sábado, abril 29, 2017

Carta de 14 estudantes evidencia que eles aprenderam a pensar - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 29/04

A missão do professor é ensinar a pensar, não catequizar sobre o certo e o errado. Uma carta divulgada por 14 alunos do Colégio Santa Cruz, criticando a adesão de seus professores à greve geral, evidencia que eles aprenderam. O cerne da crítica: os professores apelam a "noções generalistas de justiça social" e pautam-se "em um maniqueísmo exacerbado", adotando uma "forma de pensar" que "simplifica e empobrece o debate" sobre a reforma previdenciária.

Portinari pintou "Os Retirantes" em 1944, na trilha da criação do Dnocs e da Codevasf. A imagem pungente dos migrantes famélicos conferiu uma aura de santidade à captura de recursos federais pelas elites nordestinas. Na sua carta, os alunos explicam como a invocação ritual de direitos sociais oculta a defesa de privilégios corporativos: o regime especial do funcionalismo, as aposentadorias fidalgais do Judiciário. Eles aprenderam a identificar um truque clássico do discurso político –e confrontam a frase feita com o argumento.

Os pobres, álibi de sempre, não serviram para calar a boca desses 14, que oferecem uma aula a seus mestres. "Um direito ser garantido por lei não garante o orçamento necessário para cumpri-lo". Atrás do sistema de privilégios previdenciários, encontram-se os desastres no saneamento básico, na educação e na saúde públicas.

O deficit da Previdência, que cresce no compasso da dinâmica demográfica, só pode ser financiado pela reativação do tributo inflacionário, um imposto antidemocrático cobrado dos pobres. Quem ensina quem, nesse caso?

Os 14 refutam o manifesto grevista de seus professores, mas só desvendam parcialmente seu sentido político. A indagação crucial é: por que os mestres, "que nos possibilitaram desenvolver as competências necessárias para entrar no debate político", rejeitam a complexidade, retraindo-se à caverna do chavão sindical? Desconfio que as respostas a essa questão ajudem a iluminar a extensão da adesão à greve geral.

Na pré-história da nação brasileira, estão colonos empenhados em "fazer a América", capturando índios, buscando pedras preciosas, extraindo ouro. Prezamos, acima de tudo, a recompensa pecuniária pessoal. Na Istambul de 2013, uma onda de manifestações antigovernistas foi deflagrada pela defesa do parque Gezi, que se queria converter em shopping center.

Aqui, não fazemos isso. Escolas, hospitais, redes de esgoto, metrôs e trens, praças públicas, bibliotecas, museus, parques nacionais? Não: lutamos por repasses em moeda sonante, nas formas de aposentadorias precoces, pensões especiais, bolsas, multas rescisórias, passes livres, cestas básicas, uniformes escolares, faltas abonadas, cotas raciais, meia-entrada. Desprezamos os direitos sociais universais. Queremos nossa parte em dinheiro –e já!

A história política moderna do Brasil começa com Getúlio Vargas. O primeiro "pai do povo" ensinou-nos que o Estado funcionará como intermediador geral da disputa por rendas. Com ele, aprendemos a interpretar os "direitos" como notas promissórias emitidas pelo Tesouro em nome de indivíduos organizados em corporações.

Os empresários almejam subsídios do BNDES, os sindicalistas protegem o imposto sindical, os artistas cantam a glória de leis de incentivo financiadas por renúncia tributária. A nossa parte em dinheiro depende da qualidade da conexão política de nossa corporação. Séculos depois, os colonos ainda "fazem a América", mas por outros meios. A efígie de Vargas tremula na ponta dos mastros da greve geral.

Lula ensaiou uma reforma previdenciária, no primeiro mandato. Dilma falou sobre a necessidade de aumentar a idade de aposentadoria, no curto outono realista de seus últimos meses. De volta à oposição, o PT se esqueceu disso, investindo na canção antiga, que toca a alma da nação de colonos estatizados. Eis uma aula que os 14 não terão.

Sem adesão popular - MERVAL PEREIRA

O Globo - 29/04

A greve de ontem, que antes de ser “geral” foi mais um imenso protesto de sindicatos e associações de classe, pode ter sido um sucesso do ponto de vista classista, mas não houve indicações de adesão popular às causas prioritárias do movimento, contra as reformas trabalhista e Previdenciária.

