sexta-feira, abril 27, 2012

Cota social - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 27/04/12

Ontem, no mesmo dia em que o STF decidiu pela constitucionalidade das vagas para negros no ensino superior, o Conselho da UFRJ manteve seu modelo de cotas sociais até 2014, que não leva em conta a cor da pele. Na UFF, 30% das vagas vão para alunos de escolas públicas de famílias com renda per capita de até um salário mínimo mensal.

Sorteio na Bahia

Com o apoio discreto de Dilma, o complexo hoteleiro da Costa do Sauípe, na Bahia, deve mesmo sediar o sorteio dos grupos da Copa de 2014.

Amigo é pra essas...

Quem deve assumir a área Internacional da Petrobras no lugar de Jorge Zelada é o engenheiro José Carlos Vilar Amigo.

Viúvos de Paulo...

Aliás, a queda de Paulo Roberto Costa da diretoria de Abastecimento da Petrobras deixa muitos “viúvos” no meio político. O ex-diretor colecionava apoios de vários partidos da base do governo — menos do PT.

Nada se cria

O historiador José Murilo de Carvalho suspeita que Joaquim Nabuco (1849-1910) “andou copiando” um bordão da coluna. Num artigo para o “Jornal do Commercio” de 30 de abril de 1883, o grande diplomata conclui, ao falar da relação de argentinos e brasileiros: “Deus os ajude e a nós também.” Amém.

A volta de Marisa
Depois de cinco anos longe dos palcos, sem fazer shows, Marisa Monte, nossa cantora, vai estrear nova turnê, “Verdade, uma ilusão”, dia 1º de junho, em Curitiba. O espetáculo chegará ao Rio em julho.

TAÍS ARAÚJO, 33 anos, formosura em forma de atriz, será a capa de maio da revista “Marie Claire”. Na entrevista, a bela, que brilha como a empregada doméstica Maria da Penha na novela “Cheias de charme”, da TV Globo, lembra a “primeira injustiça” que conheceu na vida: “Foi no Colégio Metropolitano, onde estudei, no Méier. Sempre fui a única negra na escola. Saquei o que era injustiça ali, quando não vi ninguém igual a mim, só quem limpava o colégio." Aliás, que tal cotas em escolas particulares?

Herdeiros da Delta
É como se diz em Frei Paulo: desgraça de uns é bem de outros. Ao pular fora das obras do Maracanã e da Transcarioca, a Delta entrega de mão beijada à Andrade Gutierrez uns R$ 500 milhões em obras.

Já...

A Odebrecht também aumenta sua parte no latifúndio do Maracanã.

Os incríveis

A 2ª Turma do TRT do Rio condenou a Walt Disney Company Brasil e a Delart Estúdios a pagarem R$ 40 mil a cada dublador do filme “Os Incríveis”. É que, no contrato, tinha sido acertado que a reprodução seria apenas para o cinema, mas o filme, como se sabe, virou DVD e foi exibido na TV.

Guerra da picanha
A família Mocellin, que foi dona da Porcão, conseguiu ontem na Justiça fechar o estacionamento da churrascaria, na Barra, no Rio. Os novos donos adotaram serviço de manobrista.

Carnaval do Dicró

Dicró, o querido sambista que morreu na quarta, será enredo da Boca de Siri, do Acesso D. A escola fica na favela Roquete Pinto, pertinho do Piscinão de Ramos, celebrizado pelo saudoso gaiato em sua obra.

Perigo no ar

Yann Arthus-Bertrand, célebre por suas fotografias da Terra vista de cima, não conseguiu fazer imagens aéreas no Complexo do Alemão, no Rio. Nenhum piloto de helicóptero quis levá-lo, temendo o tráfico.

Os porcalhões

Paes diz ter recebido, terça, e autorizado no mesmo dia, um pedido de Ziraldo para liberar galhardetes nos postes para indicar o Salão de Literatura infantil: — Acho que emporcalham o Rio. Só os libero em situações especiais como essa.

Padre gay

Deve render polêmica o livro “Toda maneira de amor vale a pena”, com histórias sobre gays, que nossa Bety Orsini lança hoje, às 19h, na Argumento do Leblon. Além da trajetória de famosos, como o jogador Michael, do Vôlei Futuro, Bety traz o relato, acredite, de... um padre gay!

O "São Sebastião" dos petistas - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 27/04/12


Há uma turma da ala majoritária do PT que se sente completamente escanteada no governo Dilma e há quem diga que, mais cedo ou mais tarde, essa corda vai arrebentar



Todo mundo conhece a história de São Sebastião. No século III, ao servir ao imperador Diocleciano, num tempo em que os cristãos eram perseguidos, terminou amarrado em uma árvore, todo flechado por não negar a sua fé diante do imperador. Muitas imagens o retratam com duas flechas no peito e uma perna. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) pode não ter nada de santo. Nem nasceu em 20 de janeiro, dia do santo. Mas entre os petistas, há quem veja flechas em seu peito, cravadas pela presidente Dilma Rousseff. Daí, a comparação.

A primeira delas o atingiu no peito, quando o então líder do governo se viu obrigado a desistir da disputa pela presidência da Câmara, em dezembro de 2010. Na época, o atual líder do governo, Arlindo Chinaglia, saiu da corrida para apoiar o gaúcho Marco Maia. Depois, foi a briga pelo lugar de Luiz Sérgio (PT-RJ) na Secretaria de Relações Institucionais.. Lá estava Vaccarezza cotado para o posto. Terminou perdendo a vaga no primeiro escalão para a ex-senadora Ideli Salvatti (SC).

Há menos de dois meses, Vaccarezza foi apeado da liderança do governo na Câmara para dar lugar justamente àquele que desistiu da disputa em favor de Marco Maia. Esta semana, Odair Cunha (PT-MG) assumiu a relatoria da CPI que investigará as relações entre Carlos Cachoeira e autoridades públicas. Mais um flecha em direção a Vaccarezza. A turma dele está anotando tudo no caderninho.

Por falar em turma...
Vaccarezza teve papel importante na condução do PMDB da Câmara para o governo Lula, logo depois do processo do mensalão. Ajudou a construir a vitória de Arlindo Chinaglia a presidente da Câmara no início de 2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula. Foi um dos fiadores do compromisso de apoio ao nome do PMDB para suceder Chinaglia no biênio seguinte. Assim, Michel Temer virou presidente da Câmara e dali à vaga de candidato a vice na chapa de Dilma foi um pulo. Talvez por isso Dilma o olhe tão de soslaio, às vezes.

O ex-líder do governo é visto como alguém que, nos últimos tempos, trabalhava mais para o PT do que para o governo. Algo que muitos presidentes não toleram. No Planalto, houve quem tivesse receio de que Vaccarezza, entre o PT e o governo, ficasse com o PT. Odair Cunha, além de ser sangue novo no pedaço sem tantos laços com o PMDB, é mais de trabalhar nos bastidores e é visto como bastante talentoso nessa seara.

O problema é que, dentro do PT, aquela velha guarda que protegeu e ajudou Lula no período pós-mensalão — e que foi fundamental para ajudar o partido a reconquistar a Presidência da Câmara em 2007 — está se sentindo meio escanteada no governo Dilma. A impressão que parte do PT tem é a de que Dilma, não se sabe se com o aval de Lula ou não, faz um processo de transferência do bastão petista a uma nova geração, dando um chapéu na turma que pretendia adquirir mais protagonismo dentro das hostes partidárias. Isso explicaria ainda a substituição do presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, e alguns diretores.

Por enquanto, essa turma do PT que se sente meio de lado não tem armas, nem espaço para se impor. Mas a vontade de ganhar um lugar no palco está grande. Eles apenas aguardam a hora certa de tentar cavar esse espaço. Por enquanto, apenas registraram a saudade que sentem de Lula. Mas ações virão. O tempo é de observar.

Por falar em saudade...
Quem viu o documentário Pela primeira vez, do fotógrafo Ricardo Stuckert — sobre o emocionante momento histórico da posse de Dilma e a saída de Lula com uma popularidade estratosférica — não deixou de perceber o sumiço de Antonio Palocci nas imagens da posse. O então ministro da Casa Civil que, naquele 1º de janeiro de 2011, era o mais importante do governo, simplesmente, ficou de fora, como muitos demitidos ao longo do último ano.

Mas o filme tem neste momento um mérito político, muito além das belíssimas imagens em 3D, da emoção da posse de Dilma, da despedida de Lula e do encontro entre José Sarney, Lula e José Alencar — que não participou da posse porque estava hospitalizado. O documentário vem bem a calhar como forma de recordar a todos os petistas, inclusive àqueles que se sentem flechados, que Dilma e Lula, por mais que tenham estilos diferentes, são partes de um mesmo projeto que está em curso. E, na visão de Lula, cabe a todos ter juízo e não comprometer essa construção para o futuro. Dilma é hoje a timoneira desse projeto e não — como ela sempre diz, ironizando, "uma mulher dura, cercada de homens meigos" ou santos.

GOSTOSA


Mais um dia - MARCIA PELTIER

JORNAL DO COMMÉRCIO - 27/04/12


A ministra Cármen Lúcia começou a colocar em prática sua promessa de zerar o número de processos em atraso no TSE. Os ministros da corte participaram de sessão, esta semana, às quartas-feiras – antes, os dias agendados para isso eram apenas terças e quintas. Além disso, a presidente do TSE não está esperando os julgamentos do STF terminarem, como era protocolo. As sessões estão começando às 19h em ponto.

