FOLHA DE SP - 02/01
RIO DE JANEIRO - Quando meu instrumento de trabalho era a máquina de escrever, eu me sentava a ela, punha uma folha de papel no rolo, escrevia o que tinha de escrever, tirava o papel, lia o que escrevera, aplicava a caneta sobre os xxxxxxxx ou fazia eventuais emendas e, se fosse o caso, batia o texto a limpo. Relia-o para ver se era aquilo mesmo, fechava a máquina, entregava a matéria e ia à vida.
Se trabalhasse num jornal, isso incluiria discutir futebol com o pessoal da editoria de esporte, paquerar a diagramadora do caderno de turismo, ir à esquina comer um pastel ou dar uma fugida ao cinema à tarde –em 1968, escapei do "Correio da Manhã", na Lapa, para assistir à primeira sessão de "2001" no dia da estreia, em Copacabana, e voltei maravilhado à Redação para contar a José Lino Grünewald.
Se já trabalhasse em casa, ao terminar de escrever eu fechava a máquina e abria um livro, escutava um disco, dava um pulo rapidinho à praia, ia ao Centro da cidade varejar sebos ou fazia uma matinê com uma namorada. Só reabria a máquina no dia seguinte.
Hoje, diante do computador, termino de produzir um texto, vou à lista de mensagens para saber quem me escreveu, deleto mensagens inúteis, respondo às que precisam de resposta, eu próprio mando mensagens inúteis, entro em jornais e revistas online, interesso-me por várias matérias e vou abrindo-as uma a uma. Quando me dou conta, já é noite lá fora e não saí da frente da tela.
Com o smartphone seria pior ainda. Ele substituiu a caneta, o bloco, a agenda, o telefone, a banca de jornais, a máquina fotográfica, o álbum de fotos, a câmera de cinema, o DVD, o correio, a secretária eletrônica, o relógio de pulso, o despertador, o gravador, o rádio, a TV, o CD, a bússola, os mapas, a vida. É por isto que nem lhe chego perto –temo que ele me substitua também.
sábado, janeiro 02, 2016
Ministro novo, tragédia velha - CLOVIS PANZARINI
ESTADÃO - 02/01
A saída do ministro “neoliberal” e a entrada de um “desenvolvimentista” na pasta da Fazenda reacendem o debate sobre o tamanho do Estado, especialmente nesta quadra de profunda crise fiscal que compromete o presente e interdita o futuro da economia brasileira. Os petistas defendem o Estado grande, com muitas “boquinhas”, e enaltecem os miraculosos efeitos keynesianos do gasto público, pouco se importando com seu financiamento. Imaginam a possibilidade infinita de endividamento ou de exação fiscal sobre os “ricos”.
É regra elementar de finanças públicas que o governo não deve gastar mais do que arrecada. A desobediência a esse preceito resulta, como nos condomínios, em inevitável chamada extra. No caso do governo, síndico do condomínio público, a chamada extra vem na forma de emissão de títulos - que formam o estoque da dívida pública -, cujos juros têm de ser honrados logo à frente com mais impostos e/ou menos gastos. O estoque da dívida pública nada mais é que a soma dos déficits acumulados ao longo do tempo. O déficit/dívida é defensável quando financia despesas de investimento, pois é razoável que gerações futuras, também beneficiárias dos equipamentos públicos (estradas, aeroportos, etc.), suportem parte de seu custo. Mas se o desequilíbrio vem da exacerbação das despesas correntes (pessoal, Previdência, transferências de renda, etc.), é maldade da geração atual, que goza o bônus dos serviços, transferir o ônus de seu financiamento para gerações futuras.
A aritmética impõe que ao menos os juros da dívida pública sejam honrados por “poupança do governo”, o superávit primário (receitas menos despesas não financeiras), sob pena de a relação dívida/PIB explodir, iniciando um diabólico círculo vicioso mais juros, maior dívida, mais juros... A dramática crise econômica brasileira decorre de barbeiragens e rapinagens que desarranjaram as contas públicas, resultado do tsunami de gastos correntes nos últimos cinco anos. O Estado brasileiro custa hoje, consideradas as despesas com juros, 45% do PIB, que não cabem na carga tributária de 36%. Em 2010 as despesas com juros da dívida representavam 5,03% do PIB e o governo conseguiu “poupar” 2,62% do PIB. O resultado, pois, foi um déficit nominal (juros sem lastro de poupança do governo, que foram, portanto, pagos com “papagaios” novos) de 2,47% do PIB. Nos últimos 12 meses até outubro, o déficit primário foi de 0,71 % do PIB (que salta para 2% se computadas as “pedaladas” enrustidas nos bancos oficiais), enquanto as despesas com juros subiram para 8,79% do PIB, resultando em déficit nominal de 9,5% do PIB! Esse é o tamanho da tragédia fiscal.
Debatem-se hoje possíveis saídas dessa armadilha, fruto de amadorismo e irresponsabilidade eleitoreira. Os “desenvolvimentistas” pregam aumento do gasto e do crédito ao consumo e redução dos juros, imaginando que isso turbinará a demanda, o PIB e, pois, a arrecadação tributária. Essa bruxaria foi usada em Dilma 1 e deu no que deu: contas públicas em frangalhos, descontrole da inflação, queda do PIB. Imaginar que o desequilíbrio estrutural (crescimento vegetativo da relação despesas correntes/ PIB) pode ser corrigido com política anticíclica é de um primarismo comovente. O novo ministro, ex-bruxo que é, não acredita em bruxarias e promete ao mercado o ajuste fiscal: CPMF, corte de gastos e reformas estruturais. À galera petista promete a festa do crescimento, que tornará viável o governo da vez.
No desenho constitucional vigente, a margem de discricionariedade para corte de gastos não vai além de 10% do total, aí incluídas as despesas de investimento tão necessárias para recuperar a infraestrutura. Infelizmente, as emendas constitucionais necessárias à mitigação da rigidez orçamentária (desvinculação de receitas, reforma previdenciária) e à quebra do crescimento inercial das despesas correntes, além da instituição da CPMF, pressupõem a existência de um governo forte. Ou, pelo menos, de um governo.
Quanto à promessa de retomada do crescimento, espera-se que o ex-bruxo não volte a acreditar em bruxaria. Ou desmentirá o vaticínio daquele sábio deputado: pior do que está fica...
CLÓVIS PANZARINI É ECONOMISTA, É SÓCIO-DIRETOR DA CP CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA.
A saída do ministro “neoliberal” e a entrada de um “desenvolvimentista” na pasta da Fazenda reacendem o debate sobre o tamanho do Estado, especialmente nesta quadra de profunda crise fiscal que compromete o presente e interdita o futuro da economia brasileira. Os petistas defendem o Estado grande, com muitas “boquinhas”, e enaltecem os miraculosos efeitos keynesianos do gasto público, pouco se importando com seu financiamento. Imaginam a possibilidade infinita de endividamento ou de exação fiscal sobre os “ricos”.
É regra elementar de finanças públicas que o governo não deve gastar mais do que arrecada. A desobediência a esse preceito resulta, como nos condomínios, em inevitável chamada extra. No caso do governo, síndico do condomínio público, a chamada extra vem na forma de emissão de títulos - que formam o estoque da dívida pública -, cujos juros têm de ser honrados logo à frente com mais impostos e/ou menos gastos. O estoque da dívida pública nada mais é que a soma dos déficits acumulados ao longo do tempo. O déficit/dívida é defensável quando financia despesas de investimento, pois é razoável que gerações futuras, também beneficiárias dos equipamentos públicos (estradas, aeroportos, etc.), suportem parte de seu custo. Mas se o desequilíbrio vem da exacerbação das despesas correntes (pessoal, Previdência, transferências de renda, etc.), é maldade da geração atual, que goza o bônus dos serviços, transferir o ônus de seu financiamento para gerações futuras.
A aritmética impõe que ao menos os juros da dívida pública sejam honrados por “poupança do governo”, o superávit primário (receitas menos despesas não financeiras), sob pena de a relação dívida/PIB explodir, iniciando um diabólico círculo vicioso mais juros, maior dívida, mais juros... A dramática crise econômica brasileira decorre de barbeiragens e rapinagens que desarranjaram as contas públicas, resultado do tsunami de gastos correntes nos últimos cinco anos. O Estado brasileiro custa hoje, consideradas as despesas com juros, 45% do PIB, que não cabem na carga tributária de 36%. Em 2010 as despesas com juros da dívida representavam 5,03% do PIB e o governo conseguiu “poupar” 2,62% do PIB. O resultado, pois, foi um déficit nominal (juros sem lastro de poupança do governo, que foram, portanto, pagos com “papagaios” novos) de 2,47% do PIB. Nos últimos 12 meses até outubro, o déficit primário foi de 0,71 % do PIB (que salta para 2% se computadas as “pedaladas” enrustidas nos bancos oficiais), enquanto as despesas com juros subiram para 8,79% do PIB, resultando em déficit nominal de 9,5% do PIB! Esse é o tamanho da tragédia fiscal.
Debatem-se hoje possíveis saídas dessa armadilha, fruto de amadorismo e irresponsabilidade eleitoreira. Os “desenvolvimentistas” pregam aumento do gasto e do crédito ao consumo e redução dos juros, imaginando que isso turbinará a demanda, o PIB e, pois, a arrecadação tributária. Essa bruxaria foi usada em Dilma 1 e deu no que deu: contas públicas em frangalhos, descontrole da inflação, queda do PIB. Imaginar que o desequilíbrio estrutural (crescimento vegetativo da relação despesas correntes/ PIB) pode ser corrigido com política anticíclica é de um primarismo comovente. O novo ministro, ex-bruxo que é, não acredita em bruxarias e promete ao mercado o ajuste fiscal: CPMF, corte de gastos e reformas estruturais. À galera petista promete a festa do crescimento, que tornará viável o governo da vez.
No desenho constitucional vigente, a margem de discricionariedade para corte de gastos não vai além de 10% do total, aí incluídas as despesas de investimento tão necessárias para recuperar a infraestrutura. Infelizmente, as emendas constitucionais necessárias à mitigação da rigidez orçamentária (desvinculação de receitas, reforma previdenciária) e à quebra do crescimento inercial das despesas correntes, além da instituição da CPMF, pressupõem a existência de um governo forte. Ou, pelo menos, de um governo.
Quanto à promessa de retomada do crescimento, espera-se que o ex-bruxo não volte a acreditar em bruxaria. Ou desmentirá o vaticínio daquele sábio deputado: pior do que está fica...
CLÓVIS PANZARINI É ECONOMISTA, É SÓCIO-DIRETOR DA CP CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA.
