quinta-feira, outubro 04, 2018

Deputados? Vote em quem defende o voto distrital - ROBERTO MACEDO

 Deputados? Vote em quem defende o voto distrital - ROBERTO MACEDO

Um bom critério de escolha é optar por candidatos comprometidos com o voto distrital.
 O Estado de S.Paulo - 04/10


Sistema eleitoral atual prejudica a boa escolha e a representatividade dos eleitores

Nas eleições em andamento, parece que vamos escolher um rei ou imperador para receber a faixa dita presidencial. Nos meios de comunicação predomina fortemente o noticiário sobre os candidatos a ela. Muito abaixo nessa cobertura estão os candidatos a governador e a senador, nessa ordem. E bem lá em baixo, os candidatos a deputado federal e estadual. Pesquisas eleitorais só cobrem a eleição presidencial, para o governo dos Estados e para o Senado, com um viés enorme para o primeiro caso. Quanto à eleição de deputados, não me lembro de ter visto pesquisas de intenção de voto.

A razão é o enorme número de candidatos. No Estado de São Paulo há 1.686 (!) candidatos para 70 vagas de deputado federal e 2.174 (!) candidatos para 94 vagas de deputado estadual. Nesses casos, para pesquisas de intenção de votos seriam necessárias amostragens de enorme tamanho e custo.

Focarei no caso dos deputados federais, pois são os que têm grande influência nas questões políticas e econômicas que dizem respeito ao País como um todo. Quanto a eles, o já referido desequilíbrio na cobertura dos meios de comunicação contrasta com a enorme importância da Câmara dos Deputados no tratamento dessas questões. Os presidenciáveis falam muito de reformas, mas não de como vão combiná-las com os russos, os parlamentares, cuja maioria é avessa a mudanças que tratam de questões de grande interesse popular, como a previdenciária. Ou que afetam os seus interesses pessoais e dos grupos de interesse que defendem. Além dessa atitude defensiva relativamente a projetos reformistas, os parlamentares também atuam no ataque, como o fazem ao aprovar pautas-bomba cujo alvo são as contas governamentais.

Com tantos candidatos fica muito difícil para o eleitor escolher um para votar. Como compará-los? O eleitor pode votar por convicções partidárias, mas, mesmo dentro de um partido, em vários casos são muitos os candidatos. Há também o eleitor que acompanha o desempenho de deputados que já exerceram ou ainda exercem os seus mandatos. E há muitas outras influências, como o boca a boca no meio social, as benesses recebidas de candidatos, os votos por grupos de interesse corporativos, religiosos ou até mesmo empresariais, e por aí afora, mas sem focar no candidato em si e na sua comparação com outros. E na propaganda eleitoral nos meios de comunicação tão pouco tempo é dado aos candidatos a deputado que a maior diferença entre eles é o número para ser sufragado na urna eleitoral. Lembram os números do jogo do bicho.

Pensando na seleção comparativa e bem informada, uma teoria sobre o processo de escolha se aplica também ao caso eleitoral. Trata-se da desenvolvida por um psicólogo americano, Barry Schwartz, e apresentada no seu livro O Paradoxo da Escolha: por que mais é menos (São Paulo: Girafa, 2007). Ele argumenta que a maior disponibilidade de opções beneficia as pessoas até um certo ponto, mas à medida que o número aumenta aparece o efeito negativo da dificuldade de escolher, fazendo que as pessoas fiquem menos satisfeitas com as muitas opções que lhes são dadas. Isso até que o lado negativo se sobrepõe e a insatisfação cresce a ponto de a decisão não ser tomada. Ou ser negligente, acrescento. No caso eleitoral, o cidadão pode votar sem muita convicção quanto à sua escolha, pode também se abster ou anular o voto, e pode ainda votar numa pessoa por outras razões, que nada têm que ver com a escolha de um deputado, como os que optam por Tiririca ou por alguma outra figura exótica.

A escolha não criteriosa contribui também para a falta de representatividade dos eleitos, e o eleitor costuma até se esquecer de em quem votou, não demonstrando maior interesse em acompanhar os eleitos, cobrar desempenho.

No Brasil o voto para deputado federal se dá por unidade da Federação, com as vagas sendo disputadas em todo o seu território, o que eleva o número de candidatos que as disputam. Reduzir o número em si não seria democrático, mas há uma solução óbvia que até aqui o Brasil não adotou, porque também nesse caso não foi possível combiná-la com os russos, os parlamentares atuais, cuja maioria quer manter o sistema atual, pelo qual foram eleitos.

Trata-se do voto distrital, que no caso paulista equivaleria a dividir o eleitorado estadual em 70 distritos, nos quais cada partido apresentaria o seu candidato e, no conjunto deles, o número de nomes viáveis não alcançaria uma meia dúzia. Tal como acontece nas eleições diretas para cargos executivos, do presidente, de governadores e prefeitos. Por isso costumo defender o voto distrital como sendo de eleição direta de deputados e vereadores, por distrito eleitoral.

