segunda-feira, março 14, 2016

A seita da jararaca - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 14/04

O que estará pensando o PT após tamanha manifestação contra Lula, Dilma e associados, ontem, em todo o país?

Não temos bola de cristal, mas não é difícil ter alguma ideia do que estará passando na cabeça do PT. O PT é uma seita. Sempre foi. E o traço essencial de toda seita é o ódio. Esta seita colheu seu fanático séquito de seguidores entre grande parte da inteligência (tola?) do país, arregimentando professores, jornalistas, intelectuais, cientistas e estudantes, além, é claro, do pelotão de choque dos militantes profissionais.

Eu apostaria que o PT não está nem aí para o que aconteceu no Brasil ontem. Não que os petistas não estejam preocupados com a possível perda do PMDB na sua base, ou com o risco crescente do impeachment, ou com o sangramento e paralisia do governo. Isto é um pesadelo mesmo. Devem estar mijando nas calças. Devem acordar suando, com o gosto da comida de cadeia na boca, ou com a estranha sensação de que foram desmascarados na sua profunda vocação para o engodo.

Refiro-me a outra coisa. Há dez dias, após a condução coercitiva para o depoimento no aeroporto de Congonhas, o ex-presidente Lula fez um discurso raivoso contra todo este processo que reúne procedimentos jurídicos (Lava Jato como grande exemplo) e o nojo que seu partido parece causar na maior parte da população. Lula referiu-se a si mesmo como uma jararaca. Acho que deveríamos levar a sério sua metáfora.

O PT hoje continua sendo uma seita, mas não mais a seita da estrela da esperança (que enganou muitos e continua enganando alguns), mas a seita da jararaca. E seu veneno ainda pode ser mortal, justamente porque ele não está nem aí para a população. A essência do veneno da seita da jararaca (o PT) é justamente sua indiferença para com o Brasil e sua população comum, contrariamente ao discurso populista com o qual enfeitiçou o país por décadas.

O Partido dos Trabalhadores não tem nenhuma elegância diante da derrota. E isso nada tem a ver com a fato de que a maior parte dos petistas seja arrivista social. A deselegância é um comportamento que atravessa todas as classes sociais de forma "democrática". Mesmo se tiver que estrangular o pais, levando-nos à miséria absoluta, continuará a tentar mobilizar sua seita de seguidores da jararaca para impedir o que grande parte da população demonstrou ontem nas ruas.

A soberania popular (base da democracia), em grande parte, demonstrou ontem não mais reconhecer na presidente Dilma alguém que mereça confiança ética, política ou técnica. Além disso, a soberania popular "escolheu" Sérgio Moro em detrimento da jararaca. Mas, isso pouco importa à seita da jararaca.

Eis seu veneno, na sua forma atual. Este veneno, na sua forma clássica, foi a corrupção sistemática que montou no país e seu atraso mental em termos econômicos que pode levar o Brasil ao tempo da economia de subsistência. Há quem diga que grama que socialista pisou leva muito tempo para florescer de novo. Na sua forma atual, este veneno será sua tentativa, mesmo que a custos gigantescos para o país, de se manter no poder. E para o sofrimento do povo, ele oferecerá o sorriso sinistro da jararaca.

Viveremos dias fascinantes de agora em diante. Preparem seus corações para turbulências. As alma mais frágeis poderão ter medo, mas é em momento como esses que virtudes como coragem e disciplina são necessárias. Os covardes, provavelmente, ficarão paralisados. As jararaquinhas serão soltas pelas ruas, cuspindo seu discurso de que são vítimas das elites. Difícil imaginar que um "boy das empreiteiras" represente o grosso da população brasileira que está vendo sua vida ir pelo ralo.

Mas, vale lembrar que grande parte dessas jararaquinhas habita o pensamento público, apesar de que estão chocadas com o fato de que nem todo mundo "inteligente" teme ou pertence à seita delas. Penso mesmo, às vezes, que essas jararacas não conseguem entender que grande parte do país não as vê mais como santinhas redentoras. O PT é coisa do passado. Restará apenas as jararacas loucas correndo pelas ruas.


A soma de todos os medos - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 14/03

A cada avanço da Lava-Jato florescem iniciativas para aumento da confusão política


No mundo real, as multidões voltaram às ruas, em desfile marcado pelo apoio às ações anticorrupção e condimentado pelo protesto contra o governo Dilma Rousseff, imóvel diante do aumento do desemprego, do número de falências e do declínio da renda dos trabalhadores.

Num mundo paralelo, os chefes dos maiores partidos políticos também se mobilizaram.

No PMDB, o vice Michel Temer e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros anteciparam no sábado a sua mensagem: por quatro semanas, estará proibida a aceitação de cargos governamentais, período em que será composta a comissão de análise do impeachment de Dilma. O vice Temer seria herdeiro, por direito constitucional.

No PT, o ex-presidente Lula saiu de casa no domingo para encontrar um grupo de porta-bandeiras do PT e da CUT, enquanto sua caricatura em roupa de presidiário passeava pelas ruas das maiores cidades. Lula é o pilar de um partido em ruína.

No PSDB, o senador Aécio Neves viajou à Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Saiu da praia carioca para dizer que vale “qualquer saída” para derrubar Dilma — nos limites impostos pela Constituição, ressalvou.

O medo move os mundos das ruas e dos caciques políticos. A coincidência, porém, acaba aí. Os receios resultantes da consciência de perigo têm motivações muito distintas.

Desde julho de 2013, as multidões rugem cada vez mais alto nas ruas por mudanças no governo, na economia, na saúde, na educação e na forma de se organizar a política. Temem o futuro no bolso, na escola e no posto de saúde.

Há 32 meses seguidos, os líderes partidários retrucam com propostas para mudar, mantendo-se tudo como está. Reivindicam proteção na turbulência de inquéritos sobre corrupção no setor público, onde Lula, Temer, Cunha, Renan e Aécio, entre outros, têm sido mais citados do que os versos de Cecília Meireles.

A cada avanço das investigações florescem iniciativas para aumento da confusão política. O PMDB de Temer, Cunha e Renan, por exemplo, teme a cassação da chapa presidencial pelo TSE, o que levaria a novas eleições. Há um ano acaricia o impeachment como escudo protetor.

