terça-feira, setembro 07, 2010

AUGUSTO NUNES


Se apoiasse a candidata de Lula, Fernando Henrique seria canonizado pela seita

AUGUSTO NUNES
VEJA ON-LINE

Se não lhe sobrasse a dignidade que falta a tantos cardeais da oposição, se não soubesse o que é o sentimento da honra, se não tivesse uma história a preservar, Fernando Henrique Cardoso trataria de fazer o que já teriam feito, em seu lugar, os oportunistas monitorados pelo imediatismo cretino dos marqueteiros: perguntaria ao chefe da campanha de Dilma Rousseff se está interessado numa declaração de apoio à candidata. Claro que sim, berraria Lula ainda no meio da pergunta. E nem esperaria o fim da conversa para convocar uma cadeia nacional de rádio e TV, e comunicar aos brasileiros, na hora do Jornal Nacional, que fora  Lula nunca antes neste país houve um governante como FHC.
Os devotos da seita , como ensinaram os casos de José Sarney e Fernando Collor, são todos desprovidos de autonomia afetiva: amam quem está com o chefe, odeiam quem está contra o chefe. Anunciada a canonização, tanto os Altos Companheiros quando os soldados rasos das milícias se poriam de joelhos para rezar em louvor de São Fernando Henrique. No mesmo dia, o Grande Satã do PT seria instalado na vaga mais espaçosa do altar companheiro. E o horário eleitoral governista começaria a contar ao Brasil quem é o mais recente aliado de Dilma Rousseff.
O primeiro programa, dedicado ao Plano Real, provaria que a inflação foi vencida por FHC. O segundo, amparado na Lei de Responsabilidade Fiscal, provaria que foi ele o único presidente a impor limites à gastança criminosa do dinheiro público. Um ensaio do professor Antonio Cândido registraria a importância da obra do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Um artigo da professora Marilena Chauí lembraria que o mundo que se ilumina quando ouve Lula fica cheio de estrelas quando lê Fernando Henrique. E a UNE finalmente voltaria às ruas para exigir que o professor Fernando Henrique Cardoso fosse aclamado paraninfo de todas as turmas diplomadas em 2010.
No último programa da temporada, Lula juraria que nunca ouviu falar em “herança maldita”:  se alguém ousasse usar tal expressão em sua presença, sairia da sala aos arrancos, solidário com o homem que fixou as diretrizes da política econômica. Depois de lembrar que só por isso o Brasil sobreviveu a crises internacionais e continua crescendo, Lula lembraria, com Henrique Meirelles ao lado, que entregou a presidência do Banco Central a um deputado federal eleito pelo PSDB porque não se mexe em time que está ganhando.
Em menos de três semanas, os brasileiros descobririam que devem ser creditados à Era FHC os programas sociais que originaram o Bolsa Família, o tratado de paz que encerrou o interminável conflito fronteiriço entre o Peru e o Equador, a construção do  gasoduto que liga a Bolívia ao Brasil, o processo de privatização que ressuscitou ou modernizou empresas devastadas pelos tumores da corrupção, do empreguismo e da incompetência.
Há quase 16 anos, Lula e seus devotos tentam transformar um grande presidente em traidor da pátria e inimigo do povo. Há quase oito anos, a oposição engole em silêncio críticas improcedentes, versões fantasiosas e falsidades infamantes. Os petistas não acreditam numa única palavra do que dizem. Os tucanos acreditam, sugerem os programas do horário eleitoral.
Já que raramente aparece no horário da oposição, por que Fernando Henrique Cardoso não pergunta se o PT está interessado em mostrá-lo na tela? Os portadores de miopia pusilânime merecem esse castigo. A sorte do país que presta é que FHC prefere pensar nos brasileiros decentes. Caso fosse como os outros, bastaria o telefonema para Lula. Ainda acabaria nomeado, com a aprovação unânime da base alugada, Presidente de Honra do Brasil.