Não resta dúvida de que a greve foi muito bem organizada, já que teve caráter nacional com o mesmo modo de atuação: o segredo é bloquear os transportes. E, para fazer isso com eficiência, basta meia dúzia de militantes para fechar avenidas e estradas. A dispersão organizada é melhor que a concentração grandiosa em poucos pontos, e a polícia ainda ajudou ao não atuar preventivamente para impedir os bloqueios.

Paralisar avida normal do país pode ter sido, no entanto, um tiro no pé, especialmente devido aos atos de vandalismo. Ter que usar piquetes e violência para impedira ida ao trabalho e a circulação normal do transporte público é prova de fraqueza do movimento; é prova de que não tem adesão popular. A ajuda dos black blocs só reforça essa sensação.

Não houve uma greve espontânea, do povo revoltado que resolveu protestar, e sim de sindicatos e de corporações que estão perdendo regalias nas reformas, principalmente o fim da contribuição sindical obrigatória. Tenho a impressão de que essa greve não vai influenciar as votações no Congresso e pode ter sido uma evidência de que os temas, embora impopulares, não estão mobilizando a população tanto quanto as corporações sindicais sinalizam.

Em todo lugar do mundo reformas co moada Previdência ou a trabalhista provocam protestos e greves, e somente um governo como o de Temer, que não tem objetivos eleitorais após o término do mandato, podes e arriscara concretizá-las.

Ao contrário, a base parlamentar que o apoia no Congresso depende do voto popular para manter-se na política, mas por uma dessas circunstâncias muito características da política brasileira, eles dependem mais do sucesso das reformas.

Caso não as aprovem, principalmente a da Previdência, não há futuro para o governo Temer e, consequentemente, também para eles. Já fizeram parte da base aliada dos governos Lula e Dilma por razões nada republicanas, mas os abandonaram para voltar às suas origens políticas.

É uma base liberal-conservadora, que não tem lugar em um projeto de governo esquerdista depois que foi revelado o esquema de corrupção que sustentou essa estranha simbiose.

Com algumas exceções regionais, como é o caso de Renan Calheiros em decadência eleitoral em Alagoas, a maioria dessa base parlamentar está mais bem acomodada num governo conservador como o de Temer do que numa aliança com partidos de esquerda que se sustenta à custa do puro fisiologismo.

A melhor aposta para essa grande massa parlamentar é na melhoria da economia com um projeto liberal, mesmo porque a alternativa da “nova matriz econômica” já deu com os burros n’água.

Além domais, há outros fatores importantes nessa equação, um deles sempre presente é a Operação Lava-Jato. Na próxima semana haverá o novo depoimento do ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT Renato Duque, que se manteve calado por quase três anos preso. Outro que em breve fará a delação premiada é o e x-ministro Antonio Palocci, homem forte de Lula e Dilma.

Não há futuro brilhante para o PT ou Lula, ou pelo menos jogar com essas cartas parece mais arriscado do que manter a atual posição governista. Tudo isso, no entanto, não torna fácil a aprovação de uma emenda constitucional que exige pelo menos 308 votos em duas votações na Câmara e outras duas no Senado, também com quórum qualificado.

O mais provável é que o relatório sobre a reforma da Previdência seja apresentado na Comissão de Constituição e Justiça no dia 8 de maio, e a partir daí o governo avaliará qual o melhor momento para colocar o projeto em votação no plenário.

Ensino pago - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 29/04

Para as universidades públicas, que estão atravessando uma profunda crise financeira motivada também pela queda da receita fiscal da União e dos Estados, a decisão do Supremo não poderia ter vindo em melhor hora


Acolhendo recurso impetrado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 9 votos contra 1, que as universidades públicas podem cobrar mensalidade nos cursos de pós-graduação lato sensu. Esses cursos são de especialização e se destinam a profissionais que desejam qualificar-se para o mercado de trabalho. Não se confundem com os cursos de pós-graduação stricto sensu, que são destinados à formação de professores e pesquisadores, concedendo os títulos de mestre e doutor.

Como a decisão tem repercussão geral, ela valerá para 51 outras ações idênticas que tramitam nas diferentes instâncias do Judiciário. Também confere segurança jurídica às universidades públicas que investiram na pós-graduação lato sensu, como é o caso da USP, da Unicamp e da Unesp. Juntas, as três universidades públicas paulistas oferecem atualmente 501 cursos de especialização e de MBA, com 30,5 mil estudantes matriculados. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esses cursos são oferecidos há 50 anos, nas áreas de engenharia e negócios.