Entre as ruas, a corporação petista e a “coalizão” que corrói sua autoridade, Dilma assiste impassível à liquefação do próprio governo. Nessa imobilidade, sua melhor perspectiva talvez esteja no processo de impeachment: ela precisa apenas de 171 votos pelo “não”, enquanto adversários precisam garantir “sim” 342 vezes no plenário da Câmara. Seria o momento da soma de todos os medos.

Um dia que valerá por anos - ROGÉRIO CHEQUER

Folha de São Paulo - 14/03


Com 6,5 milhões de manifestantes pelo Brasil, o dia 13 de março de 2016 entra para a história como a maior manifestação política e social da humanidade. Por qualquer critério que quisermos avaliar -número de participantes, número de cidades, convites ou confirmações no Facebook-, um país nunca reuniu tanta gente nas ruas.

Crianças e idosos, ricos e pobres, nortistas e sulistas saíram às ruas para pedir o fim da impunidade, o fim da farra, o fim de um governo escancaradamente corrupto. E o fizeram de forma surpreendente.

Em um país acostumado a manifestações políticas ideologicamente radicais, pouco conhecidas pelo apreço à organização, à disciplina e ao respeito às leis, pode parecer surpreendente que cinco manifestações nacionais reunindo mais de 10 milhões de pessoas tenham um saldo como as nossas: nem uma única vitrine quebrada.

Os brasileiros, mesmo revoltados, deram um exemplo de cidadania, ordem e civilidade. Isso mostra que há formas pacíficas de se unir uma população em torno de uma causa comum. A imensa maioria dos brasileiros sabe conjugar indignação, protesto e respeito. Novas tecnologias, planejamento e pessoas com valores republicanos muito bem definidos estão levando o Brasil a inovar no campo da participação política. E este é apenas o
começo.

Mas o dia 13 de março também traz uma peculiaridade: um novo recorde bizarro do PT. O mesmo partido que foi (e ainda é) protagonista do maior escândalo de corrupção da história da humanidade passa agora a deter também o recorde de ser o inspirador da maior manifestação de todos os tempos. Bicampeão mundial, em corrupção e revolta popular.

E ainda há quem tenha a cara de pau de afirmar que o impeachment não é legítimo. O dia 13 de março escancara a permanência insistente de uma minoria incompetente, pendurada no abismo, agarrada ao poder em corda prestes a se romper.

Os recordes deste dia, no entanto, não são suficientes para mudar o Brasil de forma sustentável. A mudança do país começa com o impeachment de Dilma Rousseff, mas continua com a renovação política, com o fim da impunidade, com o fortalecimento das instituições democráticas, objetivos de longo prazo do Movimento Vem Pra Rua.

Aqui entra novamente o dia 13 de março, consolidando o segundo pilar do impeachment, o apoio popular, somado ao crime de responsabilidade, já configurado.

Resta agora o terceiro pilar, o andamento político do processo. Essa tarefa cabe aos parlamentares do Congresso. O impeachment, desejo do povo, só pode ser implementado por eles. E reunir 342 votos, num governo ainda aparelhado, não é tarefa trivial.

Aqui, o obstáculo. O povo está revoltado de forma generalizada com a classe política, e não faltam motivos para tal. Mas, sem os políticos, nada acontece.

Para conciliar os dois lados, ajuda reconhecer um objetivo comum às duas partes, nesse momento decisivo: a queda constitucional do governo atual e a transição para um governo que consiga recuperar nossa trajetória de crescimento até as próximas eleições presidenciais.

Com essa agenda comum, sociedade e políticos devem, agora, após a confirmação do desejo popular, seguir juntos rumo ao impeachment e à transição. Aos políticos, a sociedade deve oferecer apoio, particularmente ao grupo que está tomando a frente do processo, para que possam formar maioria. À sociedade, os políticos devem oferecer sua luta incondicional, resgatando os objetivos de representatividade descritos em suas funções.

Na fase final, e derradeira, deste triste capítulo da história do Brasil, só o trabalho conjunto e coordenado entre sociedade e políticos pode nos tirar desta lama de escárnio, incompetência e sofrimento.

E, aí sim, o dia 13 de março será lembrado não apenas como um recorde, mas como o dia no qual o povo brasileiro retomou a esperança no futuro que merece.

ROGERIO CHEQUER, 47, é empresário, líder e porta-voz do Movimento Vem Pra Rua*

Próximo do fim!? - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 14/03

Aconteceu o que o governo mais temia, a oposição esperava e o PMDB sonhava. Os protestos deste domingo (13) bombaram, foram maiores do que o das Diretas Já e deram força ao grupo que tenta tirar Dilma Rousseff do poder.

Às vésperas da retomada da tramitação do processo de impeachment na Câmara, as manifestações de ontem tornam mais plausível diagnóstico quase consensual partilhado por governo, oposição e peemedebistas. O desfecho da crise está próximo e pode não passar de julho.

Tal avaliação vai acelerar ainda mais uma corrida nos bastidores de Brasília. De uns, na busca de herdar o poder, de outros, para tentar mantê-lo e de muitos sonhando com seu rápido desfecho para escapar das garras da Operação Lava Jato.

Para esta última turma, o recado da equipe da Lava Jato é que a operação não vai parar, tal desejo é mera ilusão e vai se transformar em pesadelo com as novas delações.

O fato é que o domingo pode ser visto como um divisor de águas, que assusta o governo, pressiona o Congresso na análise do impeachment e faz Michel Temer evitar erros recentes e se posicionar como aquele que pode unir o país. Nesta toada, algo inimaginável acontece: o PMDB proíbe filiados de aceitar cargos. Claro, o melhor deles está logo ali.

Já a oposição celebra os protestos de ontem, acerta com o vice um governo de transição para recuperar o país e, assim, espera reconquistar o poder em 2018. Afinal, hoje o clima nas ruas não é bom nem para ela.
Do lado do governo e do PT, mais do que nunca muitos enxergam no ex-presidente Lula a última cartada capaz de evitar uma debandada da base aliada nesta hora derradeira e fugir de um fim horroroso.

