domingo, janeiro 29, 2012

Topo do blog Odisseia - FERNANDA TORRES

REVISTA VEJA - RIO


Um amigo planejou as férias dos sonhos com a família na Nova Zelândia. Contratou um motor home e rodou suas duas gigantescas ilhas por quase um mês.

Antes da partida, prestei-lhe uma visita.

Enquanto suava para fechar as numerosas malas da epopeia, meu compadre admitiu que o melhor momento da viagem aconteceria quando ele abrisse a porta de casa, sentasse no sofá e lembrasse o que passou.

Quem sua em bicas agora sou eu, organizando as malas de roupa, de mão e de equipamentos, a de sapatos e de livros, a bolsa dos passaportes e as autorizações do juizado.

Meu cônjuge está de serviço nestas férias.

O Ano-Novo no Nordeste eu enfrentei sozinha. Fui bem. No dia da volta, li errado o horário do voo e fomos obrigados a sair desabalados, socando o que podíamos no carro alugado, que ainda tive de devolver no aeroporto.

Mais de uma vez, olhei para o lado na ilusão de que alguém se responsabilizaria pela tarefa de guiar os Torres, mas a fila acabava em mim. Com a ajuda de dois santos da agência de viagem de Salvador, fiz o check-in, dei almoço para a tropa, organizei a passagem pelo raio X, acomodei todo mundo na aeronave e, já no Rio, dormi radiante por estar no meu colchão.

Meu pai panicava na entrega do imposto de renda e nos trâmites de viagem. Ia agarrado a uma bolsa pesada, com os documentos e os dólares, como se fosse a própria vida. E olha que naquele tempo o terrorismo ainda estava engatinhando. Hoje, ele teria uma síncope.

Viajar piorou muito. Além das revistas rigorosas, existe sempre o perigo da deportação e da humilhação étnica. As normas de segurança aumentaram os casos de complexo de porteiro nas alfândegas do planeta. A princípio, ninguém é querido.

João Ubaldo Ribeiro diz que sempre confundem a sua nacionalidade. O bigode e a morenice o tornam turco na Alemanha, argelino na França e árabe nos Estados Unidos. O acadêmico chega sempre quatro horas antes do embarque, já sabe que vai ser difícil. O cúmulo da humilhação aconteceu no dia em que um cachorro lhe cheirou as partes íntimas na entrada do avião. Senhoras e crianças aguardavam na fila da prioridade enquanto o animal cumpria seu dever de policial.

Em Berlim, na penúltima Copa, fui visitar meu marido, que dirigia um documentário na concentração da seleção de Parreira. Eu só podia ficar três dias e o bilhete aéreo assinalava cash award, uma passagem de milhas que torrei no apagar das luzes da Varig.

Já na saída do tubo, eu nunca tinha visto aquilo, soldados de verde-oliva selecionavam quem ficaria no pente-fino. Eu fui detida aos 10 do primeiro tempo. A passagem havia sido emitida dois dias antes, em cash, ou seja, dinheiro, eu passaria pouco tempo na cidade e retornaria imediatamente para o Brasil. Era o pacote “vapor” por excelência. O oficial estava certo de que eu trazia drogas comigo.

Apesar das minhas explicações de que cash award significava milhas e de uma comissária da Varig dizer que eu era atriz, a sua convicção de que havia pego uma mula sul-americana não se abalava. Sem nada contra mim, levaram-me até o controle de passageiros para enfrentar uma segunda dura. Finalmente aceita na Germânia, fui recebida pelo carro da produção. No estacionamento, dois policiais à paisana nos abordaram para dar o bote final. Esses, finalmente, se convenceram da minha inocência.

No verão passado eu abri mão de ir ao Egito com a família toda. Achei que não teria capacidade de liderar minha parte da trupe, com um pré-adolescente, uma criança de 3 anos e a babá. O trajeto era digno de Alexandre, o Grande: Rio-Roma, Roma- Cairo, Cairo-Abu Simbel, Abu Simbel-Nasser, de lá um barco até Luxor e finalmente Luxor-Cairo-Roma-Rio. No retorno à capital egípcia, a primavera árabe eclodiu. Meus parentes viram as pirâmides como puderam e saíram em fuga, desviando-se das barricadas para chegar ao aeroporto. Pousaram em Roma no último voo a decolar antes do fechamento total do espaço aéreo do Cairo.

Recordar é viver. Mas é preciso viver para recordar.

Gota D’água - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 29/01/12


Veja como este projeto da usina de Belo Monte, no Xingu, que chegou a ser condenado pela OEA, em abril, continua a provocar reações no exterior.

O movimento Gota D’água, que mobilizou vários artistas aqui, abriu um posto avançado em Vancouver, Canadá, onde são exibidos filmes, fotos e notícias sobre o que ocorre no Xingu.

Fator Odebrecht
Além da blogueira dissidente Yoani Sánchez, quem muito espera da visita de Dilma a Cuba, amanhã, é a Odebrecht, que toca obras no Porto de Mariel.

A empreiteira chegou a sugerir que o primeiro compromisso da presidente antes mesmo de ver Raul e Fidel, fosse visitar as obras, financiadas pelo BNDES.

Música e política
O jornalista Franklin Martins retomou um projeto, interrompido em 2007, quando foi ministro de Lula, sobre a forma como a MPB retrata a política.

Em maio, a Nova Fronteira lança “Quem foi que inventou o Brasil?”, sobre o período 1902-1964, com umas 460 músicas. Um segundo volume, depois, vai abranger o período pós-1964.

Primavera árabe
Ana Maria Machado, publicada em 20 países, foi procurada por mais dois, interessados no mesmo livro infantil, que a escritora lançou no governo militar. Fala da queda de um ditador.

São editoras do Qatar e dos Emirados Arabes. O título? “Era uma vez um tirano”.

Devagar, devagarinho
As negociações entre o grupo GP e a Leader andam devagar.

Deus e o celular
Parceiro da coluna flagrou na semana que passou uma placa numa igreja em Roma com os seguintes dizeres: “Deus se comunica com as pessoas de várias maneiras, mas nunca pelo celular. Por favor desligue o seu.”

Eu apoio.
LP de Ana Carolina
Ana Carolina, a cantora, vai lançar um... vinil, o bom e velho disco de antigamente.

O LP trará as faixas do CD “Ensaio de cores”, lançado em 2011. A edição será de luxo, com projeto gráfico caprichado. Chega semana que vem às lojas e estará também nos sites de venda.

Viva Martinho!
A Sony Music, para comemorar os 45 anos de carreira de Martinho da Vila em 2012, vai lançar uma caixa com seis velhos LPs do nosso sambista remasterizados para CD.

O primeiro, “Martinho”, de 1969, trará uma versão atual, cantada hoje pelo artista.

Neymar no deserto
Veja até onde vai a fama de Neymar, nosso menino-craque.

O “Esporte Espetacular”, da TV Globo, exibe hoje matéria do repórter Régis Rösing no Saara Ocidental, na qual meninos de uma escola, ao saberem que a equipe era do Brasil, começam a gritar espontaneamente: “Neymar! Neymar! Neymar!”

Xerife e travestis
A chefe de polícia do Rio, Martha Rocha, recebe 30 travestis e transexuais, amanhã.

As, digamos, moças vão pedir à xerife a inclusão do nome social e da identidade de gênero nos boletins de ocorrência das delegacias.

Bonsucesso, 100
Alunos de Comunicação da Unisuam, no Rio, preparam um documentário sobre os 100 anos do simpático Bonsucesso F.C., o time rubro-anil da Zona da Leopoldina, que voltou em 2012 à elite do futebol carioca.

Vão rodar este ano e lançar em 2013, o do centenário.

‘Oh, if I catch you’
A febre de “Ai, se eu te pego”, de Michel Teló, parece sem fim. Quarta, no show do cantor havaiano Bruno Mars, no HSBC Arena, no Rio, o astro, lá pelas tantas, puxou no violão: “Oh, if I catch you, oh.. oh...”

O público foi ao delírio.

Aliás...
O coro “lindo, tesão, bonito e gostosão” caiu em desuso. Também na quarta, Diogo Nogueira, o sambista, fez um show no Downtown, no Rio, e umas moças cantaram para ele: “Delícia, Delícia, assim você me mata”.

O assédio o obrigou sair num carro da Guarda Municipal.

Cena carioca
Fim de tarde na Praia de Copacabana. Um gari, com uma vassoura, aproxima-se perigosamente de uma senhora que contempla o pôr-do-sol.

Ela protesta: “Ô, meu filho, cuidado aí!” E o gari: “Minha senhora, a senhora é perfeitamente reciclável!” Há testemunhas.

Meta de crescimento - AMIR KHAIR


O Estado de S.Paulo - 29/01/12


Apesar de boas notícias nos Estados Unidos e do menor temor de crise bancária na Europa, relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) rebaixou a previsão de crescimento brasileiro para 2,7% neste ano e o Fundo Monetário Internacional (FMI), para 3%. São previsões inferiores às do Banco Central (BC) de 3,5%, do mercado financeiro, de 3,3%, e do governo, de 4,5% a 5,0%.

Em 2008, o País cresceu 5,2%; em 2009, com a crise, afundou 0,6%; em 2010, emplacou 7,5%; e em 2011, deve crescer menos de 3%. É um sobe e desce que ocorre ao sabor da evolução do mercado internacional e, a partir de 2011, também influenciada pelas medidas macroprudenciais, que encareceram o crédito. O problema é que o governo ainda mantém a crença que o que influencia basicamente o nível de crescimento é a taxa básica de juros (Selic). Essa política está esgotada e precisa ser alterada.

1. Distorções - Essa taxa, mantida elevada como sempre, causa distorções na economia, criando déficits crônicos nas contas do governo federal, custos proibitivos para o carregamento das reservas internacionais (mais de R$ 100 bilhões em 2011) e distorções no câmbio, prejudicando a competitividade das empresas. Nos últimos doze meses encerrados em novembro (último dado disponível), só de juros, o setor público gastou R$ 236 bilhões (5,7% do PIB) e o governo federal, R$ 175 bilhões (4,3% do PIB).