GOSTOSA

JOÃO R. L. MENEZES, SIDARTA RIBEIRO, STEVENS K. REHEN e JULIANA PIMENTA

Lobby da proibição

JOÃO R. L. MENEZES, SIDARTA RIBEIRO, STEVENS K. REHEN e JULIANA PIMENTA

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/09/10



Causa perplexidade o artigo de Ronaldo Laranjeira e Ana Petta Marques ("Lobby da maconha", 20/8) em que, a pretexto de rebater críticas a texto anterior que demonizava a maconha, empregam a falácia do argumento "ad hominem".
Atacam as pessoas, e não o conteúdo. Eles nos chamam de "lobistas da maconha, travestidos de neurocientistas e fiéis de uma seita", mas em nenhum momento respondem às críticas diretamente.
Lobista é quem recebe vantagens para defender uma causa. Seita é uma doutrina usualmente dogmática. Somos médicos e biólogos com mestrado, doutorado e pós-doutorado, com pesquisa reconhecida internacionalmente. Agimos em defesa da racionalidade.
Ao citar o livro "Cannabis Policy: Beyond the Stalemate", Laranjeira e Petta não explicam por que citam apenas os efeitos negativos da maconha sem incluir a conclusão mais importante do livro: estes efeitos não justificam a proibição.
Mentem sobre a inexistência de estudos demonstrando efeitos terapêuticos da maconha e combatem a criação de uma agência de pesquisa e regulamentação da maconha medicinal, exigência de tratados internacionais.
Defendem com tanto ardor a política dos EUA de guerra às drogas que esquecem que a "Food and Drug Administration" (FDA, agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA) não é brasileira e que não tem nem deve ter ingerência na política nacional. A dipirona, por exemplo, é legal no Brasil e na Europa, mas não nos EUA.
Enganam ao afirmar que a maconha já foi descriminalizada no Brasil e que isto teria aumentado o número de usuários. A lei nº 11.343 não descriminalizou o uso; ao contrário, aumentou a repressão ao tráfico com penas mais duras e deixou o consumidor na frágil posição de depender da decisão de um juiz quanto a ser usuário ou traficante.
O relatório da ONU de 2010 não aponta aumento do uso de maconha no Brasil desde a promulgação da lei. Mesmo que algum levantamento indicasse aumento, isto poderia se dever à política proibicionista em vigor, não o contrário.
Laranjeira e Petta iludem o público leigo e omitem o poderoso lobby da proibição que integram.
Espanta o discurso totalitário de quem se imagina porta-voz do povo brasileiro. Um de seus argumentos mais perniciosos é o ataque ao uso da maconha como terapia de substituição para o crack, apesar de sua eficácia nos poucos estudos disponíveis. Infelizmente, a realização de novos estudos esbarra na intransigência dos proibicionistas.
Enquanto propagam falácias, milhares de pacientes que poderiam se beneficiar da maconha são dela privados. Outros tantos com problemas de abuso químico se afastam do tratamento por medo da repressão. No fim, somos todos atingidos pela violência da guerra.
Organizações verdadeiramente compromissadas com a saúde, como as que firmaram a Declaração de Viena (
www.viennadeclaration.com), clamam pelo fim da guerra às drogas e pela legalização regulamentada e bem informada.
A declaração foi assinada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo e César Gaviria, que têm alertado para a metástase do narcotráfico. Serão todos lobistas de alguma seita?
Enquanto persistirem argumentos simplórios, como "a maconha faz mal" ou a utopia moralista de um mundo sem drogas, retarda-se a discussão sobre uma política racional de drogas. A legalização da maconha não vai sanar os problemas imediatamente, mas é remédio eficaz e a sociedade precisa se preparar para isso.
O resto é cortina de fumaça, como demonstra o filme de Rodrigo Mac Niven (
www.cortinadefumaca.com). A palavra iatrogenia designa os males vindos do tratamento médico. Com relação à maconha, a sociedade precisa decidir: o que é mais iatrogênico, tosse ou tiroteio?

JOÃO R. L. MENEZES é professor-adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do simpósio sobre drogas da Reunião SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) 2010.SIDARTA RIBEIRO é professor titular de neurociências da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).STEVENS K. REHEN é professor-adjunto da UFRJ.JULIANA PIMENTA é psiquiatra da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.

DORA KRAMER

Impressão digital 
Dora Kramer
O ESTADO DE SÃO PAULO - 07/09/10


Um filiado ao PT diretamente envolvido na quebra de sigilo de parentes e correligionários do candidato do PSDB pode ser coincidência. Dois também, mas já fica difícil de acreditar que não seja impressão digital.

A alegação de que não se pode ligar a quebra de sigilos fiscais à campanha eleitoral porque não há conexão entre o calendário das eleições e os atos, ocorridos em 2009, é sofisma puro.

Admitir o argumento como verossímil equivale a aceitar que o presidente Luiz Inácio da Silva só tenha começado a fazer campanha para Dilma Rousseff em abril de 2010, quando ela deixou a Casa Civil para se tornar pré-candidata à Presidência da República.

Não sendo sustentadas por inépcia de raciocínio - por impossível semelhante grau de indigência mental -, determinadas hipóteses só se pode admitir que estejam pautadas pela má-fé.

Ainda assim, são divulgadas como se fossem silogismos da mais pura correção lógica.

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, por exemplo, é um que sofisma naquele sentido. Dilma é outra. Segundo ela, em abril de 2009, quando o petista (o segundo descoberto agora) Gilberto Amarante acionou as informações sigilosas de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, nenhuma das candidaturas hoje em disputa estava definida.

É também - mas não só - por isso que é impossível estabelecer diálogo minimamente maduro com esse pessoal que de um determinado momento em diante rompeu qualquer compromisso com a racionalidade e passou a só se relacionar com a panfletagem, para não dizer com a mentira.

Ora, então quer dizer que no ano passado o PT tinha outro nome em vista? Significa que Dutra imaginava sinceramente que o candidato do PSDB pudesse ser outro que não José Serra, candidato a presidente em 2010 desde a derrota de 2002?

