quarta-feira, junho 03, 2015

Questão de classe - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA 

Uma das crenças mais resistentes do pensamento que imagina a si próprio como o mais moderno, democrático e popular do Brasil é a lenda da inocência dos criminosos pobres. Por essa maneira de ver as coisas, um crime não é um crime se o autor nasceu no lado errado da vida, cresceu dentro da miséria e não conheceu os suportes básicos de uma família regular, de uma escola capaz de tirá-lo da ignorância e do convívio com gente de bem. De acordo com as fábulas sociais atualmente em vigência, pessoas assim não tiveram a oportunidade de ser cidadãos decentes - e por isso ficam dispensadas de ser cidadãos decentes. Ninguém as ajudou; ninguém lhes deu o que faltou em sua vida. Como compensação por esse azar, devem ser autorizadas a cometer delitos - ou, no mínimo, considera-se que não é justo responsabilizá-las pelos atos que praticaram, por piores que sejam. Na verdade, segundo a teoria socialmente virtuosa, não existem criminosos neste país quando se trata de roubo, latrocínio, sequestro e outras ações de violência extrema - a menos que tenham sido cometidos por cidadãos com patrimônio e renda superiores a determinado nível. E de quem seria, nos demais casos, a responsabilidade? Essa é fácil: "a culpa é da sociedade". 

Toda essa conversa é bem cansativa quando se sabe perfeitamente, desde que Moisés anunciou os Dez Mandamentos, que certas práticas são um mal em si mesmas, e ponto-final; não apareceu nas sociedades humanas, de lá para cá, nenhuma novidade capaz de mudar esse entendimento fundamental.

Um crime não deixa de ser um crime pelo fato de ser cometido por uma pessoa pobre, da mesma forma que ser pobre, apenas, não significa ser honesto. Mas e daí? Em nosso pensamento penalmente correto, a ideia de que as culpas são sobretudo uma questão de classe é verdade científica, tão indiscutível quanto a existência do ângulo reto. Por esse tipo de ciência, um homicídio não é "matar alguém", como diz o Código Penal brasileiro; para tanto, é preciso que o matador pertença pelo menos à classe média. Daí para baixo, o assassinato de um ser humano é apenas um "fenômeno social". Fim da discussão. No mais, segundo os devotos da absolvição automática para os criminosos que dispõem de atestado de pobreza, "somos todos culpados". Nada como as culpas coletivas para que não haja culpa alguma - e para que todos ganhem o direito de se declarar em paz perante sua própria consciência.

Embora não faça parte dos programas de nenhum partido ou governo, esta é a fé praticada pela maioria das nossas altas autoridades - junto com as camadas superiores da Ordem dos Advogados do Brasil, juristas de renome e estrelas do mundo intelectual, artístico e sociológico. A mídia, de modo geral, os acompanha. Há aliados de peso nos salões de mais alta renda da nação, onde é de bom-tom deplorar a "criminalização da pobreza"; é comum, quando se reúnem, haver mais seguranças do lado de fora do que convidados do lado de dentro. A moda do momento, para todos, é escandalizar-se com a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, em caso de crimes graves. Não se trata de uma questão de ideologia, ou de moral. A punição pela prática de crimes tem, obrigatoriamente, de começar em algum ponto, e 16 anos é uma idade tão boa quanto 18 - é impossível, na verdade, saber qual o número ideal. Mas o tema se tornou um divisor entre o bem e o mal - sendo que o mal, claro, é a redução, já declarada "coisa da direita selvagem".

Alega-se que o número de menores de 18 anos que praticam crimes violentos é muito pequeno, e que a mudança não iria resolver o problema da criminalidade no Brasil. Ambas as afirmações são verdadeiras e sem nenhuma importância. Quem está dizendo o contrário? O objetivo da medida é punir delitos que hoje ficam legalmente sem punição - e nada mais. Também é verdade que pessoas de 60 anos cometem poucos crimes, e nem por isso se propõe que se tornem livres de responder por seus atos. Também é verdade que os crimes não vão desaparecer com nenhum tipo de lei - e nem por isso se elimina o Código Penal.

Talvez esteja na hora de pensar que existe alguma coisa profundamente errada com a paixão pela tese de que a desigualdade social é a grande culpada pela criminalidade no Brasil. Segundo o governo, a redução da pobreza está passando por um avanço inédito na história; nesse caso, deveria haver uma redução proporcional no número de crimes, não é? Mas o crime só aumenta. Ou não houve o progresso que se diz, ou a tese está frouxa. Como fica?

Dilema dos alimentos orgânicos - XICO GRAZIANO

O Estado de S. Paulo - 03/06

Qual o futuro dos alimentos orgânicos? A pergunta, que corre o mundo, buscará resposta no Fórum Internacional de Agricultura Orgânica e Sustentável, a ser realizado nestes dias em São Paulo. Um choque de capitalismo, defendem uns; uma sociedade alternativa, querem outros. Razão e emoção.

A agricultura “orgânica” surgiu há um século, das observações de sir Albert Howard sobre os métodos indianos de produção rural. Ela exclui o uso de produtos químicos sintéticos, como agrotóxicos e fertilizantes, valorizando o húmus do solo. Sua vertente francesa é a agricultura “biológica”; na Alemanha, a “biodinâmica”. No Japão, mais tarde, apareceu a agricultura “natural”. Assemelhadas, todas nasceram com certa mística: filosófica, religiosa ou ideológica.

Espalharam-se. Segundo a International Federation of Organic Agriculture Movements, existem (2011) no mundo 1,8 milhão de agricultores orgânicos, produzindo sobre 37 milhões de hectares de terras, em 162 países. A Austrália apresenta a maior área (12 milhões de ha, basicamente pastagens naturais), seguida pela Argentina (3,8 milhões de ha) e pelos Estados Unidos (1,9 milhões de ha). Mas é a Índia que tem o maior número de produtores orgânicos (547.591).

O volume de negócios tem crescido no mercado mundial, atingindo U$ 62,9 bilhões (2012). Lideram o consumo os Estados Unidos, seguidos de Alemanha e França. Em termos per capita, quem mais consome alimentos orgânicos são Suíça e Dinamarca. Frutas e vegetais, cereais, soja, açúcar, café, mel, leite, há muitos gêneros tradicionais nas prateleiras de consumo orgânico. Recentemente, avança o ramo dos alimentos industrializados, como barrinhas de cereais, doces, sucos variados e até salgadinhos. Existe claramente uma tendência global a favor dos alimentos livres de agrotóxicos.