Modus operandis

Por causa desse novo horário, a TV Justiça está tendo que se adaptar: depois que a gravação da sessão do STF acaba, estão indo ao ar imagens ao vivo do TSE do ponto em que o julgamento está. A sessão integral é colocada no ar na reapresentação.

Sem produção

O cantor Edson Cordeiro, radicado há anos em Berlim, foi abordado por fãs brasileiros em um restaurante no bairro de Schonenberg, reduto gay na Alemanha. Ele tinha acabado de estacionar sua bicicleta e fez questão de conversar em português. Só não topou fazer fotos. Alegou estar muito charmless (sem charme).

Comédia surreal

Amigos de longa data, os atores Nelson Freitas, Heitor Martinez, André Mattos e Tonico Pereira estão juntos em A aposta, uma comédia de humor fantástico. Segundo o diretor Marcelo Martins, o filme brinca com as chamadas lendas urbanas, coisas que sabemos existir mas nunca vemos, como cabeça de bacalhau e enterro de anão, entre elas. O longa terá efeitos de animação e três finais distintos - para cinema, internet e smartphones.

Ano de alta

No levantamento feito pelo Secovi/RJ em abril surgem com destaque de alta, no período de 12 meses, os imóveis da Zona Oeste. Em Bangu o m² avançou mais de 74%, passando de R$ 1,3 mil para R$ 2,3 mil. Jacarepaguá (R$ 3,8 mil), Recreio (R$ 5,7 mil) e Barra (R$ 7,6 mil), bairros onde serão implantados os BRTs, tiveram aumentos entre 25% e 40%.

Cinquentões 

Brasília, que está completando 52 anos e que já contou, dentro de sua programação festiva, com show gratuito de Caetano Veloso na Esplanada dos Ministérios, terá espetáculo de Milton Nascimento. Será dia 24 de maio, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Milton também festeja, este ano, 50 anos de carreira.

Parceria

O Hospital da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência passa hoje, através de contrato com o governo do Estado, a ser gerido pela Secretaria de Saúde. O atendimento pelo SUS fará desse hospital na Usina um dos suportes para os milhares de jovens que estarão no Rio em junho de 2013, para o evento com o Papa Bento XVI.

Do outro lado 

Ana Maria Machado, escritora premiada pelos seus inúmeros títulos infantis, esteve esta semana na FNLIJ, feira do livro infanto-juvenil, que vai até domingo no Centro de Convenções SulAmérica. Ela foi homenageada pela editora Callis com a obra A infância de Ana Maria Machado. A escritora Carla Caruso fez extensa pesquisa sobre a meninice de Ana, que nasceu prematura no dia de Natal.

Lembranças 

A atual presidente da ABL queria mesmo era ser pintora e começou a produzir seus primeiros desenhos de buquês de flores aos 12 anos. Também gostava de ler Monteiro Lobato, mas não podia contar para os amiguinhos, pois o escritor não era bem visto no governo de Getúlio Vargas.

Livre Acesso

O arcebispo dom Orani Tempesta preside, nesta sexta, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, um Te Deum, momento de Ação de Graças pelos 120 anos da Arquidiocese do Rio, erigida pelo Papa Leão XII em 27 de abril de 1892.

Ticiana Szapiro e André Souza agitam a Melt, no Leblon, nesta sexta, com a festa Dê Sexta. O DJ Jorge de Sá toca hits dos anos 80 e 90.

Nesta sexta-feira, na Livraria Argumento do Leblon, será lançado o livro Toda maneira de amor vale a pena, que conta 20 histórias de homossexuais que venceram o preconceito. A partir das 19h, haverá um debate com Carlos Tufvesson.

No sábado, o fotógrafo Leonardo Neves apresenta seu trabalho na segunda edição da série EXPOnha-se!, no restaurante japonês Pea'hi, na Barra.

A fragata Liberal, da Marinha do Brasil, acaba de zarpar rumo ao Líbano com 250 militares. Irá substituir a fragata União na Força de Paz.

A Cia. Os Ciclomáticos, que assume a ocupação do Teatro Ziembinski em maio, abriu inscrições para oficinas gratuitas no teatro. Informações pelo email osciclomaticos@osciclomaticos.com.br.

O escritório de Advocacia Empresarial Martinelli promove, nesta sexta, a 2ª edição do workshop Gestão de Ciclo de Vida de Contratos, das 9h às 18h30, na Bolsa de Valores do Rio.

O truque dos juros - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 27/04/12


O velho ditado que diz que se pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não se pode forçá-lo a beber água, parece aplicar-se à redução dos juros cobrados pela rede bancária dos seus clientes. Depois de o governo ter determinado aos bancos estatais que baixassem os "spreads" nas várias modalidades de crédito ao consumidor, com o objetivo expresso de estimular a demanda, os bancos privados, com indisfarçável relutância, foram aderindo ao esquema um a um, tendo anunciado publicamente as taxas mínimas que passariam a praticar, de acordo com uma tabela progressiva, sem dar ênfase, naturalmente, às taxas máximas.

O que se verifica, como constatou reportagem de O Globo (24/4), é que as taxas mais baixas, se e quando são concedidas, estão sujeitas a uma série de condições ou "pegadinhas" - o que significa que as coisas na vida real não se passam "como está na propaganda", como disse um cliente. Tudo depende do perfil do tomador. Num banco, por exemplo, a taxa de juros no crédito pessoal varia de 1,99% a 5,93% ao mês e a de crédito consignado (desconto em folha), em que não há praticamente risco, vai de 0,99% a 4,70% ao mês. Variações semelhantes se verificam nos bancos sob o controle do governo, que deveriam ser os porta-bandeiras da redução do crédito.

A Caixa Econômica Federal (CEF) divulgou um panfleto no qual diz que o cheque especial tem taxas a partir de 1,35% ao mês, mas poucos privilegiados fazem jus a isso. Numa agência da CEF na zona sul de São Paulo, a gerente informou, por exemplo, que a taxa do cheque especial para os correntistas que recebem o salário por meio da instituição pode cair de 4,45% para 3,5% ao mês.

A desculpa mais comum é de que os juros baixos são reservados para os clientes que já têm um relacionamento antigo com o banco, de preferência aqueles que recebem salário pela instituição, especialmente aposentados ou pensionistas. E os bancos privados, em geral, não reduziram os juros do cheque especial e do cartão de crédito, que são justamente as duas modalidades em que as taxas são mais elevadas, e que apresentam maior nível de inadimplência.

No banco privado que fez essa redução, as taxas caíram para a faixa de 4% a 8% ao mês, um patamar elevado. No Banco do Brasil (BB), os juros no cheque especial passaram a variar entre 1,38% e 8,31%, uma mínima muito baixa e uma máxima muito alta, mas o banco oferece uma saída para os endividados. Se o saldo devedor for de mais de 50% do limite, pode ser transformado em crédito direto ao consumidor, a ser pago em 24 parcelas, a uma taxa menor. Na verdade, os juros não caíram. No BB, a taxa para financiamento de veículos "varia muito de um automóvel para outro", disse um gerente do banco.

Num grande banco privado, a compra de carro pode ser financiada a partir de 0,97% ao mês, mas essa taxa só é aplicada a empréstimos pagáveis em quatro parcelas. Houve queda de juros no crédito pessoal e no crédito direto para a compra de outros bens que não veículos, mas isso só vale para novas operações e está na estrita dependência da ficha cadastral de cada um. Um cliente foi ao banco para verificar se os juros sobre sua operação de leasing tinham caído, mas saiu decepcionado. Juro de operação já feita não muda.

Em outro grande banco, a taxa mínima para a compra de veículos é de 0,9%, mas só é válida para bons clientes que tenham conta há mais de um ano na instituição. Um gerente do banco informou que a queda das taxas de juros foi restrita a empréstimos consignados a aposentados e pensionistas, desde que recebam pelo banco, o que hoje é um refrão no meio bancário.

Constata-se que a tese de que quanto menores forem os juros cobrados, menor será o nível de inadimplência, não convence os bancos. Muito preocupados com o calote, que tem afetado os seus lucros, eles preferem trabalhar de acordo com critérios tradicionais de avaliação de crédito. A divulgação de taxas mínimas, que evidenciam uma grande variação em relação aos níveis máximos, foi uma forma de driblar as pressões do governo para a redução dos "spreads", funcionando, ao mesmo tempo, como um instrumento de marketing.

GOSTOSA


Mais cortes nos juros - CELSO MING


O Estado de S. Paulo - 27/04/12


Mais uma vez, o Banco Central mudou. Não se compromete mais, como deixara claro antes, a manter os juros básicos (Selic) estacionados por certo tempo nos 9,0% ao ano, onde estão desde 18 de abril. Ao contrário, indica que o processo de baixa pode continuar – o que significa que a redução vai prosseguir.

A Ata do Copom – correspondente à reunião do dia 18 – não esclarece as razões da mudança, mas parece sinalizar que se deve ao enfraquecimento da atividade econômica. Como o Banco Central previa, no início do ano, avanço do PIB de 3,5%, fica a suposição de que, neste momento, o setor produtivo trabalha em ritmo ainda mais lento.

O texto-chave (parágrafo 35) avisa que "qualquer movimento de flexibilização monetária adicional deve ser conduzido com parcimônia".

Traduzindo: flexibilização monetária é o mesmo que baixa de juros; é mais dinheiro na economia, cujo resultado é o barateamento do seu preço – os juros. O termo parcimônia adotado em seguida é a senha para a adoção de corte menor do que o 0,75 ponto porcentual decidido nas duas últimas vezes (março e abril) que o Copom baixou a Selic.

