segunda-feira, agosto 04, 2014

Ela e a taça de vinho - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 04/08


A dúvida, antes de tudo anatômica, revela uma profunda ignorância, sobretudo espiritual


Ela parecia ansiosa em meio àquelas pessoas, mas era apenas desejo. Bebera muitas taças de vinho. Sabe-se, há milênios, que a virtude de uma mulher depende do número de taças de vinho que bebe.

Aliás, segundo relatos genealógicos, os antigos praticavam um ritual bastante comum e que, segundo alguns especialistas, ainda é praticado hoje em dia. O ritual, apesar de pouco sabermos de seus detalhes, implicava no uso da mulher como taça de vinho.

As mulheres quando tomam muitas taças de vinhos (não todas, como pessoa que sabe se comportar à mesa, sei que nem todas são iguais, algumas são diferentes) sonham em ser elas mesmas usadas como taça de vinho.

Alguns homens, pouco informados, se perguntam, afinal, como uma mulher poderia ser usada como uma taça de vinho. A dúvida, antes de tudo anatômica, revela uma profunda ignorância, antes de tudo, espiritual.

Perguntas assim são como aquelas que, normalmente, homens chatos fazem no final da noite, e que exigiriam respostas semelhantes a explicar a razão de Deus ter criado o universo, sendo Ele todo poderoso e vivendo Ele muito bem em Sua solidão perfeita.

Já elas, nascem sabendo. Mas, muitas vezes, esse "saber" (como dizem os afetados teóricos pós-modernos pra se referirem ao conhecimento) é mesmo da ordem inconsciente, não do inconsciente da mente, mas da pele. Esse "saber" é aquele que torna úmido o coração entre as pernas.

Outra forma de perceber esse desejo avassalador de ser usada como taça de vinho é pelo olfato. Ela, seguramente, em meio a todas as palavras ditas ao vento, como é comum em ambientes sociais cheios de gente inteligente, exala o odor típico de quando se quer misturar pele, saliva e vinho.

Certa feita, quando eu disse que a virtude de uma mulher dependia do número de taças de vinho que ela bebia, um desses jovens trêmulos e muito magros, que gostam de pensar que superaram o machismo por alguma forma de desejo inofensivo (ela sempre sabe que todo desejo que importa é ofensivo de alguma forma), me acusou de ser niilista.

Por quê? Simples. Porque eu negava a existência da virtude "em si" já que eu a reduzia, segundo ele, ao efeito da presença ou ausência da quantidade de álcool no sangue.

Claro, poderia ter dito a ele que desde a filosofia grega cética, caras como Enesidemo (nascido em Creta no século 1º antes de Cristo) ou Sexto Empírico (médico e filósofo grego que viveu entre Atenas, Alexandria e Roma entre os séculos 2 e 3 depois de Cristo) afirmavam que o comportamento de alguém nunca pode ser tomado como "verdadeiro" porque se ele (ou ela) bebeu algo, o comportamento fica diferente.

A dúvida cética aplicada a ela seria assim: afinal, quem é ela? A jovem e muito compenetrada intelectual ou a deliciosa bêbada que sonha em ser usada como taça de vinho? Quem é "seu verdadeiro ser"?

Óbvio que nada disse ao jovem trêmulo porque, na verdade, ele provavelmente nada entenderia uma vez que tendo ele já suposto que se pode desejar uma mulher "com respeito", isso significa que ele não conhece esse recôndito recanto da alma feminina e sua irresistível vocação para fundamentar sua virtude no número de taças de vinho que bebe numa noite.

Mas, a verdadeira crítica do jovem trêmulo à minha afirmação era que eu estaria duvidando da capacidade feminina de ser honesta "em si". Meu Deus, quanta cegueira num corpo tão magro.

As meninas à nossa volta, todas já tendo tomado algumas taças de vinho, imersas em pura misericórdia, sorriam pra mim pedindo que fosse piedoso.

Escravo como sou da virtude feminina máxima, sua beleza, cedi imediatamente ao impulso de me defender de tamanha absurda acusação de duvidar da honestidade feminina "em si".

A verdade, aquela altura da noite, é que eu estava de fato fazendo uma ode a mais pura honestidade feminina em si: a honestidade que vem diluída no número de taças de vinho que ela bebe.

A prova máxima, e que no passado os homens aprendiam desde jovens (hoje eles aprendem a ter medo das mulheres que os desejam), é que quando ela quer mentir, ela não bebe nada.

GOSTOSA


Encruzilhada - ELENA LANDAU

FOLHA DE SP - 04/08


Relatório de banco não é propaganda eleitoral. Essencialmente, reproduz fatos para orientar a decisão dos seus investidores; a cada queda da presidente nas pesquisas eleitorais, a Bolsa tem reagido positivamente --e vice-versa. É um fato.

O Santander acabou cedendo a pressões. Erraram os dois: o governo, por tentar censurar uma instituição privada, e o banco, por mostrar que não tem opinião independente.

Imprensa, agências de risco, FMI, ata do Copom, e o próprio com a revisão do PIB, apontam para a piora da economia. Infelizmente, para uma administração que busca a reeleição, essa deterioração coincide com o período eleitoral, o que obriga o governo candidato a se posicionar com clareza sobre seus planos e suas ideias.

Em 2002, a expectativa de uma mudança radical na política econômica gerou enorme instabilidade nos mercados. O então candidato Lula reagiu corretamente com a publicação da "Carta aos Brasileiros".

Sem abrir mão de um discurso de oposição, antecipou sua visão sobre a economia, firmando compromisso com a continuidade da política de estabilização, destacando o respeito aos contratos e a parceria com setor privado. Dizia: "Será necessária uma lúcida e criteriosa transição (...) a premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país."

Lula assumiu a presidência e manteve, nos primeiros anos do mandato, os fundamentos da política de estabilização de FH, permitindo uma rápida acomodação nos indicadores econômicos. Naquela época temia-se o rompimento com o passado. Hoje o medo é que o passado se perpetue. A presidente poderia seguir seu exemplo e antecipar suas propostas para economia em caso de reeleição.

Sua dificuldade é naturalmente maior. A candidata está no comando do país há quatro anos, impondo um modelo de intervencionismo estatal que não funcionou. Não se tratam de erros pontuais, mas de uma estratégia a ser revista.

Dilma se encontra numa encruzilhada. O que pode dizer a candidata sem afetar o governo da presidente? Uma promessa de mudança implica no reconhecimento de erros. Por outro lado, uma confirmação da política atual deve continuar gerando reações negativas.

As sabatinas recentes mostram que, por enquanto, ela não pretende rever sua política econômica.

As pesquisas continuarão a gerar turbulência. Os relatórios não vão mudar. Talvez venham mais metafóricos, para evitar pressões e censuras. Mas vão continuar refletindo a realidade: a insatisfação com a política atual.

Como dizia a Carta de 2002 "As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas neste contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação".

Matar o mensageiro não vai mudar o cenário.

Persistência nos erros - PAULO GUEDES

O GLOBO - 04/08
É paradoxal a persistência de políticas equivocadas em uma sociedade em que são compartilhados conhecimento e informações

A persistência no erro deveria ser um fenômeno fugaz diante das comunicações instantâneas em plena era do conhecimento. Acompanhamos em tempo real os eventos em todo o mundo e, por mais complexas que sejam as razões ou causas de um problema ou uma crise específica, formamos rapidamente nossas opiniões a respeito do que ocorre. Mas, apesar dessa rápida avaliação, persistem os erros, como observamos em toda parte, porque predominam os interesses adquiridos de quem tem a força em cada situação.
Há entre cientistas políticos independentes qualquer dúvida quanto ao histórico equívoco do isolamento da Coreia do Norte? Ou quanto aos riscos de uma perturbação da ordem mundial pela excessiva dose de nacionalismo dos governos russo ou israelense em busca de aprovação política interna? Ou quanto ao fato de que já chegou a hora de tolerância zero com organizações terroristas e seus hipócritas apoiadores? Há entre economistas de boa estirpe quaisquer dúvidas quanto à inexorável degeneração causada pelo socialismo do século XX em Cuba ou pelo bolivarianismo socialista do século XXI na Venezuela? Ou quanto às origens internas da crise argentina?

A persistência nos erros é também manifestamente brasileira. Estamos há décadas expandindo os gastos públicos rumo aos 40% do Produto Interno Bruto, em meio ao mais longo programa de estabilização da História universal. Perdemos em torno de 50 bilhões de dólares em reservas internacionais para ancorar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso e empenhamos agora quase o dobro para a reeleição de Dilma Rousseff. São também décadas de escândalos de corrupção sistêmica, e ainda não vi de qualquer dos candidatos presidenciais o compromisso explícito com a necessária reforma política.

