domingo, fevereiro 14, 2010

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

O carnaval em que o Padroeiro dos Pecadores vestiu a fantasia de Inimigo dos Corruptos

14 de fevereiro de 2010

Durante o Carnaval, os brasileiros estão autorizados a vestir a fantasia que quiserem. Todos podem transformar-se em arlequim, pirata, pierrô, demônio, anjo, lorde inglês ou Nelson Jobim. Qualquer um tem o direito de fazer de conta que é o que nunca foi e jamais será. Lula, por exemplo, irrompeu em Goiás na sexta-feira fantasiado de Guardião da Moral e do Dinheiro Público em Luta contra os Corruptos Inimigos da Pátria. No País do Carnaval, talvez ganhe algum troféu na categoria Originalidade. Num Brasil menos cafajeste, o concorrente seria desqualificado por obscenidade.

A fantasia se inspira numa fantasia mais antiga: nos últimos sete anos, Lula não enxergou nenhum caso de corrupção, não viu nenhum corrupto. Descobriu só agora que existem bandidagens por perto, contou na espantosa entrevista concedida a emissoras de rádio goianas. “Obviamente que fico chocado quando vejo a denúncia de corrupção nesse país”, disse sem ficar ruborizado o presidente que, desde julho de 2005, preside um escândalo por mês. “Fico chocado quando vejo aquele vídeo do Arruda recebendo o dinheiro”, continuou a figura que, confrontada há dois meses com a performance da Turma do Panetone, ensinou que “imagens não falam por si”.

“É uma coisa absurda a gente imaginar que em pleno século 21 isso acontece neste país”, prosseguiu sem gaguejar. O que há com o Brasil, estaria perguntando Nelson Rodrigues, que não interrompe aos gritos o falatório, para berrar que muito mais absurdo é ouvir uma coisa dessas declamada pelo Padroeiro dos Pecadores Companheiros? Como os repórteres nem miaram, a discurseira seguiu seu curso: “Espero que o que aconteceu com o Arruda sirva de exemplo para que isso não possa mais se repetir em lugar nenhum. Por isso mandei para o Congresso projeto de lei transformando o crime de corrupção em crime hediondo porque precisamos ser mais duros com a corrupção e com os corruptos”. O que há com o Brasil, estaria rugindo Nelson Rodrigues, que não reage com uma gargalhada nacional ao espetáculo do cinismo?

Como pode falar em combate à corrupção quem finge não saber das bandalheiras em que se meteram mensaleiros, sanguessugas, aloprados, os compadres Roberto Teixeira e Paulo Okamotto, o “nosso Delúbio” e seus quadrilheiros? Como pode posar de defensor dos usos e costumes o presidente que se despediu com cartinhas meigas do estuprador de contas bancárias Antônio Palocci e de José Dirceu, capitão do time do Planalto e general da organização criminosa em julgamento no Supremo? Como pode apresentar-se como guardião da moral e da ética o companheiro que convive fraternalmente com Fernando Collor, Renan Calheiros e Romero Jucá, e promoveu José Sarney a homem incomum?

Há pouco, entre uma e outra pedra fundamental, Lula inaugurou a tese de que o mensalão não passou de uma trama forjada por inimigos da pátria inconformados com a performance incomparável do operário que virou presidente. Tudo somado, esse histórico informa que a promessa de combater duramente a corrupção é mais que uma fantasia de Carnaval. É também a prova de que o Brasil é governado por um presidente que, em vez de cérebro, tem na cabeça um palanque.

Desde o escândalo do mensalão, Lula fez a opção preferencial pela amoralidade e incorporou a mentira ao estilo de governo. É compreensível que tenha visto em Dilma Rousseff a sucessora ideal.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

O sabiá político

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/10


Do ano passado para cá, o setor canoro das árvores, aqui na ilha, sofreu importantes alterações. Aguinaldo, o sabiá titular e decano da mangueira, terminou por falecer, como se vinha temendo. Embora nunca tenha se aposentado, já mostrava sinais de cansaço e era cada vez mais substituído, tanto nos saraus matutinos quanto nos vespertinos, pelo sabiá-tenor Armando Carlos, então grande promessa jovem do bel canto no Recôncavo. Morreu de velho, cercado pela admiração da coletividade, pois pouco se ouviram, em toda a nossa longa história, timbre e afinação tão maviosos, além de um repertório de árias incriticável, bem como diversas canções românticas. A esta altura, certamente já faz companhia a Francisco Alves, Orlando Silva e Nélson Gonçalves, musicando as tardes dos anjos lá no céu.

Armando Carlos também morava na mangueira e, apesar de já adivinhar que o velho Aguinaldo não estaria mais entre nós neste verão, eu não esperava grandes novidades na pauta das apresentações artísticas na mangueira. Sofri, pois, rude surpresa, quando, na sessão-alvorada, pontualmente iniciada às quinze para as cinco da manhã, o canto de Armando Carlos, em pleno vigor de sua pujante mocidade, soou meio distante. Apurei os ouvidos, esfreguei as orelhas como se estivessem empoeiradas. Mas não havia engano. Passei pelo portão apreensivo quanto ao que meus sentidos me mostravam, voltei o olhar para cima, vasculhei as frondes das árvores e não precisei procurar muito. Na ponta de um galho alto, levantando a cabeça para soltar pelos ares um dó arrebatador e estufando o peito belamente ornado de tons de cobre vibrantes, Armando Carlos principiava a função. Dessa vez foram meus olhos incrédulos que tive de esfregar e, quando os abri novamente, a verdade era inescapável.

E a verdade era - e ainda é - que ele tinha inequivocamente se mudado para o oitizeiro de meu vizinho Ary de Maninha, festejado e premiado orador da ilha, que com sua eloquência bota qualquer deputado no chinelo. Estou acostumado à perfidez e à ingratidão humanas, mas sempre se falou bem do caráter das aves em geral e dos sabiás em particular. O sabiá costuma ser fiel a sua árvore, como Aguinaldo foi até o fim. Estaríamos então diante de mais um exemplo do comportamento herético das novas gerações, os sabiás de hoje em dia serão degenerados? Eu teria dado algum motivo para agravo ou melindre? Ou, pior, haveria uma possível esposa de Armando Carlos sido mais uma vítima de Pedro Rodolfo, o mico canalha que também mora na mangueira e, se dão sopa nos ninhos, come os ovos de qualquer passarinho?

Bem, talvez se tratasse de algo passageiro, podia ser que, na minha ausência, para não ficar sem plateia, Armando Carlos tivesse temporariamente transferido sua ribalta para o oitizeiro. Mas nada disso. À medida que o tempo passava, o concerto das dez também soando distante e o mesmo para o recital do meio-dia, a ficha acabou de cair. A mangueira agora está reduzida aos sanhaços, pessoal zoadeiro, inconstante e agitado; aos cardeais, cujo coral tenta, heroica mas inutilmente, preencher a lacuna dos sabiás; e a Itamar, um pica-pau que, com seu topete escarlate, enfeita sem cantar, no máximo dando aquela risadinha de pica-pau de vez em quando. Sim, e ainda há os bem-te-vis, os caga-sebos, as fogo-pagous, as lavandeiras e outros, mas todos estes fazem parte da população flutuante, que não se interessa em obter visto de residência.

E estou assim posto em reflexão, quando me aparece Zecamunista, egresso de uma reunião do Comintern da Pesca de Tainha, cuja sede provisória é no Bar de Espanha. Sabido e inteligente que só o Cão, talvez ele soubesse o motivo para a atitude de Armando Carlos e podia até ser que conhecesse um jeito de trazer o temperamental solista de volta à mangueira aqui de casa.

- Não foi Pedro Rodolfo - me garantiu ele, depois que ventilei minha suspeita em relação ao mico. - Ele continua não valendo nada, mas não rouba mais os ovos de ninguém, depois que foi coberto de porrada por Wilson.