E no Brasil? Por aqui também se verifica crescimento na produção de orgânicos. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento mostram que a quantidade de agricultores orgânicos aumentou 51% no último ano, somando agora 10.194 produtores rurais. A área total de produção orgânica no País atinge 750 mil ha, destacando-se o Sudeste (44%), seguido das Regiões Norte (21%), Nordeste (16%), Centro-Oeste (14%) e Sul (5%). Números animadores.

As estatísticas oficiais puseram ordem no real tamanho da equação. Qualquer pesquisa na internet apontará um número mágico de 6,5 milhões de hectares ocupados com orgânicos no Brasil. Mas não é bem assim. Nessa grandiosa área estava incluído o extrativismo, enormes extensões onde se explora castanha-do-pará, açaí, borracha e outros gêneros florestais. Ou seja, a verdadeira produção orgânica estava superestimada pela mera coleta na Amazônia. Pouco científico.

Outra deformação, porém, surgiu agora. A legislação nacional passou a permitir que grupos de pequenos agricultores, familiares, se caracterizem como “orgânicos” desde que se agrupem por meio de uma Organização de Controle Social (OCS). Essa entidade só pode realizar a venda direta ao consumidor, em feiras livres, por exemplo. Promovida pelo governo, tal caminho dispensa a certificação, efetuada por empresas sérias, auditadas pelo Inmetro. A qualidade da produção orgânica nas OCSs fica, portanto, atestada pelos próprios agricultores. Discutível.

Centenas de projetos de agricultura “alternativa” assim se espalharam nos assentamentos de reforma agrária, especialmente no Nordeste. Acontece que criar um grupo desses, chamados de “agroecológicos”, é caminho certo para a obtenção de verbas públicas. Para facilitar, o governo federal passou a aceitar esses “orgânicos” nos programas de compras institucionais (merenda escolar, por exemplo). Resultado: essa fatia da produção sob “controle social” está se expandindo, o que explica o aumento do número de agricultores orgânicos no Brasil. Por isso a grande maioria deles (40%) se encontra no Nordeste. Entendeu?

Não está errado permitir que assentados de reforma agrária tenham a oportunidade de, via produção orgânica, encontrar um nicho de mercado que bem os remunere. Estranho é notar a contaminação ideológica desse processo. Para entrar na jogada é preciso haver uma conversão política à esquerda. Ou seja, para praticar a agroecologia, seja lá o que isso signifique, tem-se exigido uma posição anticapitalista. Aqui mora o dilema dos orgânicos: será seu modo de produção um caminho para superar o capitalismo?

Possivelmente não. O preço mais elevado dos alimentos orgânicos indica serem de alta renda seus consumidores. Ecologicamente conscientes, eles topam pagar mais caro para satisfazerem sua preferência. Nenhum germe da revolução mora esse mercado de elite. No elo da produção, tampouco. Regra geral os agricultores orgânicos, em todo o mundo, cultivam um modo de vida alternativo ao da sociedade consumista. Defendem, sim, a economia verde. Mas jamais pensaram em se organizar para combater a economia de mercado. Afinal, dela vivem.

Já os ramos intermediários de processamento e comercialização estão investindo fortemente na linha de orgânicos pensando, simplesmente, em elevar seus lucros. Por isso direcionam seu comércio para os bairros ditos mais nobres. Grandes redes de supermercados esfolam os produtores orgânicos para aumentar suas margens de venda. Falar em anticapitalismo nesse meio parece piada.

Só resta um caminho aos produtores orgânicos: investir em tecnologia, ganhar produtividade e elevar a qualidade. Agricultura orgânica não pode ser sinônimo de agricultura de baixo nível. Ao contrário, ela tem que se mostrar superior. Não na ideologia. Na ciência.

PT colhe o que plantou - EDITORIAL O ESTADÃO

 O ESTADÃO - 03/06

Um recurso de retórica de que Lula lança mão desde os tempos de militância sindical é a demonização das “elites”, também referida como “eles” em suas diatribes contra os “inimigos do povo”. “Eles” são a encarnação do mal, eternamente conspirando para perpetuar seus privilégios e manter a servidão dos pobres. Há 35 anos Lula & Cia. batem nessa tecla. Como não é possível enganar a todos todo o tempo, esse discurso populista, tendo a ajuda da incompetência demonstrada por Dilma Rousseff em seu primeiro mandato, acaba se esgotando. E o PT, que sempre fez oposição e chegou ao poder disseminando o ódio, começa a colher o que plantou.
Entre outras figuras destacadas do petismo, Guido Mantega, Alexandre Padilha e, no último fim de semana, Fernando Haddad, foram vaiados em lugares públicos onde se encontravam como cidadãos comuns. É lamentável. Manifestações de protesto e repúdio, como saudável exercício democrático, têm hora e lugares apropriados, que certamente não eram aqueles em que se encontravam os referidos cidadãos. A agressão verbal pode ser tão deplorável quanto a agressão física – que, felizmente, não chegou a ocorrer em nenhum desses casos –, pois ambas atentam contra a dignidade do agredido.
Mas eis que um petista de alto escalão – o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Edinho Silva – assume ares de pacificador e vem a público condenar exatamente a prática que seu partido consagrou. Declarou o ministro em entrevista ao Globo: “Vejo amigos brigando, famílias se dividindo, não é só a intolerância contra políticos. Temo que esteja mudando a cultura brasileira, sempre apaziguadora. Há lideranças importantes se manifestando com ódio”.
Sendo ele um líder petista com longa folha de serviços prestados a seu partido com a marca de um notável, digamos, aguerrimento, a atitude do chefe da Secom é, no mínimo, cínica. Poucos dias antes de se tornar ministro pacificador, Edinho Silva deu uma mostra da até então característica agressividade de seu discurso, ao tentar refutar as acusações de envolvimento do PT no escândalo da Petrobrás: “Nunca na nossa história assimilamos com tanta facilidade o discurso oportunista de uma direita golpista”. É possível que o ex-deputado estadual paulista tenha pesadelos com o propinoduto do petrolão, porque em 2014 foi o tesoureiro da campanha reeleitoral de Dilma Rousseff.
No momento, porém, a preocupação do chefe da Secom é com as ameaças que enxerga à “cultura de paz” dos brasileiros. E, para enfatizar essa percepção tardia, recorre ao surrealismo que povoa o imaginário popular: “Tem um monstro sendo alimentado dentro de uma lagoa toda vez que se dissemina o ódio. Esse monstro já colocou a cabeça para fora algumas vezes e, se sair por completo, vai ser incontrolável”. Só Deus sabe o que se passa pela cabeça do ministro quando fala em cabeças de monstros.
O fato é que, usando o poder de que dispõe, Edinho Silva determinou à Caixa e ao Banco do Brasil que promovam campanhas destinadas a “estimular a tolerância” entre os brasileiros. Explicou o ministro que campanhas institucionais com esse conteúdo não podem ser veiculadas pela Secom, que só trabalha com assuntos de utilidade pública. Por isso, “orientou” os bancos oficiais a assumirem essa tarefa. O Banco do Brasil está com uma campanha aprovada que será veiculada brevemente e a Caixa colocou no ar a sua em meados de maio, na qual aparece um menino usando uma camiseta com as cores de todos os times de futebol que a instituição patrocina, com a mensagem “todo brasileiro já nasce sabendo conviver com as diferenças”. Assim, Edinho faz com a mão esquerda o que não pode fazer com a direita.
Além dos objetivos altruístas de levar aos lares brasileiros o sentimento de paz e fraternidade que o PT sempre procurou destruir como meio de alcançar e se manter no poder, a iniciativa de Edinho Silva revela a falta de cerimônia com que os governos petistas contornam os obstáculos legais que encontram pelo caminho: se o governo não pode gastar dinheiro diretamente com propaganda que não seja de “utilidade pública”, as ricas empresas financeiras do Estado estão aí para quebrar o galho. E depois não querem que o povo fique com raiva.