O PT, o governo e a campanha estão se enrolando e pior: percebem que pegaram a trilha errada ao tentar esconder informações, influir em investigações e manipular dados porque acabaram deixando pistas desnecessárias.

Agora tentam sair da enrascada aos tropeços. Lula faz piadas de mau gosto - "sigilo, cadê esse tal de sigilo?" -, Mantega expõe a Receita à desmoralização, Dilma pede calma e tenta chamar atenção para os adversários.

Deu para reclamar que não vê divulgado algo que a "intriga": o fato de o jornalista Amaury Ribeiro trabalhar no jornal Estado de Minas na época em que investigava as pessoas que tiveram os sigilos violados, para compor um livro de denúncias sobre as privatizações no governo Fernando Henrique.

Já se divulgou isso, inclusive porque o próprio comitê da campanha do PT o fez. Dutra tocou diversas vezes no assunto no Twitter, mas, como Dilma, nunca falou claro.

Querem dizer que o Estado de Minas é uma espécie de diário oficial do governo de Minas Gerais e que, por isso, Amaury estaria fazendo um serviço a mando de Aécio Neves para atrapalhar a candidatura de Serra à Presidência dentro do PSDB.

E por que não repetem em público o que falam pelos cantos?

Porque a insinuação perderia o efeito e ainda poderiam ser chamados a provar a acusação contra o amigo Aécio.

O presidente do PT pediu para que a Polícia Federal ouça Amaury Ribeiro. Naturalmente para que ele diga que o PSDB está fazendo confusão entre dossiê e informações coletadas para a confecção do tal livro e, assim, reforce as suspeitas de que a história toda surgiu de uma briga interna entre tucanos.

Muito bem, e daí? E se tiver surgido?

O que fazia Amaury Ribeiro trabalhando para o grupo de "inteligência" da campanha de Dilma? E esses petistas envolvidos diretamente no acesso às declarações de renda Receita?

E a Receita, por que omitiu informações das investigações? E o ministro da Fazenda, por que não foi ao Congresso falar do caso e quando falou preferiu desmoralizar a Receita a estabelecer um elo mínimo que fosse com a campanha?

Essas pessoas todas, essa trapalhada que se houver gente séria nesse País acaba mal foi mobilizada dessa forma para que, para proteger os tucanos? É só o que falta ser dito

SERRA PRESIDENTE

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Guerra política
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 07/09/10
Mais polêmica envolvendo o exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Depois de romper com o Cespe, da Universidade de Brasília, por suspeita de fraude, a FGV - nova contratada para elaborar as provas da OAB - está na mira do Ministério Público Estadual. O promotor Maurício Lopes enviou denúncia ao MP Federal apontando conflito de interesses visto que a FGV possui curso de Direito.
Guerra política 2
A FGV Direito, por sua vez, proibiu todos os professores e funcionários de participarem direta ou indiretamente do processo da OAB. E Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB, garante que nenhum professor da graduação atuará na elaboração das provas.
Detalhe: a Universidade de Brasília também tem faculdade de Direito
Linha direta
Aloysio Nunes inclui novo tema na sua campanha: mulheres que são espancadas pelos maridos. Tentativa de fazer frente a Netinho.
Peixaria
Walter Zagari, da Record, mostrou seu lado mais santista, sábado, no voo Rio-SP. Empolgado por ter embarcado junto com o time do Santos, ofereceu - em tom de brincadeira - R$ 5 mil ao goleiro Rafael, caso ele desse um chapéu no atacante Deivid, do Flamengo, durante o clássico de domingo. A firula acabou não acontecendo.
Placar
A Federação Paulista bateu o martelo: o Paulistão começará dia 16 de janeiro. Em campo, Santos e Linense. Só falta definir o estádio.
Money, money
Dilma Pena trouxe de Washington um empréstimo de US$ 600 milhões do BID para o Projeto Tietê. A contrapartida do governo do Estado será de US$ 200 milhões.
Metal
Marina de la Riva contou com participação especial no show de sábado no Auditório do Ibirapuera. Convidou Andreas Kisser, do Sepultura, para dar uma canja: "Ele não sai daqui sem tocar", disse.
O músico usou a guitarra do filho de Marina, de 13 anos, e foi aplaudidíssimo.
Brasil na fita
Entre os principais produtores de Veneza 2011, um nome brasileiro salta aos olhos: Paulo de Carvalho. Ele irá ao Lido este ano como coprodutor de dois filmes latino-americanos em exibição, Post Mortem, de Pablo Larraín, e La Vida de Los Peces, de Matías Bize.