Enquanto as despesas totais do governo central (Tesouro, Previdência Social e BC) evoluíram 2%, abaixo, portanto, da inflação de 6,5%, a despesa com juros evoluiu 44,4%. Apesar disso, as críticas ao governo se concentraram na queda dos investimentos de R$ 2,7 bilhões em relação ao ano anterior, mas o mais importante, que passou despercebido, foi o aumento de R$ 51 bilhões nas despesas com juros.

Se o Brasil adotasse uma política de taxa básica de juros equivalente à praticada nos países emergentes (média de 5% ao ano), seria possível, com base em novembro, economizar R$ 205 bilhões (!) por ano, considerando a dívida mobiliária do governo federal de R$ 1,74 trilhão. Esses recursos dariam com folga para atender o déficit social e de infraestrutura do País. Portanto, não faltam recursos; trata-se de não desperdiçá-los.

2. Crescimento x Inflação - A política econômica que vem sendo adotada obedece ao antagonismo entre crescimento e inflação. Quando a atividade econômica cresce acima de 4%, considerada pelo mercado financeiro como limite de crescimento sem causar inflação, o BC usa o que considera a elevação da Selic para conter a demanda, ao mesmo tempo em que espera que o governo reduza suas despesas. Caso a atividade econômica esteja fraca, há a redução da Selic para, como crê o BC, estimular o consumo.

Esse antagonismo perdeu o sentido com o avanço da globalização comercial, pois o País deixou de ser uma economia fechada (onde faz sentido o antagonismo) para estar exposto aos preços internacionais, os principais reguladores da inflação em todos os países.

3. Proposta - Esse artigo propõe uma inflexão na política econômica. Ao invés da adoção da Selic, considerada equivocadamente como reguladora da atividade econômica, propõe-se a adoção de política comprometida com metas de crescimento. Para isso, são necessários vigorosos estímulos ao consumo e à produção, bem diversos das políticas pontuais e de alcance limitado, que vêm sendo adotadas.

4. Premissa - A razão dessa proposta reside na premissa, já salientada, de que a inflação depende, fundamentalmente, dos preços internacionais. Isso ficou evidenciado em todos os países nos últimos anos. O componente interno da inflação (serviços e preços administrados) não pode ser alcançado pela política monetária. A razão disso é simples. Os serviços respondem por 20% do IPCA e são afetados pela renda da população, que independe da Selic. Os preços administrados respondem por 30% da inflação e dependem de decisões governamentais para alteração das tarifas do transporte coletivo, energia elétrica, água e esgoto, telefonia, preços dos combustíveis, etc.

Em anos de disputa eleitoral, como o atual, esses preços são contidos para reduzir o desgaste político que podem trazer. Os restantes 50%, que compõem a inflação, são de preços de bens sujeitos à concorrência internacional, que neste ano e, provavelmente, nos próximos, deverá estar contribuindo para segurar a inflação em todos os países. Assim, não creio que a inflação deva ser preocupação neste e nos próximos anos.

5. Crescimento - A crise da Europa afeta todas as economias e irá causar redução no ritmo de crescimento das exportações e redução dos preços internacionais dos bens, pelo acirramento da concorrência internacional. Assim, há riscos de piora na balança comercial do País pela via de menor exportação e maior importação. Isso irá contribuir para a redução do crescimento. Há que enfrentar essa realidade via estímulos ao crescimento baseado no potencial de consumo e produção mal aproveitado.

Para ativação do consumo, nada melhor do que a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos, as mais altas do mundo. Elas reduzem o poder aquisitivo da população que usa o crediário. Caso fosse adotada a taxa média de juros ao consumo dos países emergentes, de 10% ao ano, o poder aquisitivo do consumidor que usa o crediário poderia ser ampliado em 30% para compras de 24 prestações e 45% para as de 36 prestações. Além disso, tem-se a vantagem de redução da inadimplência, o que vem a favor do poder aquisitivo futuro do consumidor.

Para ativação da produção, além de desonerações tributárias e redução do cipoal burocrático, o caminho mais eficaz é a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos para as empresas, também as mais altas do mundo. Elas elevam os custos financeiros e desestimulam os investimentos, ou seja, reduzem a oferta de bens e serviços presente e futura. Até agora o governo vem adotando a política de estimular o crescimento pela maior oferta de crédito, porém sem alterar a qualidade dele, nas anômalas taxas de juros.

Creio ser difícil o governo trilhar esse caminho. Suas próprias instituições financeiras - Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal - praticam taxas de juros extorsivas. Segundo o último levantamento do BC junto aos bancos, feito entre os dias 6 e 12 (último dado disponível), as taxas de juros mensais para o cheque especial variaram entre 2,01% do Banco Votorantim e 10,33% para o Santander, o 30.º colocado. A Caixa ocupou o 18.º lugar com 8%, o BB o 20.º, com 8,72%, seguido pelo Bradesco, com 8,79%.

6. Meta de crescimento - O governo dispõe de variado arsenal de estímulos para induzir e controlar o nível de crescimento. Na sua principal peça de planejamento, o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para 2012 a 2015, o governo estabelece as metas de crescimento de 5% neste ano e de 5,5% para 2013 a 2015. A proposta orçamentária para este ano confirma essas metas. Resta ser cobrado para isso, para o bem de todos.

O desafio da TV pública - ETHEVALDO SIQUEIRA


O ESTADÃO - 29/01/12


Se você, leitor, sente-se desencantado em alguns momentos com os rumos da televisão aberta, sugiro que busque novas opções na TV Cultura, mesmo que tenha, eventualmente, optado pela TV por assinatura - que, aliás, tem crescido mais de 20% ao ano e já alcança 45 milhões de telespectadores no País.

Acho que você vai gostar da TV Cultura, leitor, com as diversas mudanças desta nova fase. Comece pelo Jornal da Cultura, às 9 da noite, com a âncora Maria Cristina Poli. Muito mais do que outros noticiários, esse telejornal consegue inovar em busca de um padrão de informação mais completo e democrático, apoiado muitas vezes em matérias didáticas bem produzidas e equilibradas.

E conta ainda com a participação de debatedores de alto nível, que se revezam de segunda a sexta-feira. Eles têm coragem de dar opinião, embora quase sempre alfinetados por telespectadores, pelo twitter.

A boa música. Nos fins de semana, a música clássica ganha muito mais espaço na Cultura, com documentários e concertos de renomados solistas e orquestras internacionais ou da própria Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).

A excelente cobertura do Festival de Campos do Jordão, em julho, foi concluída com o Concerto para Violino de Beethoven, interpretado e regido por Pinchas Zukerman. O novo programa, Pré-Estreia, promoveu seu primeiro concurso de música erudita e revelou candidatos de talento de todo o País.

O Roda Viva, programa de entrevistas de maior prestígio da TV brasileira, foi reformulado, com mais debatedores. O Metrópolis, sobre artes e espetáculos, com Cadão Volpato, está ainda melhor. O Café Filosófico é um modelo de TV cultural, com escritores e professores que focalizam temas de grande atualidade.

Confesso, leitor, que gosto muito da música brasileira autêntica de Inezita Barroso, no Viola Minha Viola, e de Rolando Boldrin, no Sr. Brasil. Não perco nenhum Ensaio, que nos permite reencontrar compositores e cantores populares da MPB.

Na área de esportes, o Cartão Verde se tornou de longe o melhor programa do gênero da TV brasileira (que saudade do Magrão Sócrates).

Quatro canais. Com os recursos da TV digital, em especial os da multiprogramação, a Fundação Padre Anchieta opera desde 2009 três canais públicos culturais: Cultura (2.1), Univesp (2.2) e Multicultura (2.3).

Há ainda um quarto canal, a TV Rá Tim Bum, de programas infantis, que faz parte do cardápio das operadoras de TV paga. Tem 3,5 milhões de assinantes. Aliás, há muitos anos a programação infantil da TV Cultura vem conquistando diversos prêmios internacionais.

No canal 2.2 digital, concretiza-se o projeto de uma universidade aberta com programação fornecida pelas universidades paulistas da Univesp (Universidade Virtual de São Paulo). Além de aulas e palestras de grande atualidade e interesse cultural, esse canal apresenta entrevistas sobre temas científicos, conduzidas pela jornalista Mônica Teixeira. Exibe ainda excelentes documentários da BBC (British Broadcasting Corporation) e do PBS (Public Broadcasting Service) americano.

O terceiro canal (2.3), Multicultura, oferece uma seleção variada dos melhores programas musicais, culturais e de entretenimento, inclusive coisas preciosas do acervo da emissora, como as entrevistas de Ayrton Senna, Dercy Gonçalves, de escritores e políticos ao Roda Viva.

Um show na web. Se você quer ter uma amostra do alcance das mudanças ocorridas na TV Cultura, visite o novo site da emissora (www.tvcultura.com.br) e explore tudo que existe ali sobre os quatro canais, a grade de programação de cada um e uma seleção dos melhores programas e produções próprias (as chamadas Pratas da Casa), os documentários jornalísticos (como Matéria de Capa) e o site C+ (http://cmais.com.br) sobre programações especiais.

Reveja no site da Cultura os últimos programas Roda Viva ou edições históricas, como a entrevista de Orlando Villas-Boas.

Balanço. É claro que ainda há muita coisa a ser melhorada. Acho, no entanto, que a Cultura está no caminho certo e poderá tornar-se a primeira grande TV pública do Brasil, pois já oferece informação independente e programas culturais e de entretenimento de qualidade. E mais: poderá ser a grande opção para milhões de crianças, jovens, estudantes e cidadãos autodidatas, interessados em aprender sempre.

Desde sua chegada em junho de 2010, como presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad levou para a entidade, acima de tudo, um novo projeto de gestão, que já elevou a produtividade, com a eliminação de mais de R$ 75 milhões anuais em gastos e contratações não essenciais de pessoal. E já resolveu a maior parte dos crônicos problemas trabalhistas da Fundação.

E a TV aberta? É inegável que a TV comercial brasileira caiu no gosto popular. E, na verdade, ela produz muita coisa de qualidade, como as novelas e minisséries de padrão mundial, os telejornais sempre mais críticos e excelentes coberturas esportivas.

Mas tem também coisas horríveis e degradantes, como os reality shows, os programas popularescos de auditório ou os shows de notícias policiais sensacionalistas. A busca pela audiência parece tornar-se tão obsessiva que não encontra limites éticos.