O caso foi parar na mais alta Corte do País porque o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região acolheu ação interposta por um estudante que alegava que a Constituição dá o mesmo tratamento às atividades de ensino, pesquisa e extensão e assegura a gratuidade de todos os cursos oferecidos pelas universidades públicas. Com base nesse argumento, o TRF da 1.ª Região proibiu a UFG de cobrar mensalidade num curso de pós-graduação lato sensu em direito constitucional. O relator do caso, Edson Fachin, que também leciona numa universidade federal, discordou desse entendimento e afirmou que a Constituição não apenas diferencia ensino e pesquisa, como também não incorpora na pós-graduação convencional, que é obrigatoriamente gratuita, os cursos de extensão (que incluem os de lato sensu).

“A Constituição é clara. Ela permite que as universidades públicas possam contar, em alguns casos, com recursos de origem privada. No âmbito de sua autonomia didático-científica, é possível às universidades públicas regulamentar as atividades destinadas preponderantemente à extensão sem ferir a legislação, sendo-lhes possível assim instituir a cobrança de tarifas e atuar em regime de colaboração com a sociedade civil”, afirmou Fachin.

Para as universidades públicas, que estão atravessando uma profunda crise financeira motivada também pela queda da receita fiscal da União e dos Estados, a decisão do Supremo não poderia ter vindo em melhor hora. Ampliar a oferta de cursos de especialização e MBA é o modo que elas têm para obter receitas extras e usá-las no financiamento de programas de inclusão social, na manutenção da infraestrutura e no pagamento das despesas de custeio, como energia, água, telefonia e segurança.

Como esses cursos são baratos e de boa qualidade, pois os professores são os mesmos da graduação e da pós-graduação stricto sensu, eles têm uma alta demanda. Em 2014, a USP arrecadou R$ 55 milhões com a cobrança de mensalidades na pós-graduação lato sensu. Em 2016, a Unicamp teve uma receita extra de R$ 20,5 milhões. “As unidades que arrecadam recursos com esses cursos desoneram seu orçamento. Com isso, sobram mais recursos”, diz Vicente Ferreira, diretor da Coppead/UFRJ, um dos mais respeitados cursos de administração do País.

Além das universidades privadas, que reclamam da concorrência, os únicos focos de oposição ao aumento da oferta de cursos de especialização pelas universidades públicas se encontram em entidades estudantis e sindicatos de funcionários técnico-administrativos. Para eles, a pós-graduação lato sensu subordinaria as universidades à lógica do mercado. A crítica não procede. Como os cursos de especialização não estão entre os fins precípuos da universidade pública, nada impede que sejam pagos, diz a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader (SBPC). No que tem toda razão.

Greve compulsória - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO 29/04

A título de defender os direitos desses mesmos trabalhadores, os sindicalistas cassaram-lhes o elementar direito de trabalhar, por meio da paralisação dos transportes coletivos


Como era previsível, milhões de trabalhadores tiveram de aderir compulsoriamente à tal “greve geral” convocada pelas centrais sindicais para protestar contra as reformas trabalhista e previdenciária. A título de defender os direitos desses mesmos trabalhadores, os sindicalistas cassaram-lhes o elementar direito de trabalhar, por meio da paralisação dos transportes coletivos. E aqueles que tentaram chegar ao trabalho de outras maneiras foram igualmente impedidos ou tiveram imensa dificuldade graças ao bloqueio criminoso de ruas, avenidas e estradas realizado por “movimentos sociais” que se comportam como bandos de delinquentes. Quando e onde nenhuma dessas táticas funcionou, os sindicalistas partiram para a pancadaria pura e simples.

Os acontecimentos de ontem serviram para mostrar que, embora haja uma insatisfação generalizada com o atual governo, a representatividade dos organizadores da balbúrdia travestida de “greve geral” é pífia. A maioria dos brasileiros tem manifestado, nas pesquisas de opinião, seu desagrado com as reformas – naturalmente impopulares –, mas deixou claro ontem que não compactua com a violência nem com a exploração mesquinha de sua insatisfação por parte de grupelhos político-sindicais. Com seus principais líderes acuados por inúmeras denúncias de corrupção e depois de terem provocado a maior crise econômica da história brasileira quando estiveram no governo, deixando mais de 14 milhões de desempregados, esses tipos sabem que, no voto, não têm mais como ganhar – então partem para o grito.