A boa notícia é que nós, especialistas, sabemos que equívocos estamos cometendo. A má notícia é essa paradoxal persistência nos erros em uma sociedade aberta, em que são compartilhados o conhecimento e as informações. A engrenagem econômica começa a chiar. Há muitos preços críticos fora de lugar: juros elevados, câmbio baixo demais, combustíveis e eletricidade artificialmente baratos, encargos trabalhistas excessivos, encarecendo também artificialmente o custo da mão de obra. Haverá em breve, logo após as eleições, choro e ranger de dentes.

O campo da batalha - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O ESTADÃO - 04/08


Haverá um lugar mais decisivo do que os outros na eleição presidencial? A pergunta parece idiota, já que cada Estado e cada região tem um peso eleitoral conhecido. Em 2010, o Sudeste deu 44% dos votos válidos para presidente, e o Nordeste, 26%. Mas a geografia do voto muda parcialmente de eleição para eleição. E avançar no terreno do adversário é sempre o menor atalho para vencer ou garantir o segundo turno.

Desde 2006 que o PT conquistou e mantém seu principal reduto eleitoral no Nordeste - graças às políticas assistenciais e ao crescimento acima da média da renda e da economia da região. Quando se elegeu em 2010, Dilma Rousseff obteve 55% dos votos totais dos nordestinos. Não é acaso, portanto, que ela apareça com os mesmos 55% no Nordeste na mais recente pesquisa Ibope. Se a presidente está dentro das expectativas, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) estão abaixo do que seus correligionários conseguiram no Nordeste quatro anos atrás. Mesmo sendo pernambucano, Eduardo tem 11% onde Marina Silva chegou a 14%. É uma diferença pequena, que pode desaparecer ao longo do horário eleitoral. O desafio é bem maior para Aécio.

O candidato do PSDB está com apenas 9% das intenções de voto no eleitorado nordestino. Na eleição passada, o tucano José Serra bateu em 19% dos votos totais na região. Para alcançar essa taxa, Aécio precisaria converter a maioria dos nordestinos que hoje estão indecisos (8%) e aqueles que dizem que vão votar branco ou anular (11%). É improvável, porque esses 11% já são iguais à taxa de votos nulos/brancos de 2010.

Aécio vai disputar com Eduardo os 8% de indecisos do Nordeste, mas mesmo que consiga ficar com metade deles, ainda estará longe da performance de Serra na região. Para equipará-la, resta avançar sobre os eleitores que declaram voto nos nanicos (7%) ou em Dilma. É mais difícil do que convencer indecisos. Por isso, a maior esperança de Aécio é o Sudeste. Além de ser a mais populosa, é a única região onde o tucano tem crescimento contínuo. Saiu de 18% em março para 28% em julho, sem recuar em nenhuma pesquisa Ibope. O mineiro já está bem perto dos 32% dos votos totais alcançados por Serra na região em 2010. Ao mesmo tempo, Dilma está devendo no Sudeste.

A presidente obteve 37% dos votos totais da região em 2010. Nesta campanha, seu teto ali tem sido mais baixo: obteve 32% no último Ibope, e seu melhor resultado desde março foi 34%. O problema de Dilma no Sudeste é a má avaliação do seu governo. Sua desaprovação chegou a 59% em julho; sua rejeição, a 42%. Tudo isso torna menos provável que ela seduza a maioria dos 27% de eleitores sem candidato que ainda existe no Sudeste.

Esse é um fenômeno atípico. Em 2010, apenas 8% dos eleitores do Sudeste anularam ou votaram em branco para presidente. Este ano, mais do que o dobro (19%) declara intenção de fazê-lo. Se não tivessem havido os protestos em massa, a tendência seria essa taxa cair ao longo da campanha e se aproximar das médias históricas. Caberá aos candidatos da oposição convencer esses eleitores de que são melhor opção do que o nada.

Caso contrário, Dilma ganha mesmo sem crescer na região. Como para efeito eleitoral só contam os votos dados a candidatos, os 32% da petista equivalem, hoje, a 44% dos votos válidos. É mais do que os 41% que ela conseguiu em 2010. Isso aumentaria suas chances de eleger-se no primeiro turno.

Por isso, há um campo onde a batalha presidencial será ainda mais renhida do que nos demais: a disputa pelos eleitores indecisos e insatisfeitos do Sudeste. Mas ela varia de Estado para Estado. A batalha será mais intensa onde é maior o eleitorado sem candidato: 35% no Rio de Janeiro e 31% em São Paulo, contra "apenas" 20% em Minas Gerais.

Em números absolutos, os 31% de paulistas representam cerca de 4,5 milhões de eleitores a mais do que os 35% de fluminenses. Nunca São Paulo pesou tanto numa eleição para presidente.


Uso e abuso da máquina pública - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 04/08


Sete ministros, usando carros oficiais e no horário de expediente, acompanharam a presidente Dilma em sabatina. Constrangimento? Nenhum


O instituto da reeleição no Brasil ainda é recente na vida política do nosso país, mas já nos leva a refletir sobre sua conveniência ou não para a nossa recém-consolidada democracia.

Neste ano, depois de quatro eleições presidenciais e aos governos estaduais sob a égide da reeleição, ainda vemos um rol de abusos de alguns governadores e da presidente da República ao atropelarem a frágil legislação eleitoral e administrativa para combatê-los.

Nesta semana, sete ministros de Estado, usando carros oficiais e no horário de expediente, acompanharam a candidata-presidente na sabatina da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Constrangimento? Nenhum.

Usaram e abusaram sem vergonha da máquina pública, na função de ministros, para dar o seu apoio à petista que tenta se reeleger para continuar ocupando o mais graduado cargo da República. Péssimo exemplo!

Infelizmente, não é o primeiro caso nem será o último.

O uso de carros oficiais é rotineiro e não tem a relevância econômica de alguns outros episódios que assistimos, como por exemplo o caso da federalização da companhia de energia de Goiás, a Celg, que poderá ser efetivada no final do mandato presidencial e estadual de duas autoridades públicas que buscam a reeleição.

No apagar dos seu mandatos, a presidente Dilma Rousseff e o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), tentam acertar a compra e a venda da Celg por R$ 400 milhões, apesar de um estudo da Universidade Federal de Goiás, de 2011, que estimava o valor da empresa na ordem de R$ 6,5 bilhões.

Além do disparate de preços e avaliações, o abuso se caracteriza aqui pela audácia em se alienar um patrimônio do povo goiano faltando cinco meses para terminar o mandato do governante. Em 2010, ano eleitoral, Marconi Perillo divulgou uma carta como vice-presidente do Senado criticando exatamente o governo anterior por negociar a Celg.

Por que os dois representantes da União e do Estado não se entenderam ao longo de três anos e meio? Por que realizar esse negócio às vésperas das eleições? Para reforçar o caixa de um governo estadual que, por ineficiência administrativa, vem pedindo empréstimos a outros poderes locais, aliás negados?

É um completo uso e abuso da máquina pública, como se a Celg fosse um bem patrimonial deles e não do povo goiano. Pedirei explicações ao Ministério de Minas e Energia sobre a condução dos entendimentos, o seu desfecho neste momento eleitoral e vou recorrer à Justiça se essa federalização realmente ocorrer, sempre em defesa do Estado de Goiás.

Esses casos exemplificam o motivo de eu defender o fim da reeleição no Executivo, que evitaria o uso da máquina pública e o governante teria como única opção manter o foco em seu mandato.


COMIDA EM CONSERVA


Elefante desgovernado - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 04/08


SÃO PAULO - No segundo livro do "Fausto", Goethe apresenta logo no ato inicial uma rica alegoria do governo. Ele figura como um elefante peculiar, que desfila no cortejo carnavalesco do palácio imperial.

Sentada no pescoço do bicho, a conduzi-lo, vai a Prudência. Ao lado caminham dois seres acorrentados, a Esperança e o Medo. No lombo do paquiderme, de pé e com as asas abertas, desfila a Vitória.

O Medo é paranoico, em tudo enxerga conspiração e malícia. A Esperança, ao avesso, é de uma ingenuidade extrema. A Prudência regozija-se de os ter posto a ferros. São "dos piores inimigos do homem". E assim o bom governo pode seguir, "passo a passo, calmo e rijo".

No elefante da política externa brasileira, não está montada a Prudência. Medo e Esperança estão soltos, a disputar o controle do animal. A Vitória despencou.

A nota do governo Rousseff que condena as centenas de mortes de civis causadas por Israel em Gaza sem criticar o terror homicida do Hamas é um rebento recente daquela desarmonia. Não é o único em quase 12 anos de gestão petista.

Na Presidência, Lula deu declarações pusilânimes a favor do regime iraniano, que reprimiu barbaramente manifestantes em 2009. Fez troça dos opositores que apanhavam, eram presos e morriam, ao comparar o acontecimento com uma rivalidade entre torcidas de futebol.

Sob Dilma, o Itamaraty escreveu uma página lamentável de sua história ao desprezar a deposição constitucional do aliado Fernando Lugo, no Paraguai. Suspendeu o país do Mercosul e incluiu a Venezuela chavista, à revelia de Assunção.