- Que Wilson?

- Wilson, Wilsão, é um bem-te-vi mariscador enorme, que todo dia passa por aqui a caminho da praia. É boa gente, mas não admite muita folga no território dele. Pedro Rodolfo tomou uma bicada dele no quengo que quase teve de ser internado e agora não quer nem saber de meter o mãozão nos ninhos de ninguém aqui, ele pode ser cafajeste, mas não é burro. Não, essa saída de Armando Carlos é política, é uma questão ideológica.

- Não venha me dizer que ele também é comunista.

- Há dois meses, antes de Ary se mudar de volta para cá, eu ia lhe dizer que sim, senhor, ele era comunista e ultimamente vivia no meu araçazeiro. Eu tenho certeza de que ele já estava solfejando a Internacional, ô saudade, aquela parte que diz: "Crime de rico a lei encobre/O Estado esmaga o oprimido/Não há direitos para o pobre/Ao rico tudo é permitido!"

Zeca, eu nunca soube de sabiá cantando hino, você está curtindo com minha cara.

- Eu jamais curto com a cara de ninguém, isso é um passatempo pequeno-burguês decadente. Meu coração proletário se enche de emoção, quando eu canto esse hino, você não entende. Mas, pois é, assim que Ary chegou, esse sabiá safado se mudou para o oitizeiro dele. Ary é alto funcionário da prefeitura de Vera-Cruz e vai conseguir para ele ração e frutas tipo boca-livre total o resto da vida, sem ele nunca mais precisar trabalhar.

- Mas aqui não é Vera-Cruz e o oitizeiro é aqui.

- O patife trocou de domicílio só no bico - informou Zeca, abanando desgostosamente a cabeça. - São os exemplos.

república FEDORENTA do brasil

JACKSON DIEHL

Estratégia do silêncio

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/2010


Obama prometeu demais para o primeiro ano de sua política externa. Agora estaria evitando os aliados


Estaria um ferido Barack Obama se afastando do mundo?


Podemos desculpar os europeus por especularem nesse sentido. A Casa Branca anunciou no início do mês que o presidente não participará de uma reunião de cúpula entre Estados Unidos e União Europeia marcada para maio em Madri, obrigando os realizadores a cancelar o evento. O anfitrião desprezado, José Luis Rodríguez Zapatero, primeiro-ministro espanhol, fez uma visita de dois dias a Washington, mas seu pedido de reunião com Obama ou com o vice-presidente, Joe Biden, não foi atendido.

Zapatero disse ter encarado a recusa "sem problema". Mas não foi essa a reação que encontrou ao voltar para casa. O jornal espanhol El País publicou uma matéria intitulada "Obama dá as costas à Europa". O alemão Der Spiegel saiu com a reportagem "Ausência de Obama desaponta Europa".

Israelenses e palestinos também se perguntam sobre os planos do presidente. Nos 70 minutos do discurso de Obama sobre o Estado da União não foi feita nenhuma menção a Israel nem ao processo de paz no Oriente Médio. Pouco antes do discurso, Obama disse a um repórter que superestimou a capacidade de seu governo para renovar as negociações entre israelenses obstinados e palestinos recalcitrantes.

Há também o caso dos líderes iraquianos. Dois deles - o presidente regional curdo, Massoud Barzani, e o vice-presidente, Tariq al-Hashimi, líder da minoria sunita - estiveram em Washington nas últimas duas semanas. Ambos me falaram de sua grande preocupação sobre o comprometimento do governo Obama com a estabilidade e a democracia no Iraque. Isso se deve, em parte, ao fato de a retórica pública de Obama estar concentrada na retirada dos soldados americanos, e não nos projetos para o futuro do Iraque. "Compreendo que vocês estejam totalmente concentrados em retirar seus soldados até 2011", disse Hashimi. "Mas o que acontecerá depois disso?"

Será que o desapontamento dessas pessoas é justificado? Estaria Obama dando as costas às questões internacionais como reação aos problemas políticos domésticos?

A Casa Branca poderia argumentar que isso não é verdade, e com razão. Apesar de o presidente ter economizado na política externa durante o discurso do Estado da União e estar visivelmente concentrado nas questões domésticas desde a eleição de Scott Brown para o Senado, a diplomacia de Obama ainda transmite uma impressão de vigor. Seus enviados estão ocupados tentando reunir votos favoráveis a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU impondo ao Irã duras sanções. Obama tem viagem marcada para Austrália e Indonésia no mês que vem, e uma reunião de cúpula sobre o desarmamento é preparada para abril em Washington. Um novo tratado com a Rússia sobre armamentos estratégicos está próximo da conclusão.

No Oriente Médio, o enviado George Mitchell segue trabalhando na tentativa de convencer israelenses e palestinos a voltarem às negociações, apesar da desanimada declaração do presidente. Quanto ao Iraque, Biden esteve no país há apenas duas semanas, quando trabalhou - pela segunda vez nos últimos três meses - para evitar uma crise que poderia prejudicar as próximas eleições.

Ainda assim, detectar um recuo do presidente não é uma interpretação equivocada. Em parte, isso faz sentido - assim como fez nas questões domésticas, Obama estabeleceu objetivos excessivamente numerosos para o primeiro ano de sua política externa. A perspectiva de uma paz entre israelenses e palestinos no curto prazo não é animadora, e assim o presidente tem razão ao deixar que um enviado cuide da questão. Obama fez seis visitas à Europa em 2009, com frequência para participar de reuniões que não produziram muitos resultados. Seus assessores têm razão em querer empregar com mais sabedoria o tempo que o presidente passará em viagem este ano.

Mas o recuo de Obama tem também um aspecto inquietante. Zapatero não é o único a encontrar dificuldades no estabelecimento de boas relações com a atual Casa Branca: diferentemente da maioria de seus antecessores, Obama não firmou laços de proximidade com nenhum dos líderes europeus. O britânico Gordon Brown, o francês Sarkozy e a alemã Angela Merkel se sentiram desprezados por ele, cada qual por sua vez. As relações entre Obama e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, são tensas, na melhor das hipóteses. George W. Bush costumava realizar videoconferências frequentes com o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, e o presidente afegão, Hamid Karzai. Obama conversou com eles em apenas algumas ocasiões.

A popularidade de Obama em muitas partes do mundo continua forte. Zapatero disse ao conselho editorial do Washington Post que "na Espanha, a eleição (de Obama) foi vivida como se fosse uma eleição em nosso próprio país". Mas, em seu primeiro ano de governo, o novo presidente não estabeleceu essa mesma conexão com os líderes dos principais países aliados dos EUA. Agora Obama está transmitindo a esses líderes a mensagem de que o tempo dedicado pelo presidente americano a eles será reduzido. Talvez, como Zapatero expressou tão diplomaticamente, isso não seja problema. Mas duvido que estivesse realmente pensando isso.

Tradução de Augusto Calil

SÉRGIO AUGUSTO

Chá e antipatia

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/2010


Sem Sarah Palin, diva caipira da direita, o saco de gatos que é o Tea Party não levaria a Nashville um décimo da imprensa que levou


Como Drácula, Sarah Palin não desencarna. A mídia a enxovalhou, o eleitorado a repudiou, mas só alhos e crucifixos não a farão desaparecer para sempre do cenário político. Com ela, só mesmo uma estaca no coração.

A pit-bull de batom é um fenômeno de sobrevivência. Sua irresponsável renúncia ao governo do Alasca foi saudada pelos fãs como um gesto de coragem e premiada com um milionário emprego de comentarista na TV (Fox News, onde mais?). Sarah publicou um livro que ninguém leu, mas virou best seller. No dia 6 embolsou US$ 100 mil por um discurso que não valia mil guaranis, numa convenção do Partido do Chá, em Nashville (Tennessee).