Quem tem a força? - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 03/06

O novo capítulo da tensão entre Planalto e Congresso. Continua tensa a relação do Planalto com os presidentes das duas Casas do Congresso, que buscam novos meios para reduzir o poder de Dilma. Por que será que os presidentes de Câmara e Senado estão apresentando proposta de controle, pelo Congresso, da indicação dos dirigentes de estatais se a lei já prevê isso, pelo menos para todas as instituições financeiras públicas, como Banco do Brasil, Caixa, BNDES?

Segundo a lei 4.595/ 64, no artigo 21 §1 º : "A nomeação do presidente do Banco do Brasil S. A. será feita pelo presidente da República, após aprovação do Senado". O artigo 22 § 2 º estende a exigência a todas as demais instituições financeiras públicas.

Por outro lado, se a maior parte dos dirigentes das estatais não fosse indicada por políticos, até que haveria algum sentido na proposta que os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, apresentam repentinamente para colocar sob o controle do Congresso a nomeação dos presidentes das estatais, reduzindo ainda mais o poder do Planalto.

Se os escândalos da Petrobras fossem obra apenas dos tecnocratas da estatal, os políticos poderiam agora assumir o papel de salvadores da pátria, garantindo à sociedade que uma sabatina severa poderia controlar os desmandos que escandalizam a todos.

Mas foi um ex- presidente da Câmara, o indigitado Severino Cavalcanti, quem cunhou a melhor frase para revelar as entranhas do submundo político que engendrava tenebrosas transações na máquina pública inchada por estatais. "Quero aquela diretoria que fura poço", bradou Cavalcanti, explicitando grotescamente o interesse pelo petróleo brasileiro.

Os dois atuais presidentes das Casas do Congresso, por sinal, são useiros e vezeiros em indicar nomes para a direção das estatais. Por 11 anos ininterruptos, um indicado de Calheiros, o ex- senador Sérgio Machado, dirigiu a Transpetro, subsidiária da Petrobras.

Já Cunha, pelo PMDB do Rio, participou da escolha de dirigentes de Furnas durante muitos anos. Sem falar na influência que os dois têm ( ou tinham) em diversas diretorias de estatais, como a Petrobras, razão pela qual estão sendo investigados na Operação Lava- Jato.

É claro que o Congresso pode criar a tal Lei da Responsabilidade das Estatais, e é bobagem de Dilma dizer que "a nomeação de estatais, ministérios e autarquias é prerrogativa do Executivo". O artigo XIV da Constituição diz ser atribuição do presidente "nomear, após aprovação pelo Senado, os ministros do STF e dos Tribunais Superiores, os governadores, o procurador geral da República, o presidente e os diretores do BC e outros servidores, quando determinado em lei".

Pois a lei já determina esse procedimento para os dirigentes de instituições financeiras. Bastaria ao governo, se tiver maioria, aprovar legislação que inclua as outras estatais nesse mesmo rol, mas nesse caso sempre o Senado terá que ser ouvido. A sabatina é que não é costumeira.

O projeto que Cunha e Calheiros apresentaram tem uma determinação positiva: proíbe que ministros participem dos Conselhos de Administração. Além de a maioria dos ministros, e não apenas os da área econômica, ganhar jetons para complementação salarial com essa participação, o conflito de interesses é evidente, como ficou claro nas gravações das reuniões do Conselho da Petrobras, onde os ministros Guido Mantega e Miriam Belchior impediram que a então presidente Graça Foster incluísse no balanço o valor dos prejuízos que considerava correto.

Com a nova diretoria chefiada por Aldemir Bendine, o prejuízo oficial caiu pela metade em relação àquele que Graça queria colocar. "Não poderão integrar o Conselho de Administração agentes políticos vinculados à União, em especial ministros e titulares de cargos até o terceiro escalão no âmbito dos respectivos ministérios", diz o texto, que também exige que o indicado prove ter pelo menos um ano de experiência no mercado onde atua a estatal.

Bendine, por exemplo, não poderia estar presidindo a Petrobras. Se o Senado passar a cumprir a lei já existente, muita coisa já melhorará. O importante é se criar uma barreira entre as estatais com ações na Bolsa e o governo. A fratura desta vez ficou exposta com os escândalos da Petrobras. Qualquer coisa que afaste o político de uma empresa de capital aberto é saudável e valoriza a companhia. E as estatais puras deveriam ter regras mais rigorosas para suas direções.

‘Bola suja’ poderá salvar Lava Jato? - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S. Paulo - 03/06

Só quem não prestou atenção total ao debate sobre os escândalos de corrupção no Brasil pode ter-se surpreendido com a espetacular prisão pelo americano Federal Bureau of Investigation (FBI) de sete “cartolas” da Fifa, entre os quais o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, em Zurique, na Suíça. Afinal, um dos melhores e mais bem informados especialistas na área do Direito que lida com esse tipo de fraudes no Brasil, Modesto Carvalhosa, vem há algum tempo advertindo para a possibilidade de intervenções remotas da Justiça americana, no exterior. Em artigos nesta página e entrevistas à imprensa e às emissoras de rádio e televisão, ele tem advertido que, sendo o Brasil signatário de um pacto internacional anticorrupção, acusados de fraude que não tenham sido justiçados aqui poderão sê-lo em qualquer outro país lesado, entre eles os Estados Unidos.