O temor dos "ianques" e de outras potências democráticas serve de guia. A seu lado, a candura de acreditar que "outro mundo é possível" tendo como aliados a ditadura chinesa, o autoritarismo russo, o totalitarismo islâmico e o populismo latino-americano faz o elefante serpentear.

O governo, as intervenções e os esqueletos - HAMILTON DIAS DE SOUZA

CORREIO BRAZILIENSE - 04/08

As intervenções do Estado no domínio econômico podem e devem ser feitas em determinadas circunstâncias, havendo previsão constitucional nesse sentido (arts. 173 e 174 da Constituição Federal). Todavia, há limites que não podem ser ultrapassados. Se intervier na atividade econômica de forma a causar prejuízos anormais a determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, deverá o Estado indenizar os prejudicados na medida do dano que lhes causar (art. 37, § 6º da CF).

Portanto, em toda intervenção, o Estado deve sopesar não só os custos diretos de sua atividade, mas também os reflexos a que estará sujeito. Refiro-me aos chamados "esqueletos". Exemplos deles são as conhecidas demandas judiciais decorrentes da intervenção do governo nos setores aéreo e sucroalcooleiro nas décadas de 1980 e 1990. Embora as situações não sejam idênticas, há em comum o fato de haver o Estado obrigado os particulares a praticarem preços e tarifas administrados, fixando-os, porém, em níveis irreais e abaixo dos custos de produção dos respectivos setores. O Supremo tribunal Federal reconheceu o direito à indenização nesses casos.

A despeito disso, o que se verifica atualmente é o recrudescimento de intervenções da União na economia, que, a par de prejudicar o livre jogo das forças de mercado, tem provocado disfunções em determinados segmentos. Alguns exemplos merecem considerações específicas. O primeiro diz respeito à intervenção do governo na Petrobras, com reflexos diretos sobre a empresa, seus acionistas e demais partícipes do mercado de combustíveis.

Na condição de acionista controlador, o Executivo tem utilizado o congelamento de combustíveis como forma de controle da inflação, subsidiando o preço da gasolina no mercado interno. Em razão disso, há informações de que, desde 2010 até 2013, a empresa perdeu quase 50% do valor, suas ações ordinárias desvalorizaram 61,2% (entre 2009 e 2013) e os lucros tem caído significativamente. Em 2012, por exemplo, o lucro líquido diminuiu 36% em relação a 2011. De 2010 a 2013, o prejuízo direto em decorrência da importação de gasolina para revenda soma, aproximadamente, R$ 2,3 bilhões. Seus acionistas, demonstrando o desvio de finalidade do controlador, poderão exigir que este responda pelos danos causados à companhia.

O segundo exemplo refere-se aos produtores de álcool, que têm sofrido prejuízos em decorrência dessa mesma política. Com efeito, por questões de eficiência energética dos combustíveis (substitutos perfeitos), só é vantajoso abastecer o veículo com álcool, em vez de gasolina, quando o preço daquele for inferior a 70% do preço desta. Por isso, como o preço da gasolina está defasado, o do etanol tem de acompanhá-lo. As perdas do setor sucroalcooleiro, em decorrência desses fatores, são estimadas entre R$ 29,7 bilhões e R$ 38,7 bilhões e devem ser indenizadas por serem causadas por ato do governo, que tem fixado preços com o objetivo de controle da inflação, quando deveria fazê-lo no interesse da empresa (Petrobras) e para atender seu objeto social.

O terceiro exemplo alude à intervenção do Estado no setor elétrico, ao manter artificialmente baixo o preço da energia elétrica consumida, impondo, com isso, perdas às distribuidoras e concessionárias. Também afetadas pela persistente escassez de geração hidrelétrica, estas são obrigadas a adquirir, no mercado de curto prazo, energia mais cara, de geração termoelétrica, sem o necessário repasse de custo ao consumidor.

Em razão desses prejuízos, o governo anunciou uma compensação direta ao setor, por meio de um pacote de medidas que somam, aproximadamente, R$ 12 bilhões, decorrentes de aportes diretos realizados pelo Tesouro Nacional e financiamentos bancários à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Se as perdas do setor superarem as compensações diretas havidas, suas empresas terão o direito de serem indenizadas.

Fica evidenciado que as intervenções estatais devem ser feitas apenas em circunstâncias excepcionais, quando interesses públicos primários o exigirem, devendo seus custos ser rigorosamente calculados. Além de causarem disfunções no mercado, criam ônus presentes e futuros. Esses últimos, os chamados esqueletos.

Sabujices - MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA

O ESTADO DE S.PAULO - 04/08


É direito de quem, querendo preservar ou ampliar o patrimônio, entrega as economias (suadas ou não...) a uma instituição financeira dela poder saber como esse investimento será feito, as garantias do capital investido e os rendimentos esperáveis. Ao assim leal e transparentemente informar, e por isso fornecer o aconselhamento ditado pelo cenário econômico, a casa bancária ou a corretora cumprem elementar obrigação imposta pelas leis e generosamente remunerada.

Pois bem, como sabido, faz pouco um importante banco demitiu o funcionário que, no extrato mensal enviado a alguns clientes, e então examinando a campanha eleitoral em pleno curso, afirmou que, "se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes".

Essa simples opinião - insisto, esse reles cumprimento do dever legal - foi o que bastou para, no ridículo fenômeno que acompanhamos, sacudir os alicerces da República, gerando iradas reações das mais altas autoridades, inclusive da própria presidente Dilma Rousseff.

A direção da sociedade bancária apressou-se a apresentar um mea culpa, humildemente pedindo desculpas pelo parecer do preposto e, com igual celeridade, anunciando o seu afastamento.

Ora, no citado episódio, aquilo que mais causa estranheza certamente não é o furioso revide dos administradores públicos. Compreende-se, sem justificar, que centrados nas próximas eleições e nas atuais condições da economia nacional, na inflação crescente e na galopante carestia, a candidata à reeleição e seus adeptos queiram afastar de si o cálice da impopularidade, herculeanamente tentando fazer acreditar, a consumidores e poupadores, que a quadra econômica é rósea e, polianamente, tudo corre bem.

O que, isso, sim, provocou a mais indignada perplexidade naqueles que acreditam na economia de mercado e na livre-iniciativa foi a atitude dos que, ajoelhados e penitentes, rogaram um contrito perdão à presidente da República e, para agravar, demitiram o analista que atendeu, com fidelidade e consciência, ao quanto se comprometeu quando contratado para a função. Não conheço esse profissional, mas consigo avaliar a intensidade da sua dor moral e do sofrimento diante da injustiça sofrida.

É a velha história: novamente, a corda rompeu-se na parte fraca...

Os sabujos são cães de caça. Farejadores por excelência, entre eles se acham o "beagle" e o "bloodhound". Há até mesmo um sabujo hispânico ("sabueso español"), que, de porte médio e lembrando os mastifes, foi levado para a Península Ibérica pelos celtas. Porque, à procura das presas, o sabujo abaixa a cabeça, assim permanecendo até localizá-las, "sabujice" traduz bajulação, o fazer rapapés, endereçar louvaminhas e espargir salamaleques. Em duas palavras, queimar incensos.

Digno teria sido que, caso sinceramente convencido do desacerto do analista, o banco emitisse nota pública retificativa, desautorizando-o e detalhando os erros da análise empreendida. Essa sensata providência - embora na contramão daquilo que, muito antes do injustiçado crítico, vários pareceristas e consultorias sustentavam - provavelmente satisfaria a iracúndia governamental e aplacaria a execração partidária.

Optou-se, todavia, pelo capachismo, não se hesitando em impetrar absolvições e, visando a torná-las mais audíveis nos gabinetes de Brasília, excluindo-se o empregado cuja única falta foi a de exprimir um juízo nascido da sua habilitação profissional.

Desse ronceiro servilismo se originam perversos efeitos. Doravante, de que liberdade opinativa gozarão e a exercitarão os técnicos que, na área financeira, são incumbidos de semelhantes diagnósticos? Não temerão eles, a partir do lastimável precedente, represálias idênticas?

E qual grau de confiança poderão merecer, dos investidores-destinatários, as avaliações recebidas das instituições guardiãs dos seus dinheiros? Tais apreciações se lastrearão num crivo independente ou, ao contrário, tão só circularão para agradar aos poderosos da República, sempre aplaudindo ou silenciando?

E como será possível perscrutar as eventuais mutações na firmeza e na rentabilidade das aplicações monetárias sem aí considerar as interferências do panorama político, por conseguinte, da perspectiva sucessória?

Neste sombrio planeta de Ucrânias e Faixas de Gaza, de muitos aterrorizantes pavores e de algumas acalentadas esperanças, de a cada dia mais achavascadas abelhudices do Estado no cotidiano e na intimidade dos cidadãos, como supor que na pesquisa do economato se possam lançar às urtigas, como algo de nenhuma influência, os processos, democráticos ou não, voltados para a substituição dos dirigentes públicos?