Enfim, a voz das ruas cobra urgência para o desfecho da crise. Ela precisa ser superada com a reação do governo ou seu fim, mas pelas vias legais. O fato é que ninguém aguenta mais. Nem mesmo a própria equipe da presidente Dilma.


As ruas deixam uma certeza e várias dúvidas - ANGELA BITTENCOURT

VALOR ECONÔMICO - 14/03

As manifestações contra o governo mobilizaram brasileiros de norte a sul e de leste a oeste neste domingo em uma demonstração inequívoca de oposição ao governo. As manifestações também fortaleceram o discurso, sustentado há dias no mercado financeiro, que prega a mudança de governo e turbina firme valorização das ações e queda livre do dólar e das taxas de juros. Embora amostra exemplar do descontentamento da sociedade com atos de corrupção envolvendo autoridades - escancarados pela Operação Lava-Jato - as manifestações não respondem objetivamente a perguntas. E algumas, a depender das respostas, terão o poder de ampliar a volatilidade dos ativos financeiros e até inverter a tendência de seus preços nos próximos dias.

Privilegiando a cautela, a Receita Federal publica no Diário Oficial da União hoje a Instrução Normativa 1.627 que regulamenta a Lei 13.254 sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no Brasil. Às 10h, a Receita concede entrevista para esclarecer eventuais dúvidas sobre a regularização de declarações a respeito desses recursos e sobre as quais incidirá Imposto de Renda.

Um gestor de fundos de investimento baseado em Miami informou à coluna, em condição de anonimato, que há um grande interesse pela regulamentação dessa lei, mas ele já identifica um grupo de investidores que teme ter a Receita Federal autoridade para questionar durante cinco anos cada valor que obteve essa espécie de anistia concedida pelo governo brasileiro. Esse risco coloca em dúvida o ritmo de regularização das declarações com a Receita por grupos de investidores.

Observador da outra ponta - estrangeiros interessados no Brasil - o gestor informa que esses agentes manifestam disposição em comprar ativos brasileiros, mas revelam insegurança com a instabilidade política e econômica. "O Brasil é barato e tem muitas oportunidades para os investidores. Se ocorrer a troca de governo muitas outras oportunidades serão criadas com a restauração da confiança. Mas a confiança no país será recuperada somente com a presidente fora do cargo", afirma o interlocutor da coluna.

Entre muitas questões levantadas por investidores na tentativa de sondar as perspectivas para o Brasil, uma foi esclarecida no sábado embora contrariando expectativas.

Há possibilidade de o PMDB romper com o governo? Durante a convenção nacional do partido, no lugar do rompimento alardeado, o PMDB proibiu filiados de assumir qualquer cargo na atual administração por um período de 30 dias. Houve uma postergação? A ver. Michel Temer foi reconduzido à presidência da legenda e fez um discurso morno. Disse que o partido está pronto para "resgatar os valores da República e reencontrar a via do crescimento econômico e social".

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitará ser ministro do governo Dilma Rousseff?

Essa é outra questão relevante e só pode ser respondida por ele, que agendou para hoje o seu pronunciamento. Lula já indicou, porém, que aceita ser ministro se mudar a economia. Essa condição só pode ser assegurada por Dilma e, formalmente, ela não deu sinal verde ao seu antecessor.

Na sexta-feira, contudo, a presidente se mostrou inclinada a uma resposta. Questionada por jornalistas sobre o ajuste fiscal, Dilma disse que a reforma da Previdência pode ficar para o segundo semestre deste ano. Isso também vale para a reedição da CPMF - medidas que a presidente considera "complexas". A presidente negou na entrevista que essa nova disposição do governo enfraquece o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que defende enfaticamente a reforma da Previdência para conter aumento dos gastos públicos.

Até onde vai o fôlego de Nelson Barbosa?

Questão levantada nos últimos dias de maior aproximação de Lula com o governo - deflagrada com a condução coercitiva do ex-presidente para depoimento - é crítica para os agentes econômicos. O ministro completa três meses à frente da Fazenda na sexta-feira e tem surpreendido positivamente pela defesa técnica de várias decisões. Barbosa é incisivo principalmente quanto à necessidade das reformas estruturais e da renegociação das dívidas de Estados com a União para restabelecer o equilíbrio na economia e partir para um ciclo de crescimento.

A reforma da Previdência aparta Lula e Barbosa e o uso de parte do estoque das reservas internacionais para combater a crise econômica também. Além de Lula, o PT insiste nesta receita. E Nelson Barbosa não cede. E deu mais uma demonstração, na sexta, ao afirmar a jornalistas em São Paulo que o governo não tem a intenção de mexer nas reservas cambiais para promover investimentos e lembrou já ter se pronunciado sobre o assunto.

"É pela acumulação de reservas que temos uma estabilidade no balanço de pagamentos maior do que no passado. Hoje, temos elevados volumes de reservas, que nos dão autonomia de política econômica para discutir a solução dos nossos problemas com os brasileiros, os empresários, trabalhadores e principalmente com os parlamentares", afirmou.

Dilma Rousseff já é um complicador para qualquer ministro da Fazenda de seu governo. Lula no Ministério de Dilma não comportaria um titular na Fazenda.

Esclarecimentos a essas questões, entre outras, terão sua relevância questionada, porém, dependendo da Justiça em duas situações. Na quarta, oSupremo Tribunal Federal (STF) votará os embargos de declaração sobre o processo de impeachment da presidente. Sem data marcada, a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira, titular da 4ª vara criminal de São Paulo, deve decidir sobre processo apresentado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo que pede prisão preventiva e abertura de processo criminal contra Lula. A juíza mantém segredo de Justiça sobre o caso.


Não precisava ser tão ruim - LUÍS EDUARDO ASSIS

O Estado de São Paulo - 14/03

Um governo com credibilidade poderia tomar várias medidas táticas para enfrentar a crise fiscal

Talvez nossa comiseração seja menos sofrida se nos lembrarmos da desgraça dos outros. A Arábia Saudita, por exemplo, tem um déficit de 15% do PIB e precisa que o preço do barril do petróleo supere US$ 100 para que possa reequilibrar o seu orçamento, tamanhas são as sinecuras que o governo proporciona à sua população. A Venezuela, outra vítima da queda histórica do preço do petróleo, tem algo como US$ 13 bilhões em reservas e um vencimento de obrigações externas em 2016 que supera os US$ 15 bilhões. Em comum, estes dois países têm o fato de poderem colocar a culpa de suas aflições numa variável externa, o preço do petróleo. Conosco esse artifício não funciona, porque nossas agruras são autoinfligidas.