As advertências feitas pelo advogado dizem respeito especificamente à roubalheira que atualmente mantém o monopólio das manchetes dos jornais e dos noticiários de rádio e televisão e das capas de revistas: em troca de garantia de ganhar licitações e de poder superfaturar obras da Petrobrás, grandes empreiteiras pagaram propinas a gerentes e diretores da estatal e a políticos de partidos aliados do governo que os nomearam apenas para esse objetivo. Tramitam na Justiça americana ações movidas por investidores que acreditaram no perfil sério e competente de nossa petroleira e se sentiram logrados depois que tiveram notícia do mar de lama em que a companhia afundou, num caso de furtos sem paralelo na História da humanidade.

Petróleo, evidentemente, nada tem que ver com futebol. No entanto, ninguém precisa sequer acompanhar o noticiário esportivo para ficar sabendo que o esporte mais popular do mundo é administrado por uma federação cuja fama em matéria de malversação de recursos é enorme. Mas a Fifa passava incólume por processos judiciais, apesar de suspeitas, devassas e investigações.

Agora o que Carvalhosa diz, sem que ninguém dê atenção a seus avisos – nem o governo, nem a oposição ou a cúpula dos Poderes Legislativo e Judiciário tiveram a sabedoria de lê-lo e ouvi-lo –, se confirmou na ação do FBI, com ajuda da polícia suíça, no suntuoso hotel Baur au Lac. A ação policial não alterou o resultado previsto do pleito de que de novo saiu vencedor o suíço Joseph Blatter. Mas, além da temporada dos finórios “cartolas” nas prisões helvéticas, a batata do chefão torrou: ele teve de pular fora. Após a reeleição, tinha acusado os americanos de estarem se vingando pela escolha do Catar para sediar a Copa de 2022 em vez do país deles. Como dizia vovó, “desculpa de cego é feira ruim e saco furado”.

A versão de Blatter mostra que ele aprendeu esse truque no Brasil, onde foi disputado o Mundial da Fifa no ano passado. Pois essa sua tentativa de ficar de fora do episódio é similar às acusações feitas por Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando Collor e Antonio Anastasia contra o Ministério Público Federal (MPF), que investiga a eventual participação deles no esquema chamado de petrolão. A questão é que, tanto cá quanto lá, não importa a motivação, mas a consequência dos inquéritos. MPF aqui e FBI lá têm de provar a culpa dos acusados – alguns presos. Quem for inocente comemorará e quem não for purgará pena, como manda a lei.

O Brasil tem importância capital na ação judicial e na operação policial nos EUA. Um importante informante é o patrício José Hawilla, ex-repórter de campo, um dos nababos das negociações milionárias do futebol profissional, agora réu confesso em quatro crimes e delator premiado, que aceitou devolver parte do dinheiro devido ao fisco americano. A História registra que foi um Imposto de Renda mal declarado que levou o chefão mafioso de Chicago Al Capone à prisão. Impune pelos atos de violência, o chefão caiu por delito fiscal.

Por aqui a coisa é bem diferente. Em visita ao México, feita para incrementar relações bilaterais esfriadas pelo combate de seu antecessor à Alca, a presidente Dilma Rousseff disse que o futebol brasileiro “só se beneficiará dessa investigação”. Não contou como nem por quê. Além de ter omitido a obviedade de que nenhuma melhora na prática futebolística no País compensará a imagem negativa produzida para esta e para o Brasil pelo fato de ultimamente só ter merecido destaque no noticiário internacional a corrupção sem freios.

Antes de a chefona voltar, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pôs a máquina do marketing policial para funcionar anunciando investigações da Polícia Federal (PF), cuja reputação anda em alta por causa da Operação Lava Jato. Sua intenção óbvia é fingir que o governo manda numa instituição de Estado que não precisa de ordens do Executivo para atuar. Além da patacoada presidencial e da ordem cínica, o governo expôs à Nação uma das mais espetaculares provas de incompetência dadas por qualquer fisco: a Receita Federal anunciou que investiga fraudes no total de R$ 4 bilhões no futebol desde 2002. Dá para acreditar? Investigar por 13 anos fraudadores que o FBI levou meses para prender?

Romário de Souza Faria, o craque da Copa que o Brasil venceu nos EUA em 1994, conseguiu as assinaturas para abrir comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado para investigar a CBF. Ótimo! A questão é: se a CPI da Petrobrás aguarda melancólico fim com cheiro de pizza depois de PF e MPF terem feito o trabalho pesado, o que esperar da repetição de uma CPI que já houve antes e teve fim igual?

Sem precisarem mais ler nem ouvir o aviso de Carvalhosa, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem aprender com a ação do FBI contra a “bola suja” e abortar, se é que estão mesmo tentando sabotar a Operação Lava Jato, outra, que é chamada, em concessão à escatologia em voga, de “bosta seca”. Tempo de fazer justiça aqui mesmo há.

É coisa nossa - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 03/06
 

BRASÍLIA - Joseph Blatter é suíço, foi derrubado pela polícia americana e leu o discurso de renúncia em francês. Mas a origem de seu longo e corrupto reinado na Fifa é brasileiríssima. É coisa nossa, como cantaria Jorge Ben.

Blatter chegou ao topo da cartolagem mundial pelas mãos de João Havelange. O brasileiro assumiu a presidência da Fifa em 1974. No ano seguinte, escalou o suíço como escudeiro e comparsa. A dobradinha se estendeu até 1998, quando Blatter herdou a cadeira do chefe.

Na transição, Havelange foi nomeado presidente de honra da Fifa. Só perderia o título em 2013, após a confirmação, pela própria entidade, de que recebeu propina da empresa de marketing ISL. Um pedágio de R$ 45 milhões, cobrado em troca dos direitos de transmissão de várias Copas do Mundo.

Segundo a Fifa, o dinheiro da corrupção foi dividido em família. Parte para Havelange e parte para seu ex-genro Ricardo Teixeira, que comandou a CBF por 23 anos. Eles nunca comentaram as acusações.

Na Copa de 2014, a herdeira Joana Teixeira Havelange, neta de João e filha de Ricardo, virou diretora do comitê organizador. Ficou famosa ao debochar dos manifestantes que criticavam a farra de gastos com o campeonato. "Não vou torcer contra, até porque o que já tinha que ser gasto, roubado, já foi", escreveu, em uma rede social.

Se o que tinha que ser roubado já foi, quem tinha que pagar pelos roubos só começa agora a ser punido. Blatter caiu, e a Polícia Federal enfim indiciou Teixeira por suspeita de crimes financeiros. Havelange será salvo pela idade avançada, mas o país ainda pode se livrar de um vexame. A bola está com a Prefeitura do Rio, que precisa tirar o seu nome do estádio que receberá provas da Olimpíada de 2016.