Esses números não são meros buracos de queijo. Ainda quando parecem ser só um pouco maiores ou menores, implicam transferências de enormes volumes de dinheiro dentro da economia. Assim, está aberta a temporada para as apostas sobre o tamanho dos próximos passos da redução de juros: se vai ser de 0,50 ou 0,25 ponto porcentual ou uma sucessão desses dois números. Em todo o caso, quem faz um cesto faz um cento, diz o ditado. O Banco Central tem mudado tanto que pode mudar mais vezes. Ou seja, é bom não levar essa decisão às últimas consequências porque também está sujeita a novas alterações da hora e do jogo geral.

No cenário básico ao qual se atém o Copom, a inflação de 2012 converge para o centro da meta, de 4,5%. Não é o que os fazedores de preços estão esperando. Últimos levantamentos do próprio Banco Central indicam que, na média, o mercado trabalha com uma inflação de 5,47% para todo este ano. Mas os formuladores da política de juros acreditam que a cabeça dos agentes econômicos mudará à medida que a inflação mostrar arrefecimento.

Com a queda dos juros, o rendimento da caderneta de poupança, já um pouco mais alto do que o de alguns fundos de renda fixa destinados a aplicações mais baixas, deverá ficar ainda mais vantajoso para o aplicador a partir de 30 de maio – data para a qual está agendada a próxima reunião do Copom.

Embora a ata silencie sobre esse efeito, o governo federal não parece preocupado com a eventual migração das aplicações financeiras dos fundos de renda fixa para a caderneta. São três as suas fortes razões para manter intocáveis as atuais regras: (1) não quer ser criticado em ano de eleições por esvaziar a aplicação financeira do povão; (2) quer aproveitar o aumento da competitividade da caderneta em relação aos fundos de investimento para pressionar os bancos a reduzir as taxas de administração, elevadas demais, cobradas dos aplicadores; e (3) quer ter uma ideia melhor sobre o potencial de migração das aplicações para a caderneta.

A VAGABUNDA E O CORRUPTO


PSB pulando fora? - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 27/04/12

O PSB deve deixar o governo Agnelo Queiroz (DF). Buscando evitar que isso ocorra, Agnelo se reuniu ontem com os socialistas. O presidente do PSB, o governador Eduardo Campos (PE), liberou o partido para decidir. A tendência dos socialistas, que deliberam hoje, é entregar as secretarias da Agricultura e do Turismo. Avaliam que ocupam cargos na periferia do poder, que a gestão vai mal e que a coisa vai piorar com a evolução do escândalo e da CPI do contraventor Carlos Cachoeira.

Resistências técnicas
O Ministério do Meio Ambiente, a despeito da derrota na votação do Código Florestal na Câmara, comemora o resultado. Avalia que os 274 votos a favor do relatório do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) revelam que os ruralistas não têm condições de derrubar um veto da presidente Dilma. A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) acredita que a presidente vai vetar todos os artigos que tratam da regularização das áreas consolidadas. O governo deve enviar uma nova lei tratando dos temas previstos no artigo 62. Os ruralistas também reconhecem deficiências no aprovado e preparam projeto de lei para suprir as lacunas.

"Não fosse o ativismo judicial da Suprema Corte americana, muitos direitos civis não teriam sido alcançados naquele país” — Celso de Mello, ministro do STF, pela constitucionalidade do sistema de cotas raciais

ELES ESTÃO JUNTOS. Adversários no passado, eles se aproximaram durante o governo Lula, e, agora, a CPI do contraventor Carlos Cachoeira está unindo ainda mais os ex-presidentes Collor e Lula (na foto). Eles estiveram juntos e estão em linha direta, trocando impressões por telefone. Lula e Collor têm objetivos comuns na CPI e pretendem fazer um acerto de contas com setores sociais que hostilizaram seus governos.

Posicionamento
A presidente Dilma abandonou as negociações na véspera da votação do Código Florestal, segundo um integrante do governo, porque "para a presidente não tem problema perder uma votação, desde que ela não saia desmoralizada".

Fechados
O PT e o PMDB foram coesos na votação do Código Florestal. De 80 petistas, apenas um votou a favor do relatório do deputado Paulo Piau (PMDB-MG). De 74 peemedebistas, apenas três votaram a favor do texto aprovado no Senado.

Interesse dos governadores em pauta
Os governadores estaduais são os maiores interessados em que o Congresso não pare durante a CPI do contraventor Carlos Cachoeira. Na pauta da Câmara: a redistribuição dos royalties do petróleo. Na do Senado: a redistribuição das receitas de ICMs decorrentes do comércio eletrônico; a definição de um novo indexador da dívida pública dos estados; e as novas regras para dividir os recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM).

Festejado
O vice Michel Temer foi exaltado pela ala governista que votou a favor do Código Florestal aprovado. Ele nega que tenha participado de articulações e atribui a homenagem ao fato de ele ter criado a comissão especial que deflagrou esse debate.

Decepcionados
Os ambientalistas esperavam que o governador Sérgio Cabral (RJ) e o prefeito Eduardo Paes virassem alguns votos na bancada do PMDB do Rio na votação do Código Florestal. Os sete presentes votaram com o relator Paulo Piau.

CONGRESSO PARADO. Com a votação do Código Florestal, o governo Dilma não tem qualquer projeto importante pendente de votação na Câmara.

NO SENADO, o único projeto de interesse do governo Dilma, a Lei Geral da Copa, está com votação marcada para o dia 10 de maio.

O PSDB mudou de posição na última hora na votação do Código Florestal. A expectativa era que dois terços votassem com o relatório Piau, mas a bancada se dividiu. Consta que o ex-governador José Serra foi o agente da reviravolta. 

Vontade da maioria - DORA KRAMER


 O Estado de S.Paulo - 27/04/12


Goste-se ou não, a aprovação final do Código Florestal na Câmara dos Deputados seguiu a regra do jogo: expressou a vontade da maioria que, no caso, não guardou relação com o tamanho ou a fidelidade genérica da base de sustentação governista.

Disse respeito muito mais à representação da sociedade no Parlamento que à lógica de derrotas ou vitórias cravadas na conta do Palácio do Planalto.

O resultado não foi o que a presidente Dilma Rousseff gostaria. Muito bem, o que se há de fazer?

Existem possibilidades: o governo veta o Código todo e abre uma crise sem precedentes nem subsequentes previsíveis; veta parcialmente e edita uma medida provisória recuperando o artigo derrubado na Câmara sobre a obrigatoriedade de reflorestamento nas margens dos rios; simplesmente aceita o resultado.

A julgar pelo que se diz, a probabilidade maior seria a do veto parcial com a edição da MP para dar eficácia imediata ao ponto que teria agradado ao Planalto ver aprovado.

Problema resolvido? A própria manifestação do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, indicando que Dilma examinará "com cautela" a decisão a ser tomada, sinaliza que a solução não é tão fácil assim.

O recurso à medida provisória não tem necessariamente o condão de transformar em vitória um assunto em que o governo só colecionou derrotas. Duas completas na Câmara e uma parcial no Senado.

Da mesma forma como o Planalto não teve maioria para impor sua posição naquelas ocasiões, não teria para aprovar a medida provisória.

Isso sem nem considerar que a mudança no rito nas MPs determinada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, reafirmando o preceito constitucional da exigência da manifestação do Congresso sobre a urgência ou relevância da medida, ainda criaria dificuldade adicional ao governo.

Levando apenas em conta que a medida provisória pudesse ir diretamente ao plenário como tem sido o hábito ao arrepio da Constituição, ainda assim a questão voltaria ao seu ponto de origem: a posição de maioria.

Se editada, quando fosse à votação, a medida provisória enfrentaria a mesma correlação de forças expressa nas votações anteriores. Ou seja, seria rejeitada ou inteiramente modificada para se adequar à escolha já feita pelo Parlamento.

Por isso é que até no PT há quem enxergue "exagero ambientalista" por parte do Planalto - uma vez que a legislação brasileira nesse aspecto é por si garantidora da preservação ambiental - e considere que o melhor a fazer no momento seria a presidente da República aceitar o resultado e não mexer mais no assunto a fim de não sofrer mais um e inútil revés.

Névoa seca. Baixou o mutismo no governo sobre a Lei de Acesso à Informação, marcada para entrar em vigor a partir do mês que vem.

Pedidos de esclarecimentos sobre o que está sendo feito para assegurar a execução da lei são simplesmente ignorados. Nada se diz e nada se comenta a respeito até a edição do decreto presidencial regulamentando a lei cujo objetivo é abrir ao público dados oficiais não enquadrados na rubrica segredo de Estado, onde por ora parecem incluídas as medidas em prol da transparência.

Uma das questões em discussão é a imposição ou não de sigilo sobre os salários do funcionalismo. Se a decisão for contrária à divulgação dos valores recebidos pelos servidores, a lei já entra em vigor sinalizando o tamanho da dificuldade de se instituir no Brasil a cultura do compromisso de nitidez do Estado em relação à sociedade.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o cidadão tem acesso aos salários pagos pelo governo no site da Casa Branca.

Avesso. Os melhores argumentos em favor da CPI do chamado esquema Cachoeira são justamente aqueles apresentados por quem considera imprudente fazer a CPI, a fim de preservar dedos coroados e anéis consagrados da República.

