quinta-feira, janeiro 21, 2010

MÔNICA BERGAMO

Saca-rolha

Folha de S.Paulo - 21/01/2010


O grupo Fasano, um dos líderes da insurgência contra a lei da Gorjeta, se rendeu. Assinou acordo com o Sinthoresp (sindicato dos garçons) para repassar integralmente a taxa de serviço para os funcionários, descontando apenas 35% desse valor para encargos trabalhistas.

Em julho de 2009, no hotel Fasano, representantes de casas como Antiquarius, D.O.M. e A Figueira Rubaiyat discutiam como pressionar Brasília para barrar o projeto de lei, ainda em tramitação, que regulamenta o repasse da gorjeta -mas com desconto mais apertado, de 20%, para pagar encargos.

SACA-ROLHA 2
Hoje, o grupo Fasano, como grande parte dos restaurantes, acumula processos de ex-empregados que reclamam não só de direitos trabalhistas sobre a taxa de serviço como do desconto de itens perdidos, como copos quebrados e talheres desaparecidos.

LULAFOLIA 1
Verba estatal vai chover mais que papel picado no Carnaval de SP. Na terça-feira, o Ministério do Turismo juntou para uma reunião com as escolas de samba patrocinadores faixa-preta como Eletrobras, Petrobras, Correios e Caixa Econômica Federal.

LULAFOLIA 2
Reunidos a pedido do presidente Lula, que prometeu às escolas um investimento em volume nunca antes visto na história do Carnaval paulista, as empresas prometeram generosidade na verba, que ajudará nas despesas das agremiações já neste ano. Uma delas prometeu sacar R$ 2 milhões do bolso.

LULAFOLIA 3
O Ministério da Cultura aprovou autorização para abatimento em impostos no valor de R$ 1,6 milhão para quem se dispuser a patrocinar uma "turnê de lançamento do novo CD" do cantor Carlinhos Brown por dez capitais brasileiras.

LULAFOLIA 4
E o presidente sancionou lei que cria o Dia Nacional da Baiana de Acarajé no calendário de efemérides nacionais, no dia 25 de novembro.

COMEÇAR DE NOVO
O Condephaat (órgão estadual do patrimônio histórico) faz reunião extraordinária hoje para discutir como será a reconstrução dos prédios de São Luiz de Paraitinga, cidade destruída pelas enchentes. Ali, vai decidir se usa técnicas tradicionais como taipa de pilão ou métodos mais modernos.

DOMINGO NO PARQUE
O parque Villa-Lobos vai abrigar o Cirque du Soleil na próxima temporada paulistana, a partir de 19 de fevereiro. Quatrocentas pessoas trabalharão na montagem. São 53 contêineres de parafernália.

TAXISTA FASHIONISTA
Os taxistas credenciados para trabalhar na semana de moda paulista precisam usar roupa social para apanhar passageiros no parque Ibirapuera. "A organização e o sindicato decidiram que eles têm que usar calça social preta e camisa branca", diz o agente de fiscalização da SPTrans, Paulo César.

O PENETRA VEM AÍ
O longa "VIPs", do diretor Toniko Melo, está em fase de finalização e deve estrear em julho. A fita é inspirada na história de Marcelo Nascimento (no filme, Wagner Mouro), o célebre penetra que se passava por Henrique Constantino, dono da Gol, e chegou a dar entrevistas usando a falsa identidade.

JESUS LUZ

"Tô ficando tonto, pessoal!"
"Ah, eu já estou me acostumando [com o assédio]. Mas sempre dá um friozinho na barriga", diz Jesus Luz à repórter Lígia Mesquita antes de discotecar no clube Lions, no centro de SP, e após desfilar pela Ellus na São Paulo Fashion Week, na noite de terça-feira.

Entre o desfile e a festa, o namorado de Madonna viveu mais um dia de popstar. Quando precisou sair do camarim para ir ao banheiro, teve de ser escoltado por seguranças, que o protegeram dos fotógrafos e cinegrafistas. Depois, entre muitos flashes, reclamou: "Tô ficando tonto, pessoal!".

No desfile da Ellus, foi instalado em camarim exclusivo, com champanhe gelado e mesa de comidinhas, como cuscuz. Seus cachos eram alisados pelo cabeleireiro Robert Estevão. "É para abrir o rosto dele, botar o cabelo para trás. Porque ele é lindo, né?", disse a estilista e empresária Adriana Bozon, dona da marca.

No Lions, ele vestia a camiseta gola "V" que usou à tarde no camarim e a mesma jaqueta de couro que usou no desfile. Peterson Ibrahim, que empresaria o Jesus DJ, tira muitas fotos do cliente, a todo momento. "Jesus vai discotecar em Paris e Moscou neste semestre", ele conta. E o cachê para tocar no Brasil, de quanto é? "Não posso falar, mas é algo em torno de R$ 40 mil."

Ontem, Jesus discotecaria no clube Royal, com renda destinada às vítimas do forte terremoto que arrasou o Haiti na semana passada. Pensa em se engajar de vez na causa e ampliar a ajuda? "Penso, mas ainda estou estudando como fazer", diz, ao estilo Madonna.

CURTO-CIRCUITO

O ESPETÁCULO "Cada Um Com Seus Pobrema", com Marcelo Médici, tem apresentação amanhã, às 22h, no Citibank Hall, em Moema. Classificação etária: 12 anos.
ACONTECE hoje para convidados a festa Top Night Mercedes-Benz, às 21h, na Casa Fasano, com exibição de fotos de Luiz Tripolli e discotecagem de Fernando Figueiredo.
O GRUPO 3naMassa faz show hoje, às 20h, no lounge Seda na São Paulo Fashion Week. Classificação etária: livre.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Aché se prepara para lançamento de ações

Folha de S.Paulo - 21/01/2010


O Aché Laboratórios, segunda maior farmacêutica brasileira em participação de mercado, retomou seus planos de abertura de capital. Em 2007, em meio ao boom de IPOs (Ofertas Públicas Iniciais, na sigla em inglês), a empresa já anunciava que tinha planos de fazer o seu lançamento inicial de ações.

Naquele ano, os controladores do laboratório chegaram a começar a separar os ativos não farmacêuticos com o objetivo de preparar a companhia para a abertura. Os ativos agrícolas foram retirados da estrutura societária da farmacêutica, controlada pelas famílias Siaulys, Baptista e Depieri. Esse processo já foi concluído.

Mas o projeto de IPO foi suspenso em 2008 com a chegada da crise financeira internacional e agora está sendo resgatado. O registro para a abertura de capital ainda não foi pedido na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) pela Aché. A empresa informa que a oferta de ações ainda não tem uma data prevista.

A companhia deverá encerrar 2009 com um total de vendas brutas próximo a R$ 2 bilhões. Os números do ano passado ainda não foram fechados pela empresa. O faturamento bruto da Aché Laboratórios em 2008 ficou em aproximadamente R$ 1,9 bilhão.

As operações de abertura de capital na Bolsa se aqueceram em 2007, quando a Bovespa registrou 64 novos papéis. Em 2008 e 2009, os processos estacionaram com apenas quatro e seis IPOs em cada ano, respectivamente.

O mercado deve crescer novamente em 2010, de acordo com especialistas. Neste ano, em menos de um mês, as empresas Aliansce Shopping Centers e Multiplus anunciaram suas aberturas de capital.