Nosso sofrimento é autóctone. Estamos no buraco porque o cavamos laboriosamente, por anos a fio. Há equívocos rotundos de política econômica nos últimos anos que nos levaram aonde hoje estamos. Construímos nós mesmos um potpourri de estultices. Não foi uma fatalidade. Não foi uma imposição de fatos externos. Até porque não há nenhuma tragédia generalizada lá fora. A economia mundial, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) – World Economic Outlook, janeiro de 2016 –, deve crescer 10,2% no triênio 2014-2016. O Brasil, neste mesmo período, deve ter uma contração do produto de 7%. O mundo prospera. Nós somos o problema.

Ao contrário da crise dos anos 80, nosso padecimento hoje é em reais, não em dólar. Nosso apuro é o déficit fiscal, não as contas externas – que vão bem e mandam lembranças. Em meio a toda esta mofina, a dívida externa brasileira recuou de US$ 352,7 bilhões, em dezembro de 2014 (recorde histórico), para US$ 332,1 bilhões, em janeiro de 2016. A balança comercial saiu de um déficit de US$ 4 bilhões em 2014 para um superávit que deve superar US$ 40 bilhões em 2016. Da mesma forma, o déficit em transações correntes deve cair de US$ 104 bilhões em 2014 para menos de US$ 30 bilhões agora. As reservas representam 36 meses de importação, ante 8 meses, no caso do Chile, e 6 meses, no do México. Claro que boa parte desse vigor é o reflexo da combinação entre desvalorização cambial e a recessão selvagem que vivemos, mas seria ainda pior se não houvesse melhoria nesses indicadores. Nosso problema não é com o resto do mundo. Nosso problema é aqui mesmo.

O núcleo de novas mazelas, como se sabe, é a crise fiscal. Não seria tão penoso se houvesse um governo com credibilidade, capacidade de liderança e clareza de propósitos. Mas temos um governo largado à matroca, sem rumo, incapaz de tomar qualquer decisão. Nem feriado hoje o governo aprova no Congresso Nacional. Nessas circunstâncias, a alternância de poder não é garantia de crescimento sustentado, mas pode afrouxar os nós que nos sufocam.

Não há consenso para reformas estruturais, mas não é preciso uma epifania para que um novo governo pudesse desencadear medidas reparadoras e profiláticas mais simples que podem mudar as expectativas a curto prazo. Não resolvem os problemas estruturais, não lançam a economia num longo ciclo de crescimento acelerado, mas permitem que se discutam, neste espaço ampliado, mudanças mais profundas no futuro.

Um governo com credibilidade poderia tomar várias medidas táticas para enfrentar a crise fiscal. Um corte de despesas, por exemplo. É simplório e falacioso o argumento de que o governo pode resolver a crise fiscal “cortan- do na própria carne”, mas é fato também que um governo acuado como o atual não é sequer capaz de promover pequenas medidas de austeridade que tragam a simbologia de que ele também está engajado neste esforço, o que ampliaria o espaço de manobra política para discutir coisas que realmente fazem a diferença.

Um governo com credibilidade também poderia encerrar as operações de swap cambial introduzidas em 2013 pelo Banco Central. No ano passado, essa alquimia significou um prejuízo de R$ 90 bilhões, quase 15% do déficit nominal acumulado no ano e mais que o triplo do orçamento do Bolsa Família. Na prática, os swaps serviram para proteger as reservas cambiais, ao custo de forte elevação das despesas financeiras do governo, aumentando o déficit e a dívida.

Se houvesse credibilidade, não seria preciso manter reservas internacionais tão elevadas. Da mesma forma, um governo com mais credibilidade poderá, sem maiores heresias, reduzir as taxas de juros, tirando maior proveito da tendência de queda da inflação.

Um novo governo também poderia patrocinar a regulamentação do Conselho de Gestão Fiscal, previsto há mais de 15 anos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O Senado aprovou no final de 2015 um projeto do senador Paulo Bauer (PSDB-SC) que regulamenta este órgão e coíbe, na prática, as mano- bras que ficaram conhecidas como “contabilidade criativa”. Muito ganharia o Brasil se levássemos as finanças públicas a sério.

A aceleração das concessões, por fim, é outro exemplo de “quick win” que poderia ser adotado por um governo que tenha credibilidade. Mesmo no meio desta barafunda, justamente quando seria conveniente para o próprio governo promover a retomada do crescimento, ainda está presente a ideia de tabelar os ganhos dos concessionários para evitar que eles tenham lucros elevados (a tese, provavelmente, é de que, como o lucro conspurca, capitalista bom é capitalista quebrado).

São medidas pontuais, de limitado impacto. Alterações estruturais, tão necessárias, dependem de condições muito mais difíceis. Mas poderiam aliviar nossa pena, acalmar os ânimos e preparar o País para uma discussão mais profunda. Não resolvem, mas podem encaminhar soluções. Se o governo tivesse credibilidade, não seria tão difícil. A credibilidade não é tudo. Tudo é a falta de credibilidade.


Um mar de gente - PAULO GUEDES

O GLOBO - 14/03

A voz das ruas: ‘Chega de corrupção’, ‘Fora Dilma e fora PT’, ‘Sérgio Moro, herói da cidadania brasileira’ e ‘Lula na cadeia’



Os recados das impressionantes manifestações deste domingo foram poucos, inequívocos, em alto e bom som: “Chega de corrupção”, “Fora Dilma e fora PT”, “Sérgio Moro, herói da cidadania brasileira” e “Lula na cadeia”. Era um mar de gente com as cores de nossa bandeira, transbordando nas ruas suas exigências de mudança ao som de nosso hino.