"Eu sou o Brasil no mundo"

Há quatro anos Ivete Sangalo foi com Preta Gil ver Beyoncé no Madison Square Garden, em NY, a mais famosa - e cara - arena de shows do mundo. De lá, ligou para o irmão e empresário Jesus: "Quero cantar aqui". Corta.
Há dois anos, dois meses e alguns dias, sua empresa começou a negociar o show de gravação do novo DVD da baiana no ginásio. No último sábado, aconteceu, enfim, a apresentação no sonhado espaço. Que lotou. Num projeto de mais de R$ 5 milhões, viabilizados pela TAM, patrocinadora exclusiva, Ivete se tornou a primeira artista do Brasil a se apresentar por lá.
Sob lágrimas que descolavam seus cílios postiços, ela gritou: "Eu sou o Brasil no mundoooo". A plateia de 15 mil pessoas - esmagadoramente brasileira- veio abaixo. A frase traduziu o que ela quer se tornar: uma cantora mundial. Tendência até natural, já que cobra o cachê mais caro do País, ao lado de Roberto Carlos. Outros artistas com cacife parecido, como Sandy, também tentaram carreira internacional. Visto que lhes foi recusado.
Dias antes da apresentação nos EUA, a coluna conversou com Jon Pareles, crítico musical do The New York Times. Acha que Ivete será aceita pelo público americano? "Embora tenha ganhado o Grammy Latino em 2005, penso que ela não é conhecida aqui pela mesma razão que faz com que muitos americanos sejam tão ignorantes em relação à música brasileira: a barreira da língua", respondeu. Para ele, outro ponto contra é que os discos da cantora ainda não foram lançados acima da linha do Equador. A empreitada impressionou Pareles. "Fiquei surpreso ao saber onde ela iria cantar. Mesmo músicos brasileiros que vêm a NY, como Caetano Veloso, João Gilberto e Carlinhos Brown, sempre se apresentam em salas menores, nunca em arenas."
Durante entrevista coletiva realizada na última sexta, em NY, um jornalista americano da Associated Press questionou a cantora sobre não ser conhecida pelos americanos. "Você é que pensa, meu bem, eu estou bombando com o meu mega pôster pendurado no Madison", rebateu a artista. Após risos, continuou: "Quando comecei minha carreira, eu também não era conhecida no Brasil. Agora sou".
Na mesma coletiva, Ivete disse que o show nos EUA era para seu povo que mora no exterior pudesse participar. A coluna pediu para que ela mandasse um recado aos imigrantes brasileiros ilegais, que dão duro no exterior e nem mesmo podem visitar o Brasil. Tomada de surpresa, foi a única pergunta que se recusou a responder.
Mas, um dia depois, mandou seu recado durante o show: "Quero pedir para todos que coloquem a mão no ombro do brasileiro ao lado. Mas só naquele que for legal. E sabe por que, meus queridos? Porque não existe brasileiro ilegal. Todos são legais. Muito legais". E chuva de palmas.
DÉBORA BERGAMASCO VIAJOU A CONVITE DA CACO DE TELHA.

Na frente
Dona Lila Covas recebe homenagem dia 20, na casa de Bete e Marcos Arbaitman. Os tucanos estarão a postos.
Luciano Coutinho e Sergio Marchionne serão homenageados pelo Gruppo Esponenti. Sexta, no Hyatt.
Solange Vieira, da Anac, esteve na semana passada em Johanesburgo. Conheceu o programa de atendimento aos passageiros usado na Copa.
A Praça Charles Miller continua a receber cavaletes de propaganda política. O que é proibido pela legislação eleitoral.
Juca Ferreira recebe, amanhã, o Troféu Grupo Gay da Bahia. Além dele, 29 personalidades levam para casa o prêmio de apoio aos homossexuais da Bahia e do Brasil.
Gu Hanghu, acupunturista de Lula, trabalhou dobrado no fim de semana. Foi convocado pelo presidente para aliviar as dores provocadas por sua eterna bursite. 

GOSTOSA

ARNALDO JABOR

O ponto G da alma
ARNALDO JABOR

O GLOBO - 07/09/10

Toda hora um idiota me copia e joga na internet coisas que não escrevi. Há vários, em geral sobre mulheres e amor... Um deles diz : "As mulheres têm um cheirinho gostoso, elas sempre encontram um lugarzinho em nosso ombro". Há mais. "Adoro celulite. Qual é essa de bundinhas duras?" e coisas assim. Acreditem que outro dia uma senhora me abordou, eufórica : "Eu tenho bunda mole!". Juro.
Por essas e outras, vou falar um pouco de mulher, eu que mal as entendo na vida. Não falarei das coxas, seios e bumbuns... Falo de uma aura mais fluida que as percorre. Vai ser um artigo apócrifo, escrito por mim mesmo.
Li em um lugar que cabeça de mulher é metáfora; de homem é metonímia... Entenderam? Nem eu; acho que quer dizer que mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico sem fim, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim, mais "ciência". Não quero falar de "mulher" sociologicamente, mas sim do "sétimo órgão" que todas têm, uma espécie de "ponto G" da alma.
Começo dizendo que "as mulheres nunca estão com a cabeça no lugar e, por isso, querem que os homens estejam com a sua no lugar onde elas acham que estão. Não é só o exterior de uma mulher que nos interessa - a lingerie também é importante... A cosmética é a cosmologia da mulher".
Gostaram, feministas? Não? Pois é; essas frases são apócrifas também. Quem escreveu foi o polêmico sacana Karl Kraus, da época de ouro de Viena, famoso fazedor de aforismos e sátiras profundas.
Também faço meus aforismos, menores, claro, pois, como também dizia o Kraus, "há escritores que conseguem dizer em 20 páginas aquilo para o que preciso até de duas linhas".
Por isso, serei bem generalista, como só os bons apócrifos sabem fazer... Vamos lá.