Infraestrutura ameaçada - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO 02/01
A paralisia do governo pode ter sérias consequências para o setor de infraestrutura, vital para o aumento da competitividade e para o crescimento da economia. Lançada com estardalhaço em junho de 2015 pela presidente Dilma Rousseff - na tentativa de demonstrar alguma reação à crise política que tolhia, e tolhe, a sua já reduzida capacidade administrativa -, a segunda parte do Programa de Investimentos em Logística (PIL) não saiu do papel. Com previsão de investimentos de R$ 198,4 bilhões até 2018, o programa agendara para 2015 diversos leilões de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. De todos, só foi realizado um, no setor de portos, com resultados contraditórios - determinadas áreas foram muito disputadas, mas não houve ofertas para outras.
Os quatro leilões no setor rodoviário previstos para 2015, que junto com a renovação da concessão da Ponte Rio-Niterói deveriam resultar em investimentos de R$ 19,6 bilhões, foram adiados para 2016. Os dois projetos mais adiantados ainda dependem de decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Outros estão na fase de audiência pública ou de conclusão de estudos. As dificuldades administrativas e técnicas que o governo não conseguiu superar para a realização desses leilões, cujos projetos vêm sendo preparados desde 2014, sugerem que muito dificilmente serão concedidos os outros 11 lotes previstos para 2016.
No que se refere a ferrovias, o ano de 2015 foi completamente perdido. Este é o setor para o qual a nova versão do PIL prevê o maior volume de investimentos, de R$ 86,4 bilhões nos próximos três anos. Tendo abandonado o modelo de concessão anunciado em 2012 - que previa que toda a capacidade de transporte de carga seria comprada pela estatal Valec, que venderia o direito de passagem aos transportadores interessados, mas foi rejeitado pelos investidores -, o governo ainda não disse com clareza como o substituirá e quais garantias oferecerá aos concessionários.
Também no setor de aeroportos as quatro concessões previstas para 2015 - dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre - foram adiadas para 2016, agora sem a participação da Infraero no capital do grupo vencedor da disputa. Nos leilões anteriores, a estatal ficou com 49% do capital de cada concessionária, com igual responsabilidade nos investimentos necessários para ampliar e melhorar os serviços dos aeroportos privatizados, o que lhe causou sérios problemas financeiros.
O único leilão realizado em 2015 foi no setor de portos. O governo comemorou a disputa por três terminais no Porto de Santos, mas o evento foi marcado também pelo fracasso do leilão do terminal de Vila do Conde, no Pará, para o qual não houve oferta.
A desorganização do governo, enfraquecido por denúncias de prática de ilegalidades que podem levar ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, tornou mais agudo o problema da má qualidade do planejamento nas administrações petistas. Consequência óbvia da incompetência do governo, o atraso nas concessões acrescentou mais uma dificuldade às muitas que a gestão petista precisa superar para levar adiante o programa. Com a recessão, a inflação e o rebaixamento da nota de crédito do País, a disponibilidade de recursos encolheu e os investimentos ficaram mais caros. Se em condições bem mais favoráveis da economia a política populista de compressão das tarifas dos serviços concedidos afugentava os investidores, com a crise será impossível mantê-la. As tarifas serão mais altas, pois, se elas não remunerarem adequadamente os investimentos, que ficaram mais caros, não haverá interessados nas novas concessões.
O País pagará pela incapacidade do governo do PT de executar a tempo programas essenciais na área de logística e infraestrutura. Nem por isso, porém, esses programas podem continuar sendo protelados por um governo imerso na incompetência e na fragilidade política e administrativa. Se executados com regras adequadas, haverá interessados em participar deles.
A paralisia do governo pode ter sérias consequências para o setor de infraestrutura, vital para o aumento da competitividade e para o crescimento da economia. Lançada com estardalhaço em junho de 2015 pela presidente Dilma Rousseff - na tentativa de demonstrar alguma reação à crise política que tolhia, e tolhe, a sua já reduzida capacidade administrativa -, a segunda parte do Programa de Investimentos em Logística (PIL) não saiu do papel. Com previsão de investimentos de R$ 198,4 bilhões até 2018, o programa agendara para 2015 diversos leilões de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. De todos, só foi realizado um, no setor de portos, com resultados contraditórios - determinadas áreas foram muito disputadas, mas não houve ofertas para outras.
Os quatro leilões no setor rodoviário previstos para 2015, que junto com a renovação da concessão da Ponte Rio-Niterói deveriam resultar em investimentos de R$ 19,6 bilhões, foram adiados para 2016. Os dois projetos mais adiantados ainda dependem de decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Outros estão na fase de audiência pública ou de conclusão de estudos. As dificuldades administrativas e técnicas que o governo não conseguiu superar para a realização desses leilões, cujos projetos vêm sendo preparados desde 2014, sugerem que muito dificilmente serão concedidos os outros 11 lotes previstos para 2016.
No que se refere a ferrovias, o ano de 2015 foi completamente perdido. Este é o setor para o qual a nova versão do PIL prevê o maior volume de investimentos, de R$ 86,4 bilhões nos próximos três anos. Tendo abandonado o modelo de concessão anunciado em 2012 - que previa que toda a capacidade de transporte de carga seria comprada pela estatal Valec, que venderia o direito de passagem aos transportadores interessados, mas foi rejeitado pelos investidores -, o governo ainda não disse com clareza como o substituirá e quais garantias oferecerá aos concessionários.
Também no setor de aeroportos as quatro concessões previstas para 2015 - dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre - foram adiadas para 2016, agora sem a participação da Infraero no capital do grupo vencedor da disputa. Nos leilões anteriores, a estatal ficou com 49% do capital de cada concessionária, com igual responsabilidade nos investimentos necessários para ampliar e melhorar os serviços dos aeroportos privatizados, o que lhe causou sérios problemas financeiros.
O único leilão realizado em 2015 foi no setor de portos. O governo comemorou a disputa por três terminais no Porto de Santos, mas o evento foi marcado também pelo fracasso do leilão do terminal de Vila do Conde, no Pará, para o qual não houve oferta.
A desorganização do governo, enfraquecido por denúncias de prática de ilegalidades que podem levar ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, tornou mais agudo o problema da má qualidade do planejamento nas administrações petistas. Consequência óbvia da incompetência do governo, o atraso nas concessões acrescentou mais uma dificuldade às muitas que a gestão petista precisa superar para levar adiante o programa. Com a recessão, a inflação e o rebaixamento da nota de crédito do País, a disponibilidade de recursos encolheu e os investimentos ficaram mais caros. Se em condições bem mais favoráveis da economia a política populista de compressão das tarifas dos serviços concedidos afugentava os investidores, com a crise será impossível mantê-la. As tarifas serão mais altas, pois, se elas não remunerarem adequadamente os investimentos, que ficaram mais caros, não haverá interessados nas novas concessões.
O País pagará pela incapacidade do governo do PT de executar a tempo programas essenciais na área de logística e infraestrutura. Nem por isso, porém, esses programas podem continuar sendo protelados por um governo imerso na incompetência e na fragilidade política e administrativa. Se executados com regras adequadas, haverá interessados em participar deles.
Penitência nacional - MARIO CESAR FLORES
ESTADÃO - 02/01
O ajuste fiscal está na ordem do dia. A questão é de aritmética banal: estimulado pela política eleitoral e apoiado na nossa tradição de tolerância com os limites da lei, o governo gastou mais do que arrecadou, criou um buraco fiscal e agora há que gastar menos e arrecadar mais para cobri-lo. Algo similar ao que ocorreu recentemente na Grécia, só que sem uma rica União Europeia praticamente compelida a ajudar os gregos. Em que gastou, se gastou bem ou mal e os artifícios prejudiciais ao equilíbrio fiscal praticados supostamente em benefício da economia ou do povo (a contenção eleitoreira de preços e tarifas) não são temas deste artigo; importam aqui a existência do buraco, a responsabilidade por sua criação e a sua correção.
Por mais que a lógica o exija e mesmo contido em limites sensatos, que não imponham sacrifícios traumáticos, ninguém se sente satisfeito com o ajuste. A insatisfação é heterogênea: há quem se conforme, resignado, e há quem se oponha, de discreta a radicalmente.
É preciso escancarar ao povo o problema e a responsabilidade por sua criação. Seria melhor que isso fosse feito sem cercear o ajuste, mas, embora o entenda necessário e o teria realizado se vitoriosa nas urnas – na Grécia os que o atacavam na campanha eleitoral o deslancharam, uma vez eleitos –, a oposição usa o ajuste para “fazer oposição”. Parte da oposição, porque existem nela políticos que reconhecem não haver alternativa: criticam (comedidamente) o descalabro e a responsabilidade por ele, mas são discretos quanto ao ajuste.
Nosso mundo político hoje no poder está dividido. Embora saiba ser necessário o processo corretivo, parte dele prefere deflacionar retoricamente o problema, camufla a questão da autoria e aventa medidas menos duras, não explicitadas – o que significa adiar a solução, provavelmente mais severa no futuro. Essa parece ser a posição do populismo clássico, que, para não se indispor com o povo, pratica uma mistura difusa e ambígua de crítica e apoio.
A outra parte dos políticos no poder aceita conformada a correção “indigesta” exigida pela realidade. Também não comenta a geração do problema e sua responsabilidade, mas não foge das medidas corretivas, pretendidas em tempo que permita a volta do desenvolvimento, com retorno eleitoral. O ministro da Fazenda vem sendo seu ícone, aparentemente sem segurança e apoio inequívoco – situação explícita na questão do superávit de 2016. Seu sucesso será bom para o governo sucessor, seja ele qual for, como o sucesso do saneamento fiscal do período FHC foi bom para o primeiro governo Lula.
Finalmente, há os que são contra o ajuste porque ele seria contra o povo – ou algo confuso, nesse padrão surrealista...! Não apresentam alternativas e promovem desordens que tumultuam, até agora sem consequências.
Em suma: as medidas de austeridade do ajuste fiscal visando à superação do buraco criado pelo governo não agradam a ninguém e vêm sendo objeto de críticas e restrições, ou ao menos de preocupação, expressas por opiniões que oscilam das conformadas, a contragosto, porque as reconhecem necessárias e querem evitar o pior, às autistas, contrárias “no berro” irresponsável, sem entender exatamente do que se trata. Mas há um “detalhe” importante na origem do problema, omitido por todas as correntes de opinião sobre o ajuste porque reconhecê-lo significaria uma avaliação crítica do nosso processo democrático.
O “detalhe”: foram as eleições que puseram na condução do País políticos “flexíveis” (expressão mais que complacente...) no uso dos recursos públicos e repensáveis pela escolha da apparatchik administrativa atuante na criação do buraco fiscal. O povo não pode, portanto, se pretender totalmente alheio à culpa porque a condução política do País, responsável pela prática do pecado fiscal, não se autonomeou, foi eleita por ele. Essa participação do povo na criação do problema é fruto inconsciente e involuntário (ao menos em grande parte) do ilusionismo a que nosso eleitorado é vulnerável – o que o isenta de dolo, atribuível aos políticos e à estrutura administrativa por eles nomeada, mas não o isenta de culpa.