Em tempo: Jorge Ben batizou a música citada no início desta coluna como "Cosa Nostra". Tudo a ver com a Fifa e a CBF.

Cascas de banana - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 03/06
 

As imagens da presidente Dilma Rousseff andando de bicicleta, com capacete e tudo, remetem a dois tempos. Um, mais antigo, quando o então presidente Fernando Collor disparava por aí de moto, corria no Central Park, catava lixo na praia, essas coisas de garotão de bem com a vida. Outro, bem atual, quando o próprio primeiro governo Dilma recorria a “pedaladas” para encobrir a realidade fiscal e driblar o desequilíbrio das contas.

Mas vamos olhar com mais boa vontade as fotos de Dilma pedalando por Brasília, algo simpático, programado para ajudar na dieta fulminante e na “humanização” da figura presidencial. Certamente, Dilma tem todo o direito de sair de moto de vez em quando, de curtir o domingão em cima de uma bicicleta. Afinal, presidente ou não, ela é gente como a gente. E, com tantos problemas de todos os lados, bem que precisa espairecer.

O que não pode é a assessoria da presidente achar que uma simples pedalada não fiscal vai ajudar a fechar contas políticas que não fecham. Uma bicicleta é uma bicicleta. E, assim como o marketing até vence eleições, mas não muda a realidade, uma bicicletada dominical não apaga o rastro de problemas que Dilma, Lula e o PT criaram para Dilma, Lula e o PT. Nem melhora o humor dos “aliados”.

Enquanto a presidente curtia sua bike, os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha – sempre eles! –, já se apressavam para jogar mais cascas de banana no caminho de Dilma. A redução da maioridade penal é, definitivamente, uma questão da maior gravidade, mas não é um programa de governo e não gera um confronto entre Congresso e governo, mas entre PMDB e PT. Já a Lei de Responsabilidade das Estatais atinge diretamente o Planalto, coração do Executivo.

Eduardo Cunha usa a questão da maioridade penal para espicaçar o PT, já que ameaça votar logo em junho e recorrer a consultas populares – que, infelizmente, dão ampla margem de apoio à redução. O Planalto reage usando a questão para criar uma ponte com a oposição, sobretudo com o PSDB, ao defender o projeto alternativo do senador Aloysio Nunes Ferreira, que endurece as penas para crimes graves. Seria uma forma de Dilma tirar proveito da situação para dividir a oposição: a formal, tucana, de um lado; a real, pemedebista, de outro.

A questão central para o governo, porém, é a do projeto das estatais que, em resumo, reduziria o poder do Planalto para gerir e para nomear os diretores de empresas estatais e bancos públicos, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e, óbvio, a Petrobrás, apontada como símbolo, e como troféu macabro, do aparelhamento das estatais na era PT. Maioridade penal é um tema da sociedade; gestão de empresas e bancos públicos é um tema do interesse direto do governo – além de ser, também, da sociedade.

Pelo projeto articulado em conjunto por Renan e Cunha, os dirigentes dessas instituições terão de passar por sabatinas no Senado, como já ocorre com ministros do Supremo Tribunal Federal, diretores das agências reguladoras e embaixadores do Brasil no exterior. Não custa destacar o enorme senso de oportunidade dos dois pemedebistas, que lançam a ideia algumas semanas após a aprovação a toque de caixa da Lei da Bengala, que retirou de Dilma a prerrogativa de indicar cinco ministros do Supremo, e apenas alguns dias depois de os senadores vetarem o embaixador indicado por Dilma para a OEA, Guilherme Patriota. Se eliminou Patriota, quantos presidentes de BB, CEF, Petrobrás... o Senado poderá eliminar? 


Assim, a presidente passa a ideia de estar feliz e seus assessores apostam que o pior da crise já passou, mas isso pode ser mais um típico autoengano de quem ocupa o poder. Se depender de Renan e de Cunha, logo do PMDB, logo do Congresso, a crise continua. Nem o escândalo da CBF pode camuflar essa realidade, quanto mais uma mera bicicleta.

Tudo dentro da lei... - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 03/06

Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus



Somos legalizantes, legalistas, legalóficos e legalomaníacos. Cremos que a vida social e seus costumes mais arraigados; ou os seus laços mais sagrados, mudam com a lei. Mudamos a lei para não mudar o nosso conforto e a nossa perene má-fé. Em outras palavras, para não segui-la.

Vivemos recessão, inflação e depressão causadas pelos nossos projetos onipotentes, mas tudo dentro da lei. Ficamos imensamente ricos roubando contratos e emitindo notas falsas, mas de acordo com um programa e, é lógico, dentro da lei. Ultrapassamos todos os limites dos nossos papéis de administradores temporários dos bens públicos e confundimos nossas vidas com instituições do partido e do Estado, mas de acordo com a lei.

A mentira em nome do povo tem sido a nossa moeda corrente, mas tudo dentro da lei. Preferimos dar cargos públicos a gente nossa, gente boa, gente do nosso coração, alijando pessoas capacitadas, mas tudo dentro da lei. Encorajamos a confusão entre o pessoal e o público, o local e o nacional, o nacional e o internacional, mas tudo dentro da lei. Tentamos controlar a maquina pública naquilo que ela pudesse nos prejudicar e em tudo que ela pudesse nos ajudar, mas tudo dentro da lei.

A lei nos agasalha, protege, guia e nos ajuda a acusar, a patrulhar e a perseguir os nossos inimigos.

Somos, acima de tudo, legais.

Bons companheiros e camaradas. Amigos de cofre e de mesa, de boa arte e comidas. Tudo dentro da lei. Transformamos interesses pessoais e partidários em leis e instituições, dentro da lei.

Combatemos o bom combate eleitoral usando tudo o que estava e não estava ao nosso alcance, mas dentro da lei. Rigorosamente dentro da lei. Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo dentro da lei. Tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus.

Aliás, antes de existir o mundo, as pessoas, os bichos, o vasto oceano, as montanhas, as tempestades; os terremotos, as cheias e as secas; a neve, a chuva e o sol de rachar. Antes da praia e do mar azul que poluímos; antes do arroz com feijão, da pipoca, do pirão, do peixe frito e da empada. Antes do cachorro-quente, do circo, da novela, da bossa nova e do carnaval. Antes da guerra, das grandes e pequenas batalhas, inclusive as de confete. Antes da tortura e da Abolição da Escravatura. Aliás, antes mesmo da Linha de Tordesilhas que dividia o mundo entre Espanha e Portugal; e antes do Brasil, havia a lei.