Os juros mais baixos da história - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/04/12


Juro real baixa à 'meta' da candidata Dilma em meio ao conflito do governo com a banca e revela impasse


A TAXA REAL DE JUROS "básicos" no Brasil foi abaixo de 3% nos últimos dias, pelo menos segundo uma das duas ou três maneiras relevantes de fazer essa conta (nesse caso, uma taxa do mercado futuro menos a expectativa de inflação nos próximos 12 meses). Por outras contas, o juro real está na casa de uns 3,5%.

Na campanha eleitoral de 2010, o pessoal de Dilma Rousseff dizia que uma das prioridades macroeconômicas da agora presidente era levar a taxa real para algo entre 2% e 3% até o fim do mandato, além de baixar a dívida do setor público para 30% do PIB e conseguir equilíbrio nas contas do governo (deficit zero ou perto disso).

"Missão cumprida" (no caso dos juros), como disse George Bush, filho, sobre o Iraque?

Melhor que responder é perguntar: 1) como os juros "básicos" baixaram tanto (um recorde histórico no Brasil); 2) e daí?

Como os juros baixaram?

Primeiro, o juro real está baixo porque o Banco Central é hoje mais pragmático, digamos. Dadas as condições em que assumiu, a presente diretoria considerou que seria custoso demais dar uma paulada na inflação no curtíssimo prazo (o que exigiria uma paulada nos juros).

Na prática, para o bem ou para o mal, tolerou uma inflação mais alta por mais tempo. Além do mais, recorreu a instrumentos que não a taxa de juros para controlar a inflação. Juros mais contidos e inflação mais alta dão em juro real menor.

Segundo, e mais controverso, diz-se que seria possível hoje controlar um certo nível (ou alta) de inflação com um nível (ou alta) menor de juros. Apesar das querelas estatísticas, é o que vem acontecendo no Brasil na última década -ou pelo menos a tendência vinha sendo essa. Se tal coisa continuou a acontecer nos dois últimos anos, já é mais difícil de saber ou de estimar.

Terceiro, o contexto monetário internacional é extravagante. Como Dilma gosta de dizer, há um "tsunami" monetário varrendo o planeta, resultado das políticas de estímulo econômico no mundo rico. Grosso modo, sobra dinheiro sem uso e taxas de juros reais são negativas nos EUA e na Europa. O Brasil pega um pouco de carona nessa história.

E daí? Os juros "básicos" caíram (a meta do BC; o piso dos juros na praça do mercado, negociado entre os donos do dinheiro grosso). Mas os dias são dominados pela grande querela dos juros, na qual se batem governo e bancos privados.

Os juros reais "básicos" caíram, mas nossos problemas de restrição e regulação de crédito continuam. Despioraram, mas estão aí. Não corre leite e mel em bancos e empresas.

Os juros reais estão na casa de 3% e os "spreads" flutuam na estratosfera de 35% (menos, decerto, se a gente deixar de lado as taxas malucas de cartão de crédito e cheque especial). Será, porém, muito difícil o juro real cair ainda mais e, mesmo que caísse, isso não refrescaria a situação de quem toma crédito.

Dar um susto e uma corrida nos bancos talvez ajude a cortar uns pontos das taxas médias para o tomador final. Muito mais não se consegue. Motivo? Faltam dinheiro, poupança, um mercado de crédito melhor, com mais garantias e mais competição. O juro real baixo e os limites do sucesso da campanha do governo vão enfim tornar evidente o nosso impasse, que depende de "reformas" para ser resolvido.

A crise do Supremo - CARLOS NEJAR


O GLOBO - 27/04/12


Fiquei preocupado com o que percebi na sessão de posse dos novos presidente e vice-presidente do Pretório Excelso — mais que o comprimento, a prolixidade do "enciclopédico" discurso do ministro Celso de Mello, o clima de divisão interna, com a candente animosidade entre o ministro Joaquim Barbosa que não poupou seu colega Cezar Peluso e nem por ele foi poupado, em duelo verbal pela imprensa, reflexo da beligerância interna, hoje existente, como vulcão sob a neve, que explodirá talvez no segundo semestre.

Confesso que não gostei do trinar de Daniela Mercury, a quem admiro, errando ao cantar o Hino Nacional, nem de algum axioma infeliz do ministro Ayres Britto, eivado de verso de grande beleza, como o de T. S. Eliot, com a obviedade da transparência nem sempre tão transparente, sendo a imparcialidade invenção formal, pois o julgador está sujeito no momento de julgar, ou "sentir" (donde proviria o vocábulo "sentença"), a tantas circunstâncias, desde a política, até a física, emocional, ou a dor de cabeça, ou mau humor, o vento da complacente misericórdia, até ao resvaloso calo da razão.

Concordo com os ilustres, nobres e intrépidos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, quando alegam que o Supremo não está condicionado à opinião pública, e, sim, à aplicação do Direito. E registro a corajosa posição da corregedora Eliana Calmon, que lutou a favor do CNJ e da ministra gaúcha Rosa Weber que votou a favor de sua manutenção, sob pena de não haver mais quem julgue os julgadores.

E a Constituição, objeto amplamente louvado no discurso de posse do novo presidente, é tão preciosa e tão fundamental que nem carece de ser idolatrada, ou cercada de inefáveis palavras.

O que cabe é ser ela cada vez mais obedecida, sobretudo pelo Supremo, como pelo povo. Não há mérito em segui-la, é dever. Sem proselitismo, glosa, com o respeito de grandes e pequenos. Sem a tentativa, por falta de legitimidade moral, de invadir a esfera de sua competência, ou imporse a ela, ou reformá-la, ferindo a vida democrática.

E enfatizo. O que vige, imperceptivelmente, é o afastamento gradual entre juízes do Supremo e os advogados, com a criação da senha digital, exilando, paulatinamente, a pessoa, a fala e oratória, salvo na sustentação oral, último reduto, com a assombração de um sistema que se pretende burocrático, oficioso, maquinal, sem alma (a fala é alma), forjado no pretexto "nobre" de apressamento das causas (que na prática não ocorre).

Vale, entretanto, reconhecer que o discurso do atual presidente do Pretório Excelso foi original, coisa rara, de um poeta-jurista, não esquecendo sua terra, o Sergipe, o que é honroso, nem o "gênio da raça", o também sergipano Tobias Barreto, nem que era vascaíno — o que podia ser omitido. Sob o vigilante "terceiro olho" do invisível. E todos estávamos suando no ar pouco visível, num cerimonial míope, desorganizado, com a exigência de estarem os convidados uma hora antes, sendo o evento marcado para as 16 horas (começou às 17h e acabou às 19h30m). No término, havia uma multidão comprimindo- se, apertada, em fila, implacavelmente contida pelos funcionários, dificultando o abraço aos empossados que se daria, depois de ferrenho combate corporal, no salão branco.

O que esperamos, agora, como brasileiros, é que os ânimos no mais alto juízo do país se abrandem, voltando a reinar, ali, a cortesia, cumprindo-se o preceito de Machado, de que "as almas são incombustíveis". E que o tão protelado processo do mensalão ache o final julgamento, com a confiança de que os réus não acabem todos beatificados pela prescrição.

Porém, é a lucidez crítica de Paul Valéry que nos adverte: "O futuro não é mais o que costumava ser." Aguardamos que ao menos seja diferente. E melhor.

O poder de quem define a pauta do STF - DIMITRI DIMOULIS e SORAYA LUNARDI


FOLHA DE SP - 27/04/12

Certas ações são julgadas em semanas, outras esperam 20 anos. Os critérios de relator e presidente são pessoais, não explicitados e imprevisíveis

No Supremo Tribunal Federal, há processos dos anos 1980 que ainda não foram julgados.

Como exemplo, há as ações diretas de inconstitucionalidade 73, 127 e 136, que tratam de normas estaduais de pouca relevância. Todas foram protocoladas em 1989. Ainda não houve decisão. A constitucionalidade de uma lei é impugnada e por décadas o STF não oferece resposta.

A demora costuma ser explicada pela sobrecarga da corte, que recebeu, desde 2000, mais de 1 milhão de processos. Mas tal resposta ignora que, em certos casos, o STF se posiciona com surpreendente rapidez.

A ação direta de inconstitucionalidade 3.685, sobre coligações partidárias, foi distribuída em 9 de março de 2006. A decisão definitiva foi tomada no dia 23. Duas semanas!

A complicadíssima ação direta de inconstitucionalidade 3.367, questionando dezenas de normas da emenda constitucional 45 (sobre a reforma do Judiciário), em 2004, recebeu resposta definitiva em quatro meses.

O tempo certo para julgar uma ação são duas semanas ou vinte anos? Quem define a ordem de julgamento? Com quais critérios?

Na atualidade, o regimento interno do STF e a legislação não estabelecem prazo vinculativo: o relator e a presidência do STF exercem o poder de determinar a pauta conforme critérios pessoais, não explicitados e imprevisíveis. O resultado são as apontadas discrepâncias.

Isso contrasta com o extremo cuidado do legislador ao fixar curtos prazos para a atuação dos demais participantes dos processos constitucionais, como a autoridade que editou a norma, o advogado geral da União e o procurador-geral da República. Contrasta também com a experiência de outros países, onde a justiça constitucional é submetida a prazos curtos e rígidos. As causas costumam ser julgadas na ordem de chegada.

Quem possui o poder de determinar a ordem de julgamento de ações de crucial importância influencia a vida do país. Uma rápida declaração de inconstitucionalidade pode proteger direitos fundamentais. A mesma decisão, tomada anos depois, pode ser inócua.