Não faltaram imagens e situações para simbolizar essa disposição truculenta da tigrada. Em São Paulo, pequenos grupos de baderneiros queimaram pneus para interromper o trânsito em diversos pontos, impedindo a livre circulação de quem queria chegar ao trabalho. A mesma tática foi usada em várias outras capitais.

No caso de São Paulo, a polícia foi rápida e interveio para liberar a passagem, prendendo vários desses vândalos. No entanto, como eles não desistem, havia a perspectiva de mais violência até o final do dia de ontem, em manifestações cujo único propósito era tumultuar ainda mais a vida dos paulistanos.

Em muitas cidades, sindicalistas, como verdadeiros mafiosos, obrigaram comerciantes a fechar as portas e agrediram quem ousasse desafiá-los. Houve pancadaria dentro do Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro, protagonizada por integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) devidamente uniformizados, assustando os passageiros que apenas queriam embarcar para cumprir seus compromissos. Também no Rio, decerto contrariados com o fato de que o transporte não parou, os sindicalistas depredaram ônibus.

Tudo isso indica claramente o fracasso de um movimento de espertalhões que pretendia sequestrar o descontentamento da população para utilizá-lo como arma contra o governo que tenta consertar o estrago legado pelo PT. Nada disso significa, é claro, que eles vão desistir e se resignar. Ao contrário: continuarão a agredir a verdade dos fatos e a tentar confundir a opinião pública para se apresentarem como solução dos problemas que eles mesmos criaram.

Por isso, não surpreende que o principal chamamento para a tal “greve geral” tenha partido do próprio PT, que para tanto fez uso até do horário eleitoral a que tem direito na TV, pago com dinheiro do contribuinte. E por isso não surpreende que o chefão petista, Lula da Silva, tenha aproveitado o ensejo de uma greve que ele considerou um “sucesso total” para anunciar-se candidato a presidente: “Hoje eu posso dizer com certeza: quero ser candidato a presidente outra vez. Vou pedir ao povo brasileiro a licença para votar em mim”.

Lula e PT apelam descaradamente ao embuste, transformando em “grevistas” os cidadãos impedidos de trabalhar pelo gangsterismo sindical, porque sabem que não lhes restam muitas alternativas – num cenário em que o outrora poderoso partido luta para não se transformar em nanico nas próximas eleições e em que o demiurgo petista tem mais chance de ir para a cadeia do que para o Palácio do Planalto.

A ‘greve geral’ das corporações - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/04

A chamada greve geral convocada contra as reformas da Previdência e trabalhista foi um retrato dos interesses que se sentem contrariados com as mudanças. São grupos que defendem a manutenção de vantagens de sindicatos e de segmentos da máquina do estado que se beneficiam de ganhos na aposentadoria e nos salários.

A greve foi um espelho da resistência de corporações sindicais, e outras, a revisões cruciais para que a economia volte a crescer, e os 13 milhões de desempregados comecem a reocupar vagas no mercado de trabalho. Todos vítimas de uma crise derivada da irresponsabilidade fiscal dos governos lulopetistas, dos quais essas corporações também se beneficiaram.

A violência verificada ontem no Centro do Rio está dentro deste quadro de negação dos problemas pelos quais o país passa, e reflete a defesa de benefícios que o Estado do Rio de Janeiro, quebrado, não pode mais sustentar.

Tem sido este o padrão de manifestações enquanto tramita, com dificuldade, na Assembleia Legislativa (Alerj), a aprovação de contrapartidas à ajuda da União, por sua vez ainda na dependência do Congresso. Nada adianta queimar ônibus, ato em prejuízo da grande massa que usa o meio de transporte.

Desde cedo, os organizadores da greve trataram de bloquear estradas, vias importantes nas cidades, estações terminais de coletivos etc., para impedir a circulação das pessoas.

A intenção era evitar ao máximo o acesso aos locais de trabalho. Se sindicatos não têm representatividade para que braços sejam cruzados por decisão própria, que se bloqueiem ruas e estradas. Assim foi feito. A Ponte Rio-Niterói chegou a ser paralisada por piquete. Em São Paulo, a tática foi a mesma, também com o uso de barreiras feitas com pneus em chamas. No final da tarde, a CUT, central sindical do PT, estimou que 35 milhões fizeram greve. Impossível saber ao certo.