Afinal, recusar a investigação da mecânica sucessória e dos seus óbvios reflexos na economia é praticar uma inaceitável "não análise", pelo que preferível seria que, amordaçados, os analistas simplesmente deixassem de existir e, para sobreviver, passassem a vender guloseimas e quitutes, brincos e colares, quiçá alugassem bicicletas...

Concluindo, sabujices como as aqui descritas não são apenas cruéis. Acima de tudo são também perniciosas, e deletérias na medida em que reforçam a insegurança jurídico-econômica, periclitam a confiança coletiva, incentivam autoritarismos, egocentrismos, histerias e não me toques, nada disso bastasse pondo em risco - grave e iminente risco - a sempre desejável respeitabilidade das empresas privadas.


Retratos do autoritarismo - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 04/08
O que tem a ver o caso da analista do banco Santander demitida na semana passada por exercer direito o seu ofício com o caso do correspondente do "The New York Times" ameaçado de expulsão do Brasil em maio de 2004? Os dois aconteceram no começo e no que poderá ser o fim do período de 12 anos de governos do PT. Foram protagonizados por Lula. E são casos exemplares da prepotência dele e de sua turma.

DE VOLTA AO FUTURO... Na época, pensei: o cara pirou. Só pode ser. Ou está de porre. Compreensível que tenha se sentido ofendido pela reportagem do "The New York Times" sobre seu gosto por bebidas alcoólicas. Mas daí a determinar a expulsão do país de Larry Rother, correspondente do jornal mais importante do mundo? Sinto muito, era um flagrante exagero. Uma escandalosa arbitrariedade.

FOI ISSO O que Lula ouviu dos poucos assessores com coragem para confrontá-lo. Um deles, durante reunião no Palácio do Planalto, sacara de um exemplar da Constituição e apontara o artigo que garantia ao jornalista o direito de permanecer no Brasil. Então Lula cometeu a frase que postei em meu blog às 15h16m do dia 12 de maio de 2004, poucas horas depois de ela ter sido pronunciada.

ELE DISSE: "Fod.... a Constituição". Foi mais ou menos isso que você leu. Um ministro que ouvira a frase reproduziu- a para um assessor. E o assessor, que trabalhara comigo durante vários anos, me telefonou contando. Esperei durante o resto do dia o desmentido que não veio. Ainda espero. Prevaleceu a opinião sensata de Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, que desaconselhou a expulsão por ser ilegal.

IMPEDIDO DE consumar sua vontade, Lula tentou tirar proveito político do episódio se comportando como vítima. A Presidência da República fora atacada por um irresponsável jornalista estrangeiro. Mas, generoso e obediente à lei, o presidente desculpara o malfeitor, depois que ele divulgou uma nota dizendo que não tivera a intenção de ofendê-lo. Quanto ao jornal... Recusou-se a desmentir o que publicara.

A CORAGEM QUE sobrou à direção do jornal faltou à direção do Santander. Em discurso para sindicalistas em São Paulo, Lula cobrou do banco a demissão imediata da analista, autora do boletim enviado para clientes de alta renda relacionando a queda de Dilma nas pesquisas de intenção de voto com a eventual melhoria do câmbio e valorização de ações de grandes companhias. E a cabeça da analista foi oferecida a Lula.

UM ATO DE subserviência. Que nem de longe parece ter envergonhado Emílio Botín, presidente mundial do Santander, amigo de Lula e admirador declarado de Dilma. "O que aconteceu é proibido, pois não se pode fazer manifestações que interfiram na decisão de voto", cobrou Rui Falcão, presidente do PT. Botín aquiesceu: "O boletim não representa a posição do banco". E se o boletim tivesse afirmado o contrário? 

SE TIVESSE dito que a Bolsa de Valores subiria com o crescimento de Dilma nas pesquisas? Lula pediria a demissão do seu autor? Falcão recriminaria o banco por favorecer o voto em Dilma? Lula e o PT aproveitaram a ocasião para fazer Dilma de coitadinha! De maltratada pelos poderosos. Perseguida como o fora durante a Copa do Mundo por uma elite preconceituosa que não respeita nem mesmo uma mulher.

ESSE TIPO DE jogada falsamente esperta, que aposta na ignorância coletiva, se repetirá à exaustão até que o país conheça em outubro seu futuro presidente. Fiquem atentos para desmoralizá-la de saída.

Fatos, apenas alguns fatos - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 04/08


Foi lamentável o pronunciamento da chancelaria de Israel acerca da atual conduta do nosso país no plano internacional. Isto posto, imperioso é salientar que o velho Ministério de Estrangeiros, desde a República denominado Ministério das Relações Exteriores, ultimamente tem se amesquinhado. Dir-se-ia que a senhora presidente da República não morre de amores por ele. Contudo, seu declínio é inegável. Já não falo dos tempos do Barão, de Oswaldo Aranha, Raul Fernandes, João Neves… que em momentos difíceis fizeram com que o solar da Rua Larga continuasse a enriquecer o acervo diplomático do país. Basta dizer que o vocábulo Itamaraty se tornara sinônimo da política externa do Brasil. Em verdade, as reiteradas ações e omissões não podem ser menosprezadas.
A título de exemplo, vão mencionadas algumas:
1) Autoridades brasileiras, aliás, contrariando manifestações de servidores legalmente qualificados para opinar a respeito, abrigaram terrorista condenado pela justiça de seu país, Battisti; 2) O Brasil expulsou dois boxeadores cubanos, que aqui participavam de uma competição esportiva e queriam aqui homiziarem-se para não voltar à ilha sovietizada, despachando-os em avião venezuelano; 3) A Bolívia invadiu instalações da Petrobras, legal e publicamente instalados, como era óbvio, e o Itamaraty não viu nem notou o frontal agravo à Nação; 4) O governo namorava abertamente com o Irã no que tange aos seus planos nucleares, cujas implicações podem ser de consequências mundiais; 5) O governo tornou-se parceiro da mais antiga ditadura da América, firmou contratos secretos com Cuba e Angola e a senhora Presidente cantarolava no Porto de Mariel, financiado pelo Brasil, proclamando que seu ideal era a união entre os dois países; 6) O Itamaraty estimulou a introdução da Venezuela no Mercosul, quando é condição para ingresso o Regime Democrático; 7) O Brasil silenciou quanto às violações dos Direitos Humanos na Venezuela e ao contrário, tem se acasalado com aquele país; 8) O Brasil tem dois supostos ministros de Relações Exteriores, um que é conselheiro da senhora presidente, como se os ministros não fossem conselheiros natos, por expressa disposição constitucional, o outro ocupa o belo edifício que abre uma das fileiras de ministérios; 9) O comportamento do Brasil em relação ao asilado boliviano na embaixada em La Paz, numa espécie de prisão.
Os estilos do Itamaraty desde muito eram outros e bem melhores.

Ativistas, militantes e criminosos - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O ESTADO DE S.PAULO - 04/08


Prostituir as palavras, deformar a realidade e mentir. A estratégia marxista, flagrada nas ações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e na violência black bloc, grita nas ruas e avenidas de um Brasil acuado pela covardia e leniência de seus governantes. E nós, jornalistas, corremos o risco de sucumbir ao gingado gramsciano e à instrumentalização semântica. Criminosos que bloqueiam vias públicas, invadem prédios, lançam bombas, matam um cinegrafista de TV - fatos públicos e clamorosos - vendem a imagem de "ativistas" e "militantes". Quando presos, depois de uma enxurrada de ataques ao Estado Democrático de Direito, assumem o papel de "presos políticos". E a imprensa, frequentemente refém de uma pretensa imparcialidade, acaba algemada pela inconsistência dos clichês ideológicos.

Nosso papel é informar. Nossa missão é rasgar a embalagem da propaganda e mostrar a realidade. Vamos aos fatos. O relatório final do inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre atos de violência em manifestações mostra que os black blocs têm uma hierarquia rígida. Há comissões voltadas para o planejamento de ataques, confecção e distribuição de bombas e coquetéis molotov. O jornal O Globo teve acesso ao relatório, de 2 mil páginas, sobre a investigação iniciada em setembro e que inclui o monitoramento de telefonemas e e-mails. Um dos suspeitos, por exemplo, revoltado por ter sido condenado a prestar serviços comunitários, diz que mataria um PM ao final da Copa. De acordo com o documento, uma ação de guerrilha, com uso de bombas de fragmentação, coquetéis molotov e ouriços (peças feitas com pedaços de vergalhões, destinadas a ferir PMs e furar pneus), estava sendo articulada para marcar o final da Copa do Mundo, dia 13/7, no Maracanã.

No inquérito policial sobre os black blocs, Elisa Quadros, vulgo Sininho, considerada líder do bando, é acusada de incitar seus companheiros a atear fogo na Câmara Municipal carioca durante protesto no ano passado. A "militante" também teria determinado ataques a garagens de ônibus durante a greve de rodoviários em maio. Na ocasião, 500 ônibus foram depredados. Belo serviço aos trabalhadores pobres da periferia.