O termômetro das mulheres é: "Estou sendo amada ou não? Esse bocejo no seu rosto entediado... Será que ele me ama ainda?".
Elas só pensam nisso. O amor para elas é um lugar onde se sentem seguras, mas, em geral, as mulheres não acreditam em nosso amor. Quando elas têm certeza dele, às vezes param de nos amar. Nelson Rodrigues me contou: "Uma mulher me disse: quando um homem me diz ‘eu te amo’, perco o interesse na hora".
Mulher adora homem impalpável, impossível; ele ganha uma aura que as hipnotiza. Toda mulher é Madame Bovary. O canalha é mais amado que o bonzinho. Mulher não tem critério; pode amar a vida toda um vagabundo que não a merece ou desprezar o devoto. Mulher não quer amor a seus pés.
Ela sofre com o canalha, mas isso a justifica e engrandece, pois ela tem uma missão: convencer o canalha de que ele a ama. Já vi mulheres abandonadas e humilhadas, dizendo, lívidas de esperança de uma volta: "Ele não sabe que me ama...".
Quando queremos seduzi-las, mesmo sinceramente (no fundo elas sabem que até a sinceridade é volúvel), um sorriso descrente lhes baila na boca. Preferem ser amadas que desejadas. Por isso, a satisfação erótica é uma corrida de obstáculos (Karl Kraus, de novo).
Elas estão sempre um pouco fora da vida social, mesmo quando estão dentro. Pode ser uma empresária brilhante, mas, sob o tailleur de executiva, seu corpo lateja de saudades por alguma coisa que desconhece.
No Brasil das celebridades, o feminismo foi um mal-entendido. Muitas vezes rima com galinhagem ou até com uma forma velada de prostituição. Mas vamos combinar que, no "design", somos uns jipes; elas são Mercedes-Benz voluptuosas e curvilíneas.
Muitas mulheres, para serem amadas, instilam medo no coração do homem. A carinhosa total entedia os maridos - sentem-se enclausurados numa prisão cinco estrelas. O homem só ama profundamente no ciúme. Só o corno conhece o verdadeiro amor.
Nada mais terrível que a mulher que cessa de te amar. Você vira uma mulher abandonada. O homem corneado, carente, é feio de ver. A mulher enganada ganha ares de heroína, quase uma santidade. Ninguém tem pena do corno.
No entanto, o homem só atinge a idade viril quando é corneado. A mulher nunca é corneada, pois sempre se sente assim. O amor exige coragem. E o homem é mais covarde. O homem, quando conquista, acha que não tem mais de se esforçar e aí, dança...
A mulher quer ser possuída em sua abstração, em sua geografia mutante; a mulher quer o homem para se conhecer. A mulher quer ser possuída, mas não na base do "me come todinha". Falam isso no motel, para nos animar. Ela quer ser decifrada, pois não sabe quem é. As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é o "certo"; o feminino é o insolúvel. O homem é pornográfico; a mulher é amorosa. A pornografia é só para homens.
A mulher é metafísica; o homem é engenharia. A mulher deseja o impossível; ela vive buscando atingir a plenitude mesmo que essa "plenitude" seja um "living" decorado com belas cortinas ou o perfeito funcionamento do lar.
A mulher é mais profunda - é a natureza se parindo. A vida e a morte saem de seu ventre. Ela faz parte do universo que nós vemos de fora, com o pauzinho inerme. Por isso seja tão odiada pela estupidez de assassinos.
Elas têm algo de essencial - nós somos um apêndice.
Hoje em dia, as mulheres foram expulsas de seus ninhos de procriação, de sua sexualidade expectante e são obrigadas ao sexo ativo e masculino. A "supergostosa" é homem; ou melhor, é produto de seu desejo quantitativo - daí, mulheres-pera, melancia.
No entanto, as mulheres sofrem mais com o mal do mundo. Carregam o fardo da dor histórica. Os homens, por fálicos, escamoteiam a depressão com obsessões bélicas, financeiras ou políticas.
As mulheres aguentam a dor incompreendida. O mundo está tão indeterminado que fica feminino, como uma mulher perdida. Mas não é um mundo delicado, romântico e fértil como a mulher; é um mundo-mulher comandado por homens boçais.

MÔNICA BERGAMO

CANO ALTO
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/09/10 

A Sabesp está próxima de vencer uma licitação de US$ 2 milhões em Honduras, para prestar consultoria em gestão a nove municípios do país. A empresa de saneamento básico ficou em primeiro lugar na abertura das propostas técnicas. A concorrência deve terminar no final do mês. 