Além disso, a decisão tardia compromete a liberdade do julgador porque uma situação consolidada dificilmente pode ser modificada. Isso se confirmou em março de 2012, quando o STF julgou uma ação que tramitava desde 1959, questionando a constitucionalidade da alienação de terras no Estado do Mato Grosso.

Na substância, o STF disse que, por mais que houvesse inconstitucionalidade, não era possível modificar situações consolidadas após meio século. A decisão é sensata, mas nada justifica a demora.

A possibilidade do relator de retardar o julgamento e a possibilidade de a presidência não incluir um processo na pauta são mecanismos de seletividade política.

Isso é problemático em um Estado de Direito e prejudica muitos pedidos. Seja porque não parece oportuno modificar a situação após anos, seja em razão da prescrição, seja porque as leis impugnadas foram revogadas e a ação perdeu seu objeto.

No STF, muitas decisões são postergadas quando a medida impugnada gera controvérsias sociais ou envolve grandes interesses políticos e econômicos.

Isso ocorreu com a anencefalia, com as ações afirmativas, com o questionamento da quebra do sigilo bancário pela Receita Federal, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (que completou dez anos sem julgamento sobre sua constitucionalidade) e em muitos outros casos.

Longe de ser ativista, nesses casos o STF adota uma postura de cautela que pode virar inércia e denegação da prestação jurisdicional.

Cabe ao legislador remediar o problema e estabelecer prazos rígidos e regras de preferência taxativas para o julgamento dos processos constitucionais. Isso permitirá limitar o poder político do STF que, na atualidade, utiliza o tempo como ferramenta de poder, determinando livremente a própria pauta.

DIMITRI DIMOULIS, 46, doutor em direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), é professor de direito constitucional na FGV-SP
SORAYA LUNARDI, 40, doutora em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora da Instituição Toledo de Ensino (ITE)

Um dia, no futuro - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 27/04/12


Foi um dia histórico o de ontem, em que o país ficou sabendo que, sim, as cotas raciais são constitucionais. Ministros e ministras seguiram o voto do relator e o Direito avançou. Mais do que votar, os ministros explicaram o conceito básico de que a igualdade não acontece por inércia, mas por ação. A unanimidade deu à decisão a estatura que a questão exige e eliminou espaço à contestação, por ser vinculante.

O que estava em questão era uma das várias políticas adotadas pelas universidades públicas brasileiras, a da UNB, e o STF foi além: considerou constitucional todas as políticas de ação afirmativa de recorte racial. Foi além ao responder de forma serena e convicta o debate que se travava até recentemente sobre a existência ou não do racismo no Brasil. Sim, ele existe, infelizmente, admitiram os ministros de forma unânime. E por isso o país deve usar instrumentos para superá-lo.

O ministro Ricardo Lewandowski foi seguido por todos os outros ministros. As cotas já fizeram um favor ao Brasil. Elas incentivaram esse debate sobre a existência ou não do racismo no país. Ele foi negado por muitos durante muito tempo e se alimentava basicamente da negação e do silêncio. Desta forma o Brasil veio, desde o início do século passado, consolidando a ideia de uma sociedade multiétnica que convivia harmoniosamente com suas diferenças. Era idílico. Quase tentador acreditar nisso. Mas contra o mito atestavam todas as evidências da cena humana brasileira, todas as estatísticas sociais. O que enganou a tantos por tanto tempo foi o caráter dissimulado da discriminação brasileira.

No início desse debate foi preciso entender os conceitos usados até pelos órgãos de estatística e pesquisa no Brasil. Negro, como o IBGE diz, é o conjunto de pretos e pardos. E por que agregá-los? Porque quem olha todos os indicadores sociais brasileiros verá que a distância entre pretos e pardos é pequena. Seja em mortalidade infantil, expectativa de vida, renda, o que seja. Mas é enorme a diferença dos dois grupos com os brancos. Os números mostram que o IBGE tem razão de pesquisar números de pretos e pardos, e às vezes agrupá-los para efeito de constatação da desigualdade.

Em 2000, antes ainda da adoção das cotas pela Uerj, a primeira universidade pública a adotá-las - a UNB foi a primeira federal - entrevistei os então presidentes do IBGE e do Ipea, Sérgio Besserman e Roberto Martins. Os dois defenderam as ações afirmativas. Era o começo da aceleração do debate. Os órgãos ofereceram ao país estudos e dados para informar a conversa que enfim estava se intensificando.

O movimento negro já vinha defendendo por décadas o tema. Abdias Nascimento, nos anos 1950, com seu Teatro do Negro, fez exatamente uma ação afirmativa: a de criar um espaço para atores e atrizes negros. A defesa desse direito não avançava porque esbarrava na premissa básica: como adotar políticas de combate ao racismo se ele era sempre negado? Nos anos 1990, a reivindicação ganhou corpo. Não por acaso. Como disseram os ministros do Supremo nos últimos dois dias, foi a partir da Constituição de 1988 que se estabeleceu o princípio de que os direitos não são proclamações contemplativas, mas sim fruto de comando constitucional. Não basta declarar direitos, é preciso garantir que ele seja exercido.

Os estabelecimentos de ensino, em meio à controvérsia, passaram a adotar as políticas de forma variada. Alguns com cotas raciais, outros com a mistura de cotas raciais e sociais, outros com ação afirmativa sem cotas, mas com bolsa e apoio ao aluno negro e pobre, como a PUC do Rio.

As dúvidas e medos foram se dissolvendo pela própria prática da política. Alguns argumentaram que era preciso melhorar a escola pública e continuam tendo total razão. O Supremo lembrou que não deve ser uma escolha: é melhorar a escola pública e mudar o critério de acesso às universidades aos negros e pobres, ao mesmo tempo. Num debate na Uerj, anos atrás, olhei para os alunos e reconheci a cara do Brasil. Eles, misturados e sem sombra do ódio que alguns disseram que as cotas acirrariam.

Há ainda muitas dúvidas. É natural. O país é plural. O que o Supremo está dizendo é o contrário do que foi imposto ao imaginário nacional, o do país sem racismo. Ele será assim um dia, desde que reconheça que discrimina e lute contra esse mal. O falso que a elite defendia como verdade é o que o ministro Celso de Mello contou sobre o pronunciamento do Itamaraty nos anos 1970. Em comunicado à ONU, disse que não havia política a ser adotada no Brasil porque o racismo não existia. E era um Itamaraty quase inteiramente branco.

É essa anomalia de um país multiétnico, mas com uma elite monocromática, que começou a ser enfrentada nos últimos anos. Já há sinais de mudança. Já há mais canais de acesso dos negros à elite. Que eles se multipliquem nos próximos anos por ações públicas e privadas. Porque como disse o ministro Ayres Brito "é assim que se constrói um país".

Elas são temporárias, disse Lewandowski. Que bom que são temporárias. Haverá o dia em que não serão mais necessárias. Que belo dia será.

O véu da ignorância - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 27/04/12


SÃO PAULO - O filósofo John Rawls propõe um experimento mental para definir o que é justo. Você e seus concidadãos irão estabelecer as regras sob as quais seu país vai funcionar. Virarão normas os princípios com os quais a maioria concordar.

Há, porém, um detalhe. Ao decidir, ninguém sabe que lugar ocupará na sociedade, quanto dinheiro ou status terá, sua origem étnica, nem seu grau de inteligência ou beleza. Esse filtro, que Rawls chamou de véu da ignorância, assegura que as escolhas serão imparciais e racionais.

Bem, eu fiz essa experiência com as cotas, mas não cheguei a uma conclusão definitiva. Sou, é claro, favorável à ideia de contar com um seguro contra injustiças aleatórias, como a quantidade de melanina na pele. Bem mais difícil é decidir os remédios que podem ser utilizados.

As cotas puras, ontem chanceladas pelo STF, me parecem um exagero. Ao estabelecer uma reserva de vagas para negros, elas ferem para além do razoável o princípio da igualdade de todos diante da lei.

É claro que a igualdade plena não passa de uma ideia reguladora, uma abstração. Implementá-la a ferro e fogo tornaria inconstitucionais práticas estabelecidas e bem aceitas como a progressividade do Imposto de Renda e as aposentadorias especiais (incluindo os 30 anos para as mulheres).

É preciso, porém, certo cuidado quando começamos a sacrificar princípios abstratos para tentar fazer justiça concreta. Se reservamos vagas para cotistas, os não cotistas ficam com menos postos para disputar. Eles são prejudicados para compensar erros históricos pelos quais não têm responsabilidade pessoal.

É um pouco buscar a quadratura do círculo, mas eu só utilizaria o remédio em doses parcimoniosas, como as bonificações para egressos da escola pública. Elas são menos eficazes, mas também produzem menos injustiças na outra ponta. Essa, pelo menos, é a escolha que eu, vestindo o véu da ignorância, faria.

O fator Delta - FERNANDO GABEIRA


O Estado de S.Paulo - 27/04/12


No princípio, alguns políticos queriam excluir a Delta da CPI do Cachoeira. Desistiram. Era como arrancar o delta do alfabeto grego. Depois se falou em concentrar as investigações no eixo Brasília-Goiás. Mas o delta é foz de um rio com muitos braços e canais. Acidente geográfico, a Delta está no Rio de Janeiro.