Indústria do cobre registra deficit em 2009
Termômetro da economia, que fornece produtos para os setores da construção civil, automobilístico, eletrônico e outros, a indústria do cobre continua pessimista em 2010, segundo o Sindicel.

Abalada por crise e queda na demanda internacional, a indústria brasileira do cobre fechou novembro com deficit de US$ 156,3 milhões na balança comercial. A previsão é que alcance US$ 165 milhões em dezembro.

"Houve um recuo de 15% nas atividades do setor em 2009. Em 2010, teremos dificuldade em elevar os preços dos produtos, que hoje estão 10% abaixo do patamar necessário para ter margens que gerem capital para investimento. Os clientes se habituaram ao atual nível de preços", diz Sérgio Aredes, presidente do Sindicel.

"Fazemos material de acabamento, que só entra depois de levantadas as paredes. Se a construção retoma em nível forte, temos que esperar até o fim do ano para aproveitar", diz.

NOVOS VOOS
A menos de um mês do fim da quarentena que teve de cumprir após deixar a presidência da TAM, em outubro do ano passado, David Barioni Neto se diz dividido entre duas áreas: a de logística e infraestrutura e a de prestação de serviços, duas faces do seu posto anterior. "São minhas especialidades. Ambas têm grande potencial de crescimento no Brasil." O executivo decide seu destino nos próximos dias.

CORTE, COSTURA E NEGÓCIOS
Amir Slama, que deixou a grife Rosa Chá no ano passado e vai lançar em maio uma marca que leva seu nome, recebeu, no início desta semana, em São Paulo, o empresário Boris Provost, diretor de comunicação do WSS Developpement, grupo francês proprietário dos salões de confecção e acessórios de moda Who's Next. Provost veio ao país para negociar parcerias com estilistas brasileiros. "A ideia é trazer estilistas franceses para exporem aqui e ampliar a presença de brasileiros lá", afirma Slama, que é curador do salão Casamoda, de negócios do setor. O estilista se prepara para inaugurar, ainda neste ano, três lojas da sua nova grife Amir Slama, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Nova York.

GARIMPO 1
A Arisp (associação dos registradores imobiliários) contratou Norma Cianflone Cassares, professora da USP e especialista em restauração de documentos em papel, para fazer uma "recuperação de água" na documentação dos cartórios de São Luiz do Paraitinga.

GARIMPO 2
A entidade está investindo cerca de R$ 250 mil nesse processo de recuperação, que abrange mais de 3.000 documentos de registros de compra e venda de imóveis. É um resgate histórico, pois há livros com registros de transações imobiliárias dos séculos 18 e 19.

GOSTOSA

CELSO MING

O rombo vai aumentar


O Estado de S. Paulo - 21/01/2010

O rombo nas contas externas do Brasil em 2009 foi maior do que o esperado e vai crescer substancialmente tanto em 2010 como em 2011.

Em princípio, nada há de errado nisso, desde que a qualidade do financiamento desse déficit seja adequada. Mas, para avaliar melhor as consequências, isso tem de ser trocado em miúdos.

Primeiramente, o conceito. Contas Correntes do Balanço de Pagamentos de uma economia é o pedaço da contabilidade externa de um país que registra pagamentos e recebimentos com o resto do mundo. Englobam os resultados de três subcontas: o comércio (exportações e importações), os serviços (juros, transportes, seguros, royalties, turismo, etc.) e as transferências unilaterais (que são, por exemplo, aquele dinheiro que as famílias recebem ou mandam de ou para parentes que estão no exterior).

Quando são negativas, ou seja, quando tem mais dinheiro saindo do que entrando, as Contas Correntes refletem mais consumo do que capacidade de poupança. É isso que está acontecendo agora. O gráfico mostra o comportamento das Contas Correntes durante o governo Lula.

No ano passado, o déficit em Contas Correntes foi de US$ 24,3 bilhões (1,6% do PIB), menor do que o de 2008, que foi de US$ 28,2 bilhões (1,7% do PIB). Mas foi mais alto do que o esperado. Para 2010 está previsto um novo salto nessas Contas. O Banco Central (BC) projeta um déficit de US$ 40 bilhões e o mercado (Pesquisa Focus) conta com um déficit de US$ 45,6 bilhões (alguma coisa em torno de 2,5% do PIB).

Os alarmistas já estão perdendo o sono porque se lembram dos tempos em que o Brasil quebrou. Não é o caso de agora. Um rombo nas Contas Correntes não é ruim em si mesmo. Depende de como é coberto. Se fosse financiado com recursos de curto prazo, o risco seria grande porque capitais dessa natureza são bichos espantados que fogem ao primeiro ruído. Mas, se for coberto com entrada de recursos de longo prazo, especialmente por Investimento Estrangeiro Direto (IED), que vem para ficar, certamente não deve levantar preocupações imediatas. Lá na frente, quando esses recursos produzirem resultados, estarão dando origem a novas despesas do País, com remessas de lucros. No entanto, se a economia continuar equilibrada e previsível (o que vai depender do comportamento das contas públicas), esses investimentos continuarão crescendo.

Em 2008, o IED foi de US$ 45,1 bilhões. Em 2009, caiu para US$ 25,9 bilhões por causa da crise global. Mas em 2010 deverá crescer para US$ 45 bilhões, conforme apontam as projeções do BC. (Veja o gráfico no Confira.)

Também não foi desprezível a aplicação estrangeira em ações de empresas brasileiras. Em 2009, atingiu US$ 37,1 bilhões, volume que poderá aumentar em 2010, porque o Brasil é uma das poucas economias relevantes que apresentará crescimento superior a 5% ao ano.

Para fechar essa equação com mais segurança seria preciso controlar duas variáveis. A primeira tem a ver com o desempenho da economia mundial. Uma recaída na crise, por exemplo, poderia azedar o jogo econômico.

A outra é o risco eleitoral. Ninguém sabe o que os principais candidatos estão aprontando para a política econômica. Está aí um campo minado no qual não pode haver pisada em falso.

Confira

É o mercado interno - O investimento estrangeiro procura oportunidades no mercado interno. Como é difícil levar a fábrica embora, esse tipo de investimento não sai do País apenas porque alguma coisa está errada nas contas externas.

BRASÍLIA -DF

O fim da miséria

Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/01/2010


O ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias (PT), garante que até o fim do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o governo acabará com a miséria absoluta no Brasil. Será o resultado do direcionamento dos gastos sociais para as parcelas mais pobres da população. A “focalização” surgiu como ideia social-liberal, na equipe do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, para compensar o impacto do ajuste fiscal do governo Fernando Henrique Cardoso junto à população de baixa renda, mas não passou de uma espécie de “amostra grátis”. No atual governo, a “focalização” da assistência social mudou de natureza com a decisão do presidente Lula de estender o programa Bolsa Família a todas as famílias que estavam abaixo da linha de pobreza. Uma espécie de salto de qualidade decorrente da escala. Hoje, há 11,6 milhões de famílias beneficiadas pelo programa, aproximadamente 46,2 milhões de pessoas, ou seja, mais de 25% da população, beneficiadas com R$ 13,1 bilhões. Somam-se a essas pessoas 1,6 milhão de idosos e 1,8 milhão de portadores de deficiência que recebem do governo um salário-mínimo por mês de benefícios, num total de mais R$ 16 bilhões. Sem falar nos 7,6 milhões de aposentados rurais, beneficiados pela Constituição de 1998, que hoje recebem em média R$ 533,20.