Nessa hora, refugio-me na TV Cultura.

Mario Draghi e o duplo equilíbrio - AFFONSO CELSO PASTORE


 O Estado de S.Paulo - 29/01/12


Um dos problemas mais graves enfrentados por vários países da UE é o da existência de uma dinâmica perversa da dívida pública. As dívidas com relação ao PIB atingiram patamares muito elevados depois da crise de 2007/08 e para que sejam reduzidas, cada país tem de gerar superávits primários maiores do que o produto da relação dívida/PIB pela diferença entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico. Se isso não ocorrer, a relação dívida/PIB cresce ilimitadamente, provocando o default.

Há, assim, dois equilíbrios possíveis. O "bom equilíbrio" será atingido se forem gerados superávits primários suficientemente elevados, que atendam à restrição acima. Mas se o crescimento explosivo da dívida não for interrompido, chega-se ao "mau equilíbrio", apontando para o default.

Ocorre que as taxas de crescimento do PIB dos países da união monetária, que já eram baixas antes da crise, tornam-se ainda menores com os ajustes fiscais necessários para truncar a trajetória explosiva da dívida. Em adição, a elevação dos superávits primários encontra barreiras de difícil transposição. Primeiro, a UE não é um país, mas um agregado de países soberanos que terão de se submeter a regras de governança, impondo limites de dívida e de superávits primários, que têm de ser aceitos por todos os países-membros e em grande parte incluídos em suas legislações. Segundo, porque os ajustes e as reformas terão de ser tanto mais profundos quanto maior for a adesão de cada país ao "welfare state" no qual ingressaram após a 2.ª Guerra Mundial, e quanto maior for a diferença de sua (baixa) competitividade com relação à da Alemanha. Terceiro, porque os ajustes fiscais necessários desaceleram o crescimento e/ou acentuam a recessão.

A gravidade do problema se acentua porque crises de dívida soberana e crises bancárias vêm juntas. Devido às perdas em suas carteiras de bônus de dívida soberana, os bancos na Europa estão subcapitalizados, e na impossibilidade de levantar capital somente lhes resta reduzir a oferta de crédito, o que diminui ainda mais o crescimento econômico e/ou aprofunda a recessão. Se nada for feito, vários países da UE irão para o "mau equilíbrio", e a profecia de ocorrência de um default se autorrealizará.

Porém, a solução do problema exige mais do que a realização das reformas e do ajuste fiscal. Com os investidores percebendo o elevado risco de default, ocorre uma forte contração da demanda por bônus de dívida soberana, como é demonstrado pela elevação dos seus prêmios com relação aos bônus alemães de igual período de maturação. Com isso, acentua-se a diferença entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, piorando ainda mais a dinâmica perversa da dívida pública. Mesmo que os países aceitem a "condição necessária" para o retorno ao "bom equilíbrio", que são as reformas e o ajuste fiscal, terão de contar com um "salvador de última instância" que realize compras suficientemente grandes de bônus de dívida soberana impedindo que a elevação da taxa de juros acentue a dinâmica perversa da dívida.

Há, nesse campo, três possíveis "tábuas de salvação". A primeira é o ESM, mas ele não é suficientemente grande para realizar essa tarefa. Afinal, para engordá-lo os países teriam de elevar ainda mais a sua dívida, agravando o problema, em vez de diminuí-lo. A segunda é o FMI, mas mesmo que levante recursos com EUA, China e outros países, não pode emprestar ao ESM, nem comprar diretamente bônus de dívida soberana. Como o FMI somente pode emprestar a países em troca de condicionalidades impostas a programas negociados entre as partes, pode ajudá-los na execução desses programas. Será uma ajuda complementar importante, mas não supera o problema imposto pela sua incapacidade de agir como um comprador de última instância, impedindo a ocorrência de taxas de juros tão elevadas que tornem explosiva a trajetória da dívida. A última é o próprio BCE. Porém, ele não pode ser um comprador de quantidades ilimitadas de títulos de dívida soberana, porque com isso estaria cristalizando a "dominância fiscal", o que eliminaria qualquer estímulo à prática de políticas fiscais responsáveis e destruiria os fundamentos do euro, que se deseja preservar como arranjo monetário.

O impasse persistiu até a entrada de Mario Draghi na presidência do BCE. Primeiro, Draghi entendeu que o "mau equilíbrio" tem de ser evitado, e que para isso pode usar todo o espaço legitimamente aberto a um banco central. Não pode ser um comprador de quantidades ilimitadas de bônus de dívida soberana, mas pode e deve agir para evitar uma crise bancária, que é um mandato de qualquer banco central.

Ao percorrer esse caminho, Draghi descobriu que sem se submeter à dominância fiscal pode melhorar a própria dinâmica de dívida dos países, ganhando tempo para que as barreiras às reformas e ao ajuste fiscal sejam superadas. Crises bancárias são destrutivas, como ficou demonstrado pela crise de 2008, e para evitá-la decidiu expandir o balanço do BCE, seguindo o caminho percorrido pelo Fed quando iniciou a expansão do seu balanço através do Talf. Além de afastar de imediato o risco de uma crise bancária, a maciça injeção de recursos de prazo maior através do LTRO ( 500 bilhões, aos quais se seguirá uma nova expansão em fevereiro) evita o crunch de crédito que ameaçava as economias da UE (e do mundo). A recessão na Europa seria profunda, agravando ainda mais a dinâmica perversa da dívida pública. Finalmente, obedecendo à sua equação de riscos e retornos, os bancos compram ativos que rendem mais do que a taxa de juros paga ao BCE. O valor presente desse fluxo líquido é um aumento da sua base de capital, que faz o sistema bancário convergir para a normalidade, como ocorreu com os bancos norte-americanos que se beneficiaram do Talf.

Mas sobrou mais um efeito. Os bancos podem comprar quantidades limitadas de bônus de dívida soberana de vencimentos mais curtos, como 2 ou 3 anos, por exemplo. Têm de obedecer à regulação prudencial, que lhes impõe limites, mas não estão tolhidos de seguirem prudentemente por esse caminho. Na medida em que o fizerem, baixam um pouco as taxas de juros nas sucessivas rolagens de dívida, tornando a sua dinâmica um pouco menos perversa. Isso traz o inconveniente de uma redução no prazo médio de vencimento das dívidas, mas essa piora é mais do que compensada pela queda da taxa média de juros. Gera, também, uma forte inclinação positiva da curva de estrutura a termo de taxas de juros, porque as compras concentram-se em vencimentos mais curtos, mas isso é uma consequência de menor importância nas circunstâncias atuais. Desde que essa ação ocorreu, o quadro na rolagem das dívidas melhorou, com a queda das taxas mais curtas.

Finalmente, essa ação gera o enfraquecimento do euro. A tendência é a inversão de um quadro de euro forte que foi paradoxal nos últimos anos, e que somente se explica pela expansão do balanço do Fed, e pela relutância do BCE em seguir o mesmo caminho. O euro não havia se fortalecido, naquele período, porque a Europa estava com uma economia sólida, mas simplesmente porque os Estados Unidos aderiram à expansão monetária. O enfraquecimento do euro ajuda o crescimento dos países afetados pela crise da dívida, e essa ajuda é tanto maior porque são economias muito abertas ao comércio internacional.

O sucesso da estratégia de Draghi não está garantido. Há barreiras que precisam ser superadas, como as rolagens pesadas de dívida a partir de fevereiro, e não está afastado o risco de default da Grécia, cuja dívida continua sendo insustentável. Não se chegou à "solução" do problema europeu, mas partiu-se de um diagnóstico correto, e foi aberta a possibilidade de que, ao ganhar tempo, a solução das reformas e dos ajustes fiscais possa ser encontrada e implementada.

GOSTOSA


Tiro no pé - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 29/01/12


Os mais pobres saíram perdendo, de acordo com analistas dos movimentos sociais, com as mudanças no Minha Casa, Minha Vida. A elevação do valor dos imóveis, para acompanhar o aquecimento do mercado, não foi seguida de uma elevação da renda de enquadramento na mesma proporção, para elevar a capacidade de endividamento dos mais pobres na aquisição desses imóveis. Assim, quem não tem poupança para pagar essa diferença fica impedido de adquirir sua casa própria.

Taxas menores para carteira assinada
Além disso, os mais pobres que conseguem ocupar empregos formais, que chegam a contribuir por três anos para o FGTS, pagam 0,5% a menos de juros, no programa Minha Casa, Minha Vida, do que aqueles que têm rendimentos obtidos em atividades de renda informais. Em apresentação para empresários do setor, o vice-presidente de Governo e de Habitação da CEF, José Urbano Duarte, informa, numa de suas planilhas, que quem tem renda de até R$ 2.325 paga juros de 5,12% ao ano. Mas "quem possui conta de FGTS no mínimo (há) três anos, consecutivos ou não", na mesma faixa, paga juros de 4,59% ao ano.

DA CASA. O governador Jaques Wagner, que era copa e cozinha do ex-presidente Lula, caiu nas graças da presidente Dilma. Ela chega hoje a Salvador para a cerimônia do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Amanhã, eles vão a Camaçari e depois embarcam para Cuba. A presidente convidou o governador para se incorporar à comitiva. Recentemente, ele recebeu no Palácio de Ondina o presidente de Cuba Raúl Castro.

Sem pressa
Diferente de Fernando Haddad (Educação), a ministra Iriny Lopes (Mulheres) não tem pressa para deixar o governo e se engajar na campanha para a prefeitura de Vitória (ES). Seu prazo para sair é o da legislação eleitoral: abril.

Confiança
Fernando Haddad aconselhou Aloizio Mercadante a manter o presidente do FNDE, José Carlos de Freitas. A preocupação é com o grande volume de dinheiro movimentado pelo fundo. "Aquilo ali é uma bomba", disse Haddad.

Uma política integrada para o crack
O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) está chamando os secretários de segurança pública dos 27 estados para uma reunião nesta semana, em Brasília, para tratar da política de combate ao crack. O ministro quer reforçar a importância do trabalho integrado entre as áreas de segurança, de saúde e assistência social. Será mais uma oportunidade para expor politicamente a polêmica ação do governo de São Paulo na cracolândia.