A dimensão oceânica das manifestações e a clareza das mensagens são um alerta aos próximos movimentos da classe política. O apoio maciço às investigações da Polícia Federal e a celebração do juiz Sérgio Moro desaconselham quaisquer tentativas de impedir a apuração das responsabilidades pela roubalheira sistêmica de recursos públicos. Da mesma forma, remover Dilma e o PT do poder e prender Lula, mesmo que fossem a expressão atual de uma opinião pública majoritária, exigiriam o devido rito institucional para que tenham legitimidade.

“É difícil imaginar que pudesse ocorrer na Rússia ou na China o que ocorre agora no Brasil: investigações tão abrangentes contra a corrupção e uma ação judicial em que não há intocáveis”, registrou o “Financial Times” em seu editorial da última sexta-feira. O jornal britânico comenta que a prisão de líderes empresariais e o eventual impeachment da presidente indicariam notável avanço institucional brasileiro.

Sua excelência, o fato político, é o abandono da presidente. Lula acusa a oposição de não deixá-la governar, quando na verdade tentou todo o tempo capturar seus ministérios. O PT denuncia seu programa econômico e oferece alternativas obsoletas, que já foram tentadas e a levaram ao fracasso. E neste sábado, em convenção nacional, o PMDB reconduz Temer à presidência do partido e dá o aviso prévio de sua operação de desembarque do governo.

A crise atual será superada com o adequado funcionamento de nossas instituições. As investigações independentes das responsabilidades das lideranças políticas pela corrupção sistêmica. Uma atuação também “independente, transparente e tecnicamente fundamentada” do Judiciário, como recomenda o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto. E finalmente uma contribuição decisiva do Legislativo na questão do impeachment e na inadiável reforma política. Afinal, o Congresso há muito nos deve uma forma decente de fazer política.

Nas ruas contra o monstro - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 14/03

Fosse o Brasil um país com instituições maduras, a degradação política e econômica que hoje observamos não teria se avolumado. A própria rua, que acaba de rugir como nunca antes na história deste país, estaria quieta.

Um aparato institucional forte não teria deixado agigantar-se o Leviatã dos contratos bilionários de bancos e empresas estatais com oligopólios entrelaçados à própria elite no poder. Não teria permitido que tudo fosse financiado com dívida a juros impiedosos lançada nas costas dos cidadãos, a comprometer o seu futuro.

Seria impensável a subversão das regras de exploração e produção na cadeia do petróleo no sentido de restituir o monopólio estatal e asfixiar a competição. Soluções de compromisso ajeitadas com a mão pelo governo, como o consórcio que construiu a hidrelétrica de Belo Monte, seriam impossíveis.

Todo esse substrato conferiu superpoderes de xeque árabe ao presidente no Brasil, em dias normais já dotado de atribuições extravagantes. Aproximou-o de um Putin tropical, que engolfou o Congresso e só encontrou resistência no Ministério Público, no Judiciário e na imprensa.

Eis o que pode confirmar o caráter especial do Brasil no conjunto de nações emergentes acometidas por uma hipertrofia assemelhada do Executivo durante o boom chinês. Aqui não chegamos ao fundo do poço, à rendição completa.

As ruas voltaram a encher-se também em reação às novas invectivas de Dilma e Lula contra a Lava Jato. Ambos transformam o que resta do governo num comitê de combate político a policiais, procuradores e juízes que produzem um colossal conjunto probatório de abuso do poder.

Resposta errada, presidente. Ou, em outro registro, resposta certa. Pode ser que a exposição crua da natureza do monstro, agora decrépito e a debater-se, seja um rito necessário para superamos de uma vez esse triste episódio de nossa história.

Costurando Frankenstein - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

ESTADÃO - 14/03

Nem domingo, nem sábado. O governo Dilma Rousseff foi ao forno na quarta-feira, tarde da noite, em Brasília, na casa do senador Tasso Jereissati, quando três senadores do PMDB dito governista jantaram com sete colegas tucanos e ruminaram sobre o dia seguinte. Nada a ver com a quinta-feira. Nas bocas, quem assumiria o governo após a eventual saída da presidente.

Sem o repasto PMDB-PSDB, a convenção peemedebista de sábado e as manifestações de domingo seriam condições necessárias mas insuficientes para deixar no ponto o fim da era petista. Por uma razão simplória: não há impeachment sem que haja acordo prévio sobre a sucessão do poder. Não se apeia um presidente sem que esteja combinado quem passará a dar as ordens. A questão transcende a pessoa que vai vestir a faixa e sentar na cadeira.

Pelo PMDB estavam Renan Calheiros, Romero Jucá e Eunício Oliveira. Pelo PSDB, Aécio Neves, Aloysio Nunes, Antonio Anastasia, Cassio Cunha Lima e Ricardo Ferraço, além de Tasso. Renan e seus escudeiros são os esteios de Dilma no Senado. Sem seus votos e influência, o governo não governa nem se sustenta.

Na mesma quarta-feira, a mil quilômetros dali e ao nível do mar, o menu era a mesmo. Cacique do PMDB fluminense, pai e avalista do líder do partido na Câmara, Jorge Picciani disse a peemedebistas que o governo Dilma duraria mais três meses. Foi no particular, mas alguém vazou, e o jornal Extra divulgou. Filho de Jorge, Leonardo Picciani é o maior aliado de Dilma no PMDB, depois de Renan. Se seu pai pensa assim, ele pensa também.

O que fez Renan e Picciani selarem um acordo com os oposicionistas do PMDB e se dedicarem a pensar o pós-Dilma? Novas delações na Lava Jato.

Empreiteiros da Andrade Gutierrez e o senador Delcídio Amaral contaram histórias distintas, mas com final igual: recursos de caixa dois pagaram a campanha de Dilma à reeleição em 2014. Um dos dois declarou ter documentos para sustentar suas palavras.

Se essa versão é comprovada, importa pouco para a Realpolitik que comanda Brasília. Talvez pensando no que acontece em suas próprias contabilidades eleitorais, quem precisava acreditar acreditou. E logo concluiu que a cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral seria mera questão de tempo. Assim, melhor se antecipar e trocar cassação por impeachment – ou renúncia, se conseguirem colocar o guizo no pescoço de Dilma.