As medidas de austeridade do ajuste podem ser entendidas, portanto, como a penitência da Nação brasileira por sua contribuição na raiz do problema: todos os brasileiros pagam pelo pecado fiscal cometido pela condução política escolhida majoritariamente pelo povo. Não existe mágica fiscal: vociferar que o povo não deve pagar o buraco que o governo abriu e pretender fugir da penitência que cai sobre toda a Nação é retórica sem conteúdo prático, é demagogia inócua.
Seria ótimo e justo se esse “drible” fosse possível e o povo, poupado do sacrifício; mas não é: o governo funciona com recursos públicos e só pode cobrir o buraco com o dinheiro que, de uma forma ou de outra, tira do povo, não aplicando nas necessidades do País (investimento, manutenção do acervo infraestrutural, e por aí vai...) e do povo (apoio social) e/ou arrecadando mais (a exemplo da volta da controvertida CPMF). Reduzir custos administrativos (a badalada redução de ministérios, secretarias e cargos comissionados) vale pelo simbolismo, mas não é solução, é paliativo sem relevância concreta.
Se ações corretivas ponderadas e assimiláveis pela economia e pelo povo (algum sacrifício sempre haverá) conseguirem controlar e reduzir o descalabro hoje existente, e se (complemento conveniente do ajuste) o País vier a ser conduzido por lideranças políticas que evitem competente e responsavelmente sua repetição, teremos cumprido a penitência, estaremos indultados do pecado fiscal e credenciados para o desenvolvimento saudável. A alternativa é a continuidade, talvez o agravamento das atuais crises financeira e econômica, o que implicaria mais recessão e desemprego, aumento da desordem social e, provavelmente, algum perigo de tumulto político.
O ajuste fiscal está na ordem do dia. A questão é de aritmética banal: estimulado pela política eleitoral e apoiado na nossa tradição de tolerância com os limites da lei, o governo gastou mais do que arrecadou, criou um buraco fiscal e agora há que gastar menos e arrecadar mais para cobri-lo. Algo similar ao que ocorreu recentemente na Grécia, só que sem uma rica União Europeia praticamente compelida a ajudar os gregos. Em que gastou, se gastou bem ou mal e os artifícios prejudiciais ao equilíbrio fiscal praticados supostamente em benefício da economia ou do povo (a contenção eleitoreira de preços e tarifas) não são temas deste artigo; importam aqui a existência do buraco, a responsabilidade por sua criação e a sua correção.
Por mais que a lógica o exija e mesmo contido em limites sensatos, que não imponham sacrifícios traumáticos, ninguém se sente satisfeito com o ajuste. A insatisfação é heterogênea: há quem se conforme, resignado, e há quem se oponha, de discreta a radicalmente.
É preciso escancarar ao povo o problema e a responsabilidade por sua criação. Seria melhor que isso fosse feito sem cercear o ajuste, mas, embora o entenda necessário e o teria realizado se vitoriosa nas urnas – na Grécia os que o atacavam na campanha eleitoral o deslancharam, uma vez eleitos –, a oposição usa o ajuste para “fazer oposição”. Parte da oposição, porque existem nela políticos que reconhecem não haver alternativa: criticam (comedidamente) o descalabro e a responsabilidade por ele, mas são discretos quanto ao ajuste.
Nosso mundo político hoje no poder está dividido. Embora saiba ser necessário o processo corretivo, parte dele prefere deflacionar retoricamente o problema, camufla a questão da autoria e aventa medidas menos duras, não explicitadas – o que significa adiar a solução, provavelmente mais severa no futuro. Essa parece ser a posição do populismo clássico, que, para não se indispor com o povo, pratica uma mistura difusa e ambígua de crítica e apoio.
A outra parte dos políticos no poder aceita conformada a correção “indigesta” exigida pela realidade. Também não comenta a geração do problema e sua responsabilidade, mas não foge das medidas corretivas, pretendidas em tempo que permita a volta do desenvolvimento, com retorno eleitoral. O ministro da Fazenda vem sendo seu ícone, aparentemente sem segurança e apoio inequívoco – situação explícita na questão do superávit de 2016. Seu sucesso será bom para o governo sucessor, seja ele qual for, como o sucesso do saneamento fiscal do período FHC foi bom para o primeiro governo Lula.
Finalmente, há os que são contra o ajuste porque ele seria contra o povo – ou algo confuso, nesse padrão surrealista...! Não apresentam alternativas e promovem desordens que tumultuam, até agora sem consequências.
Em suma: as medidas de austeridade do ajuste fiscal visando à superação do buraco criado pelo governo não agradam a ninguém e vêm sendo objeto de críticas e restrições, ou ao menos de preocupação, expressas por opiniões que oscilam das conformadas, a contragosto, porque as reconhecem necessárias e querem evitar o pior, às autistas, contrárias “no berro” irresponsável, sem entender exatamente do que se trata. Mas há um “detalhe” importante na origem do problema, omitido por todas as correntes de opinião sobre o ajuste porque reconhecê-lo significaria uma avaliação crítica do nosso processo democrático.
O “detalhe”: foram as eleições que puseram na condução do País políticos “flexíveis” (expressão mais que complacente...) no uso dos recursos públicos e repensáveis pela escolha da apparatchik administrativa atuante na criação do buraco fiscal. O povo não pode, portanto, se pretender totalmente alheio à culpa porque a condução política do País, responsável pela prática do pecado fiscal, não se autonomeou, foi eleita por ele. Essa participação do povo na criação do problema é fruto inconsciente e involuntário (ao menos em grande parte) do ilusionismo a que nosso eleitorado é vulnerável – o que o isenta de dolo, atribuível aos políticos e à estrutura administrativa por eles nomeada, mas não o isenta de culpa.
As medidas de austeridade do ajuste podem ser entendidas, portanto, como a penitência da Nação brasileira por sua contribuição na raiz do problema: todos os brasileiros pagam pelo pecado fiscal cometido pela condução política escolhida majoritariamente pelo povo. Não existe mágica fiscal: vociferar que o povo não deve pagar o buraco que o governo abriu e pretender fugir da penitência que cai sobre toda a Nação é retórica sem conteúdo prático, é demagogia inócua.
Seria ótimo e justo se esse “drible” fosse possível e o povo, poupado do sacrifício; mas não é: o governo funciona com recursos públicos e só pode cobrir o buraco com o dinheiro que, de uma forma ou de outra, tira do povo, não aplicando nas necessidades do País (investimento, manutenção do acervo infraestrutural, e por aí vai...) e do povo (apoio social) e/ou arrecadando mais (a exemplo da volta da controvertida CPMF). Reduzir custos administrativos (a badalada redução de ministérios, secretarias e cargos comissionados) vale pelo simbolismo, mas não é solução, é paliativo sem relevância concreta.
Se ações corretivas ponderadas e assimiláveis pela economia e pelo povo (algum sacrifício sempre haverá) conseguirem controlar e reduzir o descalabro hoje existente, e se (complemento conveniente do ajuste) o País vier a ser conduzido por lideranças políticas que evitem competente e responsavelmente sua repetição, teremos cumprido a penitência, estaremos indultados do pecado fiscal e credenciados para o desenvolvimento saudável. A alternativa é a continuidade, talvez o agravamento das atuais crises financeira e econômica, o que implicaria mais recessão e desemprego, aumento da desordem social e, provavelmente, algum perigo de tumulto político.
O ajuste fiscal está na ordem do dia. A questão é de aritmética banal: estimulado pela política eleitoral e apoiado na nossa tradição de tolerância com os limites da lei, o governo gastou mais do que arrecadou, criou um buraco fiscal e agora há que gastar menos e arrecadar mais para cobri-lo. Algo similar ao que ocorreu recentemente na Grécia, só que sem uma rica União Europeia praticamente compelida a ajudar os gregos. Em que gastou, se gastou bem ou mal e os artifícios prejudiciais ao equilíbrio fiscal praticados supostamente em benefício da economia ou do povo (a contenção eleitoreira de preços e tarifas) não são temas deste artigo; importam aqui a existência do buraco, a responsabilidade por sua criação e a sua correção.
Por mais que a lógica o exija e mesmo contido em limites sensatos, que não imponham sacrifícios traumáticos, ninguém se sente satisfeito com o ajuste. A insatisfação é heterogênea: há quem se conforme, resignado, e há quem se oponha, de discreta a radicalmente.
É preciso escancarar ao povo o problema e a responsabilidade por sua criação. Seria melhor que isso fosse feito sem cercear o ajuste, mas, embora o entenda necessário e o teria realizado se vitoriosa nas urnas – na Grécia os que o atacavam na campanha eleitoral o deslancharam, uma vez eleitos –, a oposição usa o ajuste para “fazer oposição”. Parte da oposição, porque existem nela políticos que reconhecem não haver alternativa: criticam (comedidamente) o descalabro e a responsabilidade por ele, mas são discretos quanto ao ajuste.
Nosso mundo político hoje no poder está dividido. Embora saiba ser necessário o processo corretivo, parte dele prefere deflacionar retoricamente o problema, camufla a questão da autoria e aventa medidas menos duras, não explicitadas – o que significa adiar a solução, provavelmente mais severa no futuro. Essa parece ser a posição do populismo clássico, que, para não se indispor com o povo, pratica uma mistura difusa e ambígua de crítica e apoio.
A outra parte dos políticos no poder aceita conformada a correção “indigesta” exigida pela realidade. Também não comenta a geração do problema e sua responsabilidade, mas não foge das medidas corretivas, pretendidas em tempo que permita a volta do desenvolvimento, com retorno eleitoral. O ministro da Fazenda vem sendo seu ícone, aparentemente sem segurança e apoio inequívoco – situação explícita na questão do superávit de 2016. Seu sucesso será bom para o governo sucessor, seja ele qual for, como o sucesso do saneamento fiscal do período FHC foi bom para o primeiro governo Lula.
Finalmente, há os que são contra o ajuste porque ele seria contra o povo – ou algo confuso, nesse padrão surrealista...! Não apresentam alternativas e promovem desordens que tumultuam, até agora sem consequências.
Em suma: as medidas de austeridade do ajuste fiscal visando à superação do buraco criado pelo governo não agradam a ninguém e vêm sendo objeto de críticas e restrições, ou ao menos de preocupação, expressas por opiniões que oscilam das conformadas, a contragosto, porque as reconhecem necessárias e querem evitar o pior, às autistas, contrárias “no berro” irresponsável, sem entender exatamente do que se trata. Mas há um “detalhe” importante na origem do problema, omitido por todas as correntes de opinião sobre o ajuste porque reconhecê-lo significaria uma avaliação crítica do nosso processo democrático.