Mas não se pode desprezar o fato político, por mais previsível que fosse ele, com seus esperados participantes — militantes desgostosos da possibilidade do fim do imposto sindical, por exemplo.

Autoridades do governo Temer, no decorrer do dia, transmitiram a mensagem correta de que o governo não recuaria nas reformas, confirmada depois por nota do presidente. Até porque não pode, diante da situação do país. Houve mesmo quem fizesse um paralelo com o enfrentamento firme da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, em meados dos ano 80, dos mineiros em greve. O governo não cedeu a uma longa paralisação, e Thatcher pôde continuar com seu programa de reformas.

Guardadas as diferenças de época e de países, o exemplo remete para a necessidade, principalmente do Congresso, de entender as causas dessa resistência e perceber que a grande maioria que não foi às ruas ontem é que será prejudicada em qualquer recuo.

Povo da boquinha na boca do povo - ANA MARIA MACHADO

O GLOBO - 29/04

Difícil será ver com clareza quem ficou de fora da pilhagem. Mas existem nomes merecedores de esperança



Há quase 18 anos o ex-governador Anthony Garotinho — que por sua experiência devia ser um expert no assunto — definiu o PT como o partido da boquinha, dizendo que eles já tinham uns 200 cargos em seu governo e ainda queriam mais. Não chegava a ser original. Era o que sempre se murmurou à boca pequena, mesmo antes que essas boquinhas tenham servido para que um prócer partidário, o então Chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, reconhecesse no ano passado que, ao praticar o que sempre criticara, o partido se lambuzou.

A essa altura, desde o mensalão, isso já caíra na boca do povo. O petrolão só confirmou. Mas muitos seguidores ainda faziam boca de siri, preferindo não tomar conhecimento do óbvio.

Enquanto isso, a boquinha ia crescendo. Virando boca de caçapa, a engolir mundos e fundos. Sobretudo fundos. Mas a tática era negar e acusar os outros. Igualzinho ao sapo da velha piada que todo mundo ouviu na infância, mas não custa recordar.

Ia ter uma festa no céu . Foram contar ao sapo.

— Oba! — exclamou ele, arreganhando a bocarra.

— Vai ter muita comida, churrasco, doces.

— Oba! — e a boca se abriu ainda mais.

— Vai rolar tudo quanto é bebida, Muita birita mesmo.

— Oba! — exclamava ele, animado, cada vez escancarando mais a boca.

— Mas só vai quem tem boca pequena...

Como bom batráquio, imediatamente o sapo se adaptou, fez biquinho e disse com a boca bem apertada:

— Coitadinho do jacaré...

Para não ficar de fora da festança, trataram de se precaver. Como revelou o subitamente boquirroto Emílio Odebrecht em vídeo a que o país, boquiaberto, assistiu na semana passada, foi preciso reclamar com Lula. Mostrar que o pessoal dele estava com a goela muito aberta, passando de jacaré a crocodilo. Pedindo valores cada vez mais altos. Propina gerada pela grana dos nossos impostos, saída dos cofres públicos para as empreiteiras, sob a forma de superfaturamento, aditivos e demais malandragens e patifarias, antes de virar caixa dois e ir comprar apoios e vantagens no governo e no Congresso.

Agora todo mundo sabe. O pessoal apanhado com a boca na botija não teve outro jeito a não ser botar a boca no mundo. Caiu também na boca do povo, somando-se ao mensalão. Os bem-intencionados ou ingênuos começam a admitir autocríticas. Não dá mais para continuar na atitude do “Rouba mas faz para os pobres”. Nem do “Rouba mas divide comigo” ou do “Rouba porque é esperto, todo mundo rouba, se eu estivesse lá também roubava”, ao som do clássico do grande Geraldo Pereira : “ô, que samba bom / ô, que coisa louca/ eu também tô aí, tô aí, que que há?/ também tô nessa boca...”

Os tempos mudaram. A nova população carcerária mostra que já não dá para achar tão normal “O que dá de malandro regular, profissional/ Malandro com aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a malandro federal/ Malandro com retrato na coluna social/ Malandro com contrato, com gravata e capital /Que nunca se dá mal...”