Mantra
A presidente Dilma já terá voltado de viagem, mas quem deve levar a mensagem presidencial ao Congresso, quinta-feira, é a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil). O documento baterá na tecla da importância da austeridade fiscal.

O papel
Portadora dos recados mais duros da presidente Dilma para os aliados, a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) não leva em conta quando é xingada pela base. Blasé, ela comenta que eles não podem bater na presidente.

INDEPENDÊNCIA. Há vários projetos importantes no Congresso, mas o único que é vital para o governo aprovar é a Lei Geral da Copa do Mundo. Nunca um governo dependeu tão pouco do Congresso.

COMENTÁRIO de um assessor de um partido de oposição: "Fica difícil trabalhar assim, o governo na maior crise e está todo mundo no exterior".

O MINISTRO Fernando Pimentel(Desenvolvimento) teve papel decisivo na concessão do visto para a blogueira cubana Yoani Sánchez. "Você também foi perseguida, tem que ajudar a Yoani a vir para o Brasil", disse ele para a presidente Dilma.

Dilma, o bambolê e 2012 - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 29/01/12



Ao balançar as árvores onde as feras peemedebistas sobem para descansar, Dilma faz com que gastem mais energia se segurando onde estão do que em busca de novos cargos. Eles têm a impressão de que venceram e ela cedeu. Mas quem for olhar de perto verá que a presidente levou a melhor


Na política, assim como na vida, vale o ditado “quem pode mais, chora menos”. E, no momento, quem “está podendo” é a presidente Dilma Rousseff. Enquanto os peemedebistas se armaram para segurar o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, ela mudou o alvo e trocou os diretores do Banco do Brasil. Não mexeu nos vice-presidentes indicados pelos partidos, que já haviam sido substituídos recentemente.

Há 10 dias, quando o foco dos políticos e da imprensa estava na reforma ministerial, Dilma avisou que José Sergio Gabrielli era quase ex-presidente da Petrobras. Gabrielli tentou se movimentar para ver se segurava por mais um período ali, mas a mudança já estava na boca do povo. Não deu tempo nem de recorrer a Lula.

Dilma dispensa o ensinamento de Maquiavel a respeito das maldades, ou medidas duras, que devem ser feitas todas de uma só vez. Ela as faz aos poucos. E ganha pontos com isso. No caso de Elias Fernandes, do Departamento Nacional de Obras contra as Secas, Dilma deixou que torrasse ao sol. E, para completar, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, saiu da história com ares de quem defendia um suspeito de corrupção. Certamente, a presidente ganhou mais alguns pontos ao trocar alguém que tinha tantas suspeitas nas costas e o PMDB perdeu mais alguns ao ter seu líder no papel de defensor.

Por falar em PMDB…
Todos os seus lideres têm motivos de sobra para não irritar a presidente Dilma Rousseff. Do vice-presidente Michel Temer ao líder da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ninguém tem bala na agulha para impor suas vontades ao Planalto. Temer trabalha no fio da navalha para atender seu partido e, ao mesmo tempo, permanecer como o número um para a vaga de vice em 2014. Se vacilar, Eduardo Campos, do PSB, lhe toma o espaço. O próprio Henrique nunca esteve num momento tão delicado. Tem que ficar pianinho este ano para não melindrar o PT e, assim, conseguir manter o partido de Dilma como seu aliado no projeto de conquistar a Presidência da Câmara em janeiro do ano que vem.

O mesmo problema tem o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros. Com Sérgio Machado tremulando na Transpetro — e, por tabela, a vontade de presidir a Casa depois de José Sarney (PMDB-AP). Nem Sarney tem essa força toda hoje para combater Dilma. O fato de ter uma filha governadora num estado dependente de verbas federais não dá a Sarney grandes chances de se movimentar em confronto.

Por falar em confronto…
Com todos os seus principais líderes amarrados, o PMDB fica meio imobilizado na hora de cobrar mais espaço. E, para completar, Dilma tem jogado de um jeito a evitar que o partido se apresente em busca de novos postos no primeiro escalão. Há alguns meses, o PMDB olha com ares de desejo para o Ministério das Cidades. Mas a situação atual indica que o PMDB se dará por satisfeito se segurar a Transpetro e puder indicar o futuro diretor do Dnocs.

A presidente não é nem um pouco ingênua. Ao balançar as árvores onde as feras peemedebistas sobem para descansar, Dilma faz com que gastem mais energia se segurando onde estão do que em busca de novos cargos. Eles têm a impressão de que venceram e ela cedeu. Mas quem for olhar de perto verá que a presidente levou a melhor. Dentro do próprio PMDB, ninguém tem dúvidas de que Dilma aprendeu a usar o bambolê recebido de presente do líder Eduardo Alves. Ao ponto de deixar em xeque o próprio Alves. A presidente, realmente, “está podendo”.

Por falar em gastar…
O ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, saiu todo sorridente essa semana do gabinete da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Isso porque os investimentos em aeroportos regionais devem chegar a R$ 3 bilhões até 2014. Mas o governo só pretende falar detalhadamente sobre o assunto depois de leiloadas as concessões de Guarulhos, Brasília e Campinas, marcadas para 6 de fevereiro.

Aperto na lei seca - DORA KRAMER


O Estado de S.Paulo - 29/01/12


Os repetidos episódios em que pessoas conhecidas, artistas, políticos, jogadores de futebol, se recusam a fazer o teste do bafômetro quando parados pela polícia em operações para fazer cumprir a lei seca acabaram por evidenciar um defeito na legislação que, se não for alterada, corre o risco de virar letra morta.

"A mudança é imprescindível. Da forma como a lei está redigida dá margem a se tornar inócua porque não assegura punição aos infratores", diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que negocia um acordo no Congresso para conseguir a aprovação de alterações no texto ainda este ano.

De preferência no primeiro semestre, antes que senadores e deputados se dispersem por causa das campanhas eleitorais.

A recusa ao teste do bafômetro é amparada pela Constituição que resguarda o direito do cidadão de não produzir provas contra si. Segundo o ministro da Justiça, o erro de origem da lei é o estabelecimento de uma dosagem de álcool a partir da qual fica caracterizada a infração. E aí, de fato, se o motorista fizer o teste e o resultado estiver fora do padrão, estará produzindo a prova.

A ideia seria inverter essa lógica: retira-se da lei a dosagem, estabelece-se como critério a prova testemunhal, no caso, dos policiais, de que a pessoa apresenta sinais de embriaguez. Quem quiser provar o contrário, poderá se submeter ao teste para se defender.

Isso, em princípio, porque os detalhes ainda estão sendo discutidos a partir de diversos projetos sobre o tema em tramitação no Congresso e a intenção do ministro é evitar o embate, aprovar as modificações por acordo.

O importante, na opinião dele, é que seja preservado o aspecto coercitivo da legislação, pois à medida que vai ficando clara a ausência de condições para punições, a tendência é que a lei torne-se inócua e que se percam até os ganhos já obtidos em termos de comportamento da população.

Fator de violência. Constatação do Ministério da Justiça a partir do cruzamento do mapa das localidades mais violentas com a melhoria da distribuição de renda nas várias regiões do País: em algumas delas onde se esperava que caíssem os índices de criminalidade ocorreu justamente o contrário.

No Nordeste, por exemplo. Uma lição o ministério já tirou: a pobreza não é fator determinante da violência. Há outros (aumento do consumo de drogas é um deles) ainda em estudo, a partir do qual o governo pretende montar um plano de combate específico às causas desse crescimento.

De estimação. A concessão do visto de entrada no Brasil à blogueira Yoani Sanchez foi um ótimo gesto de Dilma na direção da defesa dos direitos humanos como fator de política externa, conforme prometera, mas não terá desdobramentos na visita que inicia amanhã a Cuba.

A presidente não vai conversar com dissidentes do regime. Seria, na avaliação de governo, além de um ato hostil a Fidel e Raúl Castro, a negação completa da política de Lula e uma péssima sinalização à esquerda do PT. Marco Aurélio Garcia, assessor internacional, à frente.

No governo Fernando Henrique, o então chanceler Luiz Felipe Lampreia foi a Cuba, conversou com a oposição e, em represália, Fidel Castro não o recebeu.

Algum prejuízo para o Brasil? Nenhum, mas nem de longe o governo do PT pretende trincar suas relações com a ditadura Castro. Por menor importância objetiva que isso tenha, a preservação do simbolismo está acima do discurso pluralista.

Suspeição total. Ainda em defesa da realização de um plebiscito sobre pontos da reforma política e para contraditar colegas que acham essa uma tarefa intransferível do Congresso, o deputado Miro Teixeira aponta para a crise (mundial) de confiabilidade nos políticos.

Até os Dez Mandamentos seriam olhados com desconfiança se saíssem de qualquer parlamento do planeta.

