora, à recuperação lá fora. Em seguida, poderá olhar para o que foi destruído e para as novas incertezas e será outro movimento.

CONFIRA

O tombo do dólar

Há apenas 21 dias, as cotações do dólar no câmbio interno se aproximavam dos R$ 6 – apesar da intervenção do Banco Central, que não parou de fornecer milho para os bodes. De lá para cá, houve clara percepção de que tinham ido longe demais (“overshooting”). As contas externas não estão em perigo e o País não está afundado em dívida externa. Os ativos de risco voltaram a ser atrativos, exportadores e investidores voltaram a trazer seus dólares e, assim, o câmbio recuou 13,4% desde março.

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