O “detalhe”: foram as eleições que puseram na condução do País políticos “flexíveis” (expressão mais que complacente...) no uso dos recursos públicos e repensáveis pela escolha da apparatchik administrativa atuante na criação do buraco fiscal. O povo não pode, portanto, se pretender totalmente alheio à culpa porque a condução política do País, responsável pela prática do pecado fiscal, não se autonomeou, foi eleita por ele. Essa participação do povo na criação do problema é fruto inconsciente e involuntário (ao menos em grande parte) do ilusionismo a que nosso eleitorado é vulnerável – o que o isenta de dolo, atribuível aos políticos e à estrutura administrativa por eles nomeada, mas não o isenta de culpa.
As medidas de austeridade do ajuste podem ser entendidas, portanto, como a penitência da Nação brasileira por sua contribuição na raiz do problema: todos os brasileiros pagam pelo pecado fiscal cometido pela condução política escolhida majoritariamente pelo povo. Não existe mágica fiscal: vociferar que o povo não deve pagar o buraco que o governo abriu e pretender fugir da penitência que cai sobre toda a Nação é retórica sem conteúdo prático, é demagogia inócua.
Seria ótimo e justo se esse “drible” fosse possível e o povo, poupado do sacrifício; mas não é: o governo funciona com recursos públicos e só pode cobrir o buraco com o dinheiro que, de uma forma ou de outra, tira do povo, não aplicando nas necessidades do País (investimento, manutenção do acervo infraestrutural, e por aí vai...) e do povo (apoio social) e/ou arrecadando mais (a exemplo da volta da controvertida CPMF). Reduzir custos administrativos (a badalada redução de ministérios, secretarias e cargos comissionados) vale pelo simbolismo, mas não é solução, é paliativo sem relevância concreta.
Se ações corretivas ponderadas e assimiláveis pela economia e pelo povo (algum sacrifício sempre haverá) conseguirem controlar e reduzir o descalabro hoje existente, e se (complemento conveniente do ajuste) o País vier a ser conduzido por lideranças políticas que evitem competente e responsavelmente sua repetição, teremos cumprido a penitência, estaremos indultados do pecado fiscal e credenciados para o desenvolvimento saudável. A alternativa é a continuidade, talvez o agravamento das atuais crises financeira e econômica, o que implicaria mais recessão e desemprego, aumento da desordem social e, provavelmente, algum perigo de tumulto político.
O ajuste fiscal está na ordem do dia. A questão é de aritmética banal: estimulado pela política eleitoral e apoiado na nossa tradição de tolerância com os limites da lei, o governo gastou mais do que arrecadou, criou um buraco fiscal e agora há que gastar menos e arrecadar mais para cobri-lo. Algo similar ao que ocorreu recentemente na Grécia, só que sem uma rica União Europeia praticamente compelida a ajudar os gregos. Em que gastou, se gastou bem ou mal e os artifícios prejudiciais ao equilíbrio fiscal praticados supostamente em benefício da economia ou do povo (a contenção eleitoreira de preços e tarifas) não são temas deste artigo; importam aqui a existência do buraco, a responsabilidade por sua criação e a sua correção.
Por mais que a lógica o exija e mesmo contido em limites sensatos, que não imponham sacrifícios traumáticos, ninguém se sente satisfeito com o ajuste. A insatisfação é heterogênea: há quem se conforme, resignado, e há quem se oponha, de discreta a radicalmente.
É preciso escancarar ao povo o problema e a responsabilidade por sua criação. Seria melhor que isso fosse feito sem cercear o ajuste, mas, embora o entenda necessário e o teria realizado se vitoriosa nas urnas – na Grécia os que o atacavam na campanha eleitoral o deslancharam, uma vez eleitos –, a oposição usa o ajuste para “fazer oposição”. Parte da oposição, porque existem nela políticos que reconhecem não haver alternativa: criticam (comedidamente) o descalabro e a responsabilidade por ele, mas são discretos quanto ao ajuste.
Nosso mundo político hoje no poder está dividido. Embora saiba ser necessário o processo corretivo, parte dele prefere deflacionar retoricamente o problema, camufla a questão da autoria e aventa medidas menos duras, não explicitadas – o que significa adiar a solução, provavelmente mais severa no futuro. Essa parece ser a posição do populismo clássico, que, para não se indispor com o povo, pratica uma mistura difusa e ambígua de crítica e apoio.
A outra parte dos políticos no poder aceita conformada a correção “indigesta” exigida pela realidade. Também não comenta a geração do problema e sua responsabilidade, mas não foge das medidas corretivas, pretendidas em tempo que permita a volta do desenvolvimento, com retorno eleitoral. O ministro da Fazenda vem sendo seu ícone, aparentemente sem segurança e apoio inequívoco – situação explícita na questão do superávit de 2016. Seu sucesso será bom para o governo sucessor, seja ele qual for, como o sucesso do saneamento fiscal do período FHC foi bom para o primeiro governo Lula.
Finalmente, há os que são contra o ajuste porque ele seria contra o povo – ou algo confuso, nesse padrão surrealista...! Não apresentam alternativas e promovem desordens que tumultuam, até agora sem consequências.
Em suma: as medidas de austeridade do ajuste fiscal visando à superação do buraco criado pelo governo não agradam a ninguém e vêm sendo objeto de críticas e restrições, ou ao menos de preocupação, expressas por opiniões que oscilam das conformadas, a contragosto, porque as reconhecem necessárias e querem evitar o pior, às autistas, contrárias “no berro” irresponsável, sem entender exatamente do que se trata. Mas há um “detalhe” importante na origem do problema, omitido por todas as correntes de opinião sobre o ajuste porque reconhecê-lo significaria uma avaliação crítica do nosso processo democrático.
O “detalhe”: foram as eleições que puseram na condução do País políticos “flexíveis” (expressão mais que complacente...) no uso dos recursos públicos e repensáveis pela escolha da apparatchik administrativa atuante na criação do buraco fiscal. O povo não pode, portanto, se pretender totalmente alheio à culpa porque a condução política do País, responsável pela prática do pecado fiscal, não se autonomeou, foi eleita por ele. Essa participação do povo na criação do problema é fruto inconsciente e involuntário (ao menos em grande parte) do ilusionismo a que nosso eleitorado é vulnerável – o que o isenta de dolo, atribuível aos políticos e à estrutura administrativa por eles nomeada, mas não o isenta de culpa.
As medidas de austeridade do ajuste podem ser entendidas, portanto, como a penitência da Nação brasileira por sua contribuição na raiz do problema: todos os brasileiros pagam pelo pecado fiscal cometido pela condução política escolhida majoritariamente pelo povo. Não existe mágica fiscal: vociferar que o povo não deve pagar o buraco que o governo abriu e pretender fugir da penitência que cai sobre toda a Nação é retórica sem conteúdo prático, é demagogia inócua.
Seria ótimo e justo se esse “drible” fosse possível e o povo, poupado do sacrifício; mas não é: o governo funciona com recursos públicos e só pode cobrir o buraco com o dinheiro que, de uma forma ou de outra, tira do povo, não aplicando nas necessidades do País (investimento, manutenção do acervo infraestrutural, e por aí vai...) e do povo (apoio social) e/ou arrecadando mais (a exemplo da volta da controvertida CPMF). Reduzir custos administrativos (a badalada redução de ministérios, secretarias e cargos comissionados) vale pelo simbolismo, mas não é solução, é paliativo sem relevância concreta.
Se ações corretivas ponderadas e assimiláveis pela economia e pelo povo (algum sacrifício sempre haverá) conseguirem controlar e reduzir o descalabro hoje existente, e se (complemento conveniente do ajuste) o País vier a ser conduzido por lideranças políticas que evitem competente e responsavelmente sua repetição, teremos cumprido a penitência, estaremos indultados do pecado fiscal e credenciados para o desenvolvimento saudável. A alternativa é a continuidade, talvez o agravamento das atuais crises financeira e econômica, o que implicaria mais recessão e desemprego, aumento da desordem social e, provavelmente, algum perigo de tumulto político.
Epitáfio da Pátria Educadora - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 02/01
Não fossem suas consequências trágicas, negando às novas gerações a formação de que necessitam para emancipar-se intelectual e profissionalmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) seria mais uma contribuição do governo Dilma Rousseff e do lulopetismo para o anedotário nacional.
Os problemas começaram na escolha das 116 pessoas que redigiram o documento – classificadas como especialistas pelo Ministério da Educação (MEC). O órgão deve ter lá suas razões para não revelar seus nomes. Também não informou os critérios usados na escolha desses pedagogos anônimos nem as instruções que lhes foram transmitidas. Só agora, após a divulgação da BNC, é que alguns nomes estão vindo a público.
Os autores da BNC primaram por apresentar sugestões acacianas, exibidas na novilíngua do lulopetismo. Para o ensino fundamental, enfatizaram o “desenvolvimento de ideias sobre a constituição da terra”, a “problematização do sentido da vida humana”, o prazer inerente a entretenimentos sociais e o prazer de “saborear refeições conjuntamente”. Para o ensino médio, destacaram a análise de processos “que envolvam a dimensão imagética do texto literário”, a “apropriação de recursos linguístico-discursivos para compreender textos orais” e a exploração da “teatralidade e performatividade dos gestos comportamentais no cotidiano”.
Esse aranzel de propostas é o menor dos desacertos da BNC. Cedendo às pressões de movimentos sociais e ONGs, os especialistas anônimos fizeram um rosário de concessões ideológicas, opondo valores coletivistas e anticapitalistas a valores individualistas e liberais, enfatizando a importância de “políticas-cidadãs” e privilegiando os chamados “usos sociais da língua”. “Há forte amarração ideológica, o que tornará os livros didáticos politicamente corretos, mas com pouca orientação sobre o que deve ser ensinado e aprendido”, diz João Batista de Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
O enviesamento ideológico é explícito na disciplina de História, que chegou ao disparate de ignorar o que não fosse Brasil e África na versão do texto que circulou internamente no MEC. A proposta não incluía nem sequer uma cronologia dos acontecimentos históricos que forjaram as sociedades. No caso do Brasil, ela valorizava fenômenos contemporâneos, como discriminação racial, para discutir a questão da escravidão e dos indígenas. O documento era tão disparatado que o MEC pediu aos seus autores que refizessem a parte relativa à disciplina de História. “Eles queriam partir do presente para ver o passado. Propunham estudar revoluções com participação de escravos ou índios, deixando de lado a Inconfidência Mineira”, conta o ex-ministro Renato Janine Ribeiro.
Apesar da nova redação, feita a contragosto pelos especialistas anônimos, o enviesamento ideológico não foi abrandado no texto divulgado pelo MEC. Ao mesmo tempo que a ágora grega, a Idade Média, o Renascimento e o Iluminismo foram relegados para segundo plano, são destacadas revoltas populares pouco conhecidas. Também são enfatizados períodos de luta contra a opressão e desprezados processos históricos que levaram à formação das modernas sociedades ocidentais, com base no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei. Em nome da valorização de “sujeitos, grupos sociais, comunidades e lugares de vivências”, a BNC propõe dois anos de ensino sobre os “mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros” e só um ano sobre os “mundos europeus e asiáticos”, tornando a história ocidental periférica.