Brasília, 50 anos// Com a crise do GDF, o pacote de 50 obras prometidas para os 50 anos de Brasília não ficará pronto na data prevista, 21 de abril. Mas o governador José Roberto Arruda (sem partido) quer inaugurar, pelo menos, a nova rodoviária interestadual e a torre da tevê digital no aniversário da capital.


Ideia-força


Criticar o Bolsa-Família pode dar votos para um candidato em busca de apoio da alta classe média, mas virou suicídio eleitoral para quem disputa eleições majoritárias. Acusado de assistencialista e populista pela oposição, o programa conquistou corações e mentes de uma grande parcela da população até então excluída da esfera de atendimento do Estado, ampliou a renda nas periferias e grotões e praticamente erradicou a fome endêmica no país. Em relação ao presidente Lula, tem o mesmo papel que a carteira assinada e o salário-mínimo representaram para Getúlio Vargas (foto).


Banqueiros

Pesquisa MCM na banca paulista endossa a política monetária do governo Lula (91% de bom e ótimo), o controle da inflação (88% de bom e ótimo) e a política cambial (65% de bom e ótimo), mas detona a política fiscal (69% de bom e ótimo). Quanto à sucessão de Lula, 59% acreditam na vitória de Serra e 21%, na de Dilma.


Caridade

O PTB deve desembolsar, em breve, R$ 30 mil para o PT e para o deputado Geraldo Magela, do PT-DF. O dinheiro resulta de uma ação em fase de execução pelo Tribunal de Justiça do DF em que o partido comandado pelo ex-deputado Roberto Jefferson foi condenado por acusar o petista de corrupção e grilagem de terras durante programa eleitoral, em 2004. Magela decidiu doar sua parte na indenização a uma entidade de apoio a crianças com câncer.


Vazante



Candidato do PT ao governo do Distrito Federal, o ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz (foto) enfrenta dificuldades para consolidar suas alianças. O PSB discute o lançamento da candidatura do deputado Rodrigo Rollemberg (DF) na próxima segunda-feira. No PDT, também se consolida o nome do deputado distrital José Antônio Reguffe.


Aceleração

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 1995 e 2008, a queda média anual na taxa nacional de pobreza absoluta (até meio salário mínimo per capita) foi de -0,9%, enquanto na taxa de pobreza extrema (até um quarto de salário mínimo per capita) foi de -0,8% ao ano. Entre 2003 e 2008, a queda na taxa de pobreza absoluta foi de -3,1%, enquanto na taxa de pobreza extrema foi de -2,1% ao ano. Para acelerar esse processo, o governo pretende ampliar o Bolsa Família para
12,9 milhões de famílias


Contrato/ Um contrato de mais de R$ 190 milhões para o fornecimento de 15 mil kits destinados aos telecentros do programa Inclusão Digital, do Ministério das Comunicações, está na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). Após representação de uma empresa perdedora, o órgão vai ouvir o subsecretário de Planejamento e Orçamento do ministério, José Maurício Salgado, sobre possíveis irregularidades na fase dos testes de conformidade dos produtos fornecidos.

Dendê/ A convite do líder do PP na Câmara, Mário Negromonte, a presidente da Associação das Baianas de Acarajé, Rita Ventura, deve desembarcar em breve com seu tabuleiro em Brasília. A ideia é servir a iguaria ao presidente Lula, fã do apimentado quitute baiano, para comemorar a criação do Dia Nacional da Baiana de Acarajé, 25 de novembro, lei publicada ontem no Diário Oficial.

Desplugado/ O deputado Celso Russomanno (PP-SP) quer mudar a lei que impôs o novo padrão de tomadas no país. Apesar de serem mais seguras, Russomanno acredita que façam mal ao bolso do consumidor. Pelos seus cálculos, uma tomada no novo padrão sai em média R$ 4, e cada residência possui em torno de 20 tomadas, o que custaria ao consumidor R$ 80. Ele estima em 40 milhões o número de domicílios com energia elétrica.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

FERNANDO VAZ

O fascínio pela tecnologia


O Globo - 21/01/2010
O progresso da tecnologia e o desenvolvimento do computador — que na verdade é a primeira máquina feita pelo homem sem um uso especifico, que não só armazena informações, mas, e principalmente, comanda o uso de outras máquinas — modificaram profundamente quase todos os aspectos da vida humana, e tornaram mais fáceis, quase corriqueiras, coisas que há até pouco tempo eram reservadas a poucos, cientistas ou profissionais especificos.

Hoje é possível, por exemplo, planejar, comprar e simular uma viagem praticamente sem sair de casa, reservando e avaliando os hotéis, aviões, passeios, restaurantes etc. apenas com o auxilio de um pequeno computador portátil; e, durante a viagem, ver e falar com os amigos ou parentes que ficaram.

Duas das categorias profissionais mais afetadas por este desenvolvimento são os pilotos de aviões e os cirurgiões.

O desenvolvimento da videocirurgia, da tomografia computadorizada, da ressonância magnética e outros métodos diagnósticos, e a incorporação de novas tecnologias como monitores específicos de anestesia, laser, ultrassom, ondas de choque, dispositivos implantáveis, robôs etc. ao ato cirúrgico vieram melhorar muito os resultados das operações, facilitar a sua execução e diminuir o sofrimento dos que a elas se submetem. É coisa quase do passado o outrora tão temido “choque anestésico ou choque operatório”, como era conhecida a morte na mesa de operação. Respeitadas as normas de segurança, estes eventos se transformaram em uma raridade fora dos hospitais de pronto socorro, de trauma ou dos casos realmente desesperados, de pacientes muito graves, sendo que nestes últimos a família quase sempre participa da decisão.

Mas, a exemplo do que ocorre com os pilotos dos aviões, para utilizá-las com sucesso é preciso que o cirurgião domine amplamente as novas tecnologias, conheça as suas limitações e tenha a legítima preocupação de utilizálas para o bem-estar do paciente, obtendo os melhores resultados. Temos todos, médicos e pacientes, um fascínio por tudo que é novo, e parece avançado...

mas é preciso ressaltar que o compromisso deve ser sempre com o melhor resultado final para o paciente, e não com a nova técnica, pois é isto o que a sociedade espera de nós.

No Brasil, como a maioria das coisa novas não ocorre nos hospitais públicos, e de modo geral são sempre dispendiosas, existe ainda um problema adicional que é a necessidade de pagar os investimentos das instituições ou empresas que estão disponibilizando estas novas técnicas, e às vezes esta necessidade diminui o compromisso com o resultado, o que nunca deveria ocorrer.

Especificamente na área da urologia, minha especialidade, na última década vimos surgir um tratamento ou aparelho novo quase a cada ano, pois esta sempre foi uma especialidade afeita a novas tecnologias. Aliás, principal razão do seu “desmembramento” da cirurgia geral pelos anos 30 foi o aparecimento dos endoscópios, ainda de vidro, que possibilitavam um diagnóstico mais preciso , mas exigiam um longo período de treinamento de quem os utilizava. Na época, uma nova técnica, mas na verdade apenas o aperfeiçoamento de instrumentos idealizados muitos anos antes, mas impossíveis de serem até então fabricados.

Só nos últimos 20 anos, quando já existia a maioria dos métodos diagnósticos mais corriqueiros ainda hoje utilizados, como a ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, além é claro das endoscopias urológicas, doenças até então praticamente incuráveis, como a incontinência urinária e os problemas de ereção, encontraram soluções relativamente simples e eficientes; e, outras, que já eram tratadas com sucesso, mas com operações, como os cálculos renais e as doenças da próstata ou dos rins, muitas vezes são hoje tratadas em um dia ou mesmo sem internações hospitalares Algumas destas novas técnicas são apenas uma evolução das que já existem, e os cirurgiões urologistas são capazes de aprendê-las em pouco tempo, e obter bons resultados rapidamente.