PELAS ÁRVORES 
A Secretaria do Verde da capital começa nesta semana nova etapa do trabalho de preservação das 225 árvores da avenida Angélica. As intervenções incluem podas nos exemplares que apresentam um parasita, a chamada erva de passarinho, e remoções de oito espécies, entre sibipirunas e ligustros. No lugar das árvores retiradas serão plantados quatro ipês verdes e quatro cabreúvas. 

FUMAÇA NA TELONA 
A Santa Casa de São Paulo estreia hoje uma campanha de conscientização sobre os efeitos do cigarro na saúde em dez salas de cinema de São Paulo, como Reserva Cultural e Belas Artes. Com o título "Não Deixe Sua História Terminar Antes da Hora", a produção foi feita voluntariamente pela agência Y&R e a produtora O2. 

ESCOLA DO ROCK 
As bandas Fórcepz, Single Parents, Estarte e Locomotrom se apresentam ao vivo, na quinta, no Estúdio Emme, para um júri formado pela organização do festival SWU e da Rádio Oi. O grupo que vencer a batalha musical ganha o direito de se apresentar no SWU em outubro, em Itu. 

COBAIN NA PAREDE 
O retrato do músico Kurt Cobain, morto em 1994, feito pelo fotógrafo Mark Seliger, estará à venda na feira SP -Arte/Foto que começa amanhã. A obra, da galeria nova-iorquina 1500, tem o preço estimado em US$ 12 mil. 

INFERNO EM HQ 
Mais um clássico da literatura vai ganhar versão em quadrinhos: "A Divina Comédia", de Dante Alighieri, será lançada pela editora Peirópolis, com ilustrações em nanquim e aquarela do desenhista Piero Bagnariol. 

O trecho do "Purgatório" será adaptado da tradução que a poeta mineira Henriqueta Lisboa (1901-1985) fez do texto. 

PÃO COM CHURRASCO 
A unidade de São Paulo da churrascaria carioca Porcão, que deve ser inaugurada no primeiro trimestre de 2011, nos Jardins, será a primeira da rede a servir café da manhã. O endereço usará a técnica de panificação do restaurante Garcia & Rodrigues, do Rio, do mesmo grupo. 

"PASSIONE" EM INTERLAGOS 
A sétima etapa da Stock Car aconteceu anteontem, no autódromo de Interlagos. Entre os convidados que circularam pelos camarotes do evento estava o ator Marcello Antony. Ele, que interpreta o piloto Gerson na novela "Passione" (TV Globo), gravou cenas da trama no local. 

CURTO-CIRCUITO 

O grupo Eccho & The Bunnymen se apresentará no dia 11 de outubro, às 21h30, no Credicard Hall. Classificação etária: 14 anos. 

A festa de abertura do Festival Internacional de Cinema Infantil acontece no sábado, a partir das 10h30, no Cinemark do shopping Eldorado. Livre. 

Ângelo Milani inaugura a mostra "Infinitudes aos Pedaços" na quinta, às 19h, no Lugar Pantemporâneo. 

Ameerah se apresenta no sábado, às 23h, na festa de um ano do Megga. 18 anos. 

Céu faz show no sábado, às 22h, no Circo Voador, no Rio. Classificação etária: 18 anos. 

com DIÓGENES CAMPANHA (interino), LEANDRO NOMURA e LÍGIA MESQUITA 

SENADOR JOSÉ AGRIPINO

MERVAL PEREIRA

Lula rebaixa a cidadania 
Merval Pereira
O GLOBO - 07/09/10

O mais espantoso na atuação do presidente Lula no episódio das quebras múltiplas de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB, até mesmo a filha do candidato tucano à Presidência da República, é como ele manipula seus seguidores, explorando-lhes a boa-fé e, sobretudo, a ignorância. José Serra lamentou que Lula tenha "debochado de coisa séria" quando fez análises nada republicanas sobre o episódio.


Segundo o presidente, em cima de um palanque, o episódio não passa de "futrica", e o candidato do PSDB "está nervoso" com a previsão de derrota e está usando sua família "para se fazer de vítima".

Seriam comentários ofensivos à cidadania, partidos de um presidente que deveria ser imparcial quando o assunto são as garantias dos direitos individuais dos cidadãos, sejam eles petistas ou não, lulistas ou não.

Mas o mais grave, do ponto de vista da manipulação do eleitorado, está na frase que jogou no ar como se fosse um desafio: "Cadê esse tal de sigilo que ninguém viu?" O presidente Lula se utiliza assim da dificuldade que o brasileiro comum tem de compreender os meandros da disputa política, muito mais quando se trata de questões técnicas ligadas a computadores e senhas eletrônicas, para tentar desmoralizar a questão, reduzindo-a a uma "futrica" de perdedor.

Se o tal do "sigilo" não apareceu, é porque não existe, quer levar a crer o nosso nada republicano presidente.