“A proposta mutila processos globais. Aposta na sincronia contra a diacronia. É fanática pelo presentismo. Incentiva ódios raciais e valores terceiro-mundistas superados. Combate o eurocentrismo com um brasilcentrismo inconsistente. É uma aposta no obscurantismo”, adverte Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna da Universidade Federal Fluminense. Destinada ao lixo da história, a BNC é o epitáfio de um governo que prometeu fazer do Brasil uma pátria educadora e a converteu em laboratório de pedagogia populista e doutrinação ideológica.
Não fossem suas consequências trágicas, negando às novas gerações a formação de que necessitam para emancipar-se intelectual e profissionalmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) seria mais uma contribuição do governo Dilma Rousseff e do lulopetismo para o anedotário nacional.
Os problemas começaram na escolha das 116 pessoas que redigiram o documento – classificadas como especialistas pelo Ministério da Educação (MEC). O órgão deve ter lá suas razões para não revelar seus nomes. Também não informou os critérios usados na escolha desses pedagogos anônimos nem as instruções que lhes foram transmitidas. Só agora, após a divulgação da BNC, é que alguns nomes estão vindo a público.
Os autores da BNC primaram por apresentar sugestões acacianas, exibidas na novilíngua do lulopetismo. Para o ensino fundamental, enfatizaram o “desenvolvimento de ideias sobre a constituição da terra”, a “problematização do sentido da vida humana”, o prazer inerente a entretenimentos sociais e o prazer de “saborear refeições conjuntamente”. Para o ensino médio, destacaram a análise de processos “que envolvam a dimensão imagética do texto literário”, a “apropriação de recursos linguístico-discursivos para compreender textos orais” e a exploração da “teatralidade e performatividade dos gestos comportamentais no cotidiano”.
Esse aranzel de propostas é o menor dos desacertos da BNC. Cedendo às pressões de movimentos sociais e ONGs, os especialistas anônimos fizeram um rosário de concessões ideológicas, opondo valores coletivistas e anticapitalistas a valores individualistas e liberais, enfatizando a importância de “políticas-cidadãs” e privilegiando os chamados “usos sociais da língua”. “Há forte amarração ideológica, o que tornará os livros didáticos politicamente corretos, mas com pouca orientação sobre o que deve ser ensinado e aprendido”, diz João Batista de Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
O enviesamento ideológico é explícito na disciplina de História, que chegou ao disparate de ignorar o que não fosse Brasil e África na versão do texto que circulou internamente no MEC. A proposta não incluía nem sequer uma cronologia dos acontecimentos históricos que forjaram as sociedades. No caso do Brasil, ela valorizava fenômenos contemporâneos, como discriminação racial, para discutir a questão da escravidão e dos indígenas. O documento era tão disparatado que o MEC pediu aos seus autores que refizessem a parte relativa à disciplina de História. “Eles queriam partir do presente para ver o passado. Propunham estudar revoluções com participação de escravos ou índios, deixando de lado a Inconfidência Mineira”, conta o ex-ministro Renato Janine Ribeiro.
Apesar da nova redação, feita a contragosto pelos especialistas anônimos, o enviesamento ideológico não foi abrandado no texto divulgado pelo MEC. Ao mesmo tempo que a ágora grega, a Idade Média, o Renascimento e o Iluminismo foram relegados para segundo plano, são destacadas revoltas populares pouco conhecidas. Também são enfatizados períodos de luta contra a opressão e desprezados processos históricos que levaram à formação das modernas sociedades ocidentais, com base no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei. Em nome da valorização de “sujeitos, grupos sociais, comunidades e lugares de vivências”, a BNC propõe dois anos de ensino sobre os “mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros” e só um ano sobre os “mundos europeus e asiáticos”, tornando a história ocidental periférica.
“A proposta mutila processos globais. Aposta na sincronia contra a diacronia. É fanática pelo presentismo. Incentiva ódios raciais e valores terceiro-mundistas superados. Combate o eurocentrismo com um brasilcentrismo inconsistente. É uma aposta no obscurantismo”, adverte Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna da Universidade Federal Fluminense. Destinada ao lixo da história, a BNC é o epitáfio de um governo que prometeu fazer do Brasil uma pátria educadora e a converteu em laboratório de pedagogia populista e doutrinação ideológica.
A viagem que Dilma não fará - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 02/01
Dilma Rousseff não estará em Caracas no 5 de janeiro, data da posse da nova Assembleia Nacional (AN) venezuelana. Quem cala, consente. Os ex-chefes de Estado e governo reunidos na Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas não consentiram. Num comunicado firmado, entre outros, por Felipe González (Espanha), Fernando Henrique (Brasil), Oscar Arias (Costa Rica) e Ricardo Lagos (Chile), eles denunciam as "graves infrações constitucionais" que "ameaçam renegar a vontade popular expressa nos resultados eleitorais de 6 de dezembro". De fato, à luz do dia, o regime chavista prepara a supressão da "democracia burguesa", atirando a Venezuela no precipício de uma aventura sangrenta.
Diante da conquista de dois terços da AN pela oposição, Nicolás Maduro promove, ilegalmente, a aposentadoria antecipada de 12 dos 32 magistrados da corte suprema e a designação de seus sucessores pela maioria chavista da AN que encerra seu mandato. O golpe judicial destina-se a reforçar o controle do regime sobre o tribunal, convocado explicitamente a declarar a inconstitucionalidade da lei de anistia articulada pela oposição para conseguir a libertação dos presos políticos. Dilma, que foi uma prisioneira política, nunca ergueu a voz para protestar contra o encarceramento de opositores na Venezuela. Liberdade, para ela, não é um direito, mas um privilégio reservado aos companheiros de fé.
Em trilho paralelo ao golpe judicial, corre um golpe eleitoral. Sob nebulosas alegações de "compra de votos", o regime chavista solicita a um Judiciário obediente a anulação da eleição de oito deputados opositores. A finalidade óbvia é sequestrar a maioria qualificada que as urnas conferiram à oposição, impedindo-a de fazer mudanças constitucionais. O chavismo sempre extraiu sua legitimidade de triunfos eleitorais. Lula chegou a proclamar que existia "democracia demais" na Venezuela, reduzindo o sistema democrático ao evento eleitoral. Agora, confrontado com o fracasso nas urnas, o sucessor de Chávez renuncia àquela fonte de legitimidade e converte o poder de Estado em ferramenta de negação da vontade popular. O silêncio do Brasil evidencia que, do ponto de vista de Dilma, o respeito à vontade popular não é um princípio, mas um pretexto oportuno.
A "revolução bolivariana segue na direção do Estado comunal", anunciou Maduro, concluindo seu diagnóstico de que "o povo votou errado". O terceiro golpe do regime desenha-se na instituição de um Parlamento Comunal Nacional, formado por militantes chavistas escolhidos em "plenárias de base". Sombra farsesca do sistema soviético, o parlamento paralelo criado por decreto terá poderes legislativos, funcionando como câmara de anulação de leis aprovadas pela AN. No seu outono, o chavismo tenta cassar pela força as prerrogativas da maioria, despindo-se da fantasia, já em andrajos, da "democracia burguesa". A cumplicidade tácita do governo Dilma desmoraliza a cláusula democrática do Mercosul e oferece uma solitária muleta diplomática à tirania venezuelana.
No editorial esquizofrênico publicado na segunda (28.dez), a Folha deplora a postura brasileira de não dizer "em alto e bom som" que "a vocação autoritária do chavismo constitui um problema grave" para, no mesmo ato, ecoando o álibi clássico do Itamaraty, indicar como "vantagem dessa posição" a possibilidade de "alertar sobre os erros sem que isso signifique uma afronta". A Venezuela contou com a mão amiga do lulopetismo em toda a longa senda que a levou da democracia ao caudilhismo, e dele à ditadura. Os três golpes de Maduro contra a voz da maioria destinam-se a provocar uma crise institucional e uma ruptura violenta. O chavismo agonizante busca o confronto nas ruas para fugir ao veredito das urnas. Dilma não irá a Caracas, pois decidiu transformar o Brasil em avalista desse desenlace.
Diante da conquista de dois terços da AN pela oposição, Nicolás Maduro promove, ilegalmente, a aposentadoria antecipada de 12 dos 32 magistrados da corte suprema e a designação de seus sucessores pela maioria chavista da AN que encerra seu mandato. O golpe judicial destina-se a reforçar o controle do regime sobre o tribunal, convocado explicitamente a declarar a inconstitucionalidade da lei de anistia articulada pela oposição para conseguir a libertação dos presos políticos. Dilma, que foi uma prisioneira política, nunca ergueu a voz para protestar contra o encarceramento de opositores na Venezuela. Liberdade, para ela, não é um direito, mas um privilégio reservado aos companheiros de fé.
Em trilho paralelo ao golpe judicial, corre um golpe eleitoral. Sob nebulosas alegações de "compra de votos", o regime chavista solicita a um Judiciário obediente a anulação da eleição de oito deputados opositores. A finalidade óbvia é sequestrar a maioria qualificada que as urnas conferiram à oposição, impedindo-a de fazer mudanças constitucionais. O chavismo sempre extraiu sua legitimidade de triunfos eleitorais. Lula chegou a proclamar que existia "democracia demais" na Venezuela, reduzindo o sistema democrático ao evento eleitoral. Agora, confrontado com o fracasso nas urnas, o sucessor de Chávez renuncia àquela fonte de legitimidade e converte o poder de Estado em ferramenta de negação da vontade popular. O silêncio do Brasil evidencia que, do ponto de vista de Dilma, o respeito à vontade popular não é um princípio, mas um pretexto oportuno.
A "revolução bolivariana segue na direção do Estado comunal", anunciou Maduro, concluindo seu diagnóstico de que "o povo votou errado". O terceiro golpe do regime desenha-se na instituição de um Parlamento Comunal Nacional, formado por militantes chavistas escolhidos em "plenárias de base". Sombra farsesca do sistema soviético, o parlamento paralelo criado por decreto terá poderes legislativos, funcionando como câmara de anulação de leis aprovadas pela AN. No seu outono, o chavismo tenta cassar pela força as prerrogativas da maioria, despindo-se da fantasia, já em andrajos, da "democracia burguesa". A cumplicidade tácita do governo Dilma desmoraliza a cláusula democrática do Mercosul e oferece uma solitária muleta diplomática à tirania venezuelana.
No editorial esquizofrênico publicado na segunda (28.dez), a Folha deplora a postura brasileira de não dizer "em alto e bom som" que "a vocação autoritária do chavismo constitui um problema grave" para, no mesmo ato, ecoando o álibi clássico do Itamaraty, indicar como "vantagem dessa posição" a possibilidade de "alertar sobre os erros sem que isso signifique uma afronta". A Venezuela contou com a mão amiga do lulopetismo em toda a longa senda que a levou da democracia ao caudilhismo, e dele à ditadura. Os três golpes de Maduro contra a voz da maioria destinam-se a provocar uma crise institucional e uma ruptura violenta. O chavismo agonizante busca o confronto nas ruas para fugir ao veredito das urnas. Dilma não irá a Caracas, pois decidiu transformar o Brasil em avalista desse desenlace.