Seja como for, assumiria Michel Temer. Ele convocaria todos os partidos para montar um governo de – perdão – “união nacional”. A gestão Frankenstein comandada pelo PMDB – qualquer semelhança com o governo Sarney não é mera coincidência – seria transitória e teria a missão de fazer o impopular ajuste fiscal que Dilma tanto falou que faria e não fez. Desse modo, quem se elegesse em 2018 estaria dispensado do trabalho sujo. Esse é o acordão.

Ficou tão bem costurado quanto o monstro criado por Mary Shelley. Ponta solta é o que não falta. Só para lembrar duas.

O impeachment/renúncia não impede o TSE de prosseguir com a cassação. Mas, como ministros da corte demonstraram em outros processos, dá para protelar o julgamento. Seria uma espada de Dâmocles pendurada sobre o pescoço de Temer, uma garantia para o caso de ele se acostumar ao cargo e tentar disputar 2018. A depender das provas nas delações, porém, será difícil convencer a opinião pública a deixar de lado o processo de cassação.

Em outra ponta, muitos dos avalistas do acordão PMDB-PSDB são alvo da Lava Jato. Alguns já foram denunciados. Se condenados, o novo governo começaria em crise, apenas mudariam (alguns) nomes. Ou procuradores e ministros do Supremo foram consultados sobre o acordo? Concordaram? Só se a criatura de Frankenstein escapou da ficção, fugiu para o Brasil e está amarrando suas pontas.


PT pressiona Lula para virar um tutor de Dilma - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA (UOL)

Sob o impacto da maior manifestação de rua da história do país, cresceu nas últimas horas a pressão do PT para que Lula ocupe um ministério no que restou do governo de Dilma Rousseff. Disseminou-se na cúpula do partido o entendimento segundo o qual a presença de Lula no primeiro escalão pode ser a única cartada capaz de deter o avanço do impeachment. Deseja-se que o criador de Dilma atue como uma espécie de tutor de sua criatura, articulando uma reação.

Desde que a plataforma eleitoral de Dilma se converteu em estelionato político, já nos primeiros meses depois do início do segundo mandato, o país esperava pelo sinal de que o fim estivesse próximo. Os protestos deste domingo justificaram o uso do ponto de exclamação que costuma soar quando as pessoas dizem “tudo tem limite!” O asfalto emitiu um sinal eloquente.

Nesta segunda-feira, 14 de março de 2016, restam 1.021 dias de mandato para Dilma. Foram transformados pelas ruas em epílogo. Longe dos refletores, não se ouve nenhuma voz capaz de apostar uma pataca na permanência de Dilma no cargo por tanto tempo sem um milagre. Para o petismo, o milagre se chama Lula.

Na noite passada, o repórter perguntou a um dos devotos de Lula que mágica ele faria para conseguir tirar uma cartola de dentro do coelho. Eis a resposta: “O Lula é, a essa altura, a única lideranças capaz de virar o governo do avesso, dando a ele um rumo.” A afirmação baseia-se num tipo de fé que parece mais cristã do que política. A esse ponto chegou o governo Dilma.

É improvável que Lula, cuja santidade encontra-se sub judice em vários inquéritos, consiga soerguer o governo Dilma. Mas sua conversão em ministro seria um castigo do destino proporcional aos seus pecados. Primeiro porque parte do desgaste de Dilma se deve a ele, já que o petrolão, assim como o mensalão, fou idealizado e implementado na sua gestão. Segundo porque a fábula do talento gerencial de Dilma é de sua autoria.

São três os mecanismos legais que podem ser usados para encurtar o mandato de Dilma: a renúncia, que ela rejeita; a cassação da chapa presidencial pela Justiça Eleitoral, que depende de um processo demorado; e o impeachment, que o eventual desembarque do PMDB pode apressar no Congresso. Nas próximas semanas, não se falará noutra coisa em Brasília.

O epílogo de Dilma pode ser longo ou curto. Por ora, a única certeza é que, com Lula no ministério, o ocaso seria mais divertido. De saída, seria hilário observar a ginástica verbal que o personagem faria para negar que sua nomeação tivesse o objetivo de lhe escondê-lo do juiz Sérgio Moro, atrás do biombo do foro privilegiado.

Enterro de gala do PT - FERNANDO CANZIAN

FOLHA DE SP - 14/03

Nada nem próximo da manifestação popular e espontânea que cobriu a avenida Paulista neste domingo (13) foi produzida até aqui pelo PT ou apoiadores da presidente Dilma Rousseff.

Desde que o ex-presidente chamou a militância para apoiá-lo no dia 4, após depor na Polícia Federal, só ocorreram poucos atos isolados e esporádicos, dentro de "ambientes controlados". Como na sede de sindicatos ligados à CUT ou bem na frente da casa do líder petista, em São Bernardo do Campo.

Em São Paulo, o que se viu neste domingo foram milhares de manifestantes chegando antes do horário para o evento, vindos a pé ou de metrô. Não havia sinais de "esquemas" oportunistas de transporte de pessoas.

A exceção foi a van tucana do governador de São Paulo que conduziu Geraldo Alckmin e Aécio Neves para a Paulista. Logo foram chamados exatamente de "oportunistas" e hostilizados por parte dos manifestantes.

Marta Suplicy (ex-PT e agora PMDB) também não escapou e teve de sair do meio dos manifestantes. Mais prudentes, deputados de oposição do DEM se reuniram no hotel Maksoud Plaza, atrás da avenida, e depois circularam discretamente.

No próximo dia 18, PT, CUT e outras centrais, sindicatos e movimentos sociais ligados ao partido terão sua vez de demonstrar força. Assim como no último grande evento que fizeram, será em um dia da semana (desta vez véspera de um fim de semana).

A estratégia, como se viu em outubro, será interromper o dia de trabalho antecipadamente e levar boa parte dos manifestantes e materiais, como bandeiras e balões, em ônibus fretados pela CUT e sindicatos.

A logística será paga com o dinheiro que centrais e sindicatos recebem todos os anos via descontos compulsórios (feitos em março) dos trabalhadores CLT, sindicalizados ou não. São repasses que não exigem qualquer prestação de contas sobre seu destino ou uso.

Se ficarem restritas a isso, sem um genuíno apoio popular, as manifestações pró Lula, Dilma e PT serão só mais um exemplo da falta de transparência político-partidária com o dinheiro público.