A Orquestra Filarmônica da Europa - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE


FOLHA DE SP - 29/01/12


A música erudita atual nem sempre é intuitiva, não há a sensação de leveza, de beleza sensorial; ela é uma ótima metáfora para a crise européia


Arnold Schoenberg ou Anton Webern? Béla Bartók? Qual deles terá inspirado as respostas de Angela Merkel? Numa longa entrevista para o Le Monde, na qual abordou o tema da crise europeia, a Chanceler comparou os esforços de coordenação para resolvê-la à execução de uma orquestra. “Mas, como assim, uma orquestra?”, perguntou o repórter, confuso. “A dissonância entre os líderes europeus tem sido tão evidente...”. “Ah”, retrucou a connaisseuse, “trata-se da execução de uma composição muito moderna”.
A música erudita contemporânea nem sempre é intuitiva. Na sua vertente atonal, não há um centro de tensão harmônica, as notas são ordenadas, mas não hierarquizadas. Para os neófitos, que têm certa dificuldade de superar a desconstrução da tonalidade tradicional para apreciar a arquitetura musical vanguardista, a cacofonia prevalece. Não há aquela sensação de leveza, falta o senso do sublime, da beleza puramente sensorial, que caracteriza, por exemplo, uma composição de Mozart. A música da virada do século XX é demasiado complexa para isso.
Muitíssimo apropriado, portanto, que tenha sido utilizada como metáfora para a crise europeia. Como enfatizou Angela Merkel, é, também, um sinal de progresso poder comparar a Europa a uma orquestra, independentemente do programa elaborado pelos diretores artísticos (seja ele tradicional ou contemporâneo), pois nesta imagem sobressai a noção de conjunto. Nem sempre foi assim no Velho Continente.
Metáforas musicais à parte, a entrevista de Angela Merkel revelou uma postura bem diferente daquela que marcara os seus discursos e declarações anteriores, que acabaram por lhe conferir o desagradável apelido de Frau Nein. A Chanceler retratada no Le Monde é claramente pró-euro, nitidamente empenhada em fazer todo o possível para retirar os países da união monetária desse estado desolador que parece não ter fim. Sua visão estratégica é de uma união política entre os países da zona do euro. Mas, para chegar lá, o caminho é longo. No curto prazo, Merkel enfatiza, como tem feito desde sempre, a necessidade de alinhar e fortalecer a disciplina fiscal, de aprovar o novo “Compacto Fiscal”. Contudo, reconhece abertamente, pela primeira vez, que a austeridade não é o suficiente para reerguer a Europa. É preciso gerar as condições para que as economias cresçam e criem empregos, diz. Reformas que permitam a inclusão dos jovens no mercado de trabalho são urgentes, arremata. No que depender desta aficionada pela música contemporânea, a solidariedade alemã está garantida. Desde que certos princípios sejam seguidos e mantidos. A mensagem é a mesma, porém marcada por um tom inequivocamente mais suave. E o tom faz toda a diferença.
Os mercados, como eu, não estão acostumados com a música contemporânea. Porém assisti, recentemente, o Concerto No. 2 para piano de Bartók. Não é leve. Mas executado pelo virtuoso pianista chinês Lang Lang, com a Orquestra Filarmônica de NY, é espetacular.
Eis, portanto, a dúvida: poderá, como na música, a dissonância europeia ser compensada pelo virtuosismo da China, acompanhada pela sustentação da economia americana?

Agora a capital, depois o Estado - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 29/01/12



Se ainda restasse alguma sombra de dúvida, a apoteose armada pelo lulopetismo para a despedida de Fernando Haddad do Ministério da Educação escancarou o óbvio: o projeto de poder, com inegável competência idealizado e até agora executado por Luiz Inácio Lula da Silva, passa, necessariamente, pela imposição da hegemonia do Partido dos Trabalhadores no Estado de São Paulo, a começar pela reconquista da Prefeitura da capital. Assim, a solenidade de transmissão de cargo realizada na última terça-feira no Palácio do Planalto, com a arrebatadora presença de um Lula que as circunstâncias elevaram à condição de quase divindade, não foi convocada para assinalar uma despedida, mas para glorificar o retumbante advento de mais uma figura ungida pelo Grande Chefe, desta vez com a missão estratégica de fincar em solo bandeirante a flâmula com a estrela do PT. E ganhar a Prefeitura em outubro é apenas o primeiro passo, o trampolim para a conquista inédita sem a qual a hegemonia política dos petistas no País continuará tendo um travo amargo: não controlar o governo do mais importante Estado da Federação.

A candidatura do ex-ministro da Educação à chefia do Executivo paulistano emerge estimulada por circunstâncias favoráveis. É claro que Haddad ainda terá que comprovar um mínimo de competência numa área de atuação em que é neófito. Mas se vocação para o palanque fosse indispensável, Lula não teria feito sua sucessora em 2010. O que importa é que, repetindo o que deu certo em 2010 em escala muito mais ampla, o novo escolhido pelo Grande Chefe se apresentará na campanha municipal exatamente com essa credencial: ser o candidato de Lula, e com toda a liderança - mesmo que em alguns casos sob certo constrangimento - e a aguerrida militância do PT empenhadas numa questão que para eles já se tornou ponto de honra - vencer em São Paulo.

Por outro lado, o ex-ministro da Educação terá que se haver, durante a campanha eleitoral, com as cobranças a respeito dos notórios pontos negativos de sua gestão no Ministério, em particular as reiteradas lambanças do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais na administração do Enem. Mas essas são questões concretas, objetivas, que exigirão um mínimo de racionalidade no trato. Nada que não possa ser facilmente obscurecido e suplantado pelo enorme componente emocional que o forte e revigorado carisma de Lula colocará a serviço de seu candidato. Favorece ainda os planos petistas o fato de a candidatura de Haddad ser talvez a única que poderá se apresentar com uma credencial inequívoca de oposição ao poder municipal. E oposição é algo que, historicamente, o PT sabe fazer muito bem.

Por outro lado, o maior adversário do PT em São Paulo, o PSDB, não apenas demonstra enorme dificuldade para articular uma candidatura competitiva, como enfrenta o problema adicional de permanecer numa posição ambígua, sem um discurso claro, em relação à Prefeitura: não é exatamente situação nem oposição, embora tenha o rabo preso com a gestão Kassab. A rigor, o partido situacionista no Município de São Paulo é o partido do prefeito, o novo PSD, hoje a terceira maior bancada no Congresso Nacional, mas que ainda não passou pelo teste das urnas. E, correndo por fora, sabendo que não tem nada a perder, o PMDB manifesta até agora intenção de permanecer na disputa com o candidato que recrutou exatamente para esse fim.

Para embaralhar ainda mais o quadro, torna-se cada vez mais concreta a possibilidade de Gilberto Kassab fazer algum tipo de aliança do seu PSD com o PT - por paradoxal que isso seja. Segundo o prefeito tem confidenciado a seus interlocutores, essa é uma opção a que ele está sendo praticamente impelido por aqueles que seriam seus aliados naturais.

De qualquer modo, o que importa é que na disputa pela Prefeitura de São Paulo está em jogo muito mais do que o poder municipal. Um dos fundamentos do regime democrático é a possibilidade de alternância no poder no âmbito federal, que está ameaçado pela perspectiva de o lulopetismo estender seus domínios ao que de mais politicamente significativo ainda lhe falta: a cidade e o Estado de São Paulo. Se existe uma oposição no País, está na hora de seus líderes pensarem seriamente nisso. E agir.

Pelos, piolhos e evolução - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 29/01/12


SÃO PAULO - O caderno "Equilíbrio" trouxe na última terça uma reportagem sobre a depilação total dos pelos pubianos, que vem ganhando adeptos no mundo. O interessante aqui é que a moda, ou melhor, a cultura está dando continuidade a um processo iniciado pela própria natureza mais de 200 mil anos atrás.
Um mistério sempre intrigou os biólogos: por que o homem, ao contrário da grande maioria dos mamíferos, perdeu quase todos os seus pelos?

Várias respostas erradas foram esboçadas, como evitar a desidratação (na verdade, a cobertura capilar a previne) e maior facilidade para nadar (exceto por Esther Williams, nunca fomos uma espécie aquática).
Nos últimos anos, no embalo das interpretações ecologicamente holísticas, vem ganhando aceitação a tese de que a devastação tríquica foi uma forma de nos livrarmos de piolhos, carrapatos e pulgas e das inúmeras doenças por eles transmitidas.

Se a hipótese é correta, por que outros primatas conservaram sua pelugem? O biólogo Rob Dunn sugere algumas possibilidades. Para começar, os grupamentos humanos eram mais densos e ainda desenvolvemos a mania de dormir em cavernas, o que magnificava bastante o estrago provocado pelos ectoparasitas.
Paralelamente, cerca de 200 mil anos atrás, aprendemos a tomar emprestado (não resisto ao eufemismo) o pelo de outras espécies, o que resolvia ao menos o problema do frio.

Em termos de implementação, a redução capilar se deu por meio de seleção sexual. Os indivíduos que achavam mais atraentes pares do sexo oposto com poucos pelos se deram bem (pegaram menos doenças como praga, tifo e encefalites) e transmitiram essa "tara" a seus descendentes. Pelado passou a ser "sexy".
Esse mesmo mecanismo de aversão a moléstias trazidas por ectoparasitas também pode explicar sentimentos menos nobres, como a aversão por estranhos, que é o avô da xenofobia e do racismo.

Juventude, velhice - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 29/01/12


Com algum cuidado com a vaidade e a sorte de ter uma boa saúde, os anos passam e a vida (quase) não muda



Vi na Folha, terça-feira última, um belo caderno especial com o nome "Sem medo de envelhecer", e como costumo me meter em coisas para as quais não fui chamada, vou dar minha opinião.

Só que, sinceramente, não conheço bem o assunto. Vivo da mesma maneira que vivi a vida inteira; quase nada mudou. Deixei de fazer alguma coisa que fazia antes? Poucas, que não me fazem falta (a natureza é sábia), mas sei que fiquei mais impaciente com as pessoas. De resto, tudo igual, praticamente.

Tenho observado que, dependendo do país, a velhice é encarada de maneira diferente. Na Europa, por exemplo, não se refere a uma pessoa dizendo que ela é velha -nem jovem; essas palavras não são usadas quando se fala sobre alguém, seja homem, seja mulher. Ao falar, eles podem dizer eventualmente "deve ter em volta de 50" (ou 60, ou 70), e só.

O Brasil é difícil para quem não é mais uma gatinha -com os homens é diferente, é claro-, e a cada ano surge uma "safra" nova, palavra, aliás, bem deselegante; quando um novo verão se anuncia, algumas, que conseguiram alguma notoriedade no anterior, pela beleza, pelo frescor da juventude, deixam de ser famosas. Só permanecem na crista da onda as que têm um algo mais.

Com algum cuidado com a vaidade e a sorte de ter uma boa saúde, os anos passam e a vida (quase) não muda.

Todos podem -e devem- continuar trabalhando, indo à praia, viajando, dançando, comendo, bebendo, namorando, e muitos são mais felizes do que na plena juventude.
Porque sabem o que querem, não perdem tempo com o que não interessa; as mulheres, como já não têm tantas ilusões, sabem que podem ser felizes sem a necessidade de um amor, um companheiro, um marido; um homem, enfim.

Se encontrarem, ótimo, mas quando olham para trás e lembram do quanto sofreram quando se acharam apaixonadas -um homem era necessário para que uma mulher pudesse existir-, devem pensar: "ah, quanto tempo perdido".