Otimismo - IGOR GIELOW
FOLHA DE SP - 02/01
Uma conhecida minha dos EUA, que trabalha numa consultoria de risco geopolítico e passou o fim do ano na Bahia, parece ter sido contaminada pelo otimismo inocente típico desses dias.
Antes do fim de 2015, me perguntou: o Congresso ter se tornado um polo rebelde ao longo do ano não aproximou o presidencialismo brasileiro do modelo norte-americano? Isso não seria, no fundo, bom?
O presidente dos EUA é a pessoa mais poderosa da Terra, mas tem as mãos amarradas por um sistema em que Câmara, Senado, Suprema Corte e 50 Estados que o impedem de fazer o que bem entender.
Escrevendo sobre o contínuo processo eleitoral americano, que desaguará no pleito presidencial deste ano, o dono de consultoria George Friedman lembra que a sucessão de primárias e "caucuses" serve a um propósito dos pais fundadores da nação: paralisar o governo ao máximo, para evitar voluntarismos.
Para bem e para mal, o Brasil é um pastiche diverso do bipartidarismo, ponderei. O "parlamentarismo branco" de 2015 foi uma novidade. Seria alvissareira se não tivesse parido pautas-bombas e bizarrices, antes de virar a briga de foice do impeachment, apimentada pela Lava Jato.
A acefalia do Executivo seria interessante se o país andasse sozinho, mas estamos longe disso. A julgar pelo artigo róseo publicado neste jornal na sexta (1º), Dilma segue em outra esfera (Pronatec? Solidez econômica? Reforma?), impressão reforçada pelo fim de ano errático: aumenta de forma populista o salário mínimo enquanto retira dinheiro de creches.
Com o vácuo em expansão, além das saídas constitucionais surgem sussurros parlamentaristas. A desgraça é que, com a qualidade do material humano e o modelo de nossa representação, fica difícil ver um desfecho otimista em qualquer caso.
Talvez o melhor seja capitular, tirar uma "selfie" na praia, pular ondas, dançar um tango argentino.
Antes do fim de 2015, me perguntou: o Congresso ter se tornado um polo rebelde ao longo do ano não aproximou o presidencialismo brasileiro do modelo norte-americano? Isso não seria, no fundo, bom?
O presidente dos EUA é a pessoa mais poderosa da Terra, mas tem as mãos amarradas por um sistema em que Câmara, Senado, Suprema Corte e 50 Estados que o impedem de fazer o que bem entender.
Escrevendo sobre o contínuo processo eleitoral americano, que desaguará no pleito presidencial deste ano, o dono de consultoria George Friedman lembra que a sucessão de primárias e "caucuses" serve a um propósito dos pais fundadores da nação: paralisar o governo ao máximo, para evitar voluntarismos.
Para bem e para mal, o Brasil é um pastiche diverso do bipartidarismo, ponderei. O "parlamentarismo branco" de 2015 foi uma novidade. Seria alvissareira se não tivesse parido pautas-bombas e bizarrices, antes de virar a briga de foice do impeachment, apimentada pela Lava Jato.
A acefalia do Executivo seria interessante se o país andasse sozinho, mas estamos longe disso. A julgar pelo artigo róseo publicado neste jornal na sexta (1º), Dilma segue em outra esfera (Pronatec? Solidez econômica? Reforma?), impressão reforçada pelo fim de ano errático: aumenta de forma populista o salário mínimo enquanto retira dinheiro de creches.
Com o vácuo em expansão, além das saídas constitucionais surgem sussurros parlamentaristas. A desgraça é que, com a qualidade do material humano e o modelo de nossa representação, fica difícil ver um desfecho otimista em qualquer caso.
Talvez o melhor seja capitular, tirar uma "selfie" na praia, pular ondas, dançar um tango argentino.
O poder moderador - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 02/01
Presidencialismo de coalizão pede poder moderador. O cientista político Sérgio Abranches, formulador inicial do conceito de "presidencialismo de coalizão" em artigo de 1988 intitulado "O Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro", sobre as origens do modelo político brasileiro e sua dinâmica político-institucional, diante da crise política em que estamos metidos, revisitou o tema em recente artigo publicado em seu blog.
Abranches define que "o presidencialismo de coalizão requer um mecanismo de arbitragem, de regulação de conflitos, que sirva de defesa institucional do regime, assim como da autoridade presidencial e da autonomia legislativa, evitando que as crises na coalizão levem a um conflito irresolúvel entre os dois polos fundamentais da democracia presidencialista".
Para o cientista político, o presidencialismo de coalizão "precisa ser refundado, em um momento constituinte, fora do calor da crise, para que adquira novas capacidades institucionais voltadas especificamente para criar mecanismos mais ágeis e menos traumáticos que o impeachment".
Ele analisa os regimes chamados de semiparlamentarismo (defendido pelo vice-presidente Michel Temer) ou semipresidencialismo, defendido pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coêlho, em vigor em Portugal e na França, para dizer que se for esse o caso, o "regime de gabinete", como prefere chamá-lo, será preciso "robustecer o processo eleitoral, para que ele seja mais representativo e gere representações parlamentares mais responsáveis".
Já no artigo original ele concluía que as "cisões internas e a instabilidade a elas inerentes são naturais em qualquer governo de coalizão, embora adquiram contornos mais graves em épocas de crise". Requerem, portanto, "uma série de mecanismos institucionais e políticos que regulem este conflito, promovam soluções parciais e estabilizem a aliança, mediante acordos setoriais de ampla legitimidade".
É elementar, salienta Abranches que, no presidencialismo, a instabilidade da coalizão atinja diretamente a Presidência. É menor o grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão governante.
No Congresso, a polarização tende a transformar "coalizões secundárias" e facções partidárias em "blocos de veto", elevando perigosamente a probabilidade de paralisia decisória e consequente ruptura da ordem política. "Por isso mesmo, governos de coalizão requerem procedimentos institucionalizados para solucionar disputas interpartidárias internas à coalizão. É necessário que exista sempre um nível superior de arbitragem".
Esses cenários explicitariam, no limite, o fato de que o Império tinha no poder moderador um mecanismo desse tipo. A Primeira República não adotou mecanismo semelhante, mas buscou o equilíbrio por meio "da política de governadores", estabelecida por Campos Sales. O presidente representava a coalizão majoritária de oligarquias estaduais. Os momentos de instabilidade corresponderam, sempre, àqueles em que as oligarquias centrais se desentenderam.
No Brasil da Segunda República, essa arbitragem foi militar, com gravíssimas consequências para as liberdades democráticas. Na Terceira República, persiste o mecanismo do impeachment, mas afastou-se o perigo da arbitragem militar. E o Supremo Tribunal Federal, de modo similar e mais profundo que nos EUA, torna-se, em parte, "poder moderador", instância de mediação, para garantir, no limite, a ordem constitucional.
Tem a legitimidade e a autoridade derivadas de sua posição como um dos três Poderes da ordem republicana, encarregado de defender a ordem constitucional como última e inapelável instância. Sérgio Abranches, mesmo considerando que o STF agiu com prudência ao revalidar a jurisprudência definida pela Corte no impeachment do ex-presidente Collor em 1992, para garantir a segurança jurídica ao processo, tem críticas à decisão sobre o rito do impeachment.
Ele avalia que, ao recusar-se a examinar as consequências político-institucionais de longa duração de suas decisões, o STF acabou por cometer dois graves erros. No quesito prudencial de preservar o espaço da autonomia do Legislativo, quando invalidou a eleição da Câmara para a Comissão Especial. E na observância de equilíbrio harmônico entre os poderes, quando deu ao Senado um papel preponderante sobre a Câmara. (Amanhã, propostas para o futuro).
Presidencialismo de coalizão pede poder moderador. O cientista político Sérgio Abranches, formulador inicial do conceito de "presidencialismo de coalizão" em artigo de 1988 intitulado "O Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro", sobre as origens do modelo político brasileiro e sua dinâmica político-institucional, diante da crise política em que estamos metidos, revisitou o tema em recente artigo publicado em seu blog.
Abranches define que "o presidencialismo de coalizão requer um mecanismo de arbitragem, de regulação de conflitos, que sirva de defesa institucional do regime, assim como da autoridade presidencial e da autonomia legislativa, evitando que as crises na coalizão levem a um conflito irresolúvel entre os dois polos fundamentais da democracia presidencialista".
Para o cientista político, o presidencialismo de coalizão "precisa ser refundado, em um momento constituinte, fora do calor da crise, para que adquira novas capacidades institucionais voltadas especificamente para criar mecanismos mais ágeis e menos traumáticos que o impeachment".
Ele analisa os regimes chamados de semiparlamentarismo (defendido pelo vice-presidente Michel Temer) ou semipresidencialismo, defendido pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coêlho, em vigor em Portugal e na França, para dizer que se for esse o caso, o "regime de gabinete", como prefere chamá-lo, será preciso "robustecer o processo eleitoral, para que ele seja mais representativo e gere representações parlamentares mais responsáveis".
Já no artigo original ele concluía que as "cisões internas e a instabilidade a elas inerentes são naturais em qualquer governo de coalizão, embora adquiram contornos mais graves em épocas de crise". Requerem, portanto, "uma série de mecanismos institucionais e políticos que regulem este conflito, promovam soluções parciais e estabilizem a aliança, mediante acordos setoriais de ampla legitimidade".
É elementar, salienta Abranches que, no presidencialismo, a instabilidade da coalizão atinja diretamente a Presidência. É menor o grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão governante.
No Congresso, a polarização tende a transformar "coalizões secundárias" e facções partidárias em "blocos de veto", elevando perigosamente a probabilidade de paralisia decisória e consequente ruptura da ordem política. "Por isso mesmo, governos de coalizão requerem procedimentos institucionalizados para solucionar disputas interpartidárias internas à coalizão. É necessário que exista sempre um nível superior de arbitragem".
Esses cenários explicitariam, no limite, o fato de que o Império tinha no poder moderador um mecanismo desse tipo. A Primeira República não adotou mecanismo semelhante, mas buscou o equilíbrio por meio "da política de governadores", estabelecida por Campos Sales. O presidente representava a coalizão majoritária de oligarquias estaduais. Os momentos de instabilidade corresponderam, sempre, àqueles em que as oligarquias centrais se desentenderam.
No Brasil da Segunda República, essa arbitragem foi militar, com gravíssimas consequências para as liberdades democráticas. Na Terceira República, persiste o mecanismo do impeachment, mas afastou-se o perigo da arbitragem militar. E o Supremo Tribunal Federal, de modo similar e mais profundo que nos EUA, torna-se, em parte, "poder moderador", instância de mediação, para garantir, no limite, a ordem constitucional.