A sociedade, atônita e revoltada, não assiste ao sadio idealismo da juventude que protesta contra a corrupção e a incompetência dos governos, marca registrada das manifestações de junho de 2013, mas ao recrudescimento de uma estratégia de tomada de poder que passa, necessariamente, pela destruição da democracia e pelo assassinato das liberdades. À medida que avançam, protegidos pela covardia das autoridades, grupos com o perfil do MTST e dos black blocs vão mostrando sua verdadeira face: arrogância, violência e espírito totalitário.

O MTST, hiperativo em São Paulo, começa a dizer o que realmente pretende. Guilherme Boulos, seu líder, em entrevista ao Estado, já não esconde os objetivos de suas ações. O MTST "não é um movimento de moradia", mas "um projeto de acumulação de forças para mudança social". Resumo da ópera: a proclamada luta por moradia não existe. É só uma fachada marqueteira. O objetivo é a revolução, que, por óbvio, passa como um trator por cima da democracia.

A violência é a ditadura das minorias para encurralar a sociedade. O vandalismo do MTST e a violência dos mascarados, não obstante seu discurso pretensamente libertário e confrontador do sistema vigente, são tudo menos democráticos. Os mascarados não representam os brasileiros indignados que ocuparam praças e avenidas em junho do ano passado. São água e vinho. No Rio, grupos de encapuzados queimaram a Bandeira do Brasil, semearam pânico e destruíram patrimônio público e privado. Em São Paulo, cidade maltratada por uma administração que transforma o trânsito no inferno cotidiano de todas as classes sociais, a delinquência do MTST só aumenta o sofrimento com o bloqueio constante de vias públicas. São, de fato, inimigos dos trabalhadores honrados e lutadores. Eles não têm a cara do nosso país e da nossa gente.

Cabe ao jornalismo não apenas fazer o registro e o inventário das ações criminosas. É preciso condená-las com a força da apuração de qualidade. Muitas perguntas essenciais não foram respondidas. Quem está por trás dos bandos? Quem financia a logística? Ocupar terrenos, instalar barracas com a velocidade de uma ocupação militar, transportar companheiros, alimentar a militância, tudo isso custa muito dinheiro. É preciso esclarecer. Como salientou recente editorial do Estado, há cada vez mais indícios de que os militantes vândalos podem estar atuando como uma espécie de "braço armado" de organizações que se constituíram graças à democracia, mas não têm nenhum apreço por ela.

Não se pode permitir que o autoritarismo ideológico, apoiado em milícias armadas e delinquentes, roube as legítimas bandeiras da cidadania. Os protestos de rua, pacíficos e democráticos, são legítimos e necessários. O povo, sobretudo a juventude, mais perspicaz do que se pensa, sabe que a dinheirama da corrupção está na raiz da pobreza dos brasileiros. Verbas públicas desviadas da saúde, da educação, da agricultura engordam as contas dos parasitas da República e emagrecem a vida e a esperança do povo. Se o dinheiro que circula no mercado da corrupção fosse usado para fazer investimentos públicos, mudaria a cara do Brasil e faria, de fato, a almejada justiça social.

Mas o MTST, os black blocs, Boulos, Sininho e seus seguidores não estão nem aí para isso. O que lhes interessa é o poder, e não a democracia.

Diplomacia corrosiva - PAULO DELGADO

O GLOBO - 04/08


O Brasil errou ao retirar o embaixador de Israel. Israel errou ao usar de preconceito para nos ofender. Mas como a diplomacia brasileira repetiu, para se defender, a comparação ofensiva que recebeu da chancelaria israelense, atrás da cortina não há mais nada para se ver. Usar um atributo físico para desqualificar uma pessoa é a mais pura linguagem fascista; repetir a frase da ofensa como parte da defesa escapa da área do cérebro onde se situa a inteligência.

A guerra é sempre a mais absurda forma em que a política quer dispor da vida. A que se arrasta entre Israel e Palestina é, ao mesmo tempo, a guerra do errado e o errado, do certo e o certo. É impulsionada, dos dois lados da fronteira surda, pelo fanatismo que transformou a região em um campo de refugiados judeus, expulsos da Europa, e palestinos, rejeitados pelo mundo árabe. Dois irmãos, que chegaram ali para ficar e, como povos, estão muito à frente dos seus líderes e dos líderes mundiais que os apoiam.

Uma boa cerca faz bons vizinhos, diz um poeta palestino; do lugar de onde temos razão não nascem flores na primavera, concorda seu colega israelense. Os dois são vítimas de um mesmo opressor, que é o fanatismo. Não há ali guerra civil e de reis como as travadas por mais de mil anos pelos povos e países da Europa. Menos ainda o monstro colonial que humilhou por mais de quinhentos anos a América e a Ásia.

Nem as aberrações tribais que consomem a África até hoje. Trata-se de um conflito internacional cuja solução deve ser negociada por todo mundo onde existam líderes moderados, que acreditem no poder da contenção, com superioridade moral para não precisarem ser pró-Palestina ou Pró-Israel, mas sim a favor da paz.

Especialmente porque criticar a assimetria de qualquer conflito onde existem durões e operações com mártires de ambos os lados não é nada ordinário ou extraordinário. Basta não ter paciência para o ir e vir das dificuldades, recomeços e revezes da luta na região. Tomando a água da superfície e muito preocupada com o êxtase do noticiário, a diplomacia nessa área de conflito funciona como uma comunidade fechada onde embaixadores formam clubes, de costas para inocentes e temperamentos pacíficos.

E nada ajudam por não perceber que muitas vezes os dois lados ali sabem muito bem como obter do outro o tipo de reação que serve ao objetivo para dar o passo além e destroçar qualquer possibilidade de diálogo ou discussão racional.

É duro não se darem conta que um poder militar tenha muita dificuldade de definir seus objetivos quando quer buscar legitimidade para eles. Mas que pode muito bem reforçar seus erros se ajudados por desinformados pacifistas que cometem o erro maior de desistir do diálogo e se fazerem espiritualmente inúteis.

Não há Ghandis naquele conflito. Deixar que a dor ou a revolta determine a forma de agir é mais do mesmo. Ao retirar o embaixador de Israel, o Brasil abandonou sua responsabilidade. Como mais um fanático certo de que a indignação que sente confere razão à forma de reagir aos atos que condena.


Ato de contrição - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 04/08


BRASÍLIA - A promessa foi feita em conversas, diríamos, prospectivas para convencer alguns donos do PIB a bancar a conta da eleição. Nada diferente do tradicional. Só que, até agora, nenhum sinal, nem de fumaça, foi visto saindo do Planalto.

Em busca da confiança perdida, interlocutores muito próximos da presidente Dilma prometeram por aí que ela faria uma autocrítica. Admitiria erros e sinalizaria mudanças num eventual segundo mandato.

Diante da falta de gestos presidenciais, duas leituras são possíveis. Os interlocutores da petista podem ter vendido terreno na lua ou ela ainda reflete se e quando faria tal ato de contrição público.

O fato é que a turma que prometeu segue defendendo que tal sinalização seja feita ainda na campanha. E jura ter tratado do tema com a própria. Admite, contudo, não ter havido definição final sobre o assunto.

A resistência presidencial em reconhecer erros tem, porém, defensores dentro do governo. Esse grupo tacha de "loucura" e "obra de inimigos" falar de autocrítica em época de campanha eleitoral --a dúvida é se somente em tempos de eleição.

Enquanto isso, a presidente prefere culpar a crise internacional e o pessimismo reinante pelo fraco crescimento econômico. É o mesmo que tirar o corpo fora da dividida e dizer que a cara amarrada dos empresários travou o país.

Até parece que, para Dilma, dá para pôr fim no pessimismo por decreto. É como se o empresário acordasse de mau humor, lesse os jornais de manhã e chegasse ao escritório decidido a parar investimentos --nada a ver com intervenções e equívocos do governo. Socorro.

Só que, a contragosto, o mundo real pode forçar uma autocrítica da petista. Aqui, a economia esfria cada vez mais perto do período eleitoral. Já lá fora ela começa a aquecer.

Tudo isso, porém, não vai interferir na generosidade de doadores de campanha. Ninguém quer desagradar uma possível futura presidente.

A política de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 04/08


Em entrevista ao Estado (27/7), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentou a sua frustração com a implantação parcial do Plano Real e com a falta de continuidade nas reformas de que o País tanto precisava e continua precisando. "Ficaram pela metade." Referindo-se à reforma política, afirmou: "Eu tomei a decisão de não começar por ela, porque se começássemos por ela não sairíamos dali (....). Estamos pagando o preço pela falta da reforma política".

Ainda que se possa discordar do seu ponto de vista, há nele um raciocínio político no seu mais genuíno sentido: no âmbito do possível, estabelecer as prioridades de ação.