Sem falsa modéstia, é surpreendente a capacidade do médico brasileiro de aprender coisas novas, talvez fruto da improvisação a que todos fomos obrigados a recorrer durante o inicio da vida, trabalhando em hospitais nem sempre bem equipados. Outras são realmente novidades, e que ainda precisam passar pelo crivo do tempo.

Nem sempre tudo que é novo é necessariamente melhor, especialmente em um campo tão difícil de julgar como a saúde humana. E, voltando ao exemplo dos pilotos, se o técnico não dominar plenamente a máquina que usa, os resultados podem ser desastrosos.

É preciso manter sempre a mente aberta para todas as novidades médicas, utilizá-las com critério, mas sobretudo é preciso lembrar que o paciente, e não a máquina, é a razão da nossa existência. E que o seu julgamento final sobre o resultado do seu tratamento será sempre o resultado obtido, e não o método empregado.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

O cinismo da burla

O Estado de S. Paulo - 21/01/2010

A falta de consequências para quem infringe as leis ? ou, em outras palavras, a impunidade em excesso ? tornou-se uma doença social e política crônica, a tal ponto que quase ninguém mais se espanta com a burla continuada das normas legais. E, assim como há quem pensa que as leis estão aí para serem violadas, há quem se sinta particularmente à vontade, fazendo tábula rasa da lei eleitoral.

Ora, as normas eleitorais existem para equilibrar a participação de candidatos e partidos nas disputas por mandatos, impedindo abusos decorrentes do aproveitamento da máquina pública e do poder econômico. Sem esses controles o País seria dirigido por oligarcas e magnatas, comprometidos apenas com seus projetos de poder, e não com o interesse público.

Essas leis, no entanto, veem sendo sistematicamente desrespeitadas há longo tempo e sem disfarces. Os prazos eleitorais, o calendário dos registros das candidaturas, os períodos de desincompatibilização, as datas de início das campanhas eleitorais ? tudo isso é definido por lei e regulamentado por instruções da Justiça Eleitoral. Como se explica, então, a escandalosa tolerância em relação à campanha antecipada promovida pelo presidente da República em benefício de sua candidata à sucessão, a ministra Dilma Rousseff?

Na terça-feira, mais uma vez ? já se perdeu a conta ?, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado da candidata-ministra, a pretexto de inaugurar obras, abrilhantou um espalhafatoso comício eleitoral, desta vez em Minas Gerais, o segundo colégio eleitoral do País. A candidata e seu patrocinador estiveram em Juiz de Fora, para a inauguração de uma termoelétrica movida a etanol; em Jenipapo, para a inauguração de uma barragem; e no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do País, em visita a uma escola técnica. Lá, a ministra recebeu a ovação de 3 mil pessoas ? mobilizadas e transportadas não se sabe por quem ? ao prometer a "liberação imediata" de verbas para asfaltar trechos da Rodovia BR?367, que corta Minas e vai até a Bahia. Em sua arenga, a chefe da Casa Civil atacou pesado a oposição. Para isso, criou aquilo que os especialistas chamam de "espantalho", ou seja, atribuiu ao adversário uma intenção inexistente para poder desancá-lo. No caso, disse que, se a oposição ganhar a eleição presidencial, acabará com os programas sociais do governo Lula, especialmente o Bolsa-Família, e com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Mas o problema não é o que a ministra diz que a oposição fará. O problema é a escancarada burla à legislação eleitoral, quando a esta altura, antes dos prazos, das convenções partidárias, se fazem comícios claros e explícitos, sem qualquer disfarce. O problema é que se fazem promessas e ataques de natureza puramente eleitoral. O problema é a desfaçatez com que o presidente Lula reconhece a própria transgressão, a ponto de lembrar que, dentro de poucos meses, estará proibido, pela Justiça Eleitoral, de fazer tais "inaugurações", carregando a sua candidata a tiracolo, pois isso caracterizaria o uso indevido da máquina pública. Na verdade, proibido sempre esteve, pois a lei estabelece prazo para o início da campanha e veda qualquer antecipação.

Mas o presidente Lula não se abala diante de pormenores como a Lei Eleitoral. Certo de que ninguém o impedirá de continuar fazendo comícios eleitorais para impulsionar a candidatura de Dilma Rousseff, promete ir adiante. "É importante que a gente inaugure o máximo de obras possível para que a gente possa mostrar quem foram as pessoas que ajudaram a fazer as coisas nesse país." E já há uma vasta agenda de inaugurações-comícios até o fim de fevereiro. Sem falar, é claro, nas solenidades realizadas na sede do governo, em Brasília, há muito também transformadas em comícios eleitorais. É claro que a ministra Dilma deve ter tido uma participação fundamental em todas essas obras (inauguradas, mas não necessariamente concluídas) e em todos os atos do governo que merecem comemoração. Afinal, a primeira providência do presidente Lula, ao ungi-la candidata à sua sucessão, foi nomeá-la "Mãe do PAC", não por sua capacidade gerencial - que é comprovadamente escassa -, mas para ter um pretexto para tê-la a seu lado nos comícios.

GOSTOSA

VINICIUS TORRES FREIRE

China e faniquitos especulativos

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10

China inicia aperto muito gradual do crédito; medida afeta mais quem especula com commodities e moedas

O FANIQUITO de ontem nos mercados baseou-se em dois boatos temperados por declarações vagas e óbvias de dirigentes chineses a respeito do aumento do crédito no país.
De publicamente concreto, o Banco do Povo da China, o BC deles, elevou pela segunda vez no ano (e em uma semana) a taxa de juros de seus títulos de um ano (0,16 ponto percentual, para 1,9264% ao ano) -foi na terça-feira. Ou seja, aumentou o custo de financiamento dos bancos no mercado interbancário, mas ainda se trata de quase nada. No dia 12, o BC havia anunciado um aumento na exigência de reservas.
Os boatos eram os seguintes: 1) O governo teria passado a controlar o volume de concessão de crédito de alguns grandes bancos;
2) Poderia haver já nesta semana uma alta da taxa "básica" de juros da China. Para as manadas dos mercados, a China estaria iniciando uma campanha de aperto monetário, a qual poderia conter o crescimento chinês e, assim, a retomada do crescimento no resto do mundo. Note-se, em primeiro lugar, que os dirigentes chineses demonstraram já inúmeras vezes que temem o crescimento "baixo" (6%, 7% na China), o qual poderia detonar tumulto social. Segundo, uma pequena contenção da China não vai desgovernar a economia mundial. Pelo contrário, pode evitar o risco de superaquecimento, superprodução e bolhas na China (além de conter a inflação de commodities).
O faniquito de ontem pode muito bem ter vindo do pessoal que gosta de especular no parque de diversões de moedas e commodities, que subiram de preço como se o consumo mundial estivesse à toda.
Essas mexidas no crédito podem não balançar o crescimento mundial, mas podem balançar apostas complicadas de especuladores. Por fim, o tumulto na Grécia e na eurolândia não ajuda o ambiente -o "risco Grécia" têm aumentado muito devido ao temor de quebra do superendividado governo grego. Pode ser que o governo tenha começado a apertar os bancos.
No mundo todo, tais coisas podem ocorrer por baixo dos panos, que dirá na China. Jornais chineses e correspondentes da mídia financeira ocidental relatam que, segundo funcionários de bancões chineses, o aperto teria começado. A esse respeito, a Comissão Reguladora dos Bancos Chineses (CRBC) disse oficialmente apenas que os programas de financiamento dos bancos para este ano não serão controlados.
A CRBC fez apenas o comentário de praxe e óbvio sobre os bancos terem de observar critérios de nível de risco e capital adequados etc. Também na quarta, Liu Mingkang, o presidente da CRBC, disse em público que o ritmo acelerado da liberação de financiamentos bancários nas duas primeiras semanas de janeiro foi "efeito retardado" do impulso ao crédito de 2009.
"Tal tendência vai ser moderada, já que a demanda foi satisfeita". No ano passado, o crédito novo na China foi de US$ 1,4 trilhão, que vem a ser mais ou menos o PIB brasileiro, quase o dobro dos empréstimos em 2008.
Nos primeiro 15 dias de janeiro, teria havido aumento de crédito de US$ 160 bilhões ("teria", pois isso é a média de analistas de bancos que mais acompanham a China, não é dado oficial) -é o quádruplo da média semanal do ano passado.