Não foi uma apoteose, como na convenção do Partido Republicano que sacramentou sua candidatura na chapa de John McCain, mas passou perto. Uma certa América a idolatra. Sarah tornou-se a cinderela dos ativistas conservadores, a diva caipira da direita, a nêmesis das elites, a estrela mais cintilante da galáxia republicana. Sem ela, a convenção do Partido do Chá não teria atraído um décimo da imprensa que para Nashville se mandou no dia 5. Sarah era a ameixa que faltava no flã dos chasistas.

Partido é força de expressão, wishful thinking. O Tea Party que os chasistas montaram ainda é apenas um movimento. Seu nome é um tributo à histórica revolta dos colonos de Massachusetts contra as autoridades inglesas, quando a coroa britânica concedeu o monopólio do comércio do chá à Companhia das Índias Orientais, prejudicando os comerciantes americanos. A insurreição culminou com o carregamento de chá de três navios boiando na Baía de Boston. Três anos depois, ou seja em 1776, teria início a Revolução Americana.

O Tea Party atual é uma confraria de cidadãos insatisfeitos com os rumos da política e da economia do país. Mais que insatisfeitos, indignados. Com o governo Obama (como se o governo Bush tivesse sido uma maravilha), com as injeções de liquidez aplicadas no sistema financeiro pelo Fed, com a "arrogância das elites", e por aí vai, no velho trote populista.

A indignação é válida, procedente, mas há mais coisas por trás desse "canal orgânico e apartidário de insatisfação popular", que até pode ser orgânico, inclusive no sentido que a essa palavra deu Gramsci, mas apartidário, ou mesmo bipartidário, não é. Os republicanos, exímios manipuladores das frustrações e dos ressentimentos do americano médio, já se apoderaram do movimento, se é que ele não nasceu num laboratório de marqueteiros empenhados em dar cara nova à desgastada ala direitista do Partido Republicano, vendê-la com outra embalagem.

Embora invoquem a três por dois o exemplo dos Pais Fundadores (Thomas Jefferson et alii), os chasistas seguem na verdade o ideário dos Anti-Federalistas, que combateram a Constituição lavrada em 1787 por julgar que ela centralizava o poder em Washington. Esse é apenas um dos muitos traços de sua incoerência, de sua opacidade ideológica.

O Tea Party é um saco de gatos irmanados por um ódio visceral à presença do Estado na economia e ao laissez-faire do mundo financeiro. São contra as reformas sociais favorecidas pelos democratas, contra Washington e Wall Street; a favor de menos impostos e mais consumo, maior responsabilidade fiscal e maior autonomia dos Estados, mais gastos militares, maior controle dos bancos e nenhuma interferência no mercado. A conta não fecha.

Enquanto os titãs da banca eram satanizados em Nashville, John Cornyn e outros parteiros do movimento corriam o chapéu em Wall Street, à cata de financiamentos para a campanha eleitoral dos republicanos ao Senado. Toda grande causa, nos ensinou Eric Hoffer, "começa como um movimento, depois vira um negócio e, eventualmente, crime organizado". O Tea Party já está, seguramente, no segundo estágio.

A escolha de Nashville foi uma gafe involuntária. Será que nenhum dos organizadores viu o filme de Robert Altman? Profético, descobrimos agora. Basta comparar os demagogos que sábado e domingo se revezaram no pódio do Tea Party com Hal Phillip Walker, o candidato independente à presidência da república do filme. Proibir advogados de atuar no Congresso, encampar empresas de petróleo, abolir o colégio eleitoral, mudar o hino nacional, eliminar os subsídios agrícolas - era essa a "plataforma do crioulo doido" de Hal Walker. Apenas uma de suas propostas (taxar as igrejas) pegaria mal entre os tea partiers, mas o ethos de sua campanha seria ovacionado. Como foi Sarah Palin.

Sua agenda política cabe inteirinha em sua mão. Literalmente. Ela anota na mão os tópicos do seu discurso. Isso mesmo: Sarah Palin cola. E se lambuza de tinta. Joan Walsh, da revista eletrônica Salon, chamou-a, esta semana, de idiota e mentirosa. Faltou acrescentar: porcalhona. Difícil imaginar um presidente americano consultando a mão durante um discurso. De braguilha aberta no Salão Oval, tudo bem. Isso ao menos já tem jurisprudência firmada.

Sarah não perde as esperanças de suceder a Obama. Em Nashville, pisou no acelerador. Pediu mais guerra (agora contra o Irã) e repetiu todos aqueles despautérios que há meses vem martelando na TV e em outros palanques, cujo ponto alto, a meu ver, foi o pedido para que o presidente Obama boicotasse a conferência do clima em Copenhague.

Na lapela ela trouxe duas bandeiras, a dos Estados Unidos e a de Israel, para espanto de vários convivas e dos jornalistas não amestrados, que se perguntaram como uma candidata a candidata a presidente dos Estados Unidos pode ostentar, impunemente, na lapela a bandeira de um país estrangeiro. Conquistar o arredio eleitorado judeu não é desculpa suficiente.

Ainda bem que, apesar de todo o hype em torno dela, Sarah ainda não é a favorita dos republicanos para 2012. Pelas últimas pesquisas, apenas um de cada quatro americanos (25%) a considera apta a chegar à Casa Branca. Ainda há muito chão pela frente, para ela tropeçar.

ALBERTO TAMER

Brasil cresce com um novo mercado de massa

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/2010



A classe C no Brasil está se transformando em uma nova classe média. Já representa 46% da renda nacional, superior à soma das classes A e B (44%). São famílias que recebem mensalmente entre R$ 1.115 e R$ 4.807. Ela começou a crescer no Plano Real, com o fim da hiperinflação, que havia reduzido drasticamente seu poder aquisitivo. Passou de 32% no início do plano para 37% no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso. Mas o grande salto ocorreu a partir de 2002, chegando em 2008 a representar 46% da renda nacional, de acordo com levantamento da FGV, divulgado esta semana.

"Do ponto de vista social, é quase uma revolução: foi a ascensão da classe C transformando-se numa nova classe media. Nos últimos 15 anos, essa classe passou de 32% para 52% da população. Isso representa hoje mais de 90 milhões incorporados ao mercado que apropria quase a metade da renda disponível no mercado, afirma o professor e diretor da FGV em São Paulo, Yoshiaki Nakano, em artigo publicado na terça-feira no Valor.

"Com isso, a economia brasileira está se convertendo em uma das maiores economias de mercado de massa do mundo", afirma ele.

VAI DURAR?

Os céticos dizem que não. Cientistas políticos afirmam não há bem uma ascendência social, mas apenas aumento de renda. Para professor Bolivar Lamounier - em estudo feito para a CNI transformado em livro escrito com hermética linguagem acadêmica -, a informalidade pode ser um obstáculo à continuidade desse processo. Mas as pesquisas mostram que um dos motivos dessa ascensão da classe C foi exatamente a redução da informalidade que se acentua a cada ano!

Tudo isso dito em frases pomposas, esotéricas, comuns aos acadêmicos que se recusam a falar com os leigos. O que os "cientistas políticos", mesmo catedráticos como o professor Lamounoier, entendem seriamente de economia? Por que não se limitam a ficar na sua área e não dar palpites sobre o que pouco entendem? Nunca se viu um Affonso Celso Pastore ou o Mailson da Nóbrega falar sobre "ciência política" Sabem que não entendem disso, o que não lhes faz muita falta. Está faltando humildade aos nossos professores "cientistas políticos" que põem em dúvida a sustentação do aumento do consumo da nova classe média e outras de baixo poder aquisitivo, que virão logo a seguir com o crescimento da massa salarial. Não acreditam no novo "mercado de massa" que agrega a cada ano milhões de consumidores.