Tem a legitimidade e a autoridade derivadas de sua posição como um dos três Poderes da ordem republicana, encarregado de defender a ordem constitucional como última e inapelável instância. Sérgio Abranches, mesmo considerando que o STF agiu com prudência ao revalidar a jurisprudência definida pela Corte no impeachment do ex-presidente Collor em 1992, para garantir a segurança jurídica ao processo, tem críticas à decisão sobre o rito do impeachment.
Ele avalia que, ao recusar-se a examinar as consequências político-institucionais de longa duração de suas decisões, o STF acabou por cometer dois graves erros. No quesito prudencial de preservar o espaço da autonomia do Legislativo, quando invalidou a eleição da Câmara para a Comissão Especial. E na observância de equilíbrio harmônico entre os poderes, quando deu ao Senado um papel preponderante sobre a Câmara. (Amanhã, propostas para o futuro).
Sem crédito para reformas - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 02/01
Salário mínimo deveria ser suficiente para atender as necessidades básicas da pessoa. Entre elas, moradia, alimentação, transporte, saúde, vestuário, educação e lazer. Não é o caso do brasileiro. Apesar de não se enquadrar nas expectativas, o montante da menor remuneração paga ao trabalhador traz preocupações adicionais. Entre elas, a Previdência.
O novo salário mínimo, de R$ 880, vai provocar impacto de R$ 3,03 bilhões nos dispêndios das aposentadorias do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O recém-empossado ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, assumiu a pasta com o compromisso de promover a tão prometida reforma na Previdência Social. Está certíssimo, embora não tenha combinado com os russos.
O Brasil atingiu estágio avançado na transição demográfica - a taxa de natalidade chegou a níveis similares aos da mortalidade. A população praticamente se estabilizou. Com isso, fecha-se a janela de oportunidades para fazer as mudanças estruturais e aumenta o sentido de urgência: quanto maior a demora, mais alto o custo e mais obstáculos se acumularão no caminho.
Para projetar políticas públicas relativas à aposentadoria, é indispensável compreender a complexa rede de interações entre empresas e trabalhadores. O melhor funcionamento do mercado de trabalho é condição indispensável para proporcionar proventos mais dignos. Aqui, a rotatividade é altíssima e, com o aumento do desemprego, a informalidade tende a crescer. Os cofres, a se esvaziar.
Com pouca capacidade de manter a ocupação formal, o mercado de trabalho não consegue fazer economia suficiente para financiar a aposentadoria de grande número de brasileiros. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre 47% e 60% dos idosos chegarão à idade de retirar-se sem ter gerado a economia suficiente para financiar a previdência.
A reforma passa, necessariamente, pelo aprimoramento das relações empregado e empregador. A trabalhista, com políticas para reduzir a informalidade, é elemento central da estratégia de aumento da produtividade, que impulsiona o crescimento econômico e torna o país mais competitivo no comércio mundial. O BID estima que, ao adaptar ao século 21 os sistemas trabalhista e previdenciário, o Produto Interno Bruto (PIB) nacional pode crescer até 6%.
O ministro Nelson Barbosa tem razão ao mirar a reforma da Previdência. Agora terá de transitar das palavras aos atos. A questão: dará o passo importante mas impopular? Os realistas dizem que não. Em ano eleitoral, com o governo desacreditado, que convive com inédita desaprovação popular e incapaz de negociar com o Congresso, dificilmente terá a coragem de levar avante a iniciativa de que o país tanto precisa. Quem viver verá.
Salário mínimo deveria ser suficiente para atender as necessidades básicas da pessoa. Entre elas, moradia, alimentação, transporte, saúde, vestuário, educação e lazer. Não é o caso do brasileiro. Apesar de não se enquadrar nas expectativas, o montante da menor remuneração paga ao trabalhador traz preocupações adicionais. Entre elas, a Previdência.
O novo salário mínimo, de R$ 880, vai provocar impacto de R$ 3,03 bilhões nos dispêndios das aposentadorias do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O recém-empossado ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, assumiu a pasta com o compromisso de promover a tão prometida reforma na Previdência Social. Está certíssimo, embora não tenha combinado com os russos.
O Brasil atingiu estágio avançado na transição demográfica - a taxa de natalidade chegou a níveis similares aos da mortalidade. A população praticamente se estabilizou. Com isso, fecha-se a janela de oportunidades para fazer as mudanças estruturais e aumenta o sentido de urgência: quanto maior a demora, mais alto o custo e mais obstáculos se acumularão no caminho.
Para projetar políticas públicas relativas à aposentadoria, é indispensável compreender a complexa rede de interações entre empresas e trabalhadores. O melhor funcionamento do mercado de trabalho é condição indispensável para proporcionar proventos mais dignos. Aqui, a rotatividade é altíssima e, com o aumento do desemprego, a informalidade tende a crescer. Os cofres, a se esvaziar.
Com pouca capacidade de manter a ocupação formal, o mercado de trabalho não consegue fazer economia suficiente para financiar a aposentadoria de grande número de brasileiros. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre 47% e 60% dos idosos chegarão à idade de retirar-se sem ter gerado a economia suficiente para financiar a previdência.
A reforma passa, necessariamente, pelo aprimoramento das relações empregado e empregador. A trabalhista, com políticas para reduzir a informalidade, é elemento central da estratégia de aumento da produtividade, que impulsiona o crescimento econômico e torna o país mais competitivo no comércio mundial. O BID estima que, ao adaptar ao século 21 os sistemas trabalhista e previdenciário, o Produto Interno Bruto (PIB) nacional pode crescer até 6%.
O ministro Nelson Barbosa tem razão ao mirar a reforma da Previdência. Agora terá de transitar das palavras aos atos. A questão: dará o passo importante mas impopular? Os realistas dizem que não. Em ano eleitoral, com o governo desacreditado, que convive com inédita desaprovação popular e incapaz de negociar com o Congresso, dificilmente terá a coragem de levar avante a iniciativa de que o país tanto precisa. Quem viver verá.
As pedaladas e a democracia - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 02/01
Diante da evidência de que as pedaladas fiscais praticadas pela presidente Dilma Rousseff configuram crime de responsabilidade fiscal – o parecer unânime do Tribunal de Contas da União (TCU) não dá margens a qualquer tipo de dúvida quanto a isso –, vem surgindo uma tentativa canhestra de desqualificar o pedido de impeachment da presidente da República atualmente em análise pelo Congresso Nacional. Reconhece-se o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, admite-se o crime, mas procura-se tratá-lo como algo menor, incapaz de servir de fundamento para o impeachment.
Ao tratar as pedaladas fiscais como mero pecadilho, essa enviesada argumentação quer fazer crer que a retirada da presidente eleita pelo povo com base no argumento de crime de responsabilidade fiscal seria um castigo desproporcional. Vende-se a ideia de que se trata de uma punição severa demais para um simples escorregão, e que o precedente acarretaria séria instabilidade para os futuros governantes. O impeachment, afirmam os defensores dessa tese, deveria ser usado apenas em casos “graves”, como o fechamento do Congresso pelo Exército por ordem presidencial.
Tal argumentação cai por terra, no entanto, quando se analisam os fatos e a lei. A presidente Dilma Rousseff não é acusada de um mero descuido na gestão fiscal. O fundamento jurídico para o impeachment é a prática voluntária e reiterada de atos que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A defesa da presidente Dilma apresentada no TCU comprova sua plena consciência a respeito das pedaladas fiscais, fato esse corroborado por seus discursos. Ela não diz que não “pedalou”. Ela insiste em dizer, à revelia da lei, que podia e devia “pedalar”.
O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal está longe de ser um “crime menor”. Afinal, refere-se ao modo como os governantes devem gerir o dinheiro público. Dizer que as pedaladas fiscais não têm muita importância é o mesmo que defender uma gestão arbitrária dos recursos públicos, à revelia da lei. Além dos graves danos causados à economia do País – basta ver a atual recessão brasileira –, uma política fiscal irresponsável fere a democracia.
Aqui está um dos sofismas da frágil argumentação a favor da presidente Dilma Rousseff. O pedido de impeachment baseado juridicamente nas pedaladas fiscais seria uma tentativa de fazer prevalecer uma lei “burocrática” – a Lei de Responsabilidade Fiscal – sobre a vontade popular manifestada nas urnas em 2014. Ora, tal disjuntiva é absolutamente falsa.
As pedaladas fiscais significam uma gestão antidemocrática do dinheiro público – e aí reside a sua gravidade. O respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal não é um detalhe contábil. Trata-se da garantia de que a gestão do dinheiro público se submete ao crivo democrático.
E é contra isso que a presidente Dilma se rebela. Desejaria poder fazer o que bem entende com o dinheiro público. Isso não é nada democrático. Não basta que o governante não ponha dinheiro público em seu próprio bolso, é preciso gastá-lo respeitando a voz popular expressa na lei.
Também é pernicioso o argumento de que o impeachment com base nas pedaladas fiscais trará instabilidade ao sistema político. É o contrário. Será uma mensagem muito clara a todos os políticos de que o cargo público deve ser exercido de acordo com a lei.
A sociedade já deixou evidente que não quer uma estabilidade institucional de fachada, mantida à custa de esconder os ilícitos embaixo do tapete. A estabilidade alcançada por meio da impunidade é uma falsa estabilidade.
Não pode prosperar a tentativa de matizar os efeitos da lei com vistas a tolerar certo grau de ilicitude na vida pública. Isso é antidemocrático. Essa foi a grande lição para o Brasil quando – desproporcionalmente, diriam os defensores da Dilma – o presidente Fernando Collor sofreu o impeachment por causa de um Fiat Elba. Foi uma vitória da lei, foi uma vitória da democracia.
Diante da evidência de que as pedaladas fiscais praticadas pela presidente Dilma Rousseff configuram crime de responsabilidade fiscal – o parecer unânime do Tribunal de Contas da União (TCU) não dá margens a qualquer tipo de dúvida quanto a isso –, vem surgindo uma tentativa canhestra de desqualificar o pedido de impeachment da presidente da República atualmente em análise pelo Congresso Nacional. Reconhece-se o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, admite-se o crime, mas procura-se tratá-lo como algo menor, incapaz de servir de fundamento para o impeachment.
Ao tratar as pedaladas fiscais como mero pecadilho, essa enviesada argumentação quer fazer crer que a retirada da presidente eleita pelo povo com base no argumento de crime de responsabilidade fiscal seria um castigo desproporcional. Vende-se a ideia de que se trata de uma punição severa demais para um simples escorregão, e que o precedente acarretaria séria instabilidade para os futuros governantes. O impeachment, afirmam os defensores dessa tese, deveria ser usado apenas em casos “graves”, como o fechamento do Congresso pelo Exército por ordem presidencial.