JANIO DE FREITAS

A interrogação do vice

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10


É bem sabido que o nome mais forte e quase natural no PMDB, Michel Temer, jamais esteve entre os preferidos de Lula para compor a chapa

A CÚPULA do PMDB não sabe o que fazer, não quer tocar no problema em público dado o risco de agravá-lo, mas está muito inquieta com o esvaziamento da candidatura presidencial de Ciro Gomes na ocasião mesma em que Lula se mostra, mais do que nunca, alheio às manifestações peemedebistas para indicação, ao menos informal, do vice de Dilma Rousseff. Ou seja, de uma chapa formada com o PMDB.
Nunca manifestado, é no entanto bem sabido que o nome mais forte e quase natural no PMDB, o de seu presidente Michel Temer, jamais esteve entre os preferidos de Lula para compor a chapa, como nem chegou a sê-lo sequer para um dos ministérios entregues ao partido. Em contraste, sua afinidade com Ciro Gomes -para não falar em confiança, pessoal e política- é citada por Lula a cada oportunidade.
Das indagações que daí podem decorrer, a mais imediata refere-se à reação do PMDB, cuja aliança é muito importante para o PT na disputa pela Presidência.
Os peemedebistas têm meios até para uma reação forte, sim. Mas suas alternativas não são estimulantes, tanto com candidatura, ideia que divide o partido, como na adesão a José Serra, de futuro muito temerário em caso de vitória. Lula, por sua vez, tem muito a oferecer, nas disputas estaduais e no eventual governo Dilma, e ofertas são com o PMDB.

Os desmentidos
A acusação feita por vários peessedebistas a Dilma Rousseff, de mentir ao afirmar que o PSDB, se eleito, vai acabar com o PAC, é mais um dos casos em que não se pode saber se prevalece a leviandade política ou a má-fé mesmo.
Paulo Renato Souza, sempre pronto a uma declaração estapafúrdia, viu na afirmação de Dilma Rousseff até "a tática de Hitler, de repetir mentiras". Nada menos do que Hitler? E Paulo Renato Souza tem o título de secretário de Educação do Estado de São Paulo.
Pois é, a mentira está nos desmentidos. É o próprio presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, o autor desta frase em entrevista a "Veja", depois de mencionar deficiências reais e graves na infraestrutura de transportes: "Isso é o PAC na realidade. E nós vamos acabar com ele".
Talvez seja melhor acabar as obras. E dizer ao presididos do partido que não mintam contra o seu presidente.

Sutileza
Se dependesse do ministro Nelson Jobim, haveria ao menos 121 mortos a mais no Haiti.
Ao voltar de lá, logo nos primeiros dias, os repórteres estranharam que incluísse nos militares brasileiros mortos os que estavam desaparecidos. Jobim: "Desaparecido é termo técnico. Desaparecidos são mortos".
Desde a estada de Jobim no Haiti, os que não praticam sua sabedoria procuraram, encontraram e desenterraram dos escombros mais de cem vidas. Famílias de militares mortos e companheiros deles consideram um modo de manifestar sua indignação com a maneira como Nelson Jobim feriu suas esperanças e emoções.

GOSTOSA

HÉLIO SCHWARTSMAN

O que as tropas brasileiras estão fazendo no Haiti?

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10



Solidariedade não é antônimo de reflexão. O imperativo de ajudar os haitianos neste momento extremo não deve servir de pretexto para calar a pergunta fundamental: o que tropas brasileiras estão fazendo na nação caribenha?
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca fez segredo de que aceitou o comando da Minustah em 2004 como parte de sua estratégia para obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU. Para alcançar esse objetivo, calculava o Itamaraty, o Brasil precisava mostrar-se protagonista nos acontecimentos internacionais.
A principal falha desse projeto é que são extremamente reduzidas as chances de ocorrer uma reforma da ONU nos moldes acalentados pela diplomacia brasileira. A maioria das nações até concorda com a ideia abstrata de uma reformulação da ONU. A instituição, afinal, ainda opera sob o paradigma geopolítico que imperava após a 2ª Guerra, que deu aos cinco países vencedores do conflito (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China) poder de vetar qualquer resolução do CS.
O acordo sobre a reforma, entretanto, cessa assim que se começam a detalhar as propostas de ampliação do CS.
O Japão e a Alemanha, pelo tamanho de suas economias, seriam candidatos óbvios a assumir uma vaga permanente. Também o seriam, por seu porte e localização, o Brasil e a Índia. É compreensível, porém, que a Itália não esteja tão certa de que deva ser a Alemanha o novo representante europeu. De modo análogo, México e Argentina não veem com bons olhos a reivindicação brasileira.
No Oriente, a situação é ainda pior. É mais fácil imaginar Pequim recebendo o dalai-lama com honras de chefe de Estado do que concordando em dar um assento ao arqui-inimigo histórico Japão. E a China, vale lembrar, tem poder de veto sobre qualquer reforma. O Paquistão prefere ver a Caxemira em chamas a entregar à Índia o bônus de uma cadeira permanente.
Equacionar essas e muitas outras complicações numa fórmula aceitável para todas as nações e seus respectivos aliados com poder de veto no CS é tarefa fadada ao fracasso.
Não obstante o irrealismo do sonho itamaratiano, a busca por esse assento dourado tem sido o eixo da política externa brasileira nos últimos anos.
É em nome dessa obsessão que nossas tropas estão no Haiti. Foi para exercer o tal do protagonismo internacional que o Brasil, contrariando suas tradições diplomáticas, meteu-se em enrascadas como o apoio quase incondicional a Manuel Zelaya em Honduras.
Foi para contentar eleitores importantes na política da ONU que o país repetidamente votou no Conselho de Direitos Humanos para livrar de condenações tiranos como o sudanês Omar al Bashir e os governantes chineses e cubanos.
É possível que a presença do Brasil no Haiti seja positiva. Mas, neste caso, o governo deveria ser capaz de justificá-la com argumentos políticos que vão além de bandeiras eleitorais e sonhos megalomaníacos.

