O ESTADO DE S.PAULO - 02/01
Diante da evidência de que as pedaladas fiscais praticadas pela presidente Dilma Rousseff configuram crime de responsabilidade fiscal – o parecer unânime do Tribunal de Contas da União (TCU) não dá margens a qualquer tipo de dúvida quanto a isso –, vem surgindo uma tentativa canhestra de desqualificar o pedido de impeachment da presidente da República atualmente em análise pelo Congresso Nacional. Reconhece-se o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, admite-se o crime, mas procura-se tratá-lo como algo menor, incapaz de servir de fundamento para o impeachment.
Ao tratar as pedaladas fiscais como mero pecadilho, essa enviesada argumentação quer fazer crer que a retirada da presidente eleita pelo povo com base no argumento de crime de responsabilidade fiscal seria um castigo desproporcional. Vende-se a ideia de que se trata de uma punição severa demais para um simples escorregão, e que o precedente acarretaria séria instabilidade para os futuros governantes. O impeachment, afirmam os defensores dessa tese, deveria ser usado apenas em casos “graves”, como o fechamento do Congresso pelo Exército por ordem presidencial.
Tal argumentação cai por terra, no entanto, quando se analisam os fatos e a lei. A presidente Dilma Rousseff não é acusada de um mero descuido na gestão fiscal. O fundamento jurídico para o impeachment é a prática voluntária e reiterada de atos que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A defesa da presidente Dilma apresentada no TCU comprova sua plena consciência a respeito das pedaladas fiscais, fato esse corroborado por seus discursos. Ela não diz que não “pedalou”. Ela insiste em dizer, à revelia da lei, que podia e devia “pedalar”.
O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal está longe de ser um “crime menor”. Afinal, refere-se ao modo como os governantes devem gerir o dinheiro público. Dizer que as pedaladas fiscais não têm muita importância é o mesmo que defender uma gestão arbitrária dos recursos públicos, à revelia da lei. Além dos graves danos causados à economia do País – basta ver a atual recessão brasileira –, uma política fiscal irresponsável fere a democracia.
Aqui está um dos sofismas da frágil argumentação a favor da presidente Dilma Rousseff. O pedido de impeachment baseado juridicamente nas pedaladas fiscais seria uma tentativa de fazer prevalecer uma lei “burocrática” – a Lei de Responsabilidade Fiscal – sobre a vontade popular manifestada nas urnas em 2014. Ora, tal disjuntiva é absolutamente falsa.
As pedaladas fiscais significam uma gestão antidemocrática do dinheiro público – e aí reside a sua gravidade. O respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal não é um detalhe contábil. Trata-se da garantia de que a gestão do dinheiro público se submete ao crivo democrático.
E é contra isso que a presidente Dilma se rebela. Desejaria poder fazer o que bem entende com o dinheiro público. Isso não é nada democrático. Não basta que o governante não ponha dinheiro público em seu próprio bolso, é preciso gastá-lo respeitando a voz popular expressa na lei.
Também é pernicioso o argumento de que o impeachment com base nas pedaladas fiscais trará instabilidade ao sistema político. É o contrário. Será uma mensagem muito clara a todos os políticos de que o cargo público deve ser exercido de acordo com a lei.
A sociedade já deixou evidente que não quer uma estabilidade institucional de fachada, mantida à custa de esconder os ilícitos embaixo do tapete. A estabilidade alcançada por meio da impunidade é uma falsa estabilidade.
Não pode prosperar a tentativa de matizar os efeitos da lei com vistas a tolerar certo grau de ilicitude na vida pública. Isso é antidemocrático. Essa foi a grande lição para o Brasil quando – desproporcionalmente, diriam os defensores da Dilma – o presidente Fernando Collor sofreu o impeachment por causa de um Fiat Elba. Foi uma vitória da lei, foi uma vitória da democracia.
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