Um enterro de gala em plena avenida.

Recado cabal - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/03

Tendo reunido, ao longo da tarde, cerca de 500 mil pessoas em São Paulo —segundo o Datafolha—, e um número que, conforme o cálculo, oscila de 1 milhão a 3 milhões de participantes nas demais cidades do país, os protestos realizados ao longo deste domingo contra o governo Dilma Rousseff (PT) consistiram na maior manifestação política de que se tem registro na história do país.

Superando até mesmo a dimensão dos comícios pelas Diretas-Já em 1984, um impressionante contingente de brasileiros convergiu às ruas, de forma pacífica, bem-humorada e eloquente, num ato de definitiva rejeição.

Rejeição que se volta não apenas contra um governo atolado na incompetência administrativa, na crise econômica e na arrogância pessoal de seus integrantes, mas a um modelo político fundamentado na mistificação ideológica e nutrido pela corrupção.

É difícil imaginar as saídas possíveis, ou minimamente aceitáveis para o conjunto da população, que ainda restem aos estrategistas do PT e do governo federal.

Já na véspera, o PMDB sinalizava, em sua convenção, o seu afastamento da base parlamentar que precariamente sustentava o governo. De modo típico, não abandonou por enquanto os cargos de que desfruta no ministério —mas decidiu pela expulsão de quaisquer filiados que eventualmente aceitem novos postos no primeiro escalão do Executivo.

Os últimos dias vinham agravando a situação de Dilma. Se, desde o início do segundo mandato, eram inúmeros os motivos para a indignação popular, ganharam evidência novos sinais, mais graves, de corrosão moral e administrativa nos círculos do poder.

Nada terá sido mais decisivo, entretanto, do que a revelação dos laços entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as principais empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. As tentativas de mistificar a opinião pública quanto à natureza do escândalo, habilmente encetadas pelo líder petista, não tiveram —excetuada a cegueira habitual da militância—outro efeito que não o de acentuar as vontades generalizadas de protesto.

Terá caído por terra, paralelamente, a teoria petista de que o movimento contra a corrupção vinha apenas a expressar o inconformismo dos partidos e lideranças derrotados nas últimas eleições presidenciais. Hostilizados por parte dos manifestantes, os tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin não permaneceram no palanque.

A palavra está agora com a presidente. Os atos superaram as previsões mais pessimistas do Planalto. Apesar de sua extensão e força, o país permanece dividido —e numa crise que, de uma forma ou de outra, é urgente superar.

Corrupção como razão de ser - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/03

Na sentença em que condenou o empreiteiro Marcelo Odebrecht a 19 anos de prisão, o juiz federal Sérgio Moro chamou a atenção para o fato de que os crimes pelos quais ele e outros réus estão sendo punidos, no escândalo do petrolão, fazem parte de uma “prática habitual, sistemática e profissional”. As evidências reunidas nesse caso não deixam margem a nenhuma dúvida de que o assalto à Petrobrás não foi algo episódico, restrito a uma ocasião que faz o ladrão, conforme o dito popular. Trata-se de um método de dilapidação do Estado.

Moro escreveu que o pagamento de propinas da Odebrecht aos agentes da Petrobrás, com destinação de parte dos valores a financiamento político, “não foi um ato isolado, mas fazia parte da política corporativa” da empresa. O mesmo pode se dizer do condomínio de partidos, liderado pelo PT, que transformaram as estatais em sua principal fonte de recursos. De onde se conclui que a corrupção foi incorporada como um elemento estrutural tanto das empreiteiras, em sua relação privilegiada com o Estado, como dos partidos “aliados”, que pretendiam perpetuar-se no poder à custa do roubo metódico de dinheiro público.

O petrolão é apenas a parte visível de um sistema muito mais abrangente, construído com esmero para aniquilar a livre concorrência, ao favorecer um punhado de empresas amigas do governo em licitações viciadas, e para sabotar a democracia, tornando-a mero simulacro sob o qual operam políticos e partidos que se organizam como quadrilhas.

No caso das empreiteiras, hoje já se pode concluir que quase todas as mais importantes obras públicas planejadas e executadas nos governos petistas foram objeto de negociações escusas entre agentes públicos, políticos governistas e empresários inescrupulosos. Enquanto todas as partes ganhavam seu dinheirinho, o País habituava-se às desculpas esfarrapadas do governo para os atrasos na entrega dos prometidos empreendimentos – quase sempre apresentados aos eleitores como prova do grande empenho petista em transformar o Brasil num paraíso de riqueza e modernidade.

Muitas dessas obras nem saíram do papel e provavelmente não sairão jamais, em razão da ruína econômica patrocinada pela presidente Dilma Rousseff. Ademais, atrasar a entrega de obras é uma conhecida artimanha para arrancar mais alguns bagarotes do erário, na forma de aditivos contratuais. A lista de obras importantes contaminadas pela corrupção do “clube” de empreiteiras e de seus associados no governo é extensa: refinarias da Petrobrás, Usina Nuclear de Angra 3, Ferrovia Norte-Sul, Usina Hidrelétrica de Belo Monte e estádios erguidos para a Copa do Mundo, entre outras.

Nada disso seria possível se não fosse a originalíssima engenharia criminosa instalada no governo pelo PT desde 2003. O mensalão, o petrolão e o que mais aparecer não são casos isolados, e sim apenas nomes diferentes para o mesmo padrão autoritário de política, em que os fins justificam os meios.

Incapaz de dividir o poder com quem quer que seja, pois se considera portador da verdade histórica, o PT do chefão Luiz Inácio Lula da Silva resolveu desde cedo arregimentar apoio a seu governo à base de propina. É claro que clientes não faltaram – afinal, como disse o próprio Lula, no longínquo ano de 1993, quando ainda era o paladino da ética na política, o Congresso é constituído de “300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”. Bastava, portanto, atendê-los. Dessa forma, a roubalheira facilmente se institucionalizou, por meio de um sofisticado esquema envolvendo a gorda máquina pública e as principais empreiteiras do Brasil, tratadas como “campeãs nacionais” por Lula e Dilma.