ROBERTO MACEDO

'Marolinha' foi vagalhão

O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/01/10


A crise econômica mundial, que aqui chegou com vigor em setembro de 2008, continuará a atrair a atenção de curiosos e estudiosos. Nos meios acadêmicos haverá muitos artigos, dissertações, teses e debates em torno de suas causas e seus desdobramentos. A quem busca temas específicos lembro a lição objetiva recebida de um orientador de tese: "Você terá um tema quando se deparar com pergunta ainda sem resposta ou, então, entender que uma já dada não se sustenta em sua lógica."

Há muito por elucidar quanto à crise e também respostas a questionar. Entre estas, a do presidente Lula aos efeitos da crise no Brasil, apontando que foram uma "marolinha".

Lula é conhecido defensor de teses fora dos bancos acadêmicos, mas deixa aberto um flanco com seu enfoque metodológico centrado em análises históricas. Nelas, pergunta a si mesmo sobre alguma coisa e se precipita a responder que "nunca antes neste país" (NANP) aconteceu isto ou aquilo. Esse método é vulnerável, porque oferece ao questionador a oportunidade de olhar nossa História de cinco séculos, com boa probabilidade de achar exemplos em contrário.

Lula perguntou-se sobre o efeito da crise e respondeu com essa tese da "marolinha", sem uso do NANP. Discuti-la também é interessante e outra razão é que foi lançada com a crise em andamento e, assim, na ocasião, sem maiores elementos para julgamento. Ademais, ele poderia alegar que fez uma avaliação relativamente ao efeito em outros países, ainda que sem precisar quais.

Mas o tempo foi passando e já há sólidas evidências a ponderar. Argumentarei que a "marolinha" foi um vagalhão, ainda que não um tsunami. A avaliação estende-se à tese em termos relativos, pois há países que se saíram muitíssimo melhor que o Brasil. Esses países precisam ser analisados, em particular na origem e na dinâmica de suas altas taxas de investimento relativamente ao produto interno bruto (PIB). Ou seja, daquela parcela da produção que amplia a capacidade produtiva de uma nação, como por meio de novas fábricas, expansão do setor serviços e obras de infraestrutura, particularmente as realizadas pelo setor público. Isso para que o Brasil aumente também a sua taxa, cresça mais e fique menos vulnerável a vagalhões, tsunamis e marolas de todo tamanho.

Quanto a este, recentemente surgiram os primeiros números medindo-o como proporção do PIB, ensejados pelo fim de 2009, já se sabendo assim, com razoável grau de precisão, como foi o desempenho desse ano que passou.

Vieram do economista Regis Bonelli, da Fundação Getúlio Vargas-RJ. Conforme este jornal de 11 do mês passado, ele calculou o custo da "marolinha" entre R$ 150 bilhões e R$ 210 bilhões em 2009, baseando suas estimativas no raciocínio de que sem a crise nosso PIB teria crescido entre 5% e 7% no ano, e com ela as estimativas desse crescimento são próximas de zero. A matéria não fala do valor do PIB, mas sabe-se que o PIB brasileiro tem um valor perto de R$ 3 trilhões. Esse número, ao lado dessas perdas de 5% a 7% de crescimento, leva às referidas estimativas do custo da crise em 2009.

Dados do IBGE confirmam esse valor aproximado do PIB, mostrando que ele foi de R$ 3,004881 trilhões em 2008; supondo crescimento zero em 2009, ele teria crescido, então, só por conta da inflação, que fechou o ano em 4,31%, segundo o IPCA. O índice de preços por trás do PIB é outro, mas deverá também mostrar taxa pequena. Supondo a mesma variação do IPCA, o efeito da "marolinha" em 2009 subiria para entre R$ 156 bilhões e R$ 220 bilhões a preços desse ano, não fazendo assim muita diferença nessa escala.

Um adendo que leva a uma diferença maior viria da lembrança de que a crise teve efeitos já em 2008, quando o PIB cresceu 5,1%. Supondo que poderia ter crescido mais 1%, isso geraria uma perda adicional de R$ 30 bilhões em 2008 e ampliaria os números de 2009 para entre R$ 158 bilhões e R$ 221 bilhões. Somando os dois anos, a média das estimativas alcançaria um valor perto de R$ 220 bilhões.

Em qualquer caso, a perda foi imensa, pois assumiu valores como esses, significando também mais de um ano perdido de crescimento do PIB e levando a perdas que famílias sofreram na forma de desemprego e queda de renda, que no setor produtivo fizeram cair a produção e no governo, a arrecadação.

Para se ter outra ideia, números nos jornais de ontem mostraram que as estimativas citadas para 2009 equivalem aproximadamente a toda a arrecadação do INSS no mesmo ano (R$ 184,6 bilhões), ou às despesas que deficitariamente nele realizou (R$ 228,2 bilhões), em particular com seus quase 20 milhões de aposentados.

Quanto à avaliação relativa, deve-se mirar não nos muitos países que se saíram pior que o Brasil, mas nos poucos que registraram taxas positivas e elevadas, a menos que nos conformemos com o padrão que hoje já contamina o País, o de se contentar com pouca coisa. Na China, segundo o último número da revista The Economist, as estimativas de crescimento em 2009 e 2010 são de 8,2% e 8,6%, respectivamente; na Índia, de 5,5% e 6,3%, destacando-se assim a manutenção de altas taxas de crescimento no ano mais marcado pela crise. O Brasil aparece com nada em 2009 e 4,8% em 2010.

Ora, a grande diferença na dinâmica econômica desses três países são suas taxas de investimento. China e Índia mostram taxas próximas de 40% e 30%, respectivamente, enquanto que o Brasil ficou anos mais perto de sofríveis 17%. Pouco antes da crise, no terceiro trimestre de 2008, chegou a 20,1%, mas o último dado, do terceiro de 2009, revela que caiu para 17,7%.

Enquanto isso, nosso presidente, contentando-se com muito pouco, sai pelo País com a ministra Dilma a alardear "sucessos" de seu MPAC, pois seu programa merece mesmo é o nome de Muito Pouco de Aceleração do Crescimento.

Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo

GOSTOSA

BAN KI-MOON

O Haiti não está só

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10


Temos visto a enorme mobilização internacional. A nossa tarefa é canalizá-la, o que exige coordenação vigorosa e eficaz