MAIS 90 MILHÕES CONSUMINDO

Yoshiaki Nakano dá um resposta indireta aos céticos e aos "cientistas políticos". A geração de novos empregos formais está aumentando desde o início do século associada com o aumento real dos salários e, consequentemente, da demanda. E intensificou nos últimos anos, agora, com a maior renda dos trabalhadores e inflação estabilizada. É exatamente o oposto ao que o professor Lamounier afirma. Mas não fica em frases empoladas. Apresenta números irrefutáveis da Pesquisa Anual de Domicílios para os quais os "cientistas políticos" deveriam atentar:

"O salário real médio aumentou em torno de 6% ao ano de 2004 a 2008. A isso se conjuga o fato de que entre 2003 e 2009 foram criados 8,5 milhões de novos postos de trabalho, gerando um poderoso círculo virtuoso de crescimento autossustetado". E repete: com a ascensão da nova classe média, por causa do aumento do emprego com melhor remuneração, entraram 90 milhões de pessoas no mercado consumidor. Irrefutável, senhores cientistas políticos, com a falta de "espírito associativo"ou "fatores de produtividade", eles querem dizer celular e computador, ou não.

É RENDA, NÃO ASSISTENCIALISMO

Marcelo Neri, PhD por Princenton e Chefe do Centro de Pesquisas Sociais da FGV, comenta os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA). A partir de 2004, nada menos que 32 milhões subiram para as classes A e B e 19,3 milhões saíram da pobreza. "Dá para transformar o País rapidamente, aos saltos, embora a desigualdade continue grande. Precisa cair três vezes para convergir aos níveis dos EUA."

Não seria apenas em decorrência considerada por muitos assistencialista, como o Bolsa-Família?

Não, diz ele. "O que cresceu foi a renda do trabalho e não aquela proveniente dos programas de socorro. O Bolsa-Família representa apenas 0,4% do PIB."

Não estamos, portanto, afirmam ele e Nakano, diante de um processo passageiro (eu quase ia dar uma de cientista político e dizer "pontual") que não tende a se sustentar, mas da criação de um círculo virtuoso de emprego-aumento de renda-consumo-produção e de novo emprego.

O QUE PODE ATRAPALHAR...

... É a falta de mais investimentos não apenas financeiros, mas os que geram produção, principalmente na indústria, após dois trimestres de recessão. Isso não impediria, em curto prazo, que o consumo da nova classe e de outras continuasse a crescer. Mas um atraso entre a oferta de produtos e a demanda certamente pressionaria a inflação, levando o Banco Central a aumentar o juro com reflexos sobre o crescimento e, evidentemente, sobre o emprego. O círculo virtuoso se enfraquece e pode desfazer-se no elo mais fraco. Essas pressões já estão sendo sentidas e poucos duvidam de um reajuste da taxa.

A grande falha do governo foi não estimular os investimentos ao mesmo tempo em que incentivava a demanda, gerando mais consumo e menor produção

Mas, de qualquer forma, há mais 90 milhões de pessoas consumindo e outras, das classes D e E, chegarão também com a criação de mais e um milhão de empregos neste ano, se a economia continuar caminhando para crescer 6%.

O mercado consumidor de massa chegou, está aí, talvez para desprazer dos "cientistas políticos" que perdem mais uma oportunidade de continuar fazendo elucubrações em torno do nada.

DANUZA LEÃO

Sim, sempre

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/02/10


Uma dúvida: ir à avenida ver o desfile das escolas de samba ou ficar em casa no ar refrigerado e dormir cedo?

EM ALGUMAS cidades do Japão, as prefeituras montam no último dia do ano, na praça principal da cidade, um palco onde as pessoas botam para fora, em alto e bom som, tudo o que as incomodou no ano anterior; escancaram seus desejos mais secretos e confessam as humilhações e vergonhas por que passaram. Um misto de confissão/ psicanálise, só que público. Gritar bem alto "odeio minha sogra", "não aguento mais meu marido" ou "não vejo a hora do meu filho ir morar sozinho". Você teria essa coragem? Pois os japoneses têm, e consta que se dão muito bem.
A qualquer mulher, mesmo apaixonada, já ocorreu um dia o pensamento "como meu marido está chato", é claro. E qual a mulher que, fazendo as compras do mês, mesmo que seja por telefone, não tem vontade de rasgar a lista, entrar num cinema bem refrigerado e só sair às oito da noite? A geladeira está vazia? Eles que se virem. E quantas não gostariam de dizer "odeio ter de almoçar com minha mãe todos os domingos, odeio festas de Natal, odeio comidas de Natal, preferia mil vezes estar vendo um filme na televisão e comendo um sanduíche (sozinha)".
Só que não podem, têm as crianças. Aí eu me pergunto: uma mulher assim deve tentar se modificar e fazer tudo o que -dizem- uma mãe deve fazer, ou tem o direito de ser ela mesma -e as crianças que aceitem ter uma mãe fora dos padrões estabelecidos sem, por isso, ficarem infelizes e neuróticas? E se, no fundo, elas também odiarem o Natal, a não ser pelos presentes? Criança é muito interesseira, como todo mundo sabe.
Gritar essas verdades em praça pública deve fazer muito bem à alma, mas e aí? Gritar resolve o problema, ou a gente grita e vai comprar o peru de Natal? Tenho uma amiga que, quando chega o Carnaval, tem problemas: vai à avenida ver o desfile das escolas de samba ou fica em casa no ar refrigerado e dorme cedo? A camiseta está em cima da cadeira, são quatro horas da tarde e a dúvida continua.
Sossegou, enfim, ou ainda quer se sacudir, num calor de cão, para ver o grande espetáculo? Algumas coisas já estão claras: Beyoncé nem pensar, e bom mesmo seria ver um show de Bethânia cantando só os sucessos antigos, mas sabe que isso nunca vai acontecer. O jeito é pensar em bobagens para não ter que pensar se, afinal, vai ou não vai.
Como um sushi e um sakê são tão deliciosos nesse calor, lembra dos japoneses: afinal, o Carnaval é para soltar os bichos, e a avenida é um belo lugar para desabafar. Poder cantar bem alto, falar tudo que a incomodou em 2009; se conseguir, quem sabe vale a pena? É a ocasião de se vestir como quiser, botar uma flor no cabelo e pensar que a vida é boa. A camiseta está olhando. Afinal, vai ou não? É a hora de finalmente descobrir quem é, antes que seja tarde.
As possibilidades são: se for, pode ser que adore; mas, também, pode voltar cedo para casa, maldizendo o Carnaval. Se não for, vai ficar sozinha, pensando em como é feliz por não ter se espremido numa van lotada para ver, mais uma vez, o que já viu tantas vezes, com um único consolo: quando cansar do samba, é só desligar a TV, que ótimo. No fundo, é o eterno problema de dizer "sim" ou "não" à vida.
Vai, é claro, pois sempre ouviu falar que é sempre melhor se arrepender do que fez, do que do que deixou de fazer. Mas também sabe, por experiência própria, que se arrepende amargamente de várias coisas que já fez.
Faz parte.

PEDRO S. MALAN

Lula, o PT e suas heranças: 2002 e 2006

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/10


Este artigo foi publicado neste espaço em julho de 2006. É republicado hoje sem nenhuma alteração. Por duas razões: a primeira, porque como na letra do samba de carnavais de outrora, "recordar é viver"; a segunda, muito mais importante, porque o autor acredita que o texto talvez possa reter certo interesse, à luz da insistência do governo atual num confronto plebiscitário, com foco no passado, em vez de um olhar à frente, como, creio eu, seria melhor para o País, onde há tanto por fazer. Portanto, peço ao eventual leitor que adicione, ao título do artigo e onde mais couber, o ano de 2010.

