domingo, dezembro 16, 2012

No país dos comerciários - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 16/12


Tabulação de microdados da última Pnad, consideradas só as ocupações com mais de 100 mil trabalhadores, revela um Brasil interessante. Vendedor de loja e mercado, terceira maior ocupação em 2004 (atrás de trabalhadores agrícolas e domésticas), passou a ser o principal emprego do país em 2011. No período, foram criadas 2,5 milhões de vagas no setor.

Já os camelôs...
A mesma viagem pela Pnad, feita por quem sabe das coisas, mostra que, entre 2004 e 2011, o total de ambulantes teve queda de 31%. Quer dizer que, em sete anos, o Brasil deixou de ter 500 mil camelôs nas ruas.

Segue...
Quase todas as ocupações ligadas a atividades agrícolas também encolheram. Já o total de professores com nível superior, sobretudo na educação infantil, teve aumento significativo. Faz sentido com a política pública de diminuir o número de profissionais sem formação universitária em toda a educação básica.

A cara do Brasil...
Nesses sete anos, o Brasil mudou de cara. Entre as ocupações que tiveram aumento de renda de mais de 40%, várias são ligadas à construção civil. Algumas: entregadores (exceto carteiros), operários de montagem de estruturas de madeira, metal etc., ajudantes de obras, vendedores em domicílio, pintores de obras, atendentes de creche, acompanhantes de idosos e trabalhadores em serviços de higiene e beleza.

Abismo fiscal
A Rádio Imobiliária diz que o Consulado dos EUA no Rio vai vender a casa do cônsul no Alto Leblon. O motivo seria contingência. 

O DOMINGO É...
...de Isis Valverde, 25 anos de tão formosa existência, atriz mineira que seduziu o Brasil no papel da sapeca Suellen na novela “Avenida Brasil”. A bela voltará à telinha em janeiro. Emprestará o corpo (e que corpo, com todo o respeito) a Sereia, musa pop e rainha do axé, na microssérie da TV Globo “O Canto da Sereia”. Canta pra eu 

No país do nepotismo
Veja o que o historiador José Murilo de Carvalho pescou no seu mergulho diário nas memórias do Brasil. Na página 287 de “Quando eu era vivo”, Medeiros e Albuquerque (1867-1934), o jornalista, escritor e político pernambucano, conta que, quando era deputado, ouviu um pedido de Lúcio de Mendonça, do STF. Mendonça queria apoio a um projeto de... aumento dos salários dos ministros.

Segue...
Albuquerque disse que gostaria de dar aos ministros dinheiro bastante para os tornar “insolentemente independentes”. Mendonça retrucou que, nisto, o amigo perdia tempo, e explicou: “Basta que tenham filhos, sobrinhos, genros ou noivos de filhas a empregar, e prestam-se às maiores baixezas.” Albuquerque concluiu no livro: “E Lúcio tinha razão...”

No mais...
Medeiros e Albuquerque também foi autor da letra do Hino da Proclamação da República (“Liberdade! Liberdade!/ Abre as asas sobre nós!/Das lutas na tempestade/Dá que ouçamos tua voz!...”), sobre melodia de Leopoldo Miguez (1850-1902).
Mas aí é outra história.

Zona Franca
Abre quarta a exposição Vieira da Silva, que celebra o Ano de Portugal no Brasil, no MAM. A Rádio Globo transmite hoje a final do “The Voice Brasil”, em rede com a TV Globo.

O professor Marcos Vinícius Torres faz palestra na XXVI Conferência Mundial da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, em Estocolmo. Cláudia Danienne Marchi, diretora de RH da Amil, será homenageada quarta, no Sofitel. Curso Guerra tem turmas para o TRT.

O Casal Garcia faz promoção de kits em facebook.com/casalgarciabolos.

O bloco Mulheres da Vila abre inscrições para o Rei da Bateria 2013 (mulheresdavila@gmail.com). Nelson Sargento lança livro quarta e é homenageado por Paulo Betti no Sesc Casa da Gávea. José Grimberg, do Bergut Vinho, recebe Piero Incisa Della Rochetta, da Bodega Chacra.

O leitor do GLOBO
O boa-praça Breno Silveira, ainda às voltas com o tremendo sucesso de “Gonzaga, de pai pra filho”, não definiu seu próximo filme. Mas o também diretor de “Dois filhos de Francisco” se emociona com três histórias humanas: as de Amyr Klink, o navegante solitário, Éder Jofre, para muitos o maior pugilista brasileiro de todos os tempos, e Lampião, o Rei do Cangaço.