Hoje, homens e mulheres numa faixa de idade mais alta podem fazer tudo o que querem, sem precisar nem mesmo de um amigo/a, porque são mais seguros, coisa que ninguém é quando jovem. A não ser quando desistem e passam a viver não suas próprias vidas, mas as dos filhos, e depois, as dos netos. Aí é a aposentadoria da vida, uma escolha pessoal.

A cultura brasileira é cruel no quesito idade. Dizer que uma pessoa é -ou parece- jovem é um elogio, e chamar de velho é uma maneira de insultar, geralmente usada quando não encontram outra coisa para dizer àqueles de quem não gostam, com quem não concordam.

A rigor, o assunto nem deveria existir -a não ser, é claro, para ajudar os que não podem viver com independência, precisando de cuidados especiais, o que pode acontecer com gente de qualquer idade, gente que teve a má sorte de ter problemas de saúde.

Nessa minha última viagem, percebi que em Paris, por exemplo, ninguém é apontado como gay; que seja um homem (ou mulher) que tem relações amorosas com pessoas do mesmo sexo, disso não se fala -tanto como não se fala se alguém é jovem ou não. As pessoas são como são, e ninguém perde tempo "carimbando" ninguém; simplesmente não tem importância.

Mas aqui, ai da mulher que é ou foi bonita, quando os anos vão chegando. Essas não são perdoadas, e a idade que têm é assunto de discussão, se têm dois anos a mais ou a menos.

Por isso, resolvi aumentar a minha, e se me perguntam, digo que acabei de completar 91 anos; assim, corro o risco de ouvir um "mas que incrível, não parece", o que é sempre bom de ouvir.
E como estou saindo de férias, mando um beijo e até março.

O STF no tribunal da opinião pública - CONRADO HÜBNER MENDES


O Estado de S.Paulo - 29/01/12


Vários anos de debate se passaram antes que a reforma do Judiciário fosse aprovada, em 2005. Entre outras coisas, criou-se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um órgão estranho à estrutura histórica do Judiciário brasileiro. Não demorou para que questionamentos iniciais sobre a sua constitucionalidade fossem levados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, o STF rejeitou a ideia de que, em decorrência da independência judicial, juízes devam controlar a si mesmos somente por meio de corregedorias estaduais, sem nenhum monitoramento central. Ao menos no discurso, o STF considerou tal reforma compatível com as cláusulas pétreas da Constituição e abraçou a opção do constituinte. O CNJ sobreviveu. Sem muito alarde, porém, a contrarreação judicial persistiu.

Passados mais de cinco anos de seu nascimento, as competências do CNJ permanecem sob intensa pressão. Recentemente, contudo, esse duradouro e quase silencioso conflito ganhou outra estatura. A opinião pública despertou para um problema que permanecia incubado e, em face de numerosas evidências de improbidade judicial que vieram à tona nos últimos meses, parece não estar disposta a negociar a constitucionalidade dos poderes de investigação do CNJ. O que deveria ser apenas mais um caso rotineiro de controle, pelo STF, da atuação do CNJ se tornou, do dia para a noite, um evento politicamente explosivo.

A opinião pública, alguns dirão, é uma instituição enganosa. Não passaria de um mito inventado para facilitar a manipulação ideológica e dar coerência narrativa a fatos políticos que não enxergamos nem explicamos. Debaixo de sua aparente impessoalidade estariam escondidos os projetos de dominação de meia dúzia de poderosos. Para esses céticos, o que há, ou o que lemos e ouvimos no espaço público, são opiniões individuais mais ou menos desencontradas, distintas de uma entidade fictícia, com autoridade moral própria, chamada "opinião pública".

O mundo político, de fato, seria menos complicado sem ela. Mas não foi com base nesse ceticismo que regimes democráticos foram concebidos. Democracias constitucionais adotaram uma intrincada rede de instituições para captar e processar não somente um, mas vários tipos de opinião pública, que operariam em tempos e sintonias diversos. Grosso modo, o Legislativo e o Executivo canalizariam, por meio de eleições periódicas, a opinião pública cotidiana, tão oscilante quanto impulsiva. Já uma Corte constitucional, distanciada dos ciclos eleitorais, trabalharia num ritmo que fomenta uma opinião pública mais refletida e de longo prazo, baseada nos valores e princípios da Constituição. O controle judicial serviria para conter a taquicardia e volatilidade da opinião pública do primeiro tipo. Protegeria a democracia, costuma-se dizer, contra os germes de sua autodestruição.

É por aí que se dá sentido a uma maquinaria institucional que, bem ou mal, tenta traduzir na prática as várias facetas do ideal de "governo do povo". E há nesse arranjo um detalhe interessante: a Corte constitucional é não apenas a regente dessa opinião pública mais densa, mas ao mesmo tempo é controlada por tal opinião. Pesquisas feitas em várias democracias, das mais às menos estáveis, mostram que a capacidade real de uma Corte controlar os outros Poderes tem correlação direta com o capital político que essa mesma Corte acumula ao longo do tempo. Em outras palavras, uma Corte que deixa corroer sua própria reputação gradualmente perde força e se marginaliza no sistema político. Aqueles que se preocupam com o velho dilema de "quem guarda o guardião" ou de "quem deveria ter a última palavra", receosos do excessivo poder nas mãos de autoridades não eleitas, encontram aqui uma potencial resposta.

Uma dose de Realpolitik, portanto, suscita indagações relevantes sobre o momento por que passa o STF e sobre as consequências que advêm de suas decisões em casos delicados assim. O STF, é claro, não deve obediência ao que pensa a opinião pública da hora. Índices momentâneos de popularidade não podem pautar sua atuação. Afinal, precisamos dele justamente para que resista aos deslizes voluntariosos nos quais a opinião pública cotidiana, às vezes, incorre. Esperamos que ele desconfie das maiorias. Essa foi, ao menos, a aposta constitucional e o STF não economiza retórica para reforçar esse seu papel.

Entretanto, há algo qualitativamente mais complicado no caso presente. Aos poucos, vem-se formando uma opinião pública menos apressada, que não cai na tentação reducionista de classificar qualquer argumento do STF como mero disfarce de preferências políticas, como um jargão gratuito que recorre ao juridiquês para encobrir uma realidade mais crua - o suposto choque entre juízes corporativistas, de um lado, e republicanos, de outro. Em vez de presumir o cinismo judicial, leva o STF a sério e quer dialogar por meio dos termos e conceitos jurídicos em jogo. Tem tanta preocupação com a Constituição quanto o STF. Informou-se, elaborou bons argumentos e pede ao tribunal, em contrapartida, a mesma atitude, na mesma linguagem, independentemente de sua posição final.

Esta não é uma opinião pública rasteira, fácil de desqualificar. O STF precisa reagir à altura. Se não por respeito e reciprocidade, ao menos como ato de prudência política. Infelizmente, ele tem sido mais defensivo do que autocrítico. Fala bastante - nos jornais, nos auditórios e nas suas pesadas decisões escritas -, mas pouco escuta. Infantiliza as críticas que recebe, como se fossem feitas por leigos incapazes de entender o argumento "técnico". São sinais de insegurança (ou de excesso de autoconfiança). Entrar numa conversa mais horizontal, sincera e desarmada com a opinião pública continua a ser seu maior desafio.

Alianças cruzadas - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 29/01/12


Eleição no Brasil deixou de ser aula de civismo para se transformar em luta encarniçada pelo poder. E a razão ultrapassa a observação de que a política substituiu o escopo aristotélico de missão a serviço do polis pela meta de servir de escada de ascensão pessoal. O fato é que o acervo da política se esgarçou na névoa do tempo.

Ademais, a economia é que dá hoje o rumo das coisas, trazendo a política para sua esfera e, por conseguinte, motivando os representantes do povo a usá-la como investimento. O bem-estar coletivo continua a enfeitar um discurso matizado por meia dúzia de conceitos, entre eles, a inserção das massas à mesa do consumo, o resgate de direitos individuais, a justa distribuição de renda e a maior aproximação entre as classes sociais, situações que incorporam padrões de vida consentâneos com a dignidade humana. Esse é o tônus ideológico da atualidade.

Por mais que a pletora de partidos brasileiros - quase 30 - se esforce para expressar especificidades, o sumo que se extrai do liquidificador partidário aponta para esse composto, mescla dos ideários da social-democracia e do liberalismo social. Siglas que defendem o socialismo nos moldes que antecederam a queda do Muro de Berlim o fazem mais por retórica que por convicção. Por aqui há forte dose de consenso sobre o que se pode chamar de sistema liberal-capitalista sob controle do Estado. Os admiradores do "capitalismo à moda chinesa", com intervenção rigorosa do Estado, não chegam a ameaçar.

Essa é a essência do nosso discurso político. Que não frequentará o palco eleitoral porque o eleitor não se motiva com abstrações. Portanto, veremos uma pregação mais adjetiva e menos substantiva, uma expressão menos ideológica e mais centrada em perfis. Os atores, claro, deverão fazer pontuações em certas áreas, ressaltando aspectos de programas, tentando colar o seu ideário às diretrizes que marcam o estágio de desenvolvimento do País. Mas é pouco provável vermos a federalização dos pleitos, a tentativa de puxar a força da administração federal para o palanque local. No tabuleiro municipal são mais adequadas as peças da micropolítica, coisas que dizem respeito ao cotidiano: transporte, educação, saúde, saneamento, moradia...

Nas capitais e nas grandes e médias cidades se pode até prever a abordagem mais generalista, amplificada pela tuba de ressonância de mídia mais poderosa. Se o País andar tranquilo até as margens eleitorais, ou seja, preservando o animus animandi dos contingentes periféricos, a partir de dinheiro no bolso, acesso ao consumo, colchões sociais, inflação controlada, etc., os candidatos patrocinados pelo rolo compressor governista poderão ser beneficiados. Massas carentes prezam o status quo e demonstram gratidão escolhendo candidatos com elas identificados. Há, porém, o outro lado: em Estados como São Paulo e Minas Gerais, que têm os dois maiores contingentes eleitorais do País e são governados por tucanos, os largos estratos médios tendem a ser mais críticos em relação ao governo federal. Com administrações bem avaliadas, esses governos estaduais poderão contrapor-se à onda situacionista que puxará as candidaturas da aliança federal.