"A opinião que tens de tua importância te porá a perder", dizia uma das inscrições nas vigas da biblioteca de Montaigne, cujos Ensaios há séculos encantam seus leitores. O tema da vaidade dos homens lhe era caro. O belo ensaio a ele dedicado começa bem: "Talvez não haja vaidade maior do que sobre ela escrever de forma tão vã." Afinal, sempre vale lembrar o Eclesiastes: vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

Não sei bem por quê, estas lembranças por vezes me vêm à mente ao ler os pronunciamentos de nosso presidente, cada vez mais encantado consigo mesmo e com o que considera não só como seu superior entendimento das coisas deste mundo, como sua autoproclamada capacidade de transformá-lo. Em arroubo recente, informou-nos que "só Deus conseguiria consertar em quatro anos o que não foi feito em 500 anos". Ele (Lula), por exemplo, precisaria de oito anos para começar a corrigir erros e omissões seculares e pôr o País no rumo certo, deixando uma extraordinária herança a seu sucessor.

Mas falemos antes sobre as heranças, já por eles construídas, com que Lula e o PT chegaram a 2002 - e chegam às eleições de 2006.

Em 2002, Lula e o PT tinham uma história de mais de 20 anos e, portanto, uma herança que consigo carregavam. Fazia parte dessa herança a ferrenha oposição ao lançamento do Real em 1994, chamado de "pesadelo", de "estelionato eleitoral" e com duração por eles prevista para poucos meses. Fazia parte dessa herança a oposição às mudanças constitucionais que permitiriam ampliar os investimentos privados em infraestrutura. Fazia parte dessa herança a oposição às privatizações, à redução do número de bancos estaduais e à abertura comercial. Fazia parte dessa herança o plebiscito pela suspensão dos pagamentos das dívidas externa e interna e pelo "rompimento" com o FMI. Fazia parte dessa herança a oposição do PT à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no Congresso, a tentativa de derrubá-la no STF e a aprovação, em dezembro de 2000, por seu Diretório Nacional, de texto em que o PT declarava sua posição: "A LRF precisa ser radicalmente modificada porque o preço da responsabilidade fiscal não pode ser a irresponsabilidade social." Fazia parte da herança com que o PT e Lula chegaram a 2002 o programa de governo aprovado em dezembro de 2001 pelo seu congresso nacional, a mais alta instância decisória do partido, e que tinha como subtítulo A ruptura necessária com tudo aquilo que ali estava.

Essa herança, como é sabido, teve consequências já em 2002. A taxa de câmbio desvalorizou-se em mais de 50% nos seis meses que antecederam a eleição de outubro (de R$ 2,4 em março/abril para R$ 3,7 por dólar em setembro/outubro), o risco País chegou a multiplicar-se por quatro no período, chegando a 2.400 pontos em outubro, e a inflação em 2002 alcançou 12,5%, tendo mais da metade deste aumento sido registrada nos últimos três meses do ano. Como bem notou Armínio Fraga em longa e excelente entrevista ao jornal Valor (23/6), "a economia estava na UTI, mas isto era a consequência de expectativas em relação ao que o próximo governo faria". E havia fundadas razões para essas expectativas.

A gradual desconstrução dessa herança foi um processo, timidamente iniciado em fins de junho de 2002 com carta-compromisso do candidato e ainda não concluído, porque há sérias divisões e ambiguidades não resolvidas no PT, no próprio governo e nas forças que o apoiam, como mostra a experiência pós-Palocci, em particular no que diz respeito à forte expansão recente do gasto público.

Passados quatro anos, é cada vez mais claro que a gradual desconstrução da herança construída pelo PT para si próprio em 2002 foi facilitada por três ordens de fatores: um contexto internacional extraordinariamente favorável no quadriênio 2003-2006 (só comparável ao quadriênio 1970-1973, afirma estudo recente do FMI); uma política macroeconômica não-petista (nenhuma das "estrelas econômicas" do PT ocupou qualquer posição relevante na área mais sensível da política macroeconômica, graças ao médico Palocci e ao apoio que este recebeu de Lula até o final de 2005); e uma herança não-maldita de inúmeros avanços institucionais e mudanças estruturais que foram de enorme serventia ao novo governo, nos mais variados setores, inclusive os sociais, e aos quais o governo Lula soube dar continuidade, ainda que pretendendo ter inventado a roda - em alguns casos, com desfaçatez e hipocrisia.

Entretanto, o contexto internacional, que permitiu que o Brasil reduzisse extraordinariamente a sua vulnerabilidade externa, não será tão favorável nos próximos quatro anos. O ministro Palocci, assim como pessoas-chave de sua equipe, não mais emprestam seu concurso ao governo. E, nos últimos quatro anos, houve poucos avanços institucionais, andamento de processos de reforma e melhoria de contextos regulatórios - pelo contrário.

O discurso sobre "herança maldita", que marcou o imaginário petista, era não só objetivamente equivocado, como trazia seu prazo de validade estampado no rótulo: afinal, em menos de quatro anos o governo Lula se apresentaria ao eleitorado com sua própria herança. E, em modernas democracias, o que se pode - e deve - esperar de um governo é que entregue a seu sucessor um país um pouco melhor do que recebeu de seu antecessor. Como fez FHC, sem achar que a "verdadeira" História do País começou com ele e sua gestão.

Qualquer governo, em qualquer país do mundo, não só tem seus próprios erros e acertos, como também constrói sobre avanços alcançados na vigência de administrações anteriores. O governo Lula não foi, não é e não será exceção a esta regra. Reconhecê-lo, difícil como possa parecer para a vaidade humana, é algo que só beneficiaria a governabilidade futura, qualquer que venha a ser o resultado das urnas de outubro.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC E-mail: malan@estadao.com.br

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

A dor escondida

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/10


Lima Duarte levou uma picada de cobra enquanto gravava, certo dia, um episódio de Caminho das Indias... e continuou trabalhando. À toa, pois a cena não foi para o ar.

Ele conta a história com detalhes em monólogo que abre o 3º Festival Ibero-Americano de Teatro. Em março, no Memorial da América Latina.

Risco eleitoral

O repasse menor do Fundo de Participação dos Municípios em janeiro - 12% abaixo do janeiro anterior - acendeu luz amarela no governo.

O Tesouro prevê recuperação, mas os prefeitos temem o impacto do salário mínimo. E o governo sabe: não há palanque eleitoral que se sustente sem dinheiro nas cidades.

Bit acelerado

Lucia Seabra comprou os direitos do livro O Purgatório, de Mario Prata, e já saiu em busca de diretor e elenco.

Enquanto os roteiristas Antonio Prata e Chico Mattoso dão cara ao trabalho, ela dá uma parada e comanda, dia 23, a pré-estreia de outra produção sua - Confusões em Família, com Andy Garcia.

O pós-Guarujá

Búzios será em breve uma das mais importantes cidades do litoral... paulista. A previsão é de Cadu Bueno, da Cruise Brasil, que reúne empresas de cruzeiro marítimo.

Em suas contas, este ano lá aparecem mais de 140 mil turistas do Estado - um terço do movimento. Em sua maioria, gente da classe média.

Memória digital

O Instituto FHC acaba de obter, via Lei Rouanet, os recursos que garantem nova exposição sobre o Plano Real, a ser aberta em abril.

Os R$ 7 milhões permitirão, além disso, completar a digitalização de documentos e fotos do acervo do iFHC. Que incluem cartas trocadas com gente do mundo inteiro.

Responsabilidade social

Lourenço Mutarelli, Marcelino Freire, Joca Reiners Terron e outros se juntam em causa comum. Para ajudar o poeta Roberto Piva, internado no HC, promovem evento literário em março, no Centro Cultural b_arco.

Neguinho da Beija-Flor vai levantar, na Sapucaí, a bandeira contra o Câncer do Intestino. Com o samba-enredo que ele compôs, para a campanha, serão distribuídos panfletos sobre o diagnóstico precoce.

Antes de cair na folia, mais de 150 funcionários do Grupo Telefônica doaram sangue para a Fundação Pró-Sangue e a Santa Casa de São Paulo. Num momento em que os estoques costumam ficar baixos.