Ela nasceu de um buraco negro e criou a realidade. Construindo-a, ela permite desfazê-la. A nosso gosto e prazer, é claro. Sem amor ou ódio, sem proposito ou alvo, pois a lei é paras todos. Mas, como diz a própria lei, ela é mais para nós do que para eles.

Nossa fraternidade — há quantos anos eu te conheço? — é melhor e, sejamos legais, muito mais honesta e correta do que a deles. A lei pende sempre para o nosso lado, mesmo que ela tenha essa mania estúpida e liberal de ser para todos.

Seria ilegal tratar o querido companheiro como todo mundo. Como reza a lei, a igualdade não é possível. A honestidade, então, nem é bom falar. Ambas são um ardil liberal-capitalista desenhado pelo mercado. Ouça uma coisa e espalhe outra. Assim criaremos um mundo mais justo e perfeito. A boa-fé e a verdade são para o outro mundo.

No mundo do poder pode-se até mesmo esquecer e anular os crimes e a História, desde que seja dentro da lei. A prescrição como figura legal é uma engenhosa máquina do tempo. Com ela, fazemos o tempo retornar para anular crimes. Até Hitler teria sua prescrição especial e compreensiva entre nós.

Lei, lei, lei e lei. Contra a verdade, a lei. Contra a ingenuidade, a lei. Contra o outro, a lei. Contra a boa vontade, a lei. Não insistam: nosso maior adversário não são o crime e a ausência de responsabilidade pública encapsulados imbecilmente como um moralismo barato e de direita: é a lei. Vamos revoga-la? Jamais. Vamos, isso sim, reformá-la e usá-la em nosso benefício como sempre temos feito. O legal é maior que o justo e o real. Adoramos a lei em sua majestade paragrafada, subdividida em sentenças claras, escrita por linhas tortas, mas sempre certas quando nós a temos nas mãos e a aplicamos. Na mentira, na hipocrisia e, acima de tudo, na desfaçatez, fiquem sempre com a lei e pela lei. Somos por todas as legalidades, inclusive e sobretudo pela legalidade da ilegalidade.

Somos um dos países mais corruptos, injustos e desiguais do mundo, mas temos um orgulho: estamos sempre dentro da lei!

Imigração transparente - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 03/06

Pasquale Scotti, 56 anos, condenado à prisão perpétua por ligação com a máfia, foi preso no Recife no fim do mês passado, mais de 20 anos depois de ser sentenciado pela Justiça de seu país. O caso serve para os brasileiros repensarem a lei de imigração nacional. Uma coisa é o país, formado por imigrantes, não negar receptividade humanitária para estrangeiros que buscam aqui sobrevivência e vida digna. Outra é garantir acolhida eficaz e organização, sobretudo no que diz respeito a melhor filtragem de quem quer entrar no Brasil.

A chegada crescente de haitianos - em apenas 10 dias de maio, aportaram em São Paulo 40 ônibus vindos do Acre - e africanos é exemplo disso, exigindo mobilização efetiva das autoridades para que a legislação seja cumprida, os imigrantes tenham oportunidades concretas e não venham apenas para engrossar os bolsões de miséria que vicejam nas grandes cidades.

O tema é complexo. Não pode ser encarado com simplismo. Urge acionar os mecanismos internacionais e os organismos policiais para controlar o tráfico humano e a clandestinidade. O ingresso de estrangeiros precisa ser efetivamente fiscalizado. Por trás de imigrante ilegal, podem estar armas, drogas e afins. Não é justo que estrangeiros sejam levados de um lado para o outro, sem a proteção assegurada pela legislação trabalhista, para que não sejam explorados por empregadores mal-intencionados.

Certo é que, se as autoridades não agirem logo, com organização e sem improvisos, poderá crescer o já refratário sentimento de rejeição e xenofobia que começa a aflorar nas redes sociais, num momento em que brasileiros disputam vagas no retraído mercado de trabalho do país. Ajuda humanitária é atitude relevante para qualquer governo, mundo afora, mas nada deve ser feito de afogadilho.

O Brasil tem 15.735 quilômetros de fronteiras terrestres, com 10 países da América do Sul - só com a Bolívia, são 3.126 - e 7.367 quilômetros de fronteiras marítimas. Conclui-se que, sem mais rigor na vigilância, a imigração ilegal tende a crescer, levando o país a abrigar pessoas de passado nada recomendável, como é o caso de Pasquale Scotti, que vivia como cidadão brasileiro acima de qualquer suspeita na capital pernambucana, embora estivesse condenado desde 2005 à prisão perpétua. Ele entrou no país em 1986, pela Região Norte, e passou por vários estados antes de fixar residência no Recife. A questão não é fechar os portos, aeroportos e fronteiras a imigrantes, mas acolhê-los com estrutura e transparência, para que o Brasil se livre de uma vez por todas da pecha de paraíso para procurados da Interpol.