Da cachoeira à foz, deságua num imenso mar de dúvidas. Não se trata só de uma CPI para dissecar os laços da Delta com Carlos Cachoeira e seus tentáculos na política e nos governos. A ascensão fulminante da empresa e de seu dono, Fernando Cavendish, pode fornecer material para excelente estudo sobre o Brasil moderno. Como se fazem essas fortunas, como se entrelaçam com interesses políticos, como prosperam à sombra do governo e como driblam os frágeis mecanismos de controle? Eis algumas perguntas sobre a mesa.

Isso foi sempre assim, dirão alguns. Mas há algo de singular na meteórica carreira de Cavendish como empreiteiro. O vice de Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, afirmou que o segredo do sucesso da Delta era sua agressividade, traduzida em preços mais baixos. Mas a tática da Delta, de acordo com quem entende de licitações, era vencer com preço baixo e correr atrás dos aditivos que eram acrescentados ao valor inicial do projeto. Em alguns casos, de 300%! Se isso era tão evidente para o mercado, como escapou aos experientes responsáveis pelos contratos do governo? Foram todos enganados por um jovem ambicioso?

Segundo algumas reportagens, Cavendish é simpático e bonachão, por isso se aproximou do governador do Rio e se tornou seu amigo íntimo. Os repórteres esqueceram alguns traços que podem trazer ruído à fotografia: ambos gostam de viagens, hotéis caros, cruzeiros de luxo. É possível que uma extraordinária empatia tenha movido a amizade desinteressada deles. Mas seria preciso outro ajuste de imagem. Cavendish diz em gravações que seu método para conquistar políticos é comprá-los. Como pode sair comprando políticos Brasil afora se no Rio, onde grande parte da sua fortuna foi conquistada, usou só seus belos olhos? Pode ser que Cavendish, como Demóstenes Torres, seja um caso de dupla personalidade: no Rio é um santo, fora do Rio, um tremendo predador.

Lendo o que foi publicado, noto outros sinais de pureza nos gestos de Cavendish no Rio. Ele reuniu suas empresas, segundo a imprensa, e as registrou em nome de uma tia, professora em Pernambuco. Havia um programa humorístico em que o ator Miguel Fallabela dizia: "Salvem a professorinha". Cavendish foi tão radical que pôs toda a sua fortuna na mão de uma delas.

Desde o desastre de helicóptero na Bahia em que morreram mulher e filhos de Cavendish, Cabral tenta explicar a amizade dos dois. O Ministério Público do Rio avaliou o caso e concluiu que não havia nenhuma ilegalidade, mas isso será revisto por um colegiado.

Cabral tende muito a proteger a privacidade de sua relação com Cavendish. Desmentiu logo que seria padrinho de um dos filhos dele: "Compadre, não. Somos só bons amigos". Na verdade, é uma proteção que estende a todos os seus amigos empresários. Indício dela é o fato de não divulgar quantas vezes e com quem viajou pelo mundo, o que deveria ser público para quem exerce o cargo de governador. Houve várias tentativas de obter a lista no Rio. Em vão. Novas tentativas foram feitas via Câmara dos Deputados. De novo em vão, o PMDB não abandona os seus. Como jornalista, é preciso reconhecer que a imprensa não se interessou pelas constantes viagens de Cabral, provavelmente com família, babás, caros hotéis no exterior. No meu tempo de jovem repórter, isso era notícia. Agora é só uma ironia aqui e ali, piada. Mas notícia mesmo, texto e fotos, nada apareceu ao longo dos seis anos em que Cabral descobriu o mundo.

Não questiono a amizade dos dois nem o que lhes parece uma boa vida em Paris. Mas a falta de transparência protegeu a Delta. Suas obras seriam julgadas sob outro crivo e suas vitórias nas concorrências, examinadas com lupa. Obras sem licitação após os temporais na Serra Fluminense? Nem pensar.

Cabral e Cavendish podem esconder os detalhes de sua relação em nome da privacidade. Mas ela é um pedaço do Brasil moderno. Merece estudo, pesquisa, quem sabe até novela ou filme: jovens simpáticos e bonachões que conquistaram o Rio, viveram tragédias, viajaram pelo mundo e, com os serviços profissionais do ex-ministro José Dirceu, exportaram sua energia positiva para o Planalto: a Delta transformou-se na grande empreiteira do PAC.

Em 2010, quando denunciei os laços de Cabral com Cavendish, o TRE-RJ tirou o programa do ar e mais tarde me condenou a pagar multa. Recorri, por meio do advogado do partido. Era só o que faltava, derrotado na eleição, não tinha como pagar multa. O caso caiu nas mãos do presidente do TRE, Luiz Sveiter, que se considerou suspeito para julgá-lo e o passou adiante. A gente vai perdendo tudo, mas o humor eles próprios não nos deixam perder. Uma grande ajuda que a CPI do Cachoeira dará à geografia política do Brasil é iluminar a Delta, com todos os seus braços e canais. E trazer um pouco de transparência ao complexo sistema de dominação fluminense, em que se entrelaçam todos os Poderes, muitas vezes até o quarto poder, com objetivo de nos ocultar parte da verdade.

Numa CPI tudo pode acontecer. Quem sabe Cabral e Cavendish vivem uma amizade desinteressada e o esquema de proteção que envolve o governador não é só uma conspiração do bem contra invasores da privacidade alheia? Como neste momento tudo é suposição, que tal começar pelas obras, seus preços e sobrepreços, maracutaias e maracanãs? Há uma história material a desvendar e só os fatos podem separar a realidade da fantasia.

Não sei se a CPI vai descobrir muita coisa. Na verdade, minha experiência mostrou que ela suscita mais descobertas do que propriamente as faz. De longe, só posso dizer que o Rio continua lindo, nada deveria impedir o Brasil de conhecê-lo melhor. O Rio de Janeiro, fevereiro e março, alô, alô, Cachoeira, aquele abraço.

INSTINTO SELVAGEM - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 27/04/12

A atriz Sharon Stone e a cantora Debbie Harry foram à festa de aniversário da revista "Vogue Brasil", anteontem, na Casa Petra. O modelo Martin Mica, o fotógrafo Mario Testino e o músico Supla também estavam entre os convidados que circularam pelo evento, em São Paulo.

'VOU LIGAR PRO MINISTRO RUI BARBOSA'

"Deixamos muita coisa pros homens e pesou pra eles", diz Celina Marrone, 73, do Movimento Voto Consciente. "Qualquer semelhança com a dupla Bruno & Marrone é coincidência [risos]."

Ela e mais oito pessoas estão na reunião sobre o mensalão convocada anteontem à tarde nos Jardins pelo grupo Ação pela Cidadania. Ele foi formado no ano passado por amigas que acham que devem participar mais da vida pública brasileira para combater a corrupção.

A psicanalista Maria Cecília Parasmo, 63, coordenadora do grupo, escreve na lousa: "O que fazer caso a verba seja recuperada?".

Eliana Peixe, de uma incubadora social, pede a palavra. "Tiramos um presidente [Collor] que hoje penso: Será que ele cometeu alguma coisa?" Cecília emenda: "[Collor] Foi fichinha perto do que aconteceu agora".

Cecília pega o celular e avisa: "Vou ligar agora pro ministro do STF Rui Barbosa". Na verdade, ela queria falar com Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Queria pedir audiência em Brasília para o grupo.

Um assessor de Barbosa atende. Naquele momento, o STF julgava as cotas raciais. Cecília coloca no viva voz. "A mídia está aqui." Nada feito. Ela liga para Carlos Ayres Britto. A secretária diz que ele está em sessão. "Não dá pra interromper?"

Elas planejam ir a Brasília. A advogada Raquel Alessandri, 67, da União Democrática Nacional, nunca votou nos acusados do mensalão. "Mas ouvia o Zé Dirceu quando era jovem. Era outro. Tinha até outra cara, né?".

Alessandri diz que chegou a se enganar a respeito de países comunistas. " A gente ouvia tantas coisas. Aí vi que a Rússia que falavam não era aquela Rússia, que Cuba não era aquela Cuba."

novos ares

A Defensoria Pública de SP mudará o local do chamado atendimento inicial. O serviço deixará de ser prestado na Liberdade, onde o desempregado Ivailton da Silva Souza atacou dois seguranças na quarta-feira. O governo de SP cederá ao órgão espaço de 1.600 m² no saguão do edifício Cidade, no centro.

PÃO-DURO
O gabinete de Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) imprimiu ritmo mais lento em seus gastos. O senador vinha usando R$ 20 mil da verba mensal de seu gabinete -
R$ 11 mil para agência de propaganda para "apoio ao exercício do mandato". Em abril, ele gastou só R$ 2.971.

PRATO DO DIA
A Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) divulgará uma lista de recomendações sobre a publicidade de alimentos para crianças que valerão para todo o continente. A entidade defende que o Ministério da Saúde desenvolva políticas para minimizar a exposição de menores de 16 anos a anúncios de produtos com elevado teor de gordura, açúcar ou sal.

MAIS UM ROUND
As recomendações darão respaldo para que a Anvisa regulamente a publicidade de alimentos -iniciativa semelhante acabou suspensa por liminar em 2010. O Instituto Alana participou da elaboração do documento.

PINCELADAS
Patrícia Viotti Olivetto passará a representar a The Pace Gallery, uma das mais prestigiadas de Nova York, no Brasil. O catálogo é estrelado por artistas como Antoni Tàpies, Alexander Calder e David Hockney.

PINCELADAS 2
Há oito anos, Patrícia, casada com o publicitário Washington Olivetto, vendeu sua participação na produtora Conspiração e parou de trabalhar para cuidar dos filhos gêmeos, Theo e Antônia. Agora, com as crianças já maiores, decidiu voltar.