Artistas plásticos receberam apoio para participar do Programa Social Mulheres de Talento - desenvolvido pela Fundação Stickel com mulheres da Vila Brasilândia.

Já chegam a 8,2 mil os voluntários de ações sociais do Grupo Gerdau, metade deles no exterior. Entre elas, distribuição de alimentos e agasalhos e projetos em educação.

O Instituto C&A selecionou 11 organizações para a formação de um polo de incentivo à leitura na região de Guaratinguetá. Investimento de R$ 3,5 milhões, durante dois anos.

Ara Vartanian criou joia para ajudar vítimas do terremoto do Haiti. A pulseira custa R$ 660 e metade do valor vai para a escola haitiana LakayPamk.

A Nokia brasileira vai doar o dinheiro da vendas da canção Everybody Hurts para o Comitê de Emergência e Desastres e para a campanha Helping Haiti, do jornal The Sun.

O Instituto Hedging-Griffo aceita inscrições, até dia 23, para apoio a projetos de educação. O foco? Melhoria do ensino público e bolsas de estudos.

A PROCURA DOS COLEGAS

ELIANE CANTANHÊDE

Pobre Brasília

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/02/10


BRASÍLIA - Quando as gravações de Arruda com a sacola de dinheiro foram ao ar, Lula reagiu dizendo que "imagens não falam por si".
Quando Arruda foi preso, Lula disse a auxiliares que "não era bom para o país nem para a política".
Com a opinião pública comemorando tanto o Carnaval quanto a prisão do governador, Lula deu uma das suas guinadas estonteantes e seguiu o rumo do Judiciário e do próprio Supremo, declarando o oposto: as imagens que antes não falavam por si passaram a ser chocantes. "Fiquei chocado quando apareceu aquele filme..."
Afinal, o que pretende Lula com sua imensa popularidade?
A pergunta de 1,7 milhão de eleitores do DF, porém, é mais objetiva: em quem votar para o governo em outubro? Não sobra ninguém.
Em 20 anos de eleições, o DF teve apenas três governadores: Roriz, Cristovam e Arruda. Roriz teve três mandatos (fora um por nomeação) e depois renunciou ao Senado para não ser cassado por corrupção. Cristovam não se reelegeu. Arruda já tinha renunciado ao Senado, agora é a desgraça final.
O DF, assim, coleciona dois troféus de corrupção: o primeiro governador preso e o primeiro senador da República -Luiz Estêvão- cassado depois da ditadura.
Só nos faltava o vice-governador Paulo Octávio. Não falta mais. Ele faz malabarismos para se equilibrar como substituto de Arruda, mas, com tantas citações na operação Caixa de Pandora, o tombo é certo. Ninguém quer a intervenção, mas ela parece provável.
E em outubro? Cristovam não superou a derrota na reeleição e não vai se candidatar. O PT se contorce com Agnelo Queiroz, que viu os filmes de Arruda com a dinheirama e fingiu que não. As alternativas à esquerda não convencem.
Daí o terror: sem ter em quem votar, vem aí Roriz de novo? Ele é o suposto chefão da "organização criminosa" que tomou de assalto a capital. Ou seja: a origem de tudo.

SUELY CALDAS

Disputa inútil

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/10


Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Quem deu vida ao recente progresso social no Brasil? O governo do PSDB ou o do PT? O economista da Fundação Getúlio Vargas Marcelo Néri não tem resposta para o primeiro dilema (e quem teria?), mas para o segundo ele não vacila: os dois governos. Analisando os números da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, Néri descobriu que desde 1995 contingentes expressivos de pobres têm sido incorporados à classe média, que hoje já representa 52% da população. O mérito do avanço ele atribui às gestões dos presidentes FHC e Lula. Mas lembra: tudo começou com o Plano Real, sem ele tal progresso não teria ocorrido.

O presidente Lula não cansa de glorificar seu governo, desqualificar todos os que o antecederam e afirmar que a prosperidade nasceu com ele. Mas imagine, leitor, se Lula e o PT governassem o País antes do real? O que teriam feito para derrubar a hiperinflação, que devorava salários, desorganizava a economia, atrofiava o crescimento, impedia as pessoas de planejarem suas vidas, afugentava investimentos? Se as tinha, o PT nunca divulgou suas ideias para estabilizar a economia e liquidar a inflação.

Mas bateu muito no Real. Na campanha eleitoral de 1994 chamou-o de plano neoliberal, eleitoreiro e que não duraria seis meses. Se vencesse a eleição, Lula teria preservado o plano? Convidaria para ficar no governo a equipe de economistas que o criaram (todos ligados à FHC) para dar seguimento a ele? Ou o revogaria por acreditar ser neoliberal, que teria vida curta e fracassaria? Àquela altura, seis meses depois de implantado, com os preços em queda e uma moeda nova e forte em circulação, seria isso possível?

A história foi outra. FHC venceu as eleições e o Real foi um sucesso, após tantas tentativas fracassadas. Hoje nem Lula nem o PT saberiam responder o que teriam feito. Também na época não pareciam ter resposta. Na eleição de 2002 Lula foi levado a assinar a Carta ao Povo Brasileiro, em que se comprometia a dar seguimento à política econômica de FHC e renegava a ruptura prometida por 20 anos pelo PT e expressa na difusa e indefinida frase "vamos acabar com tudo o que está aí", sem dizer o que viria depois. Mas em 1994 era diferente: não havia oito anos de estabilidade, preços controlados, economia organizada, a população comprando bens a prazo, o consumo crescendo. O "acabar com tudo o que está aí" prevalecia, tinha força no PT. O que seria hoje o País se Lula vencesse a eleição em 1994?

Em extensa reportagem sobre o Brasil, o jornal inglês Financial Times resumiu que o maior mérito de Lula foi continuar a política econômica de FHC. Os fatos, a história e análises honestas de historiadores, sociólogos e economistas concordam. Não é demérito para Lula ter dado seguimento ao que foi feito pelo antecessor. É natural e bom que isso ocorra em países democráticos, se o antecessor plantou boas sementes. Afinal, o que seria de um país se cada novo presidente desmanchasse tudo o que de bom encontrou, só para marcar posição política? Portanto, ponto para Lula, que, mesmo enfrentando a oposição de boa parte do PT, manteve a política econômica de FHC. Outro ponto, se tivesse honestidade de reconhecer - reforçaria valores de civilidade política e maturidade democrática.

O que não é bom para o País é o clima de disputa obsessiva de quem fez mais (como se governar fosse uma maratona) que Lula e sua candidata querem levar à campanha eleitoral.

Os dois governos têm seus méritos. FHC deu a partida, criou uma moeda nova, estabilizou a economia, derrubou preços, fincou raízes na educação, levando para a escola 96% das crianças entre 7 e 14 anos de idade. Criou agências reguladoras para proteger serviços públicos da má influência política e a Lei de Responsabilidade Fiscal para frear ações corruptas de prefeitos, governadores e presidentes. Privatizou empresas com crônicos prejuízos financeiros e que só serviam a políticos desonestos (a Telebrás, que agora Lula quer ressuscitar, foi a maior delas).

Lula deu ênfase ao progresso social: estimulou o crédito popular, expandiu o consumo, aumentou o valor do benefício e ampliou para 11 milhões as famílias do programa Bolsa-Família, criado por FHC com o nome de Bolsa-Escola. O País passou a crescer de forma sustentada e a renda do trabalho foi ampliada. Multiplicou as reservas cambiais, livrando o País de um desastre maior na crise global. Um sem o outro, os pobres continuariam pobres, não teriam migrado para a classe média.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)

ANCELMO GÓIS

Mulata do Gois

O GLOBO 14/02/10


As mulheres pretas e pardas, tão celebradas no carnaval, inclusive pela coluna, ocupam um degrau baixo no edifício social brasileiro, como mostra pesquisa feita agora pelo Laboratório Laeser, da UFRJ, dirigida pelo economista Marcelo Paixão.
Em dezembro do ano passado, a diferença entre o rendimento médio de um homem branco (R$ 1.968,36) e de uma mulher preta ou parda (R$ 742,12) foi de 165%.