Aliás...
O fotógrafo libanês Benjamin Abrahão Botto (1890-1938), que fez várias fotos de Lampião e seu bando, é autor deste registro do cangaceiro, que era analfabeto, fingindo ler O GLOBO.

William da Rocinha
Pode haver uma reviravolta no caso de William Oliveira, da Rocinha, acusado de intermediar a venda de armas para o traficante Nem. A Justiça deve ouvir amanhã uma testemunha que saberia como foi montado o vídeo em que o ex-líder comunitário, supostamente, negocia um fuzil com Nem. 

A guerra continua
A 5ª Câmara Cível do Rio penhorou o passe de três jogadores do Vasco, mais cotas de TV e de patrocínio para pagamento de dívidas com Romário.

O tesouro de Hermínio
A equipe que cuida do acervo de Hermínio Bello de Carvalho, a Olhar Brasileiro, entregou ao Museu da Imagem e do Som, do Rio, o restante da coleção do querido poeta, compositor, escritor e pesquisador. Assim, está complementada a doação ao museu, iniciada no início do ano, de cerca de 5 mil LPs.

EIKE BATISTA DE SAIA
Mais dois livros que estão chegando às livrarias retratam Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930), a fluminense rica de marré-deci, primeira mulher a pisar no pregão da Bolsa de Paris, onde viveu por 50 anos e tinha casa de cinco andares perto do Arco do Triunfo. São eles: “Eufrásia e Nabuco”, de Neusa Fernandes (Editora Mauad), e “A sinhazinha emancipada”, de Miridan Britto Falci e Hildete Pereira de Melo (Editora Vieira e Lent).

Herdeira de uma fortuna forjada no mercado financeiro equivalente à dotação pessoal de Dom Pedro II na época, a dinheirama multiplicou em suas mãos várias vezes, a ponto de deixar, ao morrer, ações de 297 empresas em dez países.

Eufrásia, para Neusa Fernandes, foi uma uma mulher inatual para o século XIX: “Ela não está nem no século XXI, está no século XXIII.” Foi preparada pelo pai para ser uma grande capitalista e honrou os ensinamentos. Integrante de uma família escravocrata e capitalista, apaixonou-se pelo abolicionista

Joaquim Nabuco. “Eles se conheceram numa corrida de barcos na Enseada de Botafogo. Anos depois, em 1873, eles se reencontraram num navio rumo à Europa. No percurso, teriam se apaixonado e marcado o casamento. Porém, ao aportarem, os dois já tinham terminado o casamento.”

“A sinhazinha Eufrásia foi uma mulher diferente”, diz Hildete Pereira de Melo. “A posse de uma fortuna possibilitou-a fugir do tradicional papel feminino que a sociedade do século XIX reservava às mulheres, subjugadas aos pais, maridos e sociedade. O usufruto da riqueza garantiu-lhe emancipação econômica e sentimental. Bela, autoritária, refinada, culta, apaixonada e solitária. Apesar da declarada paixão por Nabuco, optou por permanecer só a se tornar apenas a senhora Nabuco. Viveu a plenitude do amor, sem os compromissos familiares.”

Num país de ricos sovinas, incapazes, como se diz em Niterói, de abrir a mão até para dar adeus, Eufrásia deixou em testamento toda sua fortuna para instituições assistenciais nas áreas de educação e saúde, construção de colégios e hospital na terra onde se originou a riqueza de sua família — Vassouras, RJ. De lá para cá, quase todo esse patrimônio foi dilapidado. Mas aí é outra história.

Erros gerenciais - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 16/12


O país terminará o ano com um crescimento medíocre, praticamente estagnado, e o responsável é o governo. A situação internacional não está fácil, mas isso explica apenas parte da frustração do crescimento. Grande parte do baixo desempenho é fruto das decisões erradas. A presidente Dilma, em dois anos, terá um crescimento médio de 1,9% com 6% de inflação. 

A incapacidade gerencial é a principal falha do governo da presidente que fez a campanha apresentada pelo marketing como boa gerente. Até 11 de dezembro, o governo tinha conseguido investir apenas R$ 40 bilhões dos R$ 90 bilhões previstos no Orçamento Geral da União, segundo o site Contas Abertas. No final do ano, a tradicional corrida para as liberações deve melhorar o desempenho, mas dificilmente superará os 60% do orçado. O investimento público no Orçamento já é pequeno. E nem isso o governo consegue fazer.