É conhecida a piada que circula entre os petistas segundo a qual Lula teria dito que essa questão de dossiê não abala seu eleitorado, pois eles não sabem o que quer dizer a palavra, e muitos a confundem com "doce".

Há também o raciocínio segundo o qual como apenas 40 milhões de brasileiros declaram o Imposto de Renda, a imensa maioria dos eleitores não estaria preocupada com o assunto.

Para se ter uma noção do que esse raciocínio perverso embute, dos 130 milhões de eleitores, cerca de 60% são formados por analfabetos, analfabetos funcionais ou pessoas que não completaram o ensino fundamental.

Ora, a esta altura dos acontecimentos, todo cidadão de boa-fé e minimamente informado sabe que os dados colhidos em diversas instâncias da Receita Federal, em várias partes do país, estão espalhados em diversos documentos que circularam no comitê da candidata oficial Dilma Rousseff.

Não foram usados formalmente, nem nunca seriam, pois trata-se de material ilegal.

Mas estão sendo espalhados há muito tempo em diversos blogs e continuam sendo usados com insinuações contra as vítimas dos atentados.

A própria candidata Dilma Rousseff, abusando da inteligência de seus interlocutores e seguindo por um caminho perigoso, insinuou em entrevista coletiva que os dados levantados sobre Verônica Serra seriam usados por membros do próprio PSDB contra Serra, que àquela altura ainda disputava com o ex-governador de Minas Aécio Neves a escolha do partido para concorrer à Presidência da República.

Os petistas engendraram uma pseudoexplicação que culpa a vítima, e Dilma se encarregou de tornar essa intriga em fato de campanha na sua entrevista.

A disputa entre Serra e Aécio seria a verdadeira origem do tal dossiê, que eles negavam existir e agora, diante das evidências, querem jogar no colo de Aécio Neves, numa mesquinha tentativa de confundir os eleitores.

Mais uma vez coube à chamada grande imprensa, para ódio dos governistas e seus blogueiros chapas-brancas, demonstrar que essa versão não se sustenta.

Tanto os acessos em Santo André quanto os de Formiga, em Minas Gerais, foram feitos por pessoas filiadas ao PT, o que deixa evidente o caráter político das quebras de sigilo.

Essa é uma prática comum ao Partido dos Trabalhadores e tem uma longa história, desde quando o partido era de oposição, mas já mantinha nos principais órgãos públicos uma grande influência graças aos sindicalistas enfronhados na máquina pública.

Na oposição os petistas usavam seu poder de quebrar sigilos e de conseguir documentos para fazer denúncias contra o governo de Fernando Henrique Cardoso.

No governo, montaram uma máquina de informações não apenas para difundir notícias falsas sobre seus adversários como para usar as informações como arma política de chantagem nas negociações de bastidores.

O cérebro desse esquema de informações paralelo e ilegal foi o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, que se vangloria até hoje dos métodos que aprendeu quando esteve exilado em Cuba.

À medida que vão se acumulando as evidências de que o PT não sabe disputar eleições dentro da normalidade democrática, acumulamse também as provas de que o que um dirigente petista disse ontem na oposição não tem a mesma correspondência no futuro e em situações similares quando o partido está no poder.

Eleito em 2002, Lula reconheceu que o então presidente Fernando Henrique Cardoso havia se comportado como "um estadista" e que, se não fosse essa sua postura imparcial, talvez não vencesse a eleição.

Justamente o que não está fazendo hoje, quando se comporta como o chefe de uma facção política tentando fazer sua sucessora, sem se incomodar com as limitações que a legislação impõe.

Lula usa seu enorme carisma e sua popularidade, e o PT utiliza a máquina do Estado, para acobertar as ilegalidades cometidas e manipular o eleitorado.

Ele trabalha permanentemente para reduzir a cidadania a uma reivindicação elitista, neutralizando a política e dando pão e circo à sua massa de manobra.