Agendas postiças - DORA KRAMER

 O ESTADÃO - 03//06

O ritmo acelerado que a gestão Eduardo Cunha imprime às votações na Câmara tem consistência parecida com a persona oposicionista recentemente assumida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, em suas defesas de projetos ditos moralizantes.
Em matéria de artificialismo, os movimentos de ambos guardam semelhança com a decisão da presidente Dilma Rousseff de considerar o ajuste fiscal “página virada” nem bem as medidas entraram em vigor, e o início de uma agenda positiva que inclui fotografias em passeios de bicicleta ao redor do Palácio da Alvorada com o intuito de, segundo seus assessores, conferir à figura presidencial caráter “mais humano”.
Como não se tem notícia da pesquisa em que se baseou o Planalto para chegar à conclusão de que Dilma parece aos olhos do brasileiro um ser de outro planeta, resta-nos aguardar detalhes da estratégia antes de avaliar a chance de êxito nos resultados. 
A respeito da agenda positiva, trata-se do mesmo de sempre: dar por encerrado um tema desagradável de maneira unilateral e inventar uma série de outros a fim de mudar de assunto e tentar mudar o humor do público. 
Aqui é possível dizer com certeza: não há chance de dar certo. Pelo simples fato de que o sucesso da agenda depende dos fatos. E, estes, objetivamente, não se expressam no lançamento de novos planos de financiamento para a agricultura familiar, em mais uma etapa do programa Minha Casa, Minha Vida ou aumento de impostos para instituições financeiras. 
Essas coisas estão distantes do dia a dia da população. Próximos estão problemas como o desemprego, o endividamento, a queda na renda, o aumento de preços, a roubalheira desenfreada. Isso é o que faz a presidente Dilma Rousseff não poder sair nem falar em público.
E, segundo avaliações de seus auxiliares feitas longe dos comunicados oficiais, a expectativa é a de que não poderá fazê-lo tão cedo. E o que seria por eles considerado “cedo”? Até pelo menos que a economia desse algum sinal “mesmo que medíocre” de recuperação. Algo que não se espera antes do fim do ano. 
Portanto, saibam a senhora e o senhor que nem o Palácio do Planalto acredita na eficácia real da agenda positiva. Ou melhor, da agenda postiça. 
Tão afetada e carente de substância quanto a espetaculosa pauta do Congresso sob o comando de um PMDB reinventado de valente agora que o governo está nas cordas – não por obra do partido nem da oposição, mas por ação da entrada em cena dos protestos populares. 
Sim, a Câmara começou a votar a reforma política, mas não votou nada que prestasse nem discutiu coisa alguma que alterasse ou melhorasse a relação entre eleitores e eleitos. Renan Calheiros e Eduardo Cunha fazem barulho, demonstram poder, pressionam o Executivo, mas na hora do vamos ver – como as votações das medidas do ajuste – basta dar uma volta no Congresso para perceber que o debate de fundo ainda é sustentado no fisiologismo.
Os dois vão e voltam e a caravana do governo passa. No que interessa, o Planalto ganha. Não com a facilidade de antes, quando a popularidade era farta, mas ganha porque o sistema é presidencialista, e não parlamentarista, como parece querer fazer crer o espetáculo do fingimento proporcionado pela gritaria algo inconsistente.
De concreto o que se tem é a aprovação de um “contrabando” embutido em medida provisória autorizando a construção de um shopping no Parlamento. De resto, a cada hora é uma invencionice ao molde de factoide. 
A última diz respeito à transferência do controle da escolha de dirigentes das estatais e bancos públicos ao Congresso. A justificativa, “abrir a caixa-preta das estatais”, melhorar a transparência e governança das empresas.
Para isso, suas excelências dispõem das comissões permanentes de fiscalização e controle. Basta fazê-las funcionar com eficácia, seriedade, lisura e independência. 

Greves que geram danos à população - SÉRGIO AMAD COSTA

O ESTADO DE S. PAULO - 03/06

Não se fazem greves porque as leis autorizam ou não autorizam a sua deflagração. Porém, quando o ordenamento jurídico não trata adequadamente essa matéria, a bagunça se instaura no campo trabalhista. É esse o caso de muitas greves no setor público.

Cumpre lembrar que a Constituição de 1988, no artigo 37, inciso VII, definiu que o direito de greve dos servidores públicos será exercido nos termos e limites estabelecidos em lei complementar. Dez anos depois, a Emenda Constitucional n.° 19, de 1998, determinou que a regulamentação do direito de greve no setor público deve ser feita por intermédio de lei específica.

Desde aquela época até hoje, em meio a vários projetos de lei sobre a matéria em questão, nenhum foi aprovado pelo Legislativo. Diante dessa ausência de regulamentação, não raro, o que tem sido aplicado na esfera do setor público para dirimir movimentos paredistas é, com algumas adaptações, a Lei n.° 7.783 de 1989, que disciplina a greve no setor privado.

A ocorrência de greves na área pública não é um acontecimento esporádico, para ser assim tratado com tanta negligência. Pelo contrário, elas se tornaram uma constante no País e seu número cresce a cada ano. Basta ver o período recente, nos registros do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): em 2009 ocorreram 251 greves na área pública; em 2010, 269; em 2011, 325; e em 2012,409.

Vale destacar também que a quantidade de greves de servidores tem superado a de empregados do setor privado, como ocorreu em 2011 e em 2012. E em todos os anos os números de horas paradas no trabalho, em razão das greves, é muito superior ao registrado nas paredes do setor privado. Quanto ao prolongamento do número de horas, isso se deve também à falta de regulamentação da lei de greve e às negociações serem muito complexas, envolvendo várias instâncias de poder.

Ofato de essas paredes na área pública estarem sendo dirimidas tendo como referência alei do setor privado faz com que se tratem de forma igual situações bem distintas. A greve na área privada atinge questões que não envolvem a sociedade como um todo. Já no caso das paralisações no setor público, a população é sempre prejudicada. Não se pode esquecer de que é a própria população que paga os impostos para sustentar a prestação dos serviços que deixa de receber quando ocorre aparede. Além do mais, as características dos que trabalham no setor público são bem diferentes das dos que são empregados no setor privado. Os contratos de trabalho, os direitos e deveres, em termos trabalhistas, não são os mesmos.

Embora o Brasil, em 2010, tenha ratificado a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a livre negociação para os servidores públicos, ela, por si só, não resolve o problema. A própria convenção determina que as nações é que devem regular as negociações na área pública, inclusive salientando as atividades essenciais que põem em risco a população.

Assim, urge a promulgação de uma lei que estabeleça claramente os limites das greves no setor público. Entre outras definições, que ela determine o quantitativo mínimo de servidores que deverão trabalhar durante a paralisação e quais são os serviços essenciais. A meu ver, alguns serviços públicos não deveriam parar em hipótese alguma, como, por exemplo, transporte coletivo, fornecimento de energia, segurança, abastecimento de água, assistência médico-hospitalar, defesa civil, telecomunicações e serviços judiciários.

As aspirações de servidores do governo não podem sobrepor o bem comum, ou seja, o interesse público. Mas a ausência de regras claras sobre as paredes no aparelho estatal faz com que os direitos dos usuários dos serviços públicos, a sociedade, sejam relegados pelos paredistas. E as paralisações, nesse setor, são estimuladas, ao contrário do que ocorre na área privada, porque os riscos são quase inexistentes para os grevistas. Fácil assim.

Conceda-me esta obra - VINICIUS TORRES FREIRE

 FOLHA DE SP - 03/06

Além de dar um jeito na cobrança demencial de alguns impostos, tais como ICMS e PIS/Cofins, o outro plano do governo para tornar o ambiente menos empesteado é o de concessões de obras de infraestrutura. Isto é, entregar a empresas privadas obras e operação de algumas rodovias, ferrovias, aeroportos e portos, plano que a princípio deve ser divulgado na semana que vem.