Há temas que ficam empilhados à espera de uma decisão governamental. Não apenas em investimentos. Até decisões sobre nomeação de diplomatas para postos que nada têm de delicados ou complexos dormem por meses na mesa presidencial.

O governo é errático. Um exemplo disso é o que aconteceu com os aeroportos. Um modelo de privatização foi testado em Guarulhos, Brasília e Vira-copos e mostrou falha ao afastar os melhores competidores. O Brasil precisa da capacidade operacional dos grandes aeroportos do mundo. Isso vale mais do que o ágio a ser pago. O governo, no entanto, queria mostrar que privatizava melhor do que os outros e por isso incentivou a corrida pelo preço. Isso afastou os maiores grupos que conhecem os riscos e a rentabilidade do negocio. Ganharam os grupos mais fracos e que foram garantidos pela presença de 49% da Infraero e dos fundos de pensão de estatais. Como o ágio ficou alto e a In-fraero ficou com metade da dívida, o governo terá que capitalizar a estatal.

Logo após, o governo quis provar que não estava privatizando.

Por isso, com Galeão e Confins apresentou a proposta de a Infraero continuar no controle e atrair um grande operador internacional como sócio minoritário. Mandou uma missão correr mundo atrás dos grandes operadores de aeroportos com a proposta. A missão voltou com as mãos abanando. Ninguém quis. .

Agora, fala de novo em voltar ao modelo usado em Brasília, de vender para a iniciativa privada o controle dos aeroportos. Nisso se perdeu um ano e o aeroporto do Rio ficou ainda mais deteriorado e os eventos internacionais ficaram mais próximos. Em Paris, nos últimos dias, a presidente anunciou nada menos que 800 aeroportos regionais. Não consegue decolar o Galeão, mesmo assim anuncia 800 pequenos. Seria bom se em algum momento o governo tivesse um plano de voo, em aeroportos ou qualquer outra área estratégica.

Na intervenção no setor elétrico, o governo primeiro anunciou o modelo criado pelos burocratas, depois enfrentou a realidade. A Eletrobras perdeu R$ 10 bilhões de valor de mercado em apenas três meses. Reduzir o custo da energia é uma importante batalha no esforço para aumentar a competitividade brasileira, mas na economia o voluntarismo não é o melhor caminho.

Empresas privadas ou públicas deveriam ter sido chamadas a negociar a compensação dos investimentos não amortizados, porque, afinal, é uma alteração do contrato. Vários deles vencem apenas em 2015.0 fim de alguns encargos, como a Reserva Global de Reversão, é mais do que desejável. A taxa foi prorrogada no último dia do governo Lula. Da maneira atabalhoada, como tem sido, a redução do preço da energia descapitaliza as empresas e suspende investimentos. 

Desvendando o BNDES - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 16/12


Falta transparência às operações do BNDES, segundo afirma em ação na Justiça a Procuradoria da República no Distrito Federal. O objetivo da ação é obrigar o banco a fornecer toda informação relevante sobre a destinação de recursos a empresas e entidades de todos os tipos. A cobrança de dados refere-se às operações em curso, às transações futuras e àquelas realizadas nos últimos dez anos. O BNDES recusa-se a fornecer detalhes dos aportes a clientes privados alegando sigilo bancário, segundo consta da ação. Esse argumento, de acordo com o Ministério Público, deixa de valer quando se trata do uso de dinheiro público.

Não pode haver dúvida quanto à origem pública dos recursos, porque o capital do BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo, é inteiramente estatal. Além disso, seu caixa tem sido reforçado pelo Tesouro com empréstimos subsidiados. Apesar disso, aspectos relevantes de sua atuação permanecem na sombra. A instituição, segundo o Ministério Público, deve fornecer informações mais completas sobre a captação do dinheiro, os critérios de aplicação e as suas condições - prazos, juros, riscos, garantias e retorno.

Os dirigentes do banco alegam operar com ampla transparência e divulgam considerável volume de dados no site da instituição. São suficientes, talvez, para quem deseja conhecer genericamente as transações, mas insatisfatórios para quem procura pormenores mais completos para entender e avaliar o dia a dia das transações e as políticas seguidas no apoio a empreendimentos dos clientes.