E mais...
A taxa de desemprego das pretas e pardas em dezembro (10,2%) foi mais que o dobro da dos homens brancos (4,6%) e superou também a das mulheres brancas (7%) e a dos homens pretos e pardos (6,4%).

Para concluir...
Um terço (exatos 28,9%) das mulheres negras que trabalhavam no período pesquisado estavam subocupadas, por receberem menos de um salário mínimo.

Fora da lei
A Corregedoria Geral Unificada das polícias do Rio vai mandar equipes para fiscalizar a Sapucaí no carnaval.
Quer punir os policiais que estiverem fazendo bico para a turma do jogo do bicho.

No mais
É como disse Campos Sales, em 1906, no livro “Da propaganda à Presidência”.
“A eleição do presidente da República é o grande eixo da política nacional, embora a agitação que em torno dela se promove nem sempre obedeça ao influxo dos princípios.”

Melô das lésbicas
Tomou outro rumo o sucesso “Mulher, mulher, mulher”, samba de Neguinho da BeijaFlor que gruda igual a chiclete e é sensação nos blocos.
Quem acha a letra machista mal sabe: a música foi apelidada de... “Melô das lésbicas”.

O DOMINGO
É de carnaval e de Zeyla Victória, 23 anos, a Mulata do Gois 2010. Professora de inglês que mora com os pais em Jacarepaguá, ela é passista da Portela, e garantiu para a escola o tricampeonato do concurso carnavalesco da coluna. Zeyla ganhou no ano em que a disputa teve uma montanha de votos — acredite: mais de 450 mil em mês e meio de eleição. Em segundo lugar, ficou Luciane Soares, 29 anos, do Salgueiro e, em terceiro, Grazi Dantas, 28, da União da Ilha. As duas e as outras nove candidatas iluminam (em ordem aleatória) a página ao lado, numa agradecida homenagem da coluna às musas do samba, que todo ano nos oferecem uma festa de beleza. Viva a mulata, viva o carnaval

Desculpe, Niemeyer
De Paulinho da Viola para a revista “FS”, do jornal “Brasil Econômico”: — Uma coisa que teria de ser discutida é o próprio Sambódromo carioca. Ele foi feito (em 1984) meio às pressas.
Não deveria ter sido assim.

Segue...
O grande compositor esclarece melhor sua posição: — Amo o trabalho de Oscar Niemeyer, acho uma coisa sublime.
Quem sou eu para dizer isso, um sambista. Mas acho que, se ele tivesse tido um tempo maior, não teria sido feito daquela maneira

Chefe do Greenpeace
Quem chega ao Brasil dia 22 agora é Kumi Naidoo, um ex-ativista antiapartheid sulafricano.
Vem a ser o diretor-executivo da superONG Greenpeace, cujas ações fazem um barulho danado no mundo todo.

ZONA FRANCA

Ainda este semestre João Havelange recebe o título de doutor honoris causa da Academia Brasileira de Filosofia, com saudação de Nelson Mello e Souza.

Beyoncé usou em seu clipe acessórios do designer Carlos Alberto Sobral.

Anderson Birman, da Arezzo, lança nova coleção dia 17.

Dia 19, a cantora Mariana Baltar se apresenta no Posto Nove.

Rudi Werner é o responsável pela maquiagem no baile do Copa.

O cirurgião Ricardo Cavalcanti participa do 44º Backer Gordan Education Simposion, em Miami.

Bloco Quizomba sai terça na Lapa e grava DVD dia 20 no Circo Voador.

O advogado Pedro Trengrouse faz seminário em Bruxelas sobre os desafios do Brasil após a era Lula.

Solange Tesourinha
O carro da censura que a Mangueira levará amanhã à Sapucaí, com o travesti Rogéria, é uma “homenagem” da verde e rosa à Solange Hernandes.
Trata-se da censora mais famosa da ditadura, também conhecida como Solange Tesourinha, porque cortava tudo que é filme, livro, música, peça de teatro...

Dira no palco
Dira Paes, nossa musa do cinema brasileiro, voltará ao teatro depois de cinco anos.
Ensaia “Caderno de memórias”, do francês Jean Claude Carriére, com direção de Moacyr Góes. A peça será encenada em março no Festival de Curitiba e estreia no Rio em abril.

Arruda sumiu
O pessoal da Confraria do Garoto, boa gente que põe a autoestima carioca para cima, teve dificuldade para achar arruda, que usa na abertura do carnaval, para garantir bons fluidos.
Não achou. Arruda, veja só, sumiu.

Samba dos Bric
Jim O’Neill, o economista inglês que criou o termo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) para designar os quatro países emergentes, estará hoje na Sapucaí, no camarote de Eduardo Paes.

Cena carioca
Um senhorzinho despachante tem distribuído o seguinte cartão na Lapa, no Rio: “Wilson Gomes, despachante.
Soluciono todo tipo de problema.
O que a gente não faz por dinheiro? Até trabalhar.” E dá um telefone.

GAUDÊNCIO TORQUATO

Eleições na democracia esvaziada

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/10


Dilma Rousseff foi escolhida candidata à Presidência por Lula porque o PT vivia um momento de "vazio". Essa foi a explicação do então ministro da Justiça para mostrar como essa candidatura emergiu como fator de composição dentro de um partido fragilizado e de alas divididas na onda do mensalão. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu vazão à expressão usada por Tarso Genro ao dizer que o perfil da chefe da Casa Civil carece de atributos de liderança. Por trás da explanação de um e da espinafração de outro reside uma particularidade da vida política contemporânea: um processo de esvaziamento. Os requisitos clássicos dos quadros políticos - experiência, liderança, capacidade de mobilizar as massas - nem sempre são considerados para efeito de escolha de candidatos. E as causas estão na própria crise que assola o sistema político, cuja feição assim se apresenta: partidos de identidades esgarçadas, representações apartadas da sociedade, Parlamentos com menos disposição para legislar; oposições frágeis e com discurso opaco e eleitores desmotivados. Verdade é que desde a queda do Muro de Berlim o jogo político se tornou menos contrastado. Os atores políticos reúnem-se num grande centro, onde se opera a clonagem das semelhanças.

O próprio conceito de democracia perde o antigo escopo, abrigando novos elementos. No século 19, por exemplo, o sufrágio era instrumento da democracia atomizada: os átomos eram conquistados um a um por candidatos com discursos distintos. Hoje a escolha se processa dentro de coletividades de pensamento homogêneo e por contendores bastante assemelhados. O processo atomizado de ontem é substituído por mecanismos impostos por uma democracia concebida e desenvolvida por uma teia de organizações intermediárias (sindicatos, associações, movimentos e mesmo alianças passageiras). Estes constituem os novos polos de poder, dentro dos quais os atores, alguns sem nunca se terem submetido ao crivo do eleitor, se abrigam para disputar campanhas majoritárias de envergadura. Sob a malha de interesses circunstanciais, composições artificiais e conceitos frágeis, os caminhantes de uma jornada eleitoral nem sempre são os mais treinados ou conhecem os percalços da política. Ingressam na arena a fórceps, são pinçados do bolso do colete pelos donos do poder ou mesmo dão um jeito de pular do Polo Norte para a Linha do Equador sem ao menos saberem a distância da rota. O "vazio" oceânico na política abriga não só a ministra Dilma, mas outras figuras. Veja-se o caso do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, cuja pretensão de ser candidato ao governo de São Paulo pelo PSB o deixaria na risível situação de ter de optar pela cartilha da indústria, que representa, ou pelo socialismo partidário, que defende, por exemplo, a redução da jornada semanal de trabalho.