Aí as comparações entre candidatos se tornariam viáveis por seu menor número e, além disso, o candidato eleito representaria os eleitores do distrito como um todo. Também seria diminuída a influência dos grupos de interesse corporativos, religiosos e empresariais, que hoje elegem seus deputados arregimentando votos por todo o território estadual. Tais grupos passam a ter uma representação mais forte do que a da maioria dos eleitores, que dispersa seus votos por uma profusão de candidatos. O efeito Tiririca também seria atenuado ou mesmo eliminado, pois uma coisa é ele se eleger com votos dispersos da mesma forma e outra seria sua eleição num distrito depois de ali comparado com outros numa eleição direta.

Vamos mais uma vez participar de uma eleição para deputados que em larga medida é uma farsa, por causa desse distorcido processo de escolha, que força o eleitor a votar sem refletir bem sobre o seu candidato, e pela falta de representatividade a que ele leva.

Um bom critério de escolha é optar por candidatos comprometidos com o voto distrital.

* Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

O sonho mirabolante - WILLIAM WAACK

O sonho mirabolante - WILLIAM WAACK

ESTADÃO - 04/10

São espetaculares os termos da delação do ex-ministro Antonio Palocci cujo sigilo foi levantado pelo juiz Sérgio Moro. Não chegam a ser exatamente “revelações”, mas comprovam de maneira assombrosamente clara como foi produzido o desastre no qual se enfiou o Brasil. Catástrofe na qual o PT e seu chefão, Lula, tiveram papel de liderança e conduta, mas que envolveu amplos círculos do mundo da política, dos negócios, da economia e setores importantes da sociedade civil.

Não, não é a parte que fala de propina, ilicitudes, grana correndo por dentro e por fora e os mais variados crimes de corrupção. É a parte, no anexo 1 da delação, na qual Palocci relata como a descoberta do pré-sal levou Lula, em 2007, a ter “sonhos mirabolantes”. E como o governo vislumbrava um país riquíssimo, e, para isso, se determinava a construção de 40 navios sondas – e a consequente “fundação” de uma indústria naval completa – para a nacionalização e desenvolvimento do projeto do pré-sal, pelo seu interesse social e pela possibilidade de alavancar a indústria nacional.
Estão aí os elementos centrais (políticos, sociais e econômicos) do “nacional-desenvolvimentismo”, que é, talvez, o pior conjunto de ideias capaz de explicar a baixa produtividade, a baixa competitividade, o atraso relativo e a distância que o Brasil vê aumentar em relação às economias avançadas, tanto pelo ponto de vista das nossas relações de trabalho e sociais quanto à nossa capacidade de participar da era da geração do conhecimento.

O “nacional-desenvolvimentismo” dos militares ainda tinha um componente focado em infraestrutura e ocupação de território, enquanto o “nacional-desenvolvimentismo” do lulopetismo desandou para a “nova matriz econômica” dos subsídios, proteções, controle de preços (mais prejudicial à Petrobrás que a totalidade da grana desviada pelos companheiros do PT, PMDB e PP) e anabolizantes de consumo via crédito.
Impossível dizer que os “sonhos mirabolantes” do então presidente fossem delírios saídos de uma só cabeça. O “nacional-desenvolvimentismo” do PT vem de uma longa tradição que capturou também cabeças pensantes do mundo empresarial, acadêmico e político. É parte de um ideário nacional quase, infelizmente, “atávico” e com raízes já anteriores ao varguismo. E seu retrato 3 x 4 moderno só poderia ser o de Dilma Rousseff – para ser colocado na parede com a legenda: “esta é a cara do nacional-desenvolvimentismo”.
Nestas eleições, nas quais a corrupção (com razão) e a insegurança pública (com razão) ocupam um espaço tão importante na maneira como os eleitores encaram os candidatos, ficou em plano muito inferior qualquer debate sobre o conjunto de ideias, sobre o “sonho mirabolante” transformado em pesadelo – e nem estamos falando de seus aspectos éticos e morais. Por mais paradoxal que pareça, dadas a profundidade e a abrangência do fracasso econômico, uma relativamente gigantesca fatia da sociedade é sensível às mesmas promessas e aos mesmos postulados ligados ao atraso, à ineficácia, à estagnação.
Para muita gente, muita mesmo, é mais fácil encarar as mazelas do momento como o resultado da ação de políticos incompetentes, perdulários, corruptos e que agem apenas em benefício do próprio bolso ou de seus grupos. E que uma vez lavado tudo isso a jato, as coisas voltam a funcionar e o País a crescer e a gerar prosperidade. É um grave engano, mas quem disse que elites inteiras não se enganam?