A ação resultou de um inquérito iniciado em 2011 pelo Ministério Público, quando o banco anunciou a disposição de apoiar a fusão do Grupo Pão de Açúcar com a filial brasileira do Carrefour. A notícia causou espanto por vários motivos, a começar pelos aspectos legais da operação. Afinal, o Grupo Carrefour era concorrente do Casino, o sócio francês do Pão de Açúcar. Haveria obviamente um conflito, hipótese confirmada sem demora. Que interesse poderia ter o BNDES em assumir um risco desse tipo? Em segundo lugar, seria seu papel participar de uma associação entre dois grandes grupos de supermercados?

O assunto ganhou destaque na imprensa e, diante do conflito entre o Pão de Açúcar e o Casino, os dirigentes do banco decidiram recuar e renunciar ao envolvimento na operação. O episódio foi suficientemente intrigante, no entanto, para interessar o Ministério Público em mais informações sobre o funcionamento do BNDES.

Ao revelar a intenção de apoiar a iniciativa dos dirigentes brasileiros do Pão de Açúcar, a cúpula do BNDES deu novos motivos de inquietação a quem já acompanhava com estranheza suas operações. O banco foi criado, nos anos 50, para servir de instrumento a políticas de modernização e de fortalecimento da economia nacional.

Deveria, portanto, realizar missões estratégicas, como, por exemplo, canalizar recursos para novas indústrias, apoiar o fortalecimento do setor de bens de capital e contribuir para a elevação do nível tecnológico da agricultura. Missões desse tipo foram cumpridas com êxito considerável durante décadas. Qual o sentido estratégico, no entanto, do envolvimento com grandes grupos de frigoríficos, do fornecimento de recursos a grupos estatais poderosos e com acesso ao mercado financeiro internacional ou, ainda, do envolvimento na fusão de dois grupos de supermercados?

Por mais de um motivo o Ministério Público acerta ao acionar o BNDES, na Justiça, para agir com muito mais transparência em relação a seus critérios e a suas formas de operação. Os critérios são particularmente obscuros, porque é difícil perceber o caráter estratégico de várias grandes operações. Mas é evidente que o banco que deveria promover o desenvolvimento do País dedica-se, antes, a contemplar os projetos de alguns privilegiados. Assim, o dinheiro público alenta empresas que não teriam condições de prosperar se não estivessem nas graças do PT. Desse modo, formam-se embriões de monopólios que, além de premiar amigos e companheiros, minam o livre mercado, dele retirando empresas verdadeiramente competitivas. E tudo isso se faz com dinheiro transferido do Tesouro para o BNDES.

Teste de resistência - VERA MAGALHÃES -


FOLHA DE SP - 16/12


Com a volta de Dilma Rousseff do giro europeu, a dúvida no Palácio do Planalto é se o titular da Advocacia Geral da União, Luís Inácio Adams, ainda reúne condições para ficar no cargo após os desdobramentos da Operação Porto Seguro. Os relatórios da Polícia Federal não envolvem o ministro nas investigações, mas reforçam a proximidade entre ele e José Weber Holanda, além de detalhar como o ex-assessor operou para favorecer a quadrilha que traficava pareceres no governo.

Em cascata 
Na véspera da apresentação do relatório final da CPI do Cachoeira, no Congresso Nacional, Adams diz a Weber em conversa interceptada pela PF que gostaria de discutir o texto do deputado Odair Cunha (PT-MG). Eles marcam uma reunião para falarem sobre o tema.

Fica a dica 
Diálogo entre Gilberto Miranda e Valdemar Costa Neto (PR-SP) gravado pela PF mostra o ex-senador sugerindo que o deputado designe outro advogado para a fase de embargos do julgamento do mensalão, no qual ele foi condenado.

Liquidação 
Segundo Gilberto Miranda, o advogado consultado por ele para assumir a defesa de Valdemar teria prometido que, se atuasse nos recursos, "segurava isso aí [a pena] por três anos''. O STF condenou o cacique do PR a 7 anos e 10 meses.

Pesos... 
Na lista de autoridades com foro privilegiado mencionadas no inquérito encaminhada pela PF para o STF e para o Congresso foi notada a ausência de nomes como o do governador Jaques Wagner (PT-BA) e do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.