ISABEL LUSTOSA

A invenção do 7 de Setembro

Isabel Lustosa 
O Estado de S.Paulo - 07/09/10

Quando se deu realmente a Independência do Brasil? Porque, quando consultamos os jornais de 1822, não há nenhuma referência ao que se passou nas margens do Ipiranga em 7 de setembro? Porque aquele episódio foi escolhido em detrimento de outros, quando sabe que, em 1822, a data tomada como marco da Independência foi o 12 de outubro, dia do aniversário de dom Pedro I e de sua aclamação como imperador? Essas e outras questões foram respondidas, em artigo de enorme valor acadêmico, porém pouco conhecido, publicado em 1995, pela historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Intrigada com o silêncio da documentação e das publicações do ano de 1822 sobre o 7 de setembro, Lourdes Lyra devassou essa história e estabeleceu ponto por ponto o processo e os interesses envolvidos na escolha do 7 de setembro como data da Independência. Um ponto que merece realce é que os documentos que supostamente dom Pedro I teria lido às margens do Ipiranga no dia 7 só teriam chegado ao Rio de Janeiro em 22 de setembro. Outro é que o primeiro relato detalhado do episódio do Ipiranga só foi publicado em 1826, em momento de desprestígio do imperador diante dos brasileiros que tinham feito a Independência e que se indignaram com as bases do tratado assinado com Portugal.
A Inglaterra, que representou junto à Corte do Rio de Janeiro seus próprios interesses e os da Coroa portuguesa, pressionara o imperador. Dom Pedro foi convencido a aceitar que, no tratado pelo qual Portugal reconhecia a nossa Independência, ao contrário de todos os documentos do ano de 1822 que a davam como uma conquista dos brasileiros, constasse que esta nos fora concedida por dom João VI. Este era também reconhecido como imperador do Brasil que abdicava de seus direitos ao trono em favor do filho e ao qual ainda tivemos de pagar vultosa indenização. O patente interesse de dom Pedro em conservar seus direitos à sucessão do trono de Portugal, que essa fórmula do tratado revelava, apontava no sentido de uma posterior reunificação dos dois reinos.
Um príncipe que se declarara constitucional, que desde o Fico (9 de janeiro de 1821) vinha sendo aclamado até pelos setores mais liberais, que rompera com Lisboa e convocara eleições para uma Assembleia Constituinte, tão amado que recebera da Câmara o título de Defensor Perpétuo do Brasil, fora pouco a pouco se convertendo num tirano. Primeiro, ao dissolver a Assembleia Constituinte, depois, pela forma violenta com que reprimiu a Confederação do Equador e, finalmente, pela assinatura do vergonhoso tratado.
É nesse contexto que a escolha do 7 de setembro como data da Independência ganha sentido. Segundo Lourdes Lyra, até então tinham sido consideradas as seguintes datas decisivas para o processo: o 9 de janeiro, dia do Fico; o 3 de maio, dia da inauguração da Assembleia Constituinte Brasileira; e o 12 de outubro, dia da Aclamação. Foi o esforço concentrado do Senado da Câmara (atual Câmara Municipal) do Rio de Janeiro, durante o mês de setembro de 1822, enviando mensagem à Câmaras das principais vilas do Brasil - num tempo em que eram as vilas e cidades as instâncias decisivas da política portuguesa -, que fez com que, na fórmula consagrada, constasse que dom Pedro fora feito imperador pela "unânime aclamação dos povos". Foi o apoio das Câmaras e de setores da elite e do povo do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais que deu forças ao príncipe para se contrapor às decisões de Lisboa.
Segundo bem demonstra Lourdes Lyra, a opção pelo 7 de setembro casava bem com a ideia de que a Independência fora obra exclusiva de dom Pedro e essa data foi estrategicamente escolhida para a assinatura do tratado de 1825. Foi a partir de então que começaram a surgir referências mais entusiásticas ao 7 de setembro no Diário Fluminense, que fazia as vezes de órgão oficial do governo, e, em 1826, esse dia foi incluído entre as datas festivas do Império. Essa obra in progress foi reforçada ainda naquele ano pela publicação do famoso relato do padre Belchior, a primeira descrição minuciosa dos fatos que se verificaram às margens do Ipiranga por uma testemunha ocular da História. Ao lado deste, dois outros relatos publicados bem mais tarde por membros do grupo que acompanhou dom Pedro a São Paulo passariam a ser a fonte privilegiada para o estudo da data.
O coroamento da obra se deveria ao Visconde de Cairu, intelectual respeitado que se conservou sempre aos pés do trono. Em sua História do Brasil, publicada em partes entre 1827 e 1830, Cairu afirma que a Independência do Brasil foi "obra espontânea e única" de dom Pedro, que a tinha proclamado "estando fora da Corte, sem ministros e conselheiros de Estado, sem solicitação e moral força de requerimento dos povos". Estava entronizado o mito do herói salvador, e postos na sombra os outros protagonistas, como José Bonifácio, Gonçalves Ledo e os membros de todas as Câmaras que impulsionaram e sustentaram o príncipe em suas decisões. Sem esse poderoso elenco de coadjuvantes, ao contrário do que afirma Cairu, não teria ocorrido a Independência.
É interessante como símbolos forjados a partir de circunstâncias fortuitas se podem transformar com o tempo. Prova de que na memorabilia pátria menos que os fatos importam o peso que a tradição lhes imprimiu. Foi assim, durante todo o Império com a Constituição de 1824. O gesto de sua criação - ela foi outorgada, e não resultou da deliberação de uma Assembleia - não impediu que ela fosse respeitada e sacramentada até muito depois da deposição de dom Pedro I. O mesmo se deu com o 7 de setembro. A data impôs-se sobre as demais, hoje esquecidas, e continuou a ser festejada com o mesmo entusiasmo depois da abdicação, em 7 de abril de 1831, e bem depois de proclamada a República.
CIENTISTA POLÍTICA PELO IUPERJ, É HISTORIADORA DA CASA DE RUI BARBOSA NO RIO DE JANEIRO