Dito isto, convém arrematar: o pleito de outubro juntará grupos contrários e aproximará clássicos contendores. No palanque do blá-blá-blá assemelhado subirão candidatos de alianças exóticas jamais vistas por estas plagas. Traduzindo: o partido A apoia o governo federal, é contrário ao governo estadual, mas se unirá na eleição municipal ao partido B, que é contrário à administração federal; este partido B, em outros municípios, poderá trocar de samba do crioulo doido, fazendo parcerias com candidatos de outras siglas, algumas contra, outras a favor dos governos federal e estadual; já o partido C terá apetite para comer metade dessa salada mista, fechando com o A de um jeito, com o B de outro e até reciclando a mistura com o D, ao qual caberá inverter os papéis de acordo com suas conveniências. Em suma, o País verá uma campanha de conveniências. Os entes partidários farão extraordinário esforço para turbinar suas máquinas, preparando-as para a decolagem de 2014, que será emblemática: concessão de um ciclo de 16 anos de mando petista, retomada do poder pelos tucanos ou ascensão de um terceiro ator ao pódio

Vejamos as primeiras cenas. O PT abre um leque de articulações sob a batuta do maestro Lula, que se desdobra para atrair o maior número de aliados para a campanha de seu pupilo Fernando Haddad, em São Paulo. A retomada da capital paulista parece ser questão de honra (e esforço extraordinário) para o ex-presidente. A estratégia petista é ceder a cabeça de chapa aos candidatos favoritos de partidos parceiros, mantendo, contudo, a meta de fazer o mais gordo plantel de prefeitos (projeta 1.500) e alcançar a posição de maior ilha no arquipélago político.

Essa operação, todavia, não depende apenas de sua vontade. O PMDB, o aliado principal, não abdica da condição de maior partido brasileiro, o que lhe permitiria ser o fiador do situacionismo. Mas não descarta a hipótese de candidatura própria em 2014. Um olho no norte, outro no sul. O PSB, por sua vez, sonha alto e abre três alternativas: candidatura própria em 2014, continuação da aliança com o PT (reivindicando pedaço maior do bolo) e união com o PSDB de Aécio Neves. O governador Eduardo Campos (PE), que preside a sigla, já confessou o sonho de reunir o grupo pós-64 no comando do País. Ele e Aécio, juntos, liderariam essa estratégia. Já o PSDB alimenta o sonho de retomar o cetro, mas faltam-lhe discurso e bases populares. E o PSD de Gilberto Kassab, ao formar uma bancada expressiva na Câmara dos Deputados, deverá ser um núcleo de aglutinação de contrariados em outros grupamentos.

Uma coisa parece certa: os atores sairão do ensaio de outubro sem muitos aplausos das plateias. A política a cada dia perde vigor.

GOSTOSA


Caixinha sem surpresas - HUMBERTO WERNECK


 O Estado de S.Paulo - 29/01/12


O futebol até pode ser uma caixinha de surpresas. Já o papo em torno dele... Prepare-se para o que vai se cansar de ouvir durante o campeonato que está começando:

Abrem-se as cortinas!

As equipes adentram o gramado

Clássico é clássico, e vice-versa

Joga por dois resultados iguais

Vai buscar o resultado

É o franco favorito

Futebol é uma caixinha de surpresas

Futebol é bola na rede

Futebol não tem lógica

Não se ganha o jogo na véspera

O jogo só acaba quando termina

O grupo está focado/motivado

Quer carimbar a faixa do rival

Quer botar água no chope do campeão

Busca imprimir velocidade ao ataque

Um jogo morno

Joga um futebol burocrático

É falta para cartão!

A violência empana o brilho do espetáculo

Sua Senhoria fez vista grossa

Aceitou a provocação do adversário

Vai mais cedo para o chuveiro!

Explora bem os contra-ataques

Sente o desgaste da temporada

É um ex-jogador em atividade

Desperdiçou todas as oportunidades

Não estava no seu dia

Só jogou o feijão com arroz

Pecou nas finalizações

Sempre falha nas decisões

Teve uma atuação apagada

Sentiu uma fisgada na coxa

Não foram além de um pálido empate

Empate com sabor de vitória/derrota

Arrancou um pontinho na casa do adversário

Confirmou o seu favoritismo

O importante são os três pontos

Perdeu uma clara chance de gol

Um gol que até a minha avó faria

Impedimento clamoroso

O bandeirinha ergue seu instrumento de trabalho

O jogo é lá e cá

Tem maior volume de jogo

Lance/passe primoroso

Caiu na área, é pênalti...

A arbitragem prejudica o espetáculo

Afasta/conjura o perigo!

Está numa tarde infeliz

O time não se encontra em campo

O problema é que o time não tem banco

Agora é partir para o tudo ou nada

Tentar reverter o placar

Partir para o sacrifício

Soltou um canhonaço

Carimbou o poste/o travessão!

Acertou na moldura

Na rede, pelo lado de fora!

Chutou nas nuvens

Meteu pra fora!

Lançamento em profundidade

Leva perigo à área adversária

Surgiu de surpresa por detrás da zaga

A bola desviou no morrinho artilheiro

Colocou a bola no ninho da coruja

Um leve toque para o fundo da rede!

Corre para o abraço!

Uma pintura de gol!

Gol no apagar das luzes

Deixou tudo igual

Pois é, quem não faz, leva

O juiz ergue os braços!

Teve numa tarde/noite inspirada

Jogou por si e pelos companheiros

Deu números finais à partida

O adversário valorizou nossa vitória

A torcida empurrou o time

A torcida foi o 12.º jogador

Futebol tem dessas coisas

Sentiu o peso da camisa

Não jogou seu melhor futebol

Não foi nem a sombra do que é

Este não é o futebol campeão do mundo

Foi uma tarde/noite para esquecer

Agora é levantar a cabeça e trabalhar para reverter essa situação

O importante agora é pensar no campeonato nacional

O homem que voa - LUIZ FERNANDO VERISSIMO


O Estado de S.Paulo - 29/01/12


Geraldo e Marina estão casados há 15 anos. Uma noite - os dois sentados no sofá da sala assistindo à novela - Geraldo diz:

- Marina, preciso te contar uma coisa.

- O que, Geraldo?

- Eu voo.

- Você o que, Geraldo?

- Eu posso voar.

- Que loucura é essa, Geraldo?

- É verdade. Descobri quando eu tinha uns 11 anos. Se eu quiser, posso sair voando agora mesmo.

- Geraldo, para de dizer bobagens e deixa eu assistir à novela.

- Você não acredita? Então olhe só.

E Geraldo decola do sofá, dá algumas voltas por dentro da sala, sai pela janela aberta, circunda o prédio da frente, volta e senta de novo no sofá.

Marina desmaia.

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Já restabelecida, Marina pergunta:

- Por que você nunca me disse nada? Por que esperou até agora para me dizer?

- Eu queria ter certeza que o nosso casamento era sólido. Que você não se apavoraria com a revelação, que acabaria se acostumando com ela. Achei que depois de 15 anos não havia mais perigo de você sair correndo.

- Mas você nunca falou pra ninguém que pode voar? Nunca contou?

- Não. Na escola, eu já era meio esquisito. Se descobrissem que eu também voava, não iam largar do me pé. Meus pais também se assustariam. Você é a primeira pessoa a saber.

- Mas Geraldo... Todos precisam saber que você voa. Você é um fenômeno da Natureza! Um caso único. Tem que ser examinado pela Ciência...

- Deus me livre.

- Nós podemos ganhar dinheiro com isso. Você virará uma celebridade internacional. Se apresentará em shows. Já posso até ver você chegando no palco pelo ar e...

- Tá doida. A coisa que eu menos quero no mundo é atrair atenção.

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- Quando é que você voa? - pergunta Marina.

- Às vezes, de noite, quando você está dormindo, eu saio pela janela e sobrevoo a cidade. Com a lua cheia, é bonito.

Marina (sentida):

- E você nunca pensou em me levar junto para passear ao luar, como o Super-homem fazia com a mocinha no filme... Geraldo! E se você for o novo Super-homem?! Um Super-homem de verdade? Você pode ser o herói que o mundo está esperando.

- Eu, Super-homem, com esta cara, com este físico, com esta gastrite crônica? Não, obrigado. Prefiro continuar como técnico contábil, com a minha vidinha de sempre.

- Mas Geraldo...

- E você tem que jurar que não vai contar pra ninguém, Marina. Jura.

- Está bem, Geraldo. Eu juro.

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E os dois continuam com a vidinha de sempre. De vez em quando ela faz um pedido, como:

- Bem, uma lâmpada do lustre queimou. Você pode trocar pra mim?

E o Geraldo voa até o teto, muda a lâmpada do lustre e volta para o sofá. E os dois continuam vendo a novela.

Fakebook - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 29/01/12

O Facebook tem rendido muitas risadas entre mim e minhas amigas. Temos um grupo que se reúne com certa frequência (da maneira antiga: ao vivo), e volta e meia surge o assunto. Claro que todas estão na rede social, com exceção de duas. Duas mulheres de Neanderthal, entre as quais, eu.

Antes não estávamos no Facebook porque não nos fazia a menor falta, masagora não estamos porque virou questão de honra. Tem sido uma diversão resistir à insistência de quem alega que estamos “fora do mundo”.

A Danuza Leão afirma, em seu último livro, que é um mico a gente tornar público que não entende nada de rede social. É mais moderno dizer que está por dentro, mesmo que não saiba ligar um computador. Ai, Danuza, tarde demais. Já pendurei na parede meu diploma de pré-histórica. Tenho mestrado e doutorado em alienação virtual.

O que não me impede de estar no Face. Não, não estou me contradizendo, tenho uma meia-dúzia de perfis na rede. Se você procurar, vai encontrar gente que extrai frases das minhas crônicas e faz uma gentil colaboração, melhorando- as, e também gente que se faz passar por mim, trocando ideias com seus adicionados como se fosse eu.

A generosidade desse pessoal não tem limite. Antigamente, isso seria considerado crime, agora está enquadrado como “homenagem”. Eu agradeço pra quem?

“É uma terrível calamidade, para uma época, não saber mais a quem estimar.” Essa frase eu não tirei da internet, e sim de O Eterno Marido, de Dostoievski, livro escrito em 1869, quando, por incrível que pareça, eu ainda não era nascida. E você, está seguro de que seus estimados são realmente quem dizem ser?