CURTO-CIRCUITO

Fernando Ferrer se apresenta amanhã, às 23h59, no Bar Brahma da avenida São João. 18 anos.

A inauguração do Brechó da Villa será no dia 15.

A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville (SC), promove hoje, às 9h e às 15h, programação com a comunidade pelo Dia Internacional da Dança.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 27/04/12


Brasil Foods começa a se desfazer de fábricas em menos de dois meses

Em menos de dois meses, a Brasil Foods começa a se desfazer das fábricas que irão para a Marfrig, de acordo com a determinação do Cade. Antes de divulgar seus resultados (que serão anunciados hoje), o presidente da BRF, José Antonio Fay, falou à coluna como está, na prática, o processo de fusão.

Fábricas

Em junho, nós entregamos três fábricas: a de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, a de Lages, em Santa Cataria, e a operação de suínos de Carambeí, no Paraná. Em julho, estão previstas outras, como São Gonçalo (BA) e Três Passos (RS). Vamos entregar dez fábricas, sete marcas. São sete mil pessoas que estão envolvidas nessa operação.

Julgamento

O acordo ainda está em julgamento. O Cade não se pronunciou [a respeito da proposta]. Em maio, o órgão vai se posicionar. Fizemos um contrato com o que nos propusemos e eles ainda avaliam. Já começamos a passar informações para que a Marfrig possa assumir. Se o Cade disser que não, perdemos tempo e a Marfrig, dinheiro. Mas o Cade não dirá que não.

Sadia

Vamos cumprir [a determinação do Cade], virar a página em 2012 e incorporar a Sadia definitivamente. A Sadia hoje é uma S.A. fechada, uma subsidiária integral da BRF. Mas ainda tem CNPJ. Em dezembro deste ano, ela desaparece como empresa e fica a marca. Vamos simplificar bem a operação. São duas culturas que, no fim, eram mais parecidas por serem íntimas inimigas. A gente brigava no mercado o dia todo e achava que poderia continuar assim. Mas, quando fomos mexer, vimos que eram parecidas.

Economia

Interessante que a primeira economia [gerada pela fusão] vem do custo. Onde tinham quatro pessoas, agora preciso de duas. Mas aqui foi interessante porque a maior sinergia veio das melhores práticas e menos das demissões. Quase não demitimos, não temos número relevante. A Sadia já estava sem financeiro antes. Ela tinha feito uma redução porque estava com problema de caixa. Outros [funcionários] saíram espontaneamente. Na alta gestão, ela veio com menos gente e isso nos ajudou.

Argentina

Estou muito entusiasmado com a Argentina como produtora de alimentos, não só de grãos. O custo lá [pra produzir soja e milho] é cerca de 30% abaixo do brasileiro. O solo é excepcional. Hoje, porém, o país não é muito amigável para negócios. Mas isso não tira sua importância. A Argentina é uma nova fronteira não explorada e que está aqui do lado. Na planta de Rio Quarto, perto de Córdoba, que produz frango, vamos fazer crescer, processar matéria-prima produzida lá.

Plantas no exterior

Nossa estratégia está nos países em desenvolvimento. Não estamos focando Europa e EUA. Achamos que temos mais sinergia e crescimento mais rápido nesses mercados.

PRODUÇÃO a DISTÂNCIA

A Brasil Foods vai fazer uma fábrica nos Emirados Árabes Unidos, no Oriente Médio. Vai ser em Abu Dhabi, a cerca de 30 minutos de Dubai.

Como outras empresas estrangeiras na região, a BRF terá um sócio local, Al Novais, da Federal Foods, distribuidor da empresa brasileira há 15 anos.

O investimento previsto é de US$ 125 milhões, em uma área de 165 mil metros quadrados. "Tem de ter um sócio local", diz José Antonio Fay, presidente da Brasil Foods.

A matéria-prima será brasileira, completada com locais, como temperos locais.

"O curry daqui não é igual ao de lá", diz o argentino Patrício Röhner, diretor-geral da operação na região.

"Mesmo quando levamos o curry daqui para lá, não ficou igual ao tempero daqui."

Fica pronta em abril do ano que vem. Ao todo terão sido 18 meses.

"Estamos já com esse projeto há seis meses, com quase todas as licenças e permissões. Aqui só começa a construir quando tem todos os documentos", diz o brasileiro Bartholomeu Stein, diretor de projetos, há dois anos em Dubai.

"É a primeira fábrica que fazemos do zero fora do Brasil, porque as outras nós compramos. Levamos engenheiros, entre outros profissionais", diz Fay.

No exterior são três plantas na Argentina, uma na Holanda, uma na Inglaterra e na China.

Alto padrão... A Cushman & Wakefield, de gestão imobiliária, acaba de inaugurar um escritório em Recife.

...em Pernambuco O mercado corporativo de alto padrão no local tem crescimento médio de 8,6%. A região da Boa Viagem concentra 44% dos edifícios classe A da cidade.

Casa verde Um evento organizado pela ONU vai abordar a sustentabilidade no setor da construção civil em São Paulo. O encontro ocorrerá nos dias 12 e 13 de abril no Sesc Pinheiros.

Olho A empresa de óculos Absurda estima que vai quintuplicar seu faturamento neste ano. Criada por brasileiros e argentinos, a companhia estima a venda de 210 mil pares para este ano.

O governo insiste: o que falta é demanda - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK


O Globo - 27/04/12


Quem só sabe usar martelo só enxerga pregos, qualquer que seja o problema. Desde 2006, diante das mais diversas circunstâncias, o Ministério da Fazenda tem sempre feito, de uma forma ou de outra, o mesmo diagnóstico: o que falta é demanda. Não chegou a ser surpresa, portanto, que, em resposta às pressões por providências que pudessem atenuar a perda de competitividade da indústria de transformação, o governo tenha anunciado, há poucas semanas, mais um pacote de estímulo à demanda agregada, disfarçado sob um simulacro de redução de carga tributária.

O que foi anunciado como diminuição de carga tributária foi um tortuoso programa de desoneração fiscal, beneficiando 15 setores, a maior parte deles da indústria de transformação, que passarão a recolher encargos patronais sobre faturamento, e não mais sobre a folha de pagamentos. O que configura uma deformidade fiscal desnecessária. Mais uma jabuticaba, brasileira da gema.

A Fazenda estima que a desoneração total envolvida nesse contorcionismo será da ordem de R$ 4,3 bilhões, em 2012, e R$ 7,2 bilhões, em 2013. Embora tais medidas tenham incitado pleitos de outros setores por benesses similares, o governo já deixou claro que, tendo em vista o desempenho da receita tributária, não terá condições de conceder desonerações adicionais a qualquer outro segmento da economia.

Mas qual tem sido o desempenho da receita? Acabam de ser anunciados os dados da arrecadação federal de março. O montante arrecadado no primeiro trimestre, quando comparado com o mesmo período do ano passado, mostrou expansão nominal de 13,5%, que, corrigida pela variação do IPCA, implica crescimento real de nada menos que 7,3%. Ou seja, bem mais do dobro do crescimento do PIB previsto para 2012. Os dados mostram que, só no primeiro trimestre, o aumento real da receita federal, da ordem de R$ 17,5 bilhões, já foi superior ao quádruplo dos R$ 4,3 bilhões de desoneração de folhas de pagamentos anunciados pelo governo para todo o ano de 2012.

O que se vê, portanto, por trás da poeira levantada pelo espalhafato das medidas de desoneração, é que o velho regime fiscal, que requer elevação sem fim de carga tributária, continua firme e forte. Com a receita crescendo a mais do dobro do crescimento do PIB, o que se constatará no início do próximo ano, quando forem publicados os dados de 2012, é mais um salto da carga tributária. Setores da indústria, escolhidos a dedo, poderão até ter tido algum alívio na tributação, mas a economia como um todo terá sido submetida a novo e considerável aprofundamento da extração fiscal.

Aos setores menos competitivos da indústria de transformação, o que falta não é propriamente demanda. Mas, apesar de todo o barulho em torno da desoneração, a parte que realmente importa nas medidas anunciadas pelo governo é o novo pacote de estímulo à demanda agregada. Sem ir mais longe, basta comparar, por exemplo, o total de R$ 4,3 bilhões de desoneração da folha previsto para este ano com os R$ 45 bilhões de recursos adicionais do Tesouro que deverão ser transferidos ao BNDES, por fora do orçamento, em 2012. E a verdade é que os estímulos à demanda que vêm sendo desencadeados vão muito além disso. Incluem, entre outras medidas, o vigoroso e prolongado afrouxamento monetário que vem tendo lugar há vários meses.

O governo poderia ter deixado que a economia se recuperasse naturalmente, na esteira da descontração monetária observada até março, e chegasse ao final do ano crescendo a uma taxa anualizada perfeitamente aceitável. Mas isso implicaria um segundo ano de taxa de crescimento econômico da ordem de 3%, considerada insuficiente para a manutenção dos níveis de aprovação que a presidente alcançou nas pesquisas de opinião pública. A palavra de ordem, portanto, é fazer o que for preciso para que a economia cresça pelo menos 4% em 2012. A Fazenda insiste em 4,5%. E contempla a possibilidade de que o consumo volte a se expandir a 8% ao ano.

E a inflação de 2013? Bom, disso se cuida mais à frente, depois das eleições.