Tudo isso vem à luz a cada sentença proferida no âmbito da Operação Lava Jato. Certamente não se trata de leitura agradável, mas os autos desses didáticos processos servem como crônica da história da corrupção desde a chegada do PT ao poder e, principalmente, como uma minuciosa descrição de como essa corrupção se tornou a própria razão de ser do lulopetismo.


O Brasil renuncia a Dilma - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 14/03

Uma vez lavado de certas impurezas de origem pelas manifestações que marcaram o domingo, o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff espera a última palavra do Supremo Tribunal Federal (STF) para finalmente dar a partida na Câmara dos Deputados. Nesta quarta-feira, o STF poderá manter ou revisar as regras que orientarão o rito do impeachment. Mas isso já não importa tanto.

É BEM VERDADE que a presidente resiste a entregar os pontos. Na última sexta-feira, a poucas horas de o país tomar conhecimento de mais um capítulo da delação premiada do senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-líder do governo, Dilma improvisou uma entrevista coletiva para dizer que não tem cara de quem renunciará ao cargo - e, muito menos, de quem está resignada com o fim aparentemente próximo. Foi um desastre.

SEM A AJUDA de marqueteiros (o seu está preso, suspeito de ter sido pago no exterior por serviços prestados ao PT e à campanha à reeleição), Dilma mal conseguiu disfarçar o nervosismo. Estava mais magra do que deveria e mais envelhecida do que há poucas semanas. Disse sandices como de hábito. Enrolou-se com as palavras e cometeu o ato falho de afirmar que "não se renunciaria" "Eu não me renuncio" garantiu. Assessores contiveram o riso.

SE NÃO RENUNCIA a si mesma e ao cargo, há muito tempo que renunciou a governar. O primeiro ano do seu segundo mandato foi de ausência de governo, de inércia da administração pública carente de dinheiro, idéias e iniciativas. Enquanto isso, o país andou para trás empurrado pela crise econômica mais nefasta desde os anos 1930 do século passado. Só não atingiu ainda o fundo do poço porque ao poço, talvez, falte fúndo.

A DILMA, ALÉM de tudo que sempre lhe faltou como talento e brilho, agora falta apoio para fingir que governa. Finge governar quando reúne ministros para debater assuntos urgentes, viaja para entregar as unidades do programa Minha Casa Minha Vida, se lembra de sobrevoar regiões em estado de calamidade, e transmite recados pelas redes sociais na impossibilidade de fazê-lo pelo rádio e pela televisão. Teme os incômodos panelaços.

MAS O PAÍS suportará que ela siga fingindo governar assim por mais quase três anos? Ou pior: que se meta de fato a governar sujeita a repetir os trágicos erros do primeiro mandato? Por que seria diferente? Sob a pressão do PT, que cobra um temerário cavalo de pau na condução da economia; do PMDB, que começa a desembarcar do governo sem devolver os cargos que ocupa; e das ruas impacientes, Dilma leva algum jeito de poder se recuperar?

MESMO SE LEVASSE jeito, o que não é o caso, sua imagem pessoal de honradez começa a ser posta em xeque. A figura da faxineira ética durou menos de um ano. Está para ser escrita a história da falsa faxineira que se rendeu às necessidades do PT de roubar e de deixar que roubassem na tentativa de se eternizar no poder. Rendeu-se não: compartilhou as necessidades. E beneficiou-se dos resultados.

É RECOMENDÁVEL que as almas sensíveis e os de estômago frágil se retirem da sala quando trechos da delação gravada de Delcídio puderem ser ouvidos. São chocantes. Tanto quanto as conversas com auxiliares de Dilma gravadas por empresários delatores. A Lava-Jato não sequestrou o governo como dizem vozes do governo. Lula, o PT e Dilma foram sequestrados pela própria ambição.

O BRASIL, ontem, renunciou a Dilma. Cabe ao Congresso formalizar a renúncia.


LULA JÁ ESTÁ PRESO - PERCIVAL PUGGINA

DIÁRIO DO PODER

Existem diferentes tipos de prisão. O ex-presidente brasileiro está enquadrado num deles. É uma prisão diferente, restritiva de várias liberdades, que ele mesmo se impôs como decorrência do estrago causado pela ambição à sua imagem. A lista das coisas que nosso ex-presidente está impedido de fazer é significativa para alguém como ele.

Primeiro, não pode mais virar mundo fazendo rentáveis palestras sobre as supostas maravilhas que seu partido e seu governo teriam realizado no Brasil. Não há maravilhas a mostrar. Como até os feitos do governo foram malfeitos, o país anda para trás mais rapidamente do que avançou. O exterior, bem antes do público interno, percebeu que caíra na conversa fiada do parlapatão de Garanhuns. As agências de avaliação de risco estão lá fora e sinalizaram ao mundo, passo a passo, as sucessivas explosões da bolha publicitária petista. Apenas em Cuba, Venezuela e na Coreia do Norte Lula será um visitante dispensado de responder perguntas que não quer ouvir. Acabaram-se, se de fato as fez, as palestras mais bem pagas do mundo. A fonte secou. Tony Blair, Nicholas Sarkozy e Kofi Annan já não lhe telefonam.

Periodicamente, dentro de uma garagem qualquer, Lula entra num automóvel blindado, com vidros escurecidos além do limite legal, e desembarca noutra garagem qualquer, longe dos olhos dos brasileiros de bem. Há bom tempo vive oculto do grande público, com hábitos furtivos, evitando ser detectado pela imprensa. Suas últimas fotos mostram um homem com ar assustado e abatido.

Lula tem um sítio que não pode mais frequentar, onde há pedalinhos que seus netos não podem usar, uma adega inacessível e uma esplêndida cozinha que traz saudades à sua esposa. Ele tem três andares do mais apurado requinte num apartamento com frente para o mar na praia de Guarujá. Mas não pode nem pensar em chegar perto do prédio. Que dizer-se da praia!

Claro, há o apartamento de São Bernardo do Campo, que ele pode chamar de minha casa, minha vida. É seu refúgio protetor. Até prova em contrário. E é, também, sua prisão domiciliar, onde, diariamente, o ex-presidente acorda e olha o relógio para saber se já são mais de seis.