Lula rebaixa a cidadania
Merval Pereira
O GLOBO - 07/09/10
Segundo o presidente, em cima de um palanque, o episódio não passa de "futrica", e o candidato do PSDB "está nervoso" com a previsão de derrota e está usando sua família "para se fazer de vítima".
Seriam comentários ofensivos à cidadania, partidos de um presidente que deveria ser imparcial quando o assunto são as garantias dos direitos individuais dos cidadãos, sejam eles petistas ou não, lulistas ou não.
Mas o mais grave, do ponto de vista da manipulação do eleitorado, está na frase que jogou no ar como se fosse um desafio: "Cadê esse tal de sigilo que ninguém viu?" O presidente Lula se utiliza assim da dificuldade que o brasileiro comum tem de compreender os meandros da disputa política, muito mais quando se trata de questões técnicas ligadas a computadores e senhas eletrônicas, para tentar desmoralizar a questão, reduzindo-a a uma "futrica" de perdedor.
Se o tal do "sigilo" não apareceu, é porque não existe, quer levar a crer o nosso nada republicano presidente.
É conhecida a piada que circula entre os petistas segundo a qual Lula teria dito que essa questão de dossiê não abala seu eleitorado, pois eles não sabem o que quer dizer a palavra, e muitos a confundem com "doce".
Há também o raciocínio segundo o qual como apenas 40 milhões de brasileiros declaram o Imposto de Renda, a imensa maioria dos eleitores não estaria preocupada com o assunto.
Para se ter uma noção do que esse raciocínio perverso embute, dos 130 milhões de eleitores, cerca de 60% são formados por analfabetos, analfabetos funcionais ou pessoas que não completaram o ensino fundamental.
Ora, a esta altura dos acontecimentos, todo cidadão de boa-fé e minimamente informado sabe que os dados colhidos em diversas instâncias da Receita Federal, em várias partes do país, estão espalhados em diversos documentos que circularam no comitê da candidata oficial Dilma Rousseff.
Não foram usados formalmente, nem nunca seriam, pois trata-se de material ilegal.
Mas estão sendo espalhados há muito tempo em diversos blogs e continuam sendo usados com insinuações contra as vítimas dos atentados.
A própria candidata Dilma Rousseff, abusando da inteligência de seus interlocutores e seguindo por um caminho perigoso, insinuou em entrevista coletiva que os dados levantados sobre Verônica Serra seriam usados por membros do próprio PSDB contra Serra, que àquela altura ainda disputava com o ex-governador de Minas Aécio Neves a escolha do partido para concorrer à Presidência da República.
Os petistas engendraram uma pseudoexplicação que culpa a vítima, e Dilma se encarregou de tornar essa intriga em fato de campanha na sua entrevista.
A disputa entre Serra e Aécio seria a verdadeira origem do tal dossiê, que eles negavam existir e agora, diante das evidências, querem jogar no colo de Aécio Neves, numa mesquinha tentativa de confundir os eleitores.
Mais uma vez coube à chamada grande imprensa, para ódio dos governistas e seus blogueiros chapas-brancas, demonstrar que essa versão não se sustenta.
Tanto os acessos em Santo André quanto os de Formiga, em Minas Gerais, foram feitos por pessoas filiadas ao PT, o que deixa evidente o caráter político das quebras de sigilo.
Essa é uma prática comum ao Partido dos Trabalhadores e tem uma longa história, desde quando o partido era de oposição, mas já mantinha nos principais órgãos públicos uma grande influência graças aos sindicalistas enfronhados na máquina pública.
Na oposição os petistas usavam seu poder de quebrar sigilos e de conseguir documentos para fazer denúncias contra o governo de Fernando Henrique Cardoso.
No governo, montaram uma máquina de informações não apenas para difundir notícias falsas sobre seus adversários como para usar as informações como arma política de chantagem nas negociações de bastidores.
O cérebro desse esquema de informações paralelo e ilegal foi o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, que se vangloria até hoje dos métodos que aprendeu quando esteve exilado em Cuba.
À medida que vão se acumulando as evidências de que o PT não sabe disputar eleições dentro da normalidade democrática, acumulamse também as provas de que o que um dirigente petista disse ontem na oposição não tem a mesma correspondência no futuro e em situações similares quando o partido está no poder.
Eleito em 2002, Lula reconheceu que o então presidente Fernando Henrique Cardoso havia se comportado como "um estadista" e que, se não fosse essa sua postura imparcial, talvez não vencesse a eleição.
Justamente o que não está fazendo hoje, quando se comporta como o chefe de uma facção política tentando fazer sua sucessora, sem se incomodar com as limitações que a legislação impõe.
Lula usa seu enorme carisma e sua popularidade, e o PT utiliza a máquina do Estado, para acobertar as ilegalidades cometidas e manipular o eleitorado.
Ele trabalha permanentemente para reduzir a cidadania a uma reivindicação elitista, neutralizando a política e dando pão e circo à sua massa de manobra.
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