Pelo menos parte dos economistas de Dilma Rousseff está otimista com o programa. Com a exceção deles, mais ninguém parece estar, embora as empresas sempre reclamem, estejam mais ou menos certas nas queixas.
Gente do governo acredita que não vai faltar empresa para disputar as obras. Diz que mesmo nos grandes grupos avariados pela Lava Jato, as empreiteiras maiores, haveria firmas independentes ou autônomas capazes legal e financeiramente de entrar nas concorrências. Quer dizer, firmas que não correm o risco de serem declaradas inidôneas nem estão quase falidas.
Gente do governo diz ainda que empresas médias podem se associar para aproveitar a oportunidade aberta pela razia no grupo das grandes irmãs da empreita, algumas em recuperação judicial, outras vendendo os dedos e os anéis a fim de preservar os braços.
Por fim, no governo se acredita também que "se vai encaminhar uma solução para parte" das empreiteiras corruptas, que vai passar pela "negociação judicial" e "algum tipo de reestruturação" (venda de partes das empresas para pagamento das multas que virão e para o saneamento financeiro). Empresas estrangeiras poderiam comprar o resto de parte dessas empresas, sua "capacidade técnica".
O pessoal da construção pesada, empreiteiras e suas associações, diz que, além das "questões judiciais", não conseguiram entender ainda: 1) Como vai ser o financiamento das obras de longo prazo; 2) Quais serão as "novas regras" das concessões: duração, retorno, ritmo das obras.
Empresários dizem que simplesmente não há dinheiro ou recursos de outra espécie disponíveis. Para começar, porque parte das empresas assumiu empreendimentos pesados nos últimos anos. Além do mais, não sabem de onde virá o crédito, visto que o BNDES, grande financiador, está em fase de muda e míngua, com menos recursos para emprestar daqui por diante.
Tomar dinheiro emprestado no exterior, sem alguma "garantia oficial", está fora de questão, ainda mais em um ambiente econômico doméstico transtornado e sob risco de ser ainda mais balançado quando começar a alta das taxas de juros nos Estados Unidos. Trata-se de fatores, claro, que sujeitam o real a grandes desvalorizações.
Empresários dizem que têm sido frequentemente ouvidos pelo governo a respeito do pacote de concessões, que "está havendo diálogo", mas que ainda não viram ou não sabem de quem tenha visto o conjunto da obra, o plano do que vai ser concedido, em que termos e com quais condições de financiamento.
Um deles diz que mesmo o "programa mais bem-sucedido, de 2012", não deve funcionar agora, porque "tudo mudou": de novo, falta crédito, as empresas estão descapitalizadas, ocupadas ou falidas e as novas concessões não parecem ser tão rentáveis como aquelas do primeiro pacote do governo Dilma 1.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

Petrolão cita filho de presidente do TCU pela 3ª vez
Filho de Aroldo Cedraz, presidente do Tribunal de Contas da União, o advogado Tiago Cedraz foi denunciado por Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, que o acusou de vender informações privilegiadas do TCU. A delação foi revelada ontem na edição online do jornal O Globo. É a terceira referência a Tiago Cedraz na Lava Jato. Ele também foi delatado, em 18 de novembro passado, pelo policial federal Jayme Alves Filho, o “Careca”, que trabalhava para o doleiro Alberto Youssef.

Reincidência
“Careca” contou à força-tarefa da Lava Jato que levou dinheiro ao escritório de Tiago Cedraz, em Brasília, “duas vezes”.

Operação Argentina
Uma terceira referência a Tiago Cedraz, na Lava Jato, o envolveu na suspeita venda da refinaria da Petrobras em San Lorenzo, Argentina.

O pai na CPI
Requerimento do deputado Izalci (PSDB-DF) pediu a convocação do ministro Aroldo Cedraz a depor na CPI da Petrobras.

A estreia
Tiago Cedraz foi citado na Operação Voucher, da PF, que desbaratou em 2011 a organização criminosa que roubava o Ministério do Turismo.

DF: Rollemberg perdeu um quarto dos eleitores
No cargo de governador do Distrito Federal há cinco meses, Rodrigo Rollemberg (PSB) já perdeu um quarto dos eleitores. É o que mostra levantamento do Instituto Paraná Pesquisa: indagados se repetiriam o voto, 24,2% dos que se declararam seus eleitores responderam “não”. Há empate técnico entre os que o desaprovam (46,6%) e os que o aprovam (45,7%). A maior rejeição está entre 25 e 34 anos: 49,8%.

Saúde na UTI
Para a população do DF, a Saúde é o maior dos problemas: 58%. Em segundo lugar, Segurança, mas bem longe, com 14,8%.

Boa notícia
Boa notícia para Rollemberg: entre os que não votaram nele no 2º turno, 20,4% mudaram de ideia e agora votariam no governador.

Sobre a pesquisa
O levantamento do Instituto Paraná Pesquisas entrevistou 1.280 eleitores de todas as regiões do DF entre os dias 25 e 28 de maio.

O homem da Copa
O Planalto aposta no escândalo do futebol para a Lava Jato sumir do noticiário, mas corre o risco de expor Ricardo Trade, secretário de Esportes de Alto Rendimento do Ministério do Esporte. Ele chefiou o comitê organizador da Copa de 2014, nomeado por Ricardo Teixeira.

Ravenna
A perda de peso de Dilma novamente foi assunto entre auxiliares dela. Na inauguração da Casa da Mulher, em Brasília, nesta terça-feira (2), um assessor deixou escapar: “perdeu mais 2 kg, já são 17”.

Campanha
Dilma vai enfrentar o presidente da Câmara na redução da maioridade penal. Tenta isolar Eduardo Cunha, atraindo entidades de referência. Já pediu aos bispos da CNBB uma “campanha de esclarecimento”.

Data marcada
Deputados da comissão que analisa a redução da maioridade penal pedem mais tempo. Já o relator, Laerte Bessa (PR-DF), afinado com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pretende entregar seu parecer no dia 10.

Absolvido
O Supremo Tribunal Federal rejeitou denúncia de suposta corrupção passiva que tramitava contra o deputado Maurício Quintela (AL), líder do PR na Câmara, envolvendo uma empreiteira em Alagoas.

Alguém aí?
A Câmara, para variar, já está em clima de feriadão. Desde segunda-feira está difícil encontrar as excelências no trabalho. Os funcionários dos gabinetes vão no mesmo rumo, está cada dia mais minguado.

Big feriadão
Em campanha salarial, servidores do Ministério Público vão parar 24 horas hoje (03), emendando com o feriado de quinta e garantindo folga de cinco dias. Mas eles juram que vão trabalhar na sexta. Ah, bom.

Flerte e expulsão
O prefeito de Itaquaquecetuba (SP), Mamoru Nakashima (SP), foi expulso do PTN por estar de namorico com o PSDB. Ele não está nem aí: afinal, por decisão da Justiça, o mandato é seu e não do partido.


Pergunta na rua
Dilma achou boa ideia Joseph Blatter renunciar à presidência da Fifa porque percebeu que não está agradando?