A CATÁSTROFE no Haiti demonstrou algo que nós sempre soubemos: mesmo na maior devastação, há esperança.
Vi isso com os meus próprios olhos nesta semana, em Porto Príncipe. A ONU sofreu a maior perda de sua história. Nossa sede na capital haitiana era um amontoado de concreto despedaçado e aço retorcido. Como poderia alguém sobreviver, pensei?
No entanto, logo depois de partir, com o coração pesado, as equipes de salvamento retiraram um sobrevivente dos escombros -vivo, após cinco dias enterrado, sem água nem alimentos. Considero isso um pequeno milagre, um sinal de esperança.
Catástrofes como a do Haiti nos lembram a fragilidade da vida, mas também reafirmam nossa força. Vimos imagens horrendas na televisão: edifícios destruídos, cadáveres nas ruas, pessoas precisando de alimentos, água e abrigo. Vi tudo isso e mais ao andar pela cidade em ruínas.
Mas também vi outra coisa -uma manifestação extraordinária do espírito humano, pessoas que estavam sofrendo duros golpes e demonstrando, mesmo assim, resistência notável.
Durante minha breve visita, falei com muitas pessoas comuns. Perto das ruínas do palácio presidencial, um grupo de jovens me contou que deseja ajudar a reconstruir o Haiti.
Depois da crise imediata, esperam ter empregos e um futuro com dignidade.
Do outro lado da rua, vi uma jovem mãe com seus filhos numa tenda, num parque público, com poucos alimentos. Havia milhares na mesma situação. Ela me disse, assim como outras pessoas, que esperava que a ajuda chegasse. "Vim trazer esperança", disse-lhe. "Não desesperem". E ela pediu que a comunidade internacional ajudasse o Haiti -pelos seus filhos, pelas gerações de amanhã.
Para pessoas que perderam tudo, a ajuda nunca chega cedo demais. E vai chegar, em quantidades cada vez maiores, apesar dos problemas logísticos numa capital em que todos os serviços deixaram de existir e que perdeu toda sua infraestrutura.
Na segunda-feira de manhã, havia mais de 40 equipes internacionais de busca e salvamento com mais de 1.700 pessoas trabalhando. O fornecimento de água está aumentando, estão chegando em grande número tendas e abrigos temporários. Hospitais que ficaram muito danificados recomeçam a funcionar com a ajuda de equipes médicas internacionais.
O Programa Mundial de Alimentos está trabalhando, em conjunto com o exército dos Estados Unidos, para distribuir rações diárias de alimentos a quase 200 mil pessoas. Eles esperam conseguir ajudar 1 milhão de pessoas dentro das próximas semanas, aumentando gradualmente esse número para 2 milhões.
Temos visto a enorme mobilização de ajuda internacional, à altura da catástrofe. Todos os países, todas as organizações internacionais de ajuda humanitária se mobilizaram para ajudar o Haiti. A nossa tarefa consiste em canalizá-la. Temos que assegurar que nosso auxílio chegue o mais depressa possível. Não podemos ter abastecimentos essenciais imobilizados em armazéns. Não temos tempo a perder nem dinheiro a desperdiçar.
Isso exige uma coordenação vigorosa e eficaz -a comunidade internacional trabalhando junta, unida, sob a direção da ONU.
Desde o primeiro dia a ONU está trabalhando com os EUA, o Brasil e uma constelação de nações e agências de ajuda internacionais para identificar as necessidades humanitárias mais urgentes e entregar o que faz mais falta. A polícia e os contingentes militares estão fazendo a sua parte para ajudar a manter a ordem em desafiador ambiente pós-terremoto.
Gostaria de agradecer ao povo e ao governo brasileiro pela ativa liderança militar na missão da ONU. Apesar de suas próprias perdas -18 militares, a dra. Zilda Arns, e o nosso colega Luiz Carlos da Costa, o chefe adjunto da missão-, vocês permaneceram fortes e comprometidos com uma vida melhor para o Haiti.
A urgência da situação irá, naturalmente, dominar nossas atividades de planejamento. Mas não é cedo demais para pensar no amanhã, um aspecto que o presidente René Préval salientou quando nos encontramos.
Embora seja um país desesperadamente pobre, o Haiti fazia progressos.
Não será suficiente reconstruir o país da forma como estava e também não há lugar para simples melhorias de fachada. Temos que ajudar o Haiti a construir algo melhor, trabalhando lado a lado com o governo para que o dinheiro e a ajuda produzam benefícios duradouros, criando empregos e libertando o país da dependência da generosidade do mundo.
Nesse sentido, a situação no Haiti nos faz lembrar nossas outras responsabilidades. Há uma década, a comunidade internacional iniciou um novo século concordando em agir para eliminar a pobreza extrema até 2015. Grandes avanços foram feitos em direção a alguns desses Objetivos do Milênio, que atacavam diversas causas fundamentais da pobreza mundial e obstáculos ao desenvolvimento. No entanto, estamos muito longe do cumprimento das nossas promessas de um futuro melhor para os pobres do mundo.
Ao nos apressarmos para prestar ajuda ao Haiti, não devemos perder de vista o panorama geral. Foi essa a mensagem muito clara que recebi das pessoas nas ruas de Porto Príncipe.
Pediram empregos, dignidade e um futuro melhor. É essa a esperança de todas as pessoas pobres do mundo, onde quer que vivam. Fazer o que é correto em relação ao Haiti, neste momento de grande necessidade, será também para a sua população uma poderosa mensagem de esperança.

BAN KI-MOON, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), é o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da República da Coreia.

PAINEL DA FOLHA

Sem parar

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10


O presidente Lula pretende excluir quatro obras da Petrobras da chamada "lista negra" do Orçamento, a ser sancionado na próxima semana. A canetada visa liberar as obras das refinarias Abreu e Lima (PE) e Presidente Getúlio Vargas (PR), do terminal de escoamento de Barra do Riacho (ES) e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O Tribunal de Contas da União apontou irregularidades em todas.
Para respaldar a decisão, o Palácio do Planalto mobilizou governadores dos Estados que abrigam as obras e a própria Petrobras. A estatal encaminhou ontem à Comissão de Orçamento do Congresso carta na qual se compromete a criar um grupo para aprimorar o sistema de monitoramento dos projetos.


Tripé. O governo prepara uma nova rodada de campanhas institucionais, com enfoque regional, que serão colocadas na praça até junho. As peças tratarão de três temas centrais: PAC, energia e investimentos na área social.

Reforço. O Planalto editará nos próximos dias uma medida provisória para ampliar os recursos do Minha Casa, Minha Vida para municípios com até 50 mil habitantes. A intenção é socorrer cidades afetadas pelas chuvas.

Tira-gosto. As duas empreiteiras que contrataram um bufê de luxo em Minas para o evento de Lula e Dilma detêm contratos milionários com a União. Desde o início do segundo mandato, a Egesa faturou R$ 350 mi, quase todo o montante da verba do Ministério dos Transportes. A CMT Engenharia obteve R$ 40 mi. As duas são tradicionais doadoras de campanhas.

Alma do negócio. Depois das críticas por ter pregado a logomarca do governo em orelhas de cabras, Jaques Wagner (PT) resolveu estampar seu bordão "Bahia, Terra de Todos Nós" em placas de sinalização de rodovias e nos muros de escolas estaduais.

Acaba em samba. A versão itinerante do Fórum Social Mundial na Bahia, cujo anfitrião será Jaques Wagner, terá uma plenária sobre "o samba e a diversidade cultural" com gente do ramo, Martinho da Vila à frente.

Rede. Pivô da Operação da Polícia Federal sobre desvios de verba da saúde na Prefeitura de Porto Alegre, o Instituto Sollus também atua em São Paulo. Tem contratos com as administrações municipais de Osasco, Lorena, Tremembé, Olímpia e São Sebastião.

Mediador. O vice-presidente José Alencar chamou o ex-prefeito Fernando Pimentel para uma conversa anteontem, enquanto Lula e Dilma circulavam por Minas. Disse que o Estado precisa "dar o exemplo de unidade". Deve repetir a cantilena ao ministro Patrus Ananias.

Destinatário. Em férias nos EUA, o ministro Hélio Costa aproveitou a troca de e-mails com peemedebistas que estiveram no jantar do partido ontem para reafirmar que é candidato... a governador.

Arranjos. No Planalto, o jantar peemedebista foi visto como um primeiro esforço para o projeto de reeleger Michel Temer à presidência do PMDB em março. Assim, seus aliados esperam fortalecê-lo na disputa pela vaga de vice.

Na tela. O PT convocou todos os membros do Diretório Nacional para gravar no domingo participação no programa de TV do partido que vai ao ar no dia 11.