O Facebook é uma ferramenta dinâmica, agregadora, mobilizadora e tornou o e-mail obsoleto. Pena que possua algumas contraindicações, como, por exemplo, fazer com que não sejamos mais donos nem da nossa memória. No último encontro com as amigas, fomos às gargalhadas por causa de uma discussão a respeito de uma moça chamada (vou trocar o nome dela para manter sua privacidade, espero que ela não me processe por isso) Zezé Velasques.

Segundo minhas amigas que estão no Face, Zezé diz ter sido minha querida amiga do colégio. Eu nunca fui colega de nenhuma Zezé Velasques, esse nome nunca constou da minha agenda de telefones, nunca colei uma prova dessa menina, tenho certeza de que nunca disse nem oi para qualquer Zezé Velasques, mas há quem diga que estou delirando, que claro que fui colega dela no Anchieta, onde, segundo também dizem, estudei a vida toda, mesmo que no meu histórico escolar conste que dos 6 aos 17 anos eu tenha sido aluna do Bom Conselho.

Em quem acreditar? Não olhe pra mim, há muito que deixei de apitar na minha própria história.

Aqui, de fora do mundo, meu beijo pra Zezé e pra todos que ainda conseguem lembrar dos amigos sem a ajuda de aparelhos.

Nasce o poema - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 29/01/12


Em "O Formigueiro", eu queria expor o "cerne claro" da palavra, materializado no branco da página



Não vou discutir se o que escrevo, como poeta, é bom ou ruim. Uma coisa, porém, é verdade: parto sempre de algo, para mim inesperado, a que chamo de espanto. E é isso que me dá prazer, me faz criar o poema.

E, por isso mesmo, também, copiar não tem graça. Um dos poemas mais inesperados que escrevi foi "O Formigueiro", no comecinho do movimento da poesia concreta.

É que, após os últimos poemas de "A Luta Corporal" (1953), entrei num impasse, porque, inadvertidamente, implodira minha linguagem poética. Não podia voltar atrás nem seguir em frente.
Foi quando, instigado por três jovens poetas paulistas, tentei reconstruir o poema. Havíamos optado por trocar o discurso pela sintaxe visual.

Já em alguns poemas de "A Luta Corporal", havia explorado a materialidade da palavra escrita, percebendo o branco da página como parte da linguagem, como o seu contrário, o silêncio.

Por isso, diferentemente dos paulistas -que exploravam o grafismo dos vocábulos, desintegrando-os em letras-, eu desejava expor o "cerne claro" da palavra, materializado no branco da página.

Daí porque, nesse poema, busquei um modo de grafar as palavras, não mais como uma sucessão de letras, e sim como construção aberta, deixando à mostra seu núcleo de silêncio.

Mas não podia grafá-las pondo as letras numa ordem arbitrária. Por isso, tive de descobrir um meio de superar o arbitrário, de criar uma determinação necessária.

Ocorre, porém, que essas eram questões latentes em mim, mas era necessário surgir a motivação poética para pô-las em prática.

E isso surgiu das próprias letras, que, de repente, me pareceram formigas, o que me levou a uma lembrança mágica, de minha infância, em nossa casa, em São Luís do Maranhão.

A casa tinha um amplo quintal, em que surgiu, certa manhã, um formigueiro: eram formigas ruivas que brotavam de dentro da terra.

Eu ouvira dizer que "onde tem formiga tem dinheiro enterrado" e convenci minhas irmãs a cavarem comigo o chão do quintal de onde brotavam as formigas. E cavamos a tarde inteira à procura do tesouro que não aparecia, até que caiu uma tempestade e pôs fim à nossa busca.

Foi essa lembrança que abriu o caminho para o poema, mas não sabia como realizá-lo. Basicamente, eu tinha as letras, que me lembravam formigas, mas isso era apenas o pretexto-tema para explorar a linguagem em sua ambiguidade de som e silêncio, matéria e significado. Que fazer então?

Como encontrei a solução, não me lembro, mas sei que não surgiu pronta, e sim como possibilidades a explorar.

Tinha a palavra "formiga", que era o elemento cerne. Experimentei desintegrá-la -numa explosão que dispersou as letras até o limite da página- e depois a reconstruí numa nova ordem: já não era a palavra "formiga", e sim um signo inventado. Foi então que pensei em grafar as palavras numa ordem outra e que nos permitisse lê-las.

Em seguida, surgiu a ideia mais importante para a invenção do poema: constituir um núcleo, formado por uma série de frases dispostas de tal modo que as letras de certas palavras servissem para formar outras. Nasceu o núcleo do poema, a metáfora gráfica de um formigueiro.

Ele surgiu da conjugação das seguintes frases: "A formiga trabalha na treva a terra cega traça o mapa do ouro maldita urbe".

Construído esse núcleo, o poema nasceu dele, palavra por palavra, sendo que cada palavra ocupava uma página inteira e suas letras obedeciam à posição que ocupavam no núcleo. Desse modo, a forma das palavras nada tinha da escrita comum. Não era arbitrária porque determinada pela posição que cada letra ocupava no núcleo.

"O Formigueiro" foi, na verdade, o primeiro livro-poema que inventei, muito embora, ao fazê-lo, não tivesse consciência disso.

Chamaria de livro-poema um tipo de criação poética em que a integração do poema no livro é de tal ordem que se torna impossível dissociá-los. Nos livros-poemas posteriores, essa integração é maior, porque as páginas são cortadas para acentuar a expressão vocabular. O livro-poema é que me levou a fazer os poemas espaciais, manuseáveis, e finalmente o poema-enterrado, de que o leitor participa, corporalmente, entrando no poema.

Pinheirinhos em série - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 29/01/12


FÁBIO ZAMBELI (interino) 


Depois de integrantes do governo classificarem como "bárbara e terrorista" a ação da PM paulista na reintegração de posse no Pinheirinho, o Planalto planeja criar grupo de trabalho interministerial para antecipar os diagnósticos de áreas urbanas no país passíveis de conflito. Levantamento preliminar feito pelo Ministério das Cidades mapeou 200 ocupações de sem-teto análogas à de São José dos Campos no país.


Quatro pedidos de socorro federal para invasores de terrenos com determinação judicial de expulsão chegaram à Presidência durante a semana. Uma delas está agendada para amanhã no Mato Grosso do Sul.


Na pele 
Do secretário nacional de Articulação Social, Paulo Maldos, atingido por bala de borracha na operação policial de domingo passado: "É preciso institucionalizar mecanismos de diálogo que precedam qualquer reintegração de posse".


Prazo de validade 
A bancada do PP na Câmara não sabe se Mario Negromonte estará na primeira reunião pós-recesso, agendada para quarta. Os deputados aguardam a demissão do ministro das Cidades esta semana.


Timing 
Na lista de candidatos ao Ministério do Trabalho, André Figueiredo (RJ) pleiteia a liderança pedetista na Câmara. A escolha deve ocorrer na terça-feira. Presidente da sigla, o ex-ministro Carlos Lupi procura aliados para saber se o Planalto emitiu sinais de que substituirá o interino Paulo Pinto.


Incentivo oficial 
Grupo de haitianos que chegou ao Brasil depois de o governo decidir exigir visto se mostrava indignado com o ex-presidente brasileiro. "O Lula foi lá [Haiti] e disse que o Brasil estava de braços abertos para nós. Viemos e encontramos o país fechado", disse um deles, em Tabatinga (AM).


Propaganda 
Em campanha para turbinar a Rio+20, Dilma Rousseff pretende ir à Cúpula das Américas, em abril, na Colômbia, e à Cúpula América do Sul-África, em maio, na Guiné Equatorial.


Multicultural 
A programação das 12 Fan Fests da Fifa marcadas para a Copa-2014 será regionalizada. Cada sede ficará responsável pela seleção de artistas locais e montagem de palco.


Downgrade 
Em sua despedida do MEC, na terça passada, Fernando Haddad brincou com a candidatura em São Paulo: "Será que troco um Orçamento de R$ 80 bilhões por outro de R$ 40 bi? E ainda preciso ser eleito".


Motim 1 
Geraldo Alckmin administra crise na Fundação Casa, a antiga Febem. Há seis anos no comando da instituição, Berenice Gianella avisou ao Bandeirantes que sua permanência no cargo estaria prejudicada pelas desavenças com a secretária de Justiça, Eloísa Arruda.


Motim 2 
Nos bastidores da pasta, a gestão de Berenice é questionada. A entidade atende 8.000 menores e tem 15 mil funcionários -sendo 2.000 em cargos de confiança. O custo mensal por infrator é de R$ 12 mil, muito acima do valor gasto com detentos no sistema prisional.


Novo CEP 
Como parte do projeto de revitalização do centro, o governo paulista comprou prédio ocupado hoje pelo Banco Itaú na rua Boa Vista. O imóvel foi avaliado em R$ 27 milhões. No local, funcionarão o Comitê Paulista da Copa e repartições de secretarias.


Oremos 
A Corregedoria-Geral do TJ-SP busca apoio da arquidiocese da capital e da OAB para iniciar a investigação de conduta de juízes.


Tiroteio


"A possível aliança entre PT e PSD na eleição em São Paulo é um casamento que costumo chamar de 'Jaconça', ou seja, jacaré com onça. Não se sabe o bicho que vai dar."


DO PRESIDENTE DO PTB-SP, CAMPOS MACHADO, sobre o aceno do prefeito paulistano Gilberto Kassab (PSD), que enfrentou oposição petista durante


seis anos, para o ex-ministro e pré-candidato Fernando Haddad (PT).


Contraponto
Literatura de bolso


Franco Montoro acompanhava, em 1998, inauguração de parque gráfico em Campinas. Levava uma pilha de livros nas mãos. Apressadamente, um assessor se prontificou a guardar as publicações. O tucano, à época deputado federal e ex-governador, rejeitou a ajuda: -Vou ficar com as mãos ocupadas!


Durante o evento, seu desafeto Orestes Quércia subiu ao palanque e discursou, sendo ovacionado. Montoro evitou cumprimentos e dirigiu-se ao funcionário:


-Entendeu agora?