Como se pode aduzir, os perfis já não privilegiam parâmetros que, no antigo sistema, mediam os potenciais de cada qual. Agora, na nova ordem - nomeada de organodemocracia por Roger-Gérard Schwartzenberg -, os contendores passam a representar menos o que pensam e mais o conjunto de interesses e a prática de grupos, siglas amorfas e alianças que os abrigam. Se os ideários fenecem, os adversários tornam-se mais próximos. O mimetismo é ainda mais acentuado por conta de costumes que impregnam a agenda cotidiana de nossa política: o gosto pela improvisação, a flexibilidade para mudar de lado ("o jeitinho brasileiro", a infidelidade), a tendência ao exagero, a lei da maior vantagem e o usufruto do patrimônio público. Ora, sob essa leitura, a comparação entre os ciclos FHC e Lula terá mais firulas que diferenças no plano semântico. Dados a mais alcançados pelo ciclo lulista só foram possíveis em decorrência da base assentada pelo antecessor. E, quanto a rumos, as diferenças se darão na esfera do estilo. Quem acha que o País, com inflação domada, juros baixos, braços assistenciais fortes, tem de mudar a rota? No campo político, os arranjos - seja para a oposição, seja para a situação - deverão continuar a partir da aliança com o PMDB. O assistencialismo, simbolizado por programas de redistribuição de renda, será mantido por Dilma e ajustado pelo candidato da oposição. As grandes pilastras do edifício Brasil, portanto, serão as mesmas.

Haverá, claro, pontuação sobre os perfis. Em relação à candidata governista, percebe-se grande interesse em afastá-la do leito do pragmatismo, frequentado por Lula, para banhá-la nas águas ideológicas. Há núcleos comprometidos com a bolorenta cartilha do Estado controlador de tudo. Lula, porém, será o mestre de cerimônias dessa liturgia. E terá o poder para conter o ímpeto de radicais. Até porque imagina Dilma como a locomotiva a puxar o trem que construiu ao longo de oito anos. Não sendo petista histórica, teria condições de encarnar o pragmatismo lulista. Já do lado das oposições, o País poderá ver um candidato mais experiente e de perfil consagrado. Ocorre que a bagagem pessoal de José Serra, nos termos acima descritos, não terá mais o peso de outrora, canibalizado que será por paisagem mais abúlica e menos contrastante. A ressaca geral da política - intensificada por escândalos - abate os entes políticos, físicos e jurídicos. O desafio do governador será o de mobilizar a atenção do eleitorado para as diferenças entre ele e a adversária. Esse tipo de apelo, porém, não gera impacto nas margens eleitorais, funcionando mais como elemento de atração de segmentos racionais, sediados no meio da pirâmide social. Ademais, nos últimos tempos gigantescos laços foram jogados para todos os lados por mãos adestradas na arte da mistificação das massas.

Tanto o perfil de Serra quanto o de Dilma se enquadram no território do estilo tecnocrático. Tal imagem será fatalmente percebida pela comunidade política. Ambos terão chances de mostrar suas qualidades, capacidades e até deficiências. A indagação prossegue: o fator pessoal prevalecerá sobre a moldura?

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político e de comunicação

PAINEL DA FOLHA

Divisão de tarefas

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/02/10

No roteiro concebido pelo Planalto para o próximo sábado, quando Dilma Rousseff será aclamada ao final do congresso do PT, haverá um descolamento entre os discursos da candidata e do partido. Enquanto este, pela voz da nova direção, falará do futuro, ela se concentrará no que foi realizado por Lula, no esforço para se apresentar como legítima e única opção de continuidade. Dilma não entrará em especificidades sobre o que pretende fazer se for eleita -o comando da campanha considera que isso é assunto para mais adiante-, mas lançará na praça o mote de que, como o atual governo "fez muito" por crianças e idosos, a prioridade agora serão adolescentes e jovens.



Maratona. Do próximo sábado até o final de março, quando deixará a Casa Civil, Dilma protagonizará, além de uma bateria de inaugurações, pelo menos três grandes eventos do governo: os lançamentos do PAC 2, do projeto da CLS (Consolidação das Leis Sociais) e do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga).

Meu querido. Posto que o transplante de Ciro Gomes (PSB) para São Paulo fica a cada dia mais improvável, Lula deverá ter em breve uma conversa com Aloizio Mercadante (PT), atualmente seu plano B para a disputa do Palácio dos Bandeirantes. O senador, que em princípio gostaria de se reeleger, está, segundo os mais próximos, "apavorado".

Custo e benefício. Com José Roberto Arruda preso e o alcance do escândalo em Brasília ainda em aberto, gente graúda no PSDB se pergunta se vale mesmo a pena investir na aliança eleitoral com o nanico PSC. Um acréscimo no tempo de televisão sempre ajuda, mas agora ficou mais perigoso pôr José Serra no palanque de Joaquim Roriz.

Terceira via. O Planalto avalia que o PT só terá condições de se beneficiar eleitoralmente da terra arrasada na política do Distrito Federal se apostar num "nome novo". Ou seja: nem Agnelo Queiroz, nem Geraldo Magela.

Cineminha. Delegados da Polícia Federal tem feito sessões internas nas quais são exibidos os melhores momentos das produções do gravador-geral Durval Barbosa.

É só folia! Não bastasse o Arrudagate, o Carnaval em Brasília terá um trio elétrico todo decorado com o nome de Agaciel Maia. Diretor-geral degolado no escândalo do Senado, ele agora tem um blog e pretende se candidatar a deputado pelo nanico PTC.

Excluídas. Para espanto de pesquisadores de USP, Unicamp e Unesp, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) não incluiu representante de nenhuma das universidades públicas de São Paulo na Comissão de Preparação do Plano Nacional de Pós-graduação, que deverá funcionar nos próximos dez anos. As três respondem por mais da metade da produção científica brasileira e pela maior parte dos doutorados e mestrados.

Não foi... Presidente da agência federal, o carioca Jorge Guimarães recuou diante da reação negativa. Desculpou-se com o secretário de Ensino Superior de SP, Carlos Vogt, a quem pediu indicações para a comissão.

...por mal. Segundo Guimarães, USP, Unicamp e Unesp ficaram de fora porque o prazo para formar a comissão era exíguo e ele usou nomes de que já dispunha. "Estava lutando contra o relógio. Agora está tudo resolvido."

Memória. Não é a primeira polêmica a envolver o bioquímico Guimarães. Em 2009, ele criticou o modelo de financiamento de bolsas no exterior. "Continuaremos a mandar alunos para formar doutores num modelo que faliu o mundo? Esse modelo se mostrou totalmente anticientífico, para dizer o mínimo."

Contemporâneos. Os generais Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, que criticou a presença de homossexuais nas Forças Armadas, e Maynard Marques de Santa Rosa, exonerado após chamar de "comissão da calúnia" a comissão da verdade que o governo quer criar para investigar crimes da ditadura, formaram-se em 1967 na Academia das Agulhas Negras.


com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

"O Lula toma as rédeas do debate por saber que sua candidata, de tão fraca, não tem condições de responder."

Do deputado LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS (PSDB-ES) sobre Lula, segundo quem Dilma Rousseff não deveria responder às críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para "não baixar o nível".

Contraponto

Lei seca Ao defender sua agenda carregada de inaugurações, Lula disse na sexta em Goiânia que a oposição pode reclamar o quanto quiser, mas ele manterá o ritmo:
-Tenho compromisso com o povo brasileiro até o dia 31 de dezembro de 2010, à meia-noite, quando vou parar para comemorar o ano, tomar um uísque ou uma caninha boa, se alguém de Goiás me der...
A plateia riu, e o presidente cobrou:
-Porque Goiás fala, fala, fala que produz caninha boa, mas eu venho aqui e só me dão empadão!