In natura. A reunião de ontem do time que coordenará a campanha da candidata verde Marina Silva praticamente sacramentou o nome de Guilherme Leal, da Natura, para a vice. A propaganda partidária, inclusive, mostrará imagens do empresário.

Mapa. O PV administra embates entre dirigentes no Rio Grande do Sul e Paraná.
com LETÍCIA SANDER e MALU DELGADO

Tiroteio

Esse grupo está preocupado com a sobrevivência do Temer e a vice, que para eles é uma questão de honra. Mas honra é algo que eles não têm.
Do senador PEDRO SIMON (PMDB-RS), sobre o jantar do comando do PMDB para discutir o apoio à candidatura de Dilma Rousseff.

Contraponto

Ligeirinho


O presidente Lula discursava anteontem, durante lançamento de uma escola técnica em Araçuaí (MG), quando se desculpou por não citar uma a uma as autoridades presentes no encontro devido à agenda apertada.
-Tenho que ser rápido porque tenho mais dois eventos em Juiz de Fora...
Imediatamente a plateia reagiu decepcionada.
-Vocês sabem que é longe-, emendou.
Como o público continuava contrariado, Lula coçou a cabeça e recorreu à desculpa que, enfim, colou:
-Tenho que ser rápido porque a galega está me esperando em Brasília! E a galega não é mole..

UM PUTEIRO CHAMADO BRASIL

ROLF KUNTZ

O assalto ao poder, fase 2

O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/01/10


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua a trabalhar em seu projeto de poder, o único realmente importante de seus oito anos de mandato. A campanha para eleição de uma presidente-laranja, primeiro exemplar dessa espécie na história do Brasil, deixa claro o sentido pessoal desse projeto. Se a campanha for vitoriosa, a continuação do trabalho será facilitada. Por enquanto, o próprio Lula comanda a operação. O chamado decreto dos direitos humanos, onde os direitos são postos a serviço do autoritarismo, e o roteiro da 2ª Conferência Nacional de Cultura são os novos lances desse jogo. Reforçam o plano de centralização das principais decisões econômicas. Além disso, alargam o caminho para o controle da informação e da produção cultural, incluída a pesquisa científica e tecnológica.

A política para o pré-sal foi até agora o esforço mais articulado para a centralização do poder econômico. Atentos a questões de segunda ordem, os congressistas gastaram muito tempo discutindo a divisão de royalties. Os pontos politicamente mais importantes são outros.

A criação de uma empresa para administrar o pré-sal poderá facilitar o controle de um setor com renovada importância estratégica. O desenho da nova política deixa em segundo plano a Agência Nacional do Petróleo e atribui à Petrobrás uma função essencialmente operacional. Além disso a converte em ferramenta de política industrial e, portanto, em canal de benefícios para fornecedores, isto é, para segmentos industriais escolhidos para vencer. As vantagens para a economia compensarão os custos dessa política? Esse detalhe talvez seja irrelevante para o projeto de poder.

A maioria dos políticos ficou longe dessas questões até agora. A oposição absteve-se de abrir um debate relevante. Tem permanecido inerte, inepta e acuada, como quase sempre nos últimos sete anos. Não foi capaz de acionar o alarme contra o autoritarismo nem quando o presidente Lula tentou intervir na gestão da Vale e da Embraer. O presidente aproveitou a crise para reforçar seu discurso a favor da concentração de poder. Confundiu questões muito diferentes para defender sua concepção de "Estado forte" - na prática, loteado entre companheiros, inchado, balofo e caro, mas muito útil a um projeto antidemocrático.

Ninguém precisa de um Estado com essas características para disciplinar o mercado financeiro nem para executar políticas anticíclicas. Ao contrário: o Tesouro teria tido reservas financeiras muito maiores para queimar, no combate à recessão, se o governo tivesse conduzido a política fiscal com maior prudência nos anos anteriores. Mas essa prudência não existiu naquele período e não passou a existir em 2009. Um dos problemas para o próximo governo será um orçamento mais comprometido com despesas de custeio e mais inflexível do que tem sido até agora. Isso não é "Estado forte".

Mas o evidente objetivo do presidente Lula não é fortalecer o Estado, e sim o centro de comando. O poder estatal só se fortalece, num regime aberto, pela consolidação de instituições bem definidas e bem organizadas, com independência entre as funções essenciais (os chamados Poderes da República). São indispensáveis o império da Lei e de normas impessoais de administração. Todas essas condições são incompatíveis com as principais propostas contidas no impropriamente chamado decreto dos direitos humanos e no texto-base da 2ª Conferência Nacional de Cultura, marcada para março.

O assembleísmo, os sistemas de mediação e a "democracia direta" favorecidos por essas propostas são incompatíveis com instituições firmes e eficientes. O poder atribuído a sindicatos e outras organizações formadas em nome de interesses parciais e de correntes de opinião dissolve as instituições e a segurança jurídica. Há uma diferença abissal entre subordinar um projeto de investimento à aprovação de qualquer desses grupos e submetê-lo à avaliação de um órgão público de proteção ambiental. Há a mesma diferença entre um juiz capaz de ordenar o cumprimento da lei e um juiz obrigado a tentar previamente a conciliação entre o criminoso e a vítima. Em casos como esses, uma parcela importante do poder público é privatizada.

Num sistema desse tipo não pode haver Judiciário especializado e independente. Também não há um Legislativo digno desse nome, quando se confere à multidão o poder de veto. Multidão, nesse caso, não é a sociedade, mas um grupo manipulável por um Guia Genial, um Capo ou um Führer. Não é necessário um golpe armado para se construir essa nova ordem.

CLÓVIS ROSSI

Os empregos que Lula deve

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10


SÃO PAULO - A julgar pelo que dizia um candidato presidencial de nome Luiz Inácio Lula da Silva, a economia brasileira tem um sério problema mesmo depois de sete anos de gestão do citado candidato, badaladíssima gestão, aliás.
Vejamos: quando candidato, Lula dizia que a economia brasileira teria que criar 10 milhões de empregos no período que se iniciaria em 2003 e iria até 2007.
Pois bem: o balanço ontem divulgado pelo Ministério do Trabalho mostra que, no sete anos do governo Lula, foram criados 8,725 milhões de empregos. Ou seja, nem somando os dois mandatos de Lula terão sido criados os 10 milhões de empregos que o candidato dizia que deveriam ser criados em apenas um período presidencial.
Detalhe: 10 milhões de empregos em quatro anos dá 2,5 milhões por ano. Em nenhum dos sete anos Lula se chegou nem mesmo perto dessa marca. O melhor resultado (2007) deu 1,617 milhões.
Não estou dizendo que o resultado foi ruim. Ao contrário, foi bastante razoável, ainda mais se comparado com os números dos anos FHC. Mas aí é que está o ponto: para o meu gosto, comparar uma gestão com outra pode ser até estratégia eleitoral, mas não é o que o país necessita. A comparação que deveria ser feita, sempre, é entre os resultados obtidos e as necessidades da pátria amada.
Se esse for o critério, Lula presidente ficou devendo, segundo Lula candidato. A menos que se acredite que o candidato Lula mentia quando falava, como oposicionista, em 10 milhões de empregos.

Lula foi escolhido pelo Fórum de Davos como "Estadista Global". O Fórum de Davos é aquele que o PT de antigamente odiava, como símbolo do capitalismo mais malvado. Acho o prêmio muito justo. Mas fico curioso em saber se o outro fórum (o Social) daria prêmio igual ou parecido a Lula.