É o que falta à presidente Dilma. Ela completa agora 43 meses governando o País, faltando apenas 5 meses para o término do seu mandato. Nesse tempo de Palácio do Planalto, faltou-lhe definir, dentro do possível, as suas prioridades.

O que mais frustra no seu governo não são os erros pontuais - que abundam -, mas a inexistência de prioridades, de metas claras que confiram um sentido inteligível ao governo.

Esse cenário - que a distancia de qualquer presidente da República que deixou alguma marca positiva de seu governo - começou a ser delineado quando ela se esquivou de ponderar sobre o possível. As suas investidas - como a "faxina ética" de 2011, com a frenética troca de ministros - morreram na praia.

Não que, com audácia, ela almejasse ampliar as "fronteiras do possível". Seus erros têm sido, simplesmente, erros de cálculo. De não saber calcular as suas forças nem saber prever o percurso que queria e teria de fazer.

E isso a levou a ficar refém das circunstâncias, do curto prazo, em ações - para não falar dos discursos - que precisavam de explicações sobre explicações para que adquirissem uma remota aparência de sentido.

Se a presidente Dilma não soube avaliar o possível, muito menos poderia estabelecer prioridades. Contando com folgada maioria no Congresso e igual apoio da opinião pública, a presidente não patrocinou nenhuma das reformas essenciais ao desenvolvimento econômico, social e político do País. Perdeu-se em medidas pontuais, desconexas, cujo único objetivo geral era - como se viu com o passar do tempo - tentar dar sobrevida a um sistema esgotado, cujo relativo sucesso prévio baseava-se em circunstâncias já não mais existentes.

O seu fracasso não é só econômico. É um governo perdido e teimoso, incapaz de ouvir outro som além do eco da sua fala. O País paga diariamente um alto preço por isso. E não apenas no presente, já que a fatura dessa irresponsabilidade recairá também sobre o futuro. Quem sabe quanto tempo se levará para desfazer o imbróglio criado, por exemplo, no setor elétrico? Quanto tempo levará a indústria nacional para se reerguer?

A única estratégia do governo Dilma tem sido a da sua prorrogação por mais quatro anos e a do lulopetismo por tempo indeterminado. O resto é um governo que seria vazio, não fossem os efeitos deletérios da aplicação de sua falta de visão às estruturas política e produtiva do País. Um governo que não tem os pés no chão. Veja-se como reagiu às grandes manifestações de junho de 2013. Num passe de mágica, Dilma firmou - não se sabe com quem - cinco "pactos".

Na prática, era a simples enunciação de problemas nacionais óbvios - responsabilidade fiscal, reforma política, sistema de saúde, mobilidade urbana e educação -, mas sem qualquer sinalização de caminhos para enfrentá-los. Ficou sozinha com o seu discurso, sentindo-se incompreendida. Mas o que houve nesse caso - da mesma forma que nos outros - foi a sua falta de compreensão da política. Não soube traçar, dentro do campo do possível, prioridades e trabalhar a sério nelas. Resultado: depois de uma semana, nem mesmo ela parecia se lembrar do que havia dito.

É esse (des)governo que chega à sua etapa final, com a economia em desagregação e um ambiente social de difuso, porém profundo, desagrado. O remédio para tais males, felizmente, são as urnas.


Negando a realidade - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 04/08


Enquanto analistas e os próprios resultados econômicos do governo indicam problemas, Dilma e Mantega seguem afirmando que tudo vai bem


A presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, notabilizam-se pelo otimismo com que veem os rumos da economia brasileira. Embora os fatos reais contrariem quase tudo o que dizem, à moda do Dr. Pangloss, personagem que Voltaire imortalizou em Cândido – uma das obras-primas do enciclopedista francês – como símbolo do otimismo, eles se mantêm firmes na opinião de que tudo está bem e que dias ainda melhores virão. Pessimistas e equivocados são sempre os analistas das mais respeitáveis instituições quando ousam afirmar o que o governo e a equipe econômica não querem ouvir.

Antes e depois do episódio envolvendo o banco Santander, que comentamos neste mesmo espaço na última quinta-feira, outras instituições fizeram diagnósticos pouco alentadores a respeito do estado da economia brasileira. Agora é o Fundo Monetário Internacional (FMI) que, em análise da conjuntura mundial, põe o Brasil entre as nações cuja política econômica não favorece o crescimento. Ao contrário, salvo poucas exceções entre os desenvolvidos e os emergentes, nosso país tende a apresentar um dos menores índices de crescimento do PIB em 2014. Na última revisão de suas previsões, o FMI baixou sua expectativa para o Brasil: de 1,8% para 1,3%. No dia 29 de julho, a instituição classificou o Brasil como uma das economias emergentes mais vulneráveis a uma piora do quadro internacional. Em comum com África do Sul, Argentina, Índia, Indonésia, Rússia e Turquia, o país apresenta “inflação mais alta, rombo nas contas internas e externas e outros desequilíbrios-chave”, segundo o FMI. A reação de Guido Mantega foi simplesmente a de desqualificar o relatório, afirmando que uma instituição respeitável jamais diria uma coisa dessas do Brasil.

Mas nada disseram tais instituições além do que a generalizada percepção do brasileiro comum já intui. O carrinho de compras no supermercado é o termômetro que lhe está mais acessível e ele mostra que os preços estão subindo – simples dado microeconômico que se confirma quando vêm à tona sofisticados dados macroeconômicos. Apenas para citar um exemplo, eles nos dão conta, oficialmente, de que a inflação está continuamente acima do centro da meta ou até ultrapassando seu teto. E isso apesar das traquitanas criativas que seguram preços controlados (gasolina, por exemplo) para dar a aparência de uma normalidade que já não existe.

Mas, além de recorrerem à visão panglossiana, Dilma e Mantega, secundados por Lula, o mentor de ambos, põem em cena outro clássico: Sigmund Freud, pois aparentam conhecer a mente das massas. Segundo eles, o pessimismo em relação à economia é contagiante. Se muitos afirmam que as coisas não vão bem, a tendência é de que os investimentos decaiam, as bolsas amarguem prejuízo, a balança comercial patine, as contas públicas se desorganizem. Mas certamente não é uma suposta “onda de pessimismo” a responsável pelo pior déficit primário das contas do governo central (governo federal, Banco Central e Previdência Social) para um mês de junho – o rombo, divulgado semana passada, foi de R$ 1,95 bilhão.

Ora, em vez da psicologia, não seria melhor recorrer à aritimética básica, que nos ensina que gastar mais do que se ganha só pode resultar numa conta negativa? E que, gastando-se mal, isto é, em quase nada que possa reverter o prejuízo presente e eventual em ganhos futuros, a tendência inevitável é de se acentuar a estagnação do crescimento que, somada à inflação alta, recebe dos economistas o nome de estagflação? Seria tudo isso apenas fruto da imaginação dos pessimistas ou é algo que pode ser comprovado à luz dos fatos reais?

Quebrar os termômetros não faz baixar a febre. Protestar contra o Santander, o FMI, as agências internacionais e nacionais ou os adversários políticos não é, decididamente, a melhor forma de que o governo poderia dispor para chegar ao âmago das causas que provocam a deterioração da economia nacional para dar-lhes efetivo combate.

Problema crônico - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/08


No dia 20 de junho foi publicada uma nova lei reabrindo (pela quinta vez) o parcelamento de dívidas tributárias com a União. Pela portaria que regulamenta o decreto, os contribuintes em atraso terão até o dia 25 para aderir ao chamado Refis, parcelando em 180 meses seus débitos — incluindo valores atrasados de refinanciamentos anteriores. O Refis tem como principal atração a liberação de multas e juros de mora incidentes sobre as dívidas tributárias existentes.

A adesão ao programa está condicionada à antecipação de uma parte do pagamento, que varia de 5% a 20%, dependendo do valor da dívida acumulada. Os que devem à União menos de R$ 1 milhão anteciparão o menor percentual, e acima de R$ 20 milhões, o maior.

E aí é que parece estar a razão principal da reabertura do programa de refinanciamento.

São sempre bem-vindas iniciativas que ajudem os contribuintes a se manter em dia com suas obrigações tributárias. Simplificação, desburocratização, abertura de canais de comunicação com o fisco para que se faça a interpretação correta das normas, etc. Em face da elevada carga tributária no Brasil, há situações conjunturais em que a inadimplência de fato pode aumentar — por fatores às vezes alheios à gestão empresarial —, e a negociação é admissível, como acontece, por exemplo, no caso do crédito junto ao sistema financeiro. Tais negociações evitam que o contribuinte caminhe para um quadro falimentar, causando prejuízos que atingiriam, por efeito cascata, outros elos da cadeia produtiva.

No entanto, se a renegociação se torna rotineira, a inadimplência tende a deixar de ser involuntária para se tornar proposital. E, nesse caso, o contribuinte em dia acaba sendo prejudicado por uma concorrência desleal.