Alguns patifes começam a se dar mal. O jeito que alguns encontram para aliviar as penas é botar a boca no trombone. E neste artigo com trilha sonora, não dá para garantir que os que ainda estão de fora vão conseguir por muito tempo seguir o modelo do malandro Moreira da Silva e transferir aos comparsas a tarefa de se explicar com a justiça: “Vou desguiando na carreira/ A justa já vem/ E vocês digam/ Que estou me aprontando/ Enquanto eu vou me desguiando/ Vocês vão ao distrito/ Ao delerusca se desculpando...”

Mesmo mestres exímios em desguiar na carreira vão precisar dar alguma explicação mais convincente do que dizer que a vítima se suicidou. Ao menos, para tentar sobreviver, fingindo passar de jacaré a lagartixa, um bichinho tão útil para limitar a infestação de mosquitos que transmitem doenças...

Algumas pesquisas sugerem que não está mais dando para enganar tanta gente como antes. E sem enganar, nada se sustenta, porque toda essa força só se baseou mesmo é na enganação. Na mentira bem contada. O que não significa que muitos outros, de partidos variados, não se dedicassem às mesmas práticas — com maior ou menor requinte, há mais ou menos tempo, boca de calango ou camaleão. Ainda que sem mostrar a competência do que estamos descobrindo, na montagem de esquema tão azeitado para nos pilhar e para lascar com o futuro do país. Mas ninguém defende que se tenha bandido (ou político) de estimação.

O difícil vai ser ver com clareza quem ficou de fora da pilhagem e pode seguir em frente. Grandes celeiros de lideranças políticas — as universidades, o movimento estudantil e sindical — sofreram as distorções desse processo de mentira e corrupção. Rendidos, caíram de boca nas boquinhas. Mas existem nomes merecedores de esperança, entre uns poucos sobreviventes, boas revelações nas redes sociais ou entre ambientalistas e alternativos. Dá trabalho procurar. Mas é hora de sairmos de lanterna em punho atrás deles. Ano que vem tem eleição. Vamos precisar de gente decente. E competente, pelo amor de Deus.

Ana Maria Machado é escritora


Por que privatizar a Cedae? - RICARDO COSTA VIEIRA DA SILVA

O GLOBO - 29/04

Muitos indicadores demonstram quão ineficiente é a empresa pública. Dois são críticos: o índice de esgoto tratado referente à água consumida e a despesa média por empregado


Nos versos de “Lata d'água na cabeça”, Candeias Júnior retratava a falta d´água no Rio de Janeiro dos anos 50. Hoje, no estado, por volta de 87% da água e 39% do esgoto são tratados, de acordo com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Uma situação desoladora!

Em estudo recente, o Instituto Trata Brasil aponta que dentre o pelotão das vintes melhores cidades no ranking de saneamento do país há somente uma no Estado — Niterói, sob gestão privada. Por outro lado, dentre as dez piores, três estão em solo fluminense: Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João do Meriti. Todas sob administração Cedae.

Mas, enfim, faz sentido privatizar a empresa? Ao analisar os dados do Ministério das Cidades, muitos indicadores demonstram com mais clareza quão ineficiente é a empresa pública. Dois deles são críticos: o índice de esgoto tratado referente à água consumida e a despesa média anual por empregado.

Estudando o índice de esgoto tratado referente à água consumida, observa-se: Cedae — 29,46%; Prolagos — 91,42%; Águas de Juturnaíba — 57,14%; Águas de Niterói — 100%. Fica evidente quanto a empresa estatal está longe de cumprir a obrigação legal de universalizar saneamento básico.

A seguir, verificando a despesa média anual por empregado obtém-se: Cedae — R$ 144,4 mil; Prolagos — 43,5 mil; Águas de Juturnaíba — R$ 58 mil; e Águas de Niterói — 74 mil. Salta aos olhos o custo de pessoal da companhia estadual: três vezes maior do que o valor da Prolagos e quase o dobro das Águas de Niterói.

Dentre as empresas privadas destaca-se, positivamente, Águas de Niterói. Em 1999, ano em que foi outorgada a concessão, o índice de coleta de esgoto era de 35%. Em 2016, Niterói se tornou a primeira cidade fluminense a universalizar estes serviços. Por outro lado, a estatal que em 1999 possuía o índice de esgoto tratado em relação à água consumida de 23,93% alcançou em 2015 meros 29,46%!

Os detratores fazem muitas criticas à privatização. Apontam que a empresa seria lucrativa, as tarifas subiriam muito e deixaria de haver prioridade aos mais pobres.