Tal argumentação cai por terra, no entanto, quando se analisam os fatos e a lei. A presidente Dilma Rousseff não é acusada de um mero descuido na gestão fiscal. O fundamento jurídico para o impeachment é a prática voluntária e reiterada de atos que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A defesa da presidente Dilma apresentada no TCU comprova sua plena consciência a respeito das pedaladas fiscais, fato esse corroborado por seus discursos. Ela não diz que não “pedalou”. Ela insiste em dizer, à revelia da lei, que podia e devia “pedalar”.
O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal está longe de ser um “crime menor”. Afinal, refere-se ao modo como os governantes devem gerir o dinheiro público. Dizer que as pedaladas fiscais não têm muita importância é o mesmo que defender uma gestão arbitrária dos recursos públicos, à revelia da lei. Além dos graves danos causados à economia do País – basta ver a atual recessão brasileira –, uma política fiscal irresponsável fere a democracia.
Aqui está um dos sofismas da frágil argumentação a favor da presidente Dilma Rousseff. O pedido de impeachment baseado juridicamente nas pedaladas fiscais seria uma tentativa de fazer prevalecer uma lei “burocrática” – a Lei de Responsabilidade Fiscal – sobre a vontade popular manifestada nas urnas em 2014. Ora, tal disjuntiva é absolutamente falsa.
As pedaladas fiscais significam uma gestão antidemocrática do dinheiro público – e aí reside a sua gravidade. O respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal não é um detalhe contábil. Trata-se da garantia de que a gestão do dinheiro público se submete ao crivo democrático.
E é contra isso que a presidente Dilma se rebela. Desejaria poder fazer o que bem entende com o dinheiro público. Isso não é nada democrático. Não basta que o governante não ponha dinheiro público em seu próprio bolso, é preciso gastá-lo respeitando a voz popular expressa na lei.
Também é pernicioso o argumento de que o impeachment com base nas pedaladas fiscais trará instabilidade ao sistema político. É o contrário. Será uma mensagem muito clara a todos os políticos de que o cargo público deve ser exercido de acordo com a lei.
A sociedade já deixou evidente que não quer uma estabilidade institucional de fachada, mantida à custa de esconder os ilícitos embaixo do tapete. A estabilidade alcançada por meio da impunidade é uma falsa estabilidade.
Não pode prosperar a tentativa de matizar os efeitos da lei com vistas a tolerar certo grau de ilicitude na vida pública. Isso é antidemocrático. Essa foi a grande lição para o Brasil quando – desproporcionalmente, diriam os defensores da Dilma – o presidente Fernando Collor sofreu o impeachment por causa de um Fiat Elba. Foi uma vitória da lei, foi uma vitória da democracia.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
GOVERNO GASTA R$ 1,2 BI COM EMPRESAS PÚBLICAS
No primeiro mandato como presidente da República (2010 a 2014), Dilma Rousseff criou 13 empresas públicas, das quais três dependem exclusivamente de recursos do Tesouro Nacional, ou seja, da grana federal: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul). Custaram R$ 1,2 bilhões em 2015.
TREM FANTASMA
Criada para comandar o leilão do trem-bala, a EPL empenhou R$ 45,9 milhões neste ano. Acontece que o trem-bala não saiu do papel.
SEM SAÚDE
Vinculada ao Ministério da Educação, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares gastou R$ 1,17 bilhão, mas a saúde continua caótica.
AMAZÔNIA AZUL
Vinculada ao Ministério da Defesa, a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) gastou R$ 25,08 milhões.
FÁBRICA DE BOQUINHAS
Desde 2003, início do governo petista, foram criadas 42 estatais, gerando centenas de milhões de reais de despesas.
IMPEACHMENT: ‘PEDALADAS’ CONTINUARAM EM 2015
O início, em 2014, do processo no Tribunal de Contas da União que apurou os crimes de responsabilidade fiscal cometidos por Dilma (as “pedaladas fiscais”, entre outros) é prova de que a presidente sabia do problema desde 2014. E pior: os empréstimos ilegais contraídos no novo mandato para subsidiar a equalização de juros do Plano Safra, além do aumento da dívida do Tesouro Nacional com o Banco do Brasil, comprovam a continuidade das “pedaladas” no ano passado.
ASSUNÇÃO DE CULPA
O governo correu contra o tempo para pagar os R$ 57 bilhões à Caixa, Banco do Brasil, BNDES e FGTS no último dia 30 de dezembro.
NADA MUDOU
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) avisou que o desespero do governo não mudou nada: “O ato irregular foi cometido, os decretos”, cravou.
BICICLETA NOVA
Para arrumar dinheiro que não tinha, a estratégia do governo foi a mais simples. Emitiu novos títulos e aumentou a dívida pública.
JÁ EM CUBA...
O crescimento de Cuba em 2015 é de fazer inveja. O Produto Interno Bruto da ilha, que vive sob ditadura, vai crescer 4%. Por aqui, só lamentação: o PIB vai fechar o ano com contração de quase 4%.
CERCO AO GAROTÃO
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), está empenhado na eleição do novo líder peemedebista na Casa e resolveu pedir o apoio de seus aliados na bancada para evitar a todo custo a recondução do conterrâneo Leonardo Picciani, que resolveu abraçar o governo Dilma.
PEDIDO DE SOCORRO
Apesar do recesso parlamentar, o Partido Progressista discute o comando da bancada em 2016. O Planalto pediu que o líder seja alinhado a Dilma. Eduardo da Fonte (PE) tenta permanecer no cargo.
TREM FANTASMA
O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), conhecido por ser crítico ao governo do PT, faz uma previsão pessimista para 2016. “A Lava Jato transformou o Congresso em um túnel do terror”, diz.
RECORDE
A marca de mais de R$ 2 trilhões em tributos pagos pelo contribuinte brasileiro, registrada pelo Impostômetro, seria suficiente para construir cerca de 7 milhões de postos de saúde totalmente equipados.
MALAS PRONTAS
Depois de passar o último ano às turras com o PT, o senador Paulo Paim (RS) começa a limpar as gavetas para desembarcar da sigla em 2016. O desgaste com o partido começou por causa do arrocho fiscal.
RODÍZIO BRASILIENSE
Este ano os senadores do DF devem completar o rodízio iniciado por Hélio José, que trocou PSD pelo PMB. Cristovam Buarque (PDT) está de malas prontas para o PPS e Reguffe também vai deixar o PDT.
CADÊ A VACINA?
Faz sucesso na internet meme satirizando Michel Temer, Dilma Rousseff e Eduardo Cunha. Atribuem aos políticos a transmissão dos “vírus” ‘Eduardo Chicuncunha’, ‘Zika Rousseff’ e ‘Michel Denguer’.
PERGUNTA NO PALÁCIO
Ao dizer que Eduardo Cunha cai antes de Dilma, estaria o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) contando com o impeachment da chefe?
No primeiro mandato como presidente da República (2010 a 2014), Dilma Rousseff criou 13 empresas públicas, das quais três dependem exclusivamente de recursos do Tesouro Nacional, ou seja, da grana federal: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul). Custaram R$ 1,2 bilhões em 2015.
TREM FANTASMA
Criada para comandar o leilão do trem-bala, a EPL empenhou R$ 45,9 milhões neste ano. Acontece que o trem-bala não saiu do papel.
SEM SAÚDE
Vinculada ao Ministério da Educação, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares gastou R$ 1,17 bilhão, mas a saúde continua caótica.
AMAZÔNIA AZUL
Vinculada ao Ministério da Defesa, a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) gastou R$ 25,08 milhões.
FÁBRICA DE BOQUINHAS
Desde 2003, início do governo petista, foram criadas 42 estatais, gerando centenas de milhões de reais de despesas.
IMPEACHMENT: ‘PEDALADAS’ CONTINUARAM EM 2015
O início, em 2014, do processo no Tribunal de Contas da União que apurou os crimes de responsabilidade fiscal cometidos por Dilma (as “pedaladas fiscais”, entre outros) é prova de que a presidente sabia do problema desde 2014. E pior: os empréstimos ilegais contraídos no novo mandato para subsidiar a equalização de juros do Plano Safra, além do aumento da dívida do Tesouro Nacional com o Banco do Brasil, comprovam a continuidade das “pedaladas” no ano passado.
ASSUNÇÃO DE CULPA
O governo correu contra o tempo para pagar os R$ 57 bilhões à Caixa, Banco do Brasil, BNDES e FGTS no último dia 30 de dezembro.
NADA MUDOU
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) avisou que o desespero do governo não mudou nada: “O ato irregular foi cometido, os decretos”, cravou.
BICICLETA NOVA
Para arrumar dinheiro que não tinha, a estratégia do governo foi a mais simples. Emitiu novos títulos e aumentou a dívida pública.
JÁ EM CUBA...
O crescimento de Cuba em 2015 é de fazer inveja. O Produto Interno Bruto da ilha, que vive sob ditadura, vai crescer 4%. Por aqui, só lamentação: o PIB vai fechar o ano com contração de quase 4%.
CERCO AO GAROTÃO
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), está empenhado na eleição do novo líder peemedebista na Casa e resolveu pedir o apoio de seus aliados na bancada para evitar a todo custo a recondução do conterrâneo Leonardo Picciani, que resolveu abraçar o governo Dilma.
PEDIDO DE SOCORRO
Apesar do recesso parlamentar, o Partido Progressista discute o comando da bancada em 2016. O Planalto pediu que o líder seja alinhado a Dilma. Eduardo da Fonte (PE) tenta permanecer no cargo.
TREM FANTASMA
O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), conhecido por ser crítico ao governo do PT, faz uma previsão pessimista para 2016. “A Lava Jato transformou o Congresso em um túnel do terror”, diz.
RECORDE
A marca de mais de R$ 2 trilhões em tributos pagos pelo contribuinte brasileiro, registrada pelo Impostômetro, seria suficiente para construir cerca de 7 milhões de postos de saúde totalmente equipados.
MALAS PRONTAS
Depois de passar o último ano às turras com o PT, o senador Paulo Paim (RS) começa a limpar as gavetas para desembarcar da sigla em 2016. O desgaste com o partido começou por causa do arrocho fiscal.
RODÍZIO BRASILIENSE
Este ano os senadores do DF devem completar o rodízio iniciado por Hélio José, que trocou PSD pelo PMB. Cristovam Buarque (PDT) está de malas prontas para o PPS e Reguffe também vai deixar o PDT.
CADÊ A VACINA?
Faz sucesso na internet meme satirizando Michel Temer, Dilma Rousseff e Eduardo Cunha. Atribuem aos políticos a transmissão dos “vírus” ‘Eduardo Chicuncunha’, ‘Zika Rousseff’ e ‘Michel Denguer’.
PERGUNTA NO PALÁCIO
Ao dizer que Eduardo Cunha cai antes de Dilma, estaria o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) contando com o impeachment da chefe?
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