A motivação do governo federal nessa nova reabertura do programa de refinanciamento de dívidas não é doutrinária. Na verdade, o que existe é uma preocupação com o fluxo de caixa de curto prazo. Quando a lei foi promulgada, em junho, as autoridades fazendárias já sabiam que as metas fiscais que se propuseram a alcançar não seriam atingidas, pois a arrecadação não estava se comportando de modo a embasar o crescimento acelerado das despesas. Mais uma vez, a solução foi tirar do baú o programa de refinanciamento de dívidas, que tem um impacto inicial positivo sobre as receitas, devido às cinco parcelas que são inicialmente pagas como contrapartida à adesão ao Refis. Isso já aconteceu no passado. A outra fonte, que são os dividendos das companhias estatais, está secando, pois as empresas já não conseguem manter a mesma rentabilidade, até porque têm sido descapitalizadas.

O contribuinte mal-intencionado percebe essa fragilidade financeira do Tesouro. Depois de quitadas as parcelas iniciais de adesão ao programa, talvez passem a esperar por uma nova versão do refinanciamento. Então, as autoridades vão se deparar não mais com uma situação conjuntural, momentânea, mas como um problema que se tornou crônico.

Ebola exige mais atenção - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 04/08

Doença fatal, sem cura nem vacina para preveni-la, o ebola avança no oeste da África, na pior epidemia da história. Mais de 700 pessoas morreram entre março e o fim de julho, acima de mil estão infectadas e autoridades de várias partes do planeta temem que a febre hemorrágica se propague para além do continente africano.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) emite recomendações. Os Estados Unidos elevaram ao nível máximo o alerta de viagens para Guiné, Libéria e Serra Leoa. O Brasil, por sua vez, descarta a necessidade de medidas drásticas, limitando-se a aumentar a vigilância - um pouco mais que a rotina - sobre viajantes que apresentem sintomas clássicos, como febre, diarreia e hemorragia.

Para o Ministério da Saúde, é pequena a possibilidade de o vírus - que se propaga por meio de contato direto com muco, sêmen, saliva, suor, vômito, fezes e sangue - chegar ao país. É fato. Tanto que, desde a descoberta da doença, em 1976, não se tem notícia de caso fora da África. Mas, como cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, é melhor prevenir.

Na quinta-feira, no Paraná, a Secretaria de Saúde de Londrina chegou a investigar se uma angolana de 46 anos, que veio ao Brasil para a formatura do filho e apresentava quadro de saúde semelhante, não estava com ebola. Exames constataram que ela tinha pneumonia e anemia. Entretanto, não foi investigada à toa. Afinal, ainda que não haja contágio no período de incubação, levam-se, em regra, de duas a três semanas da infecção até o aparecimento dos sintomas.

Os surtos de ebola são, historicamente, localizados. Mas o temor internacional de eventual disseminação da atual epidemia tem razão de ser. É que há casos em três países - Guiné, Libéria e Serra Leoa (esses dois últimos em estado de emergência desde a semana passada) -, fora um registro na Nigéria, de paciente contaminado em outro país. Portanto, uma vez mais, toda cautela é pouca. Até porque a taxa de letalidade da doença é muito alta: de até 90%.

Os Estados Unidos recomendam não viajar aos países afetados a não ser por extrema necessidade. Mais radical, a chinesa Hong Kong anuncia quarentena para viajantes vindos da região em que o ebola está ativo. O Japão pôs os hospitais em alerta. O Reino Unido discute a ameaça. Empresas aéreas suspendem ou monitoram voos, enquanto a Organização da Aviação Civil Internacional define procedimentos com a OMS. Enfim, as precauções são variadas - e indicativas do grau de preocupação internacional.

Nem que seja para maior tranquilidade dos cidadãos, o Brasil precisa relevar a dificuldade de contágio e considerar, sim, a hipótese de o vírus desembarcar em território nacional. No mínimo, cabem uma campanha de esclarecimento da população, um sinal de alerta aos profissionais da saúde e a preparação da rede pública para eventual emergência. O ebola é altamente contagioso. Não seria nada recomendável esperar que chegasse aqui para só então pensar em providências.

Apreensão e desconfiança - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 04/08


Além dos indicadores com números da performance da economia, há outros sinais, também mensuráveis, capazes de esboçar o sentimento médio dos brasileiros com a situação do país. São as amostragens, baseadas em pesquisas, sobre o grau de confiança de empresários e da população com as perspectivas econômicas e sociais. Vem aumentando consideravelmente o nível de insegurança em relação a aspectos decisivos para quem pretende investir, consumir e planejar a vida. Não há mais como negar que um conjunto de fatores abala projetos de médio e longo prazo, com repercussão no investimento real, como observou em recente artigo para o jornal Folha de S. Paulo o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto.
O tema da sua abordagem é a desconfiança que fomenta boa parte das relações entre empresários e governo, num fenômeno que não é recente, mas tem se intensificado. Entre as muitas causas desse desencontro está, por exemplo, o embate do governo com investidores em obras ou concessões públicas, a partir do entendimento do Executivo de que o setor privado vinha desfrutando de exageradas taxas de retorno. Isso significa que, para o governo, as expectativas de ganhos com os investimentos deveriam ser reduzidas drasticamente, quando das licitações, para baratear obras e serviços. Criou-se, com essa decisão, entre os empreendedores, o sentimento de que parte importante do governo sentia-se desconfortável com a lucratividade de quem corre riscos.
A percepção generalizada passou a ser a de punição, não dos exageros, mas do próprio lucro. Como efeito dessa posição, desde o ano passado o governo vem revendo taxas de retorno, ou fracassaria na tentativa de licitar rodovias, ferrovias, portos e outros projetos de infraestrutura. Soma-se a isso a indecisão na correção de rumos da economia, excessivamente dependente do mercado interno, no encaminhamento de reformas importantes, em especial a tributária, no descontrole das contas públicas, e nas idas e vindas da política monetária. Como exemplo, recentemente o Banco Central manteve a taxa básica nos mesmos níveis e dias depois fez concessões na liberação de crédito, transmitindo falta de convicção aos mercados.
O governo, como observa Delfim, falhou ao não reagir a tempo ao esgotamento do período favorável às commodities, que vinha beneficiando o Brasil, e continua falhando ao não perceber o encolhimento do setor industrial e das exportações. A insegurança se manifesta também entre a população, como indica pesquisa realizada em julho pelo DataFolha em que a maioria de 58% de entrevistados acredita no aumento da inflação.
Em tudo, a questão presente é a confiança, tema de um conhecido ensaio que o pensador americano Francis Fukuyama transformou em livro. A confiança é o maior bem a ser preservado, para que todos se beneficiem do desenvolvimento econômico. O bom nível de confiança nas relações da sociedade, incluindo governos, estabelece as bases para que um país avance. Este é o bem que o Brasil deve resgatar, independentemente de quem estiver no poder.

De joelhos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/08


Procissão de autoridades ao Templo de Salomão, da Universal, expõe relações questionáveis de políticos com instituições religiosas


Uma procissão de autoridades, liderada pela presidente da República, pelo governador paulista e pelo prefeito da cidade de São Paulo, dirigiu-se, na última quinta-feira, ao bairro paulistano do Brás para prestigiar a cerimônia inaugural do Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus.

Com proporções bíblicas, a obra tem 74 mil metros quadrados de área construída e foi erguida a um custo de R$ 680 milhões, segundo a igreja. O complexo, revestido com pedras importadas de Israel, conta, entre outras facilidades, com estúdios de rádio e televisão, além de heliponto.

O megatemplo simboliza, com sua ostentação, o ponto a que chegou a carreira de Edir Macedo, pastor neopentecostal, banqueiro e empresário do ramo de comunicações, que lançou a pedra fundamental de sua igreja no ano de 1977, num modesto prédio da zona norte do Rio de Janeiro.

Macedo é hoje um dos homens mais influentes e ricos do país. Beneficiado pela isenção de impostos que a Constituição assegura a templos de qualquer culto, construiu em torno da Universal um conglomerado de empresas. Sua fortuna pessoal chegava a R$ 2 bilhões em 2012, segundo a revista "Forbes".

Os negócios e o prestígio do bispo assentam-se sobre um conhecido tripé: igreja (com cerca de 2 milhões de fiéis), telecomunicações e atuação política. Nomes ligados à Universal têm obtido algum êxito eleitoral nos diversos níveis de governo e ocupam postos relevantes no Partido Republicano Brasileiro (PRB), fundado pelo ex-vice presidente José Alencar.

As atividades de Macedo têm sido alvo de investigações e processos judiciais, aos quais responde nos foros apropriados. No caso do Templo de Salomão, sabe-se que foi construído com um inadequado alvará de reforma, concedido em 2008 pelo setor de aprovações da Secretaria Municipal de Habitação, então a cargo de Hussein Aref Saab, afastado em 2012 sob suspeita de enriquecimento ilícito.