O lucro da empresa pública em 2015 foi de R$ 249 milhões, e o Instituto Trata Brasil estima que seriam necessários R$ 21 bilhões para alcançarmos a universalização. Precisaríamos de 84 anos para que todos no estado tivessem água e esgoto tratados!

Quanto à elevação das tarifas, a experiência internacional mostra que em países como Inglaterra e Chile, nos quais houve uma preocupação com a definição adequada do marco regulatório, as tarifas não subiram de maneira intensa. Mesmo no Rio de Janeiro, as concessionárias que aqui já atuam não possuem tarifas muito mais altas do que aquelas cobradas pela companhia estadual.

Por fim, a controversa privatização argentina dos serviços de água e esgoto, estudada extensivamente pela Universidade de Harvard, realizada em 1993 e encerrada em 2006, demonstra que mesmo em casos nos quais o processo não funciona bem há uma melhora significativa dos atendimentos aos mais pobres e níveis de serviço. A mortalidade infantil nas áreas da concessão foi reduzida em 8% e, nas regiões mais carentes, alcançou impressionantes 26%! Os índices de atendimento de água e esgoto que inicialmente eram de 66% e 57% respectivamente, alcançaram 99,8% e 69% em 2015!

Ora se nossos governantes estão de fato preocupados com os mais pobres, se as empresas privadas demonstram ser mais competentes do que a Cedae, por que não privatizá-la? De quem seria a razão: dos poucos que querem preservar seus privilégios ou dos milhões de inocentes que morrem todos os dias?

Ricardo Costa Vieira da Silva é engenheiro e membro do Instituto Teotônio Vilella-RJ

Economia mundial torna mais urgente mudança no Brasil - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/04

Prognóstico de recuperação das finanças mundiais, após anos de fraco crescimento na esteira de crise global, pressiona por revisão da economia do país


Com os americanos ainda cautelosos no consumo, a economia americana cresceu 0,7% no primeiro trimestre, o ritmo mais lento desde 2014. O consumo das famílias avançou apenas 0,3%, em meio à queda de vendas no setor automobilístico. Os economistas, porém, veem o fraco desempenho da economia americana como um fenômeno temporário, à medida que os ganhos de renda tendem a se traduzir no aumento do consumo, que representa dois terços do PIB. Eles apostam que os EUA terão um comportamento semelhante ao de 2016, quando começaram mal, mas depois mantiveram uma expansão moderada ao longo do ano.

A França e o Reino Unido também apresentaram um desempenho débil no primeiro trimestre, com suas economias avançando apenas 0,3%. No caso francês, o fator eleitoral e o temor de uma vitória da extremista Marine Le Pen tiveram impacto nas decisões de investimento das empresas, revelando que a segunda maior economia da UE ainda é vulnerável ao risco político. Mas, dizem os especialistas, à medida que o candidato independente, Emmanuel Macron, apareça liderando as pesquisas, a tendência é de recuperação.

Em relação ao Reino Unido, cujo desempenho ficou abaixo das previsões, analistas apontam para os efeitos do Brexit, sobretudo o impacto sobre o consumo de um potencial aumento da inflação com o divórcio da UE. Em ambos os casos, a economia reagiu a aspectos pontuais, embora no caso britânico o custo do Brexit tenda a se alongar nos próximos anos.

Apesar desses resultados, o Fundo Monetário Internacional (FMI), em relatório sobre a economia global, vê sinais positivos em áreas essenciais, como investimento global, setor industrial e a confiança do consumidor. Apesar das ameaças geopolíticas, em especial o impasse entre EUA e Coreia do Norte, as eleições na França e na Alemanha e o processo do Brexit, associados ao aumento do protecionismo no comércio mundial, o Fundo vê EUA, Europa e Japão mostrando sinais sustentáveis de recuperação.

No plano das commodities, as cotações do petróleo avançaram em relação a 2016, elevando as taxas de inflação de patamares perigosamente baixos nos países desenvolvidos, e favorecendo as economias emergentes dependentes das exportações. Segundo o relatório do Fundo, a economia mundial deverá avançar este ano 0,10 ponto percentual, para 3,5%, o que, se confirmado, representará o ritmo mais acelerado de expansão em cinco anos.

Os prognósticos do FMI para a economia mundial este ano tornam ainda mais urgente a aprovação das reformas básicas da economia no Brasil. O país não pode mais se dar ao luxo de desperdiçar uma nova oportunidade de atrair investimentos que impulsionem de vez a recuperação.