Copa! Corno paga meia-entrada! - JOSÉ SIMÂO


FOLHA DE SP - 27/04/12

Dia do Corno! Feriado! Mas muitos discordam: corno tem que ir trabalhar, senão não vira corno


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E um cara escreveu no meu Twitter: "Demóstenes contrata Júlio César e Deola para a defesa". Então não vai terminar em pizza, vai terminar em frango! Rarará!

E o Santos na Bolívia? La Paz vira La Guerra! Neymar levou catimba, banana e pedra! O pica-pau virou saco de pancada. O Neymar devia jogar com aquele acolchoado de elevador em dia de mudança! Ou então embalado em plástico-bolha! Ele parece chuveiro véio, nunca vi apanhar tanto! Rarará!

E reclamaram da altitude. Altitude e mais salto alto! E diz que jogar em La Paz é a mesma coisa que subir ladeira fumando!

E frango em altitude não é frango, é urubu! E o Muricy virou Esmoreci. ESMORECI Ramalho!

Este Dia do Corno, 25 de abril, tá rendendo. Eu falei que devia ser feriado nacional! Mas muitos discordam: corno tem que ir trabalhar, senão não vira corno! Rarará! E um cara no meu Twitter disse que tem tanto corno no Brasil que um feriado só é pouco. Tem que ter vários feriados, um CORNOVAL! Cornoval fora de época. Micornareta! Rarará!

E como disse aquele outro: "Mas o Dia do Corno caiu justamente no dia do meu aniversário de casamento?". Belo dia pra casar. Escolheu o dia certo! Rarará! E um leitor mandou perguntar: corno vai pagar meia-entrada na Copa do Mundo? Vai. Vai levar a Fifa à falência! Rarará! E, se um dia eu for corno, peço a Deus que me dê um chifre mole. Já imaginou dormir de chifre duro? Rarará!

E a CPI do Cachoeira está aberta! GLUB, GLUB, GLUB! E o Cachoeira só fala em "trem". Tudo para ele é "trem". CPI do Trem! E o Collor vai ser o maquinista. Rarará! CPI do Trem. CPIIIIIUUUIIIIIII! Demóstre-mes com quem andas, e a PF te dirás quem és!

E mais esta: "Cachoeira vai pedir para o STF não mandar inquéritos". Já sei, vai pedir pizza para o jantar! É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! Mais três para a minha série "Os Predestinados". É que uma amiga minha tem uma nutricionista chamada Gabriela KAPIM! Tá certo! Dieta só come folha. Capim, capim, capim!

E tem um consultor em motivação: Sílvio Broxado! E no Hospital da Lagoa, no Rio, tem uma enfermeira chamada Enóquia das Dores! Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Ato final - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 27/04/12


BRASÍLIA - O advogado entrega uma extensa peça de defesa, o Conselho de Ética recebe solenemente, o relator apresenta um parecer recheado de formalidades, os membros se reúnem e decidem sobre o mandato do senador Demóstenes Torres, ex-DEM, hoje sem partido.

É só um ritual, um teatro. O julgamento do Conselho de Ética é político, não jurídico, e o destino de Demóstenes já está selado: ele foi condenado pelas evidências, pela opinião pública, pelo seu partido. Virou uma alma penada, constrangendo os colegas com sua presença.

Num processo jurídico, um senador escapa da primeira e da segunda instâncias e cai direto no Supremo Tribunal Federal, onde valem as brechas da lei, a esperteza dos advogados, eventuais deslizes da investigação policial, algum detalhe fora de lugar dos procuradores. É longa a fila de políticos absolvidos pela Justiça.

Num processo político, o que vale são as evidências, e é pelas páginas de jornais e revistas, pelos vídeos da TV e pelos áudios do rádio que a população e os "juízes" se informam e tiram suas conclusões. A imprensa não é juiz, mas o canal de veiculação de investigações da PF e do Ministério Público e de gravações que não deixam dúvidas. Não há advogado genial que possa anular provas no Conselho de Ética sob argumentos técnicos como é possível num tribunal.

No caso de Demóstenes, a troca de presentes e de favores entre ele e Carlinhos Cachoeira é inquestionável: geladeiras e fogões importados por gestões para liberação de verbas oficiais; aluguéis de jatinhos por intermediação. E a informação na Folha de hoje de que um assessor dele recebeu pelo menos R$ 100 mil do esquema, em dinheiro vivo.

Ou o Conselho pede a cassação, ou estará se autocassando. Não vai doer muito. Basta os senadores julgarem como seriam julgados por Demóstenes -o antigo Demóstenes, implacável arauto da moralidade.

Ele já é, virtualmente, ex-senador.

A senhora do sétimo andar - MILTON HATOUM


O Estado de S.Paulo - 27/04/12


Numa manhã de setembro do ano passado, eu estava no jardim do térreo e olhava um pássaro azul que planava no ar de fuligem. De repente uma voz aguda me despertou:

"O que você está olhando? Não se vê nada, as nuvens passam e se dissolvem como a vida".

Era uma moradora de um apartamento do sétimo andar. Achei o comentário impertinente e um tanto poético. Não lhe perguntei nada sobre poesia, mas as nuvens e suas formas mutáveis me aproximaram de dona Valéria, uma senhora de uns 90 e poucos anos. Foi uma aproximação lenta, que se estreitou em janeiro deste ano, quando ela me convidou para conversar em seu apartamento.

Toquei a campainha às 6 horas em ponto. A sala, iluminada, fora diminuída por uma biblioteca fantástica e livros empilhados por toda parte. Perguntou se eu queria chá, café, suco, uísque ou cerveja.

Suco, eu disse.

Para meu deleite, trouxe um copo com suco de manga; e, para minha surpresa, pegou uma garrafa de uísque e um copo sem gelo. As mãos tremiam, mas não a voz:

"Os jovens já não bebem mais", ela disse, com uma ironia que me fez sorrir.

Pôs dois dedos de uísque no copo, tomou um gole e disse que tinha namorado muito, numa época em que a maioria das moças namorava para casar. Aos 36 anos, quando suas amigas já tinham filhos adolescentes, ela se casou com um juiz e passou a lua de mel em Dublin.

"Um juiz digno, um homem honesto", frisou. "Ainda bem que meu marido não está aqui para ver tantas coisas ultrajantes. Bom, se ele estivesse, teria 106 anos, e com essa idade um ser humano não se surpreende com nada, nem mesmo com a morte."

Como não teve filhos, dona Valéria passou uma parte da vida ajudando o marido. Lia autos de processos e também literatura. Leu tantos processos sobre todo tipo de delito que chegou a uma conclusão pessimista. Disse, sem amargura: "O ser humano, meu filho, não vale uma casca de cebola".

Ela e o marido tinham conhecido Cyro dos Anjos em Brasília, quando a nova capital era um símbolo de esperança e otimismo. Aproveitei a menção do escritor mineiro e disse que havia conhecido seu filho.

"Eu também conheci esse menino", ela disse, me olhando com ar triste. "Vocês eram amigos?"

"Estudamos na mesma escola em Brasília", eu disse.

"Tão jovem", ela murmurou. "Como é possível?"

Bebeu mais um gole, e ficamos calados. Observei a sala, os livros, um quadro de Portinari e o assento de palhinha esburacado de uma marquesa; no chão, duas luminárias velhas e retorcidas. Uma claridade vinha da copa. O acesso ao corredor escurecia mais que o céu.

"Ainda leio antes de dormir. E bebo um pouco quando converso, mas não gosto de falar de coisas tristes."

Uma manhã de fevereiro, antes do meio-dia, eu a vi com duas amigas, as três sentadas à mesa de um bar, tomando cerveja. Minha vizinha era a única que falava; as outras ouviam com atenção, de vez em quando riam. Fingi que esperava alguém e ouvi trechos do monólogo. Dona Valéria falou de sua juventude em São Pedro, de namoros e bailes, de viagens de trem a Piracicaba, de duas bordadeiras italianas, as mais famosas de sua cidade natal. Tomou um gole com tanta avidez que esvaziou o copo. Depois disse: "Vocês se lembram do Enzo, aquele rapaz de Campinas? Foi ele... Foi com ele... Na sede da fazenda. Não ia acontecer nada, e de repente aconteceu tudo. Ouvi badaladas de um sino, mas não tinha igreja por perto".

As duas amigas gargalharam e o garçom, voyeur profissional, apenas sorriu.

Sei que ela gostava de poesia porque, numa conversa antes da Páscoa, mencionou poemas de Álvares de Azevedo e Augusto dos Anjos, e me mostrou um livro de Yeats, com uma dedicatória a um parente do marido dela. Folheei o livro, edição de 1933. Disse que seu marido, brasileiro de origem irlandesa, recitava poemas desse "irlandês genial". Pôs uma fita cassete num gravador e ouvimos a voz cavernosa do finado James em noites do passado. Fiquei emocionado com essa voz, que parecia mastigar os sons de cada palavra. A viúva bebia uísque e sorria, sem tirar os olhos do gravador. Um dos poemas era The Winding Stair, título do livro.

Depois veio a Páscoa. Passei cinco dias fora de São Paulo e, quando voltei, encontrei na soleira da porta do meu apartamento um envelope com o livro de Yeats, que dona Valéria me mostrara. Subi pela escada os dois andares que nos separavam. A porta do 702 estava aberta. Dei uma olhada na sala: não havia livros nas estantes. Dois homens de macacão azul enrolavam a marquesa com uma capa de feltro.

Até hoje o apartamento está vazio.