Por suas características, a edificação deveria ter sido enquadrada como polo gerador de trânsito, o que exigiria outro tipo de autorização e contrapartidas urbanísticas. Por fim, foi inaugurada com alvará provisório emitido pela prefeitura.

Ao fazê-lo, Fernando Haddad (PT) repetiu iniciativa de seu antecessor, Gilberto Kassab (PSD), que forneceu documento análogo em favor do templo católico Mãe de Deus, do padre Marcelo Rossi --em matéria de adulação a igrejas, o poder público é ecumênico.

Oficialmente laico, o Estado brasileiro ainda mantém, na prática, relações no mínimo ambíguas e questionáveis com instituições religiosas --certamente menos por temor a Deus do que pelos seculares interesses eleitorais dos políticos.

Falhas graves e generalizadas - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 04/08


Tendo demonstrado, desde seu início, insuperável incapacidade para executar os planos muitas vezes anunciados com estardalhaço de natureza nitidamente eleitoral, o governo Dilma Rousseff não consegue evitar que, nos casos em que consegue tirar os projetos do papel, ocorram falhas na execução. Foi o que constatou a mais recente auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em obras que compõem as principais peças de propaganda eleitoral da presidente e candidata à reeleição. Relatórios anteriores do TCU já apontavam problemas em boa parte das obras e dos serviços executada com recursos do Tesouro. O que surpreende na auditoria mais recente, como mostrou reportagem do Estado (1/8), é a extensão do problema: há irregularidades na grande maioria dos contratos e processos examinados.

Segundo o relatório, "há falhas que devem ser consideradas sob um prisma sistêmico, afetando diversos segmentos e com reflexos significativos sobre o desempenho e qualidade da infraestrutura". Se as falhas precisam ser examinadas "sob um prisma sistêmico" é porque decorrem de procedimentos utilizados pelo governo no planejamento, contratação, fiscalização e pagamento das obras e serviços. Ou seja, elas alcançam todas as etapas.

Quanto à avaliação do TCU de que essas falhas têm "reflexos negativos" sobre a infraestrutura, dela se pode concluir que ou as obras não foram adequadamente planejadas e executadas ou alcançaram valores muito superiores aos orçados. Em qualquer dos casos, há perdas ou ônus para o País.

No programa Minha Casa, Minha Vida, principal bandeira eleitoral da candidata Dilma Rousseff, deficiências nos projetos executivos e problemas estruturais decorrentes de falhas de construção resultaram em obras de baixa qualidade.

Falhas semelhantes foram identificadas pelo TCU em obras do programa das unidades de pronto atendimento, as UPAs 24 Horas, coordenado pelo Ministério da Saúde. Em 13 unidades, os auditores constataram a existência de rachaduras e fissuras nas paredes, infiltrações e afundamento de piso.

Desta vez, os auditores examinaram também 44 processos de concessão de serviços públicos. Trata-se de uma modalidade de participação do capital privado na melhoria de serviços públicos - sobretudo na área de infraestrutura - à qual, por razões ideológicas, o governo do PT vinha resistindo. Quando aceitou conceder um serviço público, impôs condições tão desfavoráveis que afugentou os investidores. Mesmo nos casos em que o programa avançou, os resultados não foram totalmente satisfatórios para o contribuinte.

Nos processos que analisou, o TCU constatou a predominância de falta de parâmetros para a elaboração de estudos técnicos confiáveis, sobretudo no que se refere ao custo das obras. Nas concessões na área de infraestrutura - rodovias, portos, energia, aeroportos e outras -, os órgãos de fiscalização e acompanhamento não dispõem de mecanismos de controle interno nem de padrões para a aferição da qualidade dos serviços e do desempenho das concessionárias. Os interesses dos contribuintes e dos usuários não estão adequadamente protegidos.

No setor elétrico, a auditoria se concentrou na análise do planejamento e da execução das obras destinadas a garantir o fornecimento nas cidades que foram sede da Copa do Mundo. A conclusão, que poderia ser estendida para outros setores, foi a de que houve deficiência no controle, a gestão de risco foi inadequada e a estrutura organizacional dos diferentes órgãos federais envolvidos - desde os responsáveis pelo planejamento e pela execução das obras até os órgãos reguladores - precisa ser aprimorada.

Melhor para o governo que, no setor elétrico, a auditoria tenha se limitado às obras voltadas para a Copa. Se envolvesse todo o programa para o setor anunciado pela presidente, as conclusões teriam sido muito piores. Apresentado como meio para reduzir a tarifa de energia, o programa desorganizou o setor, está exigindo subsídios e financiamentos públicos bilionários e imporá grandes aumentos na conta de luz.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

VISTOS: EUA LEVA R$ 1,5 MILHÃO POR DIA DO BRASIL

Durante o primeiro semestre de 2014, o Brasil injetou no mínimo R$ 1,5 milhão por dia na economia dos Estados Unidos só com os pedidos de visto feitos à embaixada e consulados americanos. De acordo com o site da Missão Diplomática dos EUA, foram mais de 4.100 solicitações feitas todos os dias ao custo de US$ 160 cada, mas para estudantes de intercâmbio o valor mais que dobra, pois há uma taxa extra de US$ 180.


ATRASO NÃO ATRAPALHA

A recente suspensão na emissão dos vistos tem impacto zero na conta, pois o pagamento da taxa é feito antes da solicitação, não da emissão.


ATÉ O GOVERNO LUCRA

Como a taxa é cobrada em dólar e equivale a uma compra no exterior, o governo brasileiro também leva o seu ao cobrar até 6,38% de IOF.


MERCADO VIVO

Dados do Departamento de Estado dos EUA apontam o Brasil como o segundo maior “mercado” de vistos. Só perdemos para os chineses.


NA VERDADE…

Com população 680% maior, a China teve apenas 40% mais vistos emitidos em 2013 que o Brasil. Logo, somos os campeões disparados.


PT NÃO SE ILUDE: BANCADA PODE ENCOLHER EM 2015

Com o desgaste que o PT vive nos grandes centros urbanos, a cúpula nacional teme que o partido deixe de fazer a maior bancada da Câmara dos Deputados. Além da falta de puxadores de votos em São Paulo, Rio e Minas, petistas sofrem em quase todos os Estados e fazem contas para saber quantos parlamentares poderão emplacar nas urnas. Os números mais otimistas superiores a 100 deputados federais já foram esquecidos.


SORTE LANÇADA

O PT só não está mais apavorado com a situação nas urnas para deputado porque nenhuma outra sigla tem mostrado bom desempenho.


DIVISÃO

O prognóstico da cúpula do PT é que a Câmara dos Deputados deverá ter uma composição muita fracionada, com pequenos partidos, em 2015.


FANTASMA DO MENSALÃO

O presidente do PT, Rui Falcão, admitiu a coordenadores que o fantasma do mensalão é um dos grandes responsáveis pelo desgaste da marca PT.


NA MIRA

A CPMI da Petrobras deverá votar na próxima reunião requerimento do deputado Marcos Rogério (PDT-RO) convocando o advogado Thales de Miranda, que teria sido demitido da chefia jurídica da estatal após negar parecer favorável à compra da velha refinaria de Pasadena (EUA).


DISNEY MILITAR

STM, tribunal que menos julga processos no País, quer construir edifício próximo à Corte para instalar uma creche para filhos de servidores no DF. A tal creche deve funcionar próximo à 11ª Circunscrição Judiciária Militar.


PAUTA BOMBA

O presidente Renan Calheiros criou pânico no Planalto ao marcar esforço concentrado esta semana no Senado, em meio a lobby de magistrados e promotores para aprovar subsídio de 5% a 35% por tempo de serviço.


TEM LIMITES

Ocorre de hoje (4) até quarta o encontro nacional dos tribunais de contas. Os conselheiros prometem criar órgão para fiscalizar os TCEs, mas não garantem acabar com indicações políticas para escolha deles mesmos.


SOB SUSPEITA

No Ceará, onde acontece o encontro, o Tribunal de Contas do Estado está envolto em escândalo pela construção de uma sede anexa sem ter pago o terreno desapropriado, e com uma licitação suspeita.


BRIGA CONTRA SI

Com uma ampla aliança de 18 partidos no Rio, o principal problema que o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) enfrentará para sua reeleição está nele mesmo: a falta de carisma, que marqueteiros tentam maquiar.


CONCURSO PARADO…

O Ministério do Planejamento travou, por falta de orçamento, nomeações para segurança. Os aprovados em concurso para PF, Polícia Rodoviária Federal e Receita já fizeram curso de formação, mas não assumiram.


…. SEM RAZÃO

Em resposta à Coluna, o ministério afirmou que os concursos para segurança pública já estão em “fase final de análise” e que, desde 2003, nomeou 10.449 novos servidores para Polícia Federal e PRF.


SANGUE NO OLHO

Membros Polícia Federal não veem a hora de dar o troco no governo pela “operação abafa” nos casos Rosemary, Cachoeira e agora Petrobras.