... e medidas 
A relação com 18 nomes traz pessoas que foram apenas citadas em conversas, sem especificar sua conduta. No inquérito, Wagner e Pimentel são citados por terem sido procurados por Rosemary Noronha para agendar audiências para o grupo investigado na operação da PF.

Filhotes 
A PF estuda abrir novos inquéritos para investigar pessoas citadas na Porto Seguro sobre as quais a análise de material apreendido mostre evidências de envolvimento no esquema de tráfico de influência em órgãos públicos e agências.

É ela 
Um dado da pesquisa Datafolha deve desencorajar setores do PT a se engajarem pela candidatura presidencial de Lula em substituição a Dilma: a presidente supera o antecessor na menção espontânea de voto, num sinal de que sua candidatura é vista com mais naturalidade.

Prova... 
Potenciais pré-candidatos ao governo de São Paulo, os ministros Aloizio Mercadante e Alexandre Padilha estão em polos opostos na pesquisa Datafolha.

... de fogo 
Enquanto a Educação é apontada como a área mais exitosa da gestão Dilma, a Saúde lidera como principal problema do país e a pasta mais mal avaliada.

Overbooking 
A equipe que analisa medidas de incentivo à aviação civil se reuniria neste final de semana na Casa Civil para concluir um documento que será apresentado à presidente. O Planalto quer lançar o novo pacote para o setor aeroportuário ainda neste ano.

Piquete 
1 Dirigentes das seis maiores centrais sindicais do país, entre elas CUT e Força Sindical, se reúnem amanhã em São Paulo.

Piquete 2 
Em litígio com o Planalto graças à indefinição em torno do fator previdenciário, as entidades querem organizar uma grande marcha a Brasília no início de 2013 para cobrar Dilma sobre a pauta apresentada em 2010, quando a petista teve apoio em peso das entidades.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio


"A lista de exigências das pessoas que ameaçam contar o que sabem sobre o PT é para ocupar Papai Noel por muitos Natais."
DO DEPUTADO PAUDERNEY AVELINO (DEM-AM), sobre ameaças de Marcos Valério, Carlinhos Cachoeira e Paulo Vieira de fazer acusações contra o partido.

contraponto


Bola de cristal

Em conversa gravada pela Polícia Federal, Paulo Vieira e Rosemary Noronha discutem um negócio com alguém que ele diz ser "gente direita", mas ela duvida.

-Ele é cientista do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, moça -, atesta o ex-diretor da ANA.

A ex-assessora da Presidência em São Paulo se irrita:

-Você sabe qual é o seu problema, Paulo? Você dá valor demais para o currículo da pessoa. Cuidado, hein!

Ela alerta que o aliado poderia ter uma "surpresa":

-Conheço um monte de gente de currículo presa...

Vieira, servidor concursado, foi preso meses depois.

Investigação necessária - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 16/12



Vem do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), uma das raras manifestações lúcidas do PT, em forma de receita para evitar escândalos: simplesmente não produzi-los. Aos repórteres Débora Bergamasco e João Domingos, o deputado considera ainda que a exploração política dos erros do partido é "legítima" (ver matéria na página A6).

E arremata: "O PT tem que criar seus mecanismos de defesa. Quanto mais evitar o malfeito, mais fará a sua parte". Por óbvia, a declaração não deveria chamar a atenção, mas no contexto de negação a que se entregou o partido, ganha importância indiscutível.

Se sincera, e não retórica, a máxima respalda a defesa de investigação das denúncias que se acumulam contra o partido, entre as quais, as mais recentes do publicitário Marcos Valério. Sua condição de condenado pode comprometer a credibilidade do depoimento, mas não o dispensa de apuração.

Na teoria jurídica é correto condicionar a legitimidade da delação premiada ao arrependimento do criminoso, mas na vida real esse recurso é motivado pelo interesse de reduzir as consequências penais, numa negociação entre Estado e réu.

O que importa não é a motivação de Valério - se tardia ou contaminada -, mas a constatação de que seu depoimento tem pontos factíveis, como o da cobrança de pedágio no Banco do Brasil em contratos de publicidade.

Surge até lógica, se considerado o envolvimento do banco no desvio de dinheiro para o mensalão. De tão simples, essa apuração deveria ser do interesse da própria instituição financeira.

Reforço 
contra mídia

A vitória de André Vargas sobre Paulo Teixeira na disputa interna do PT pela vaga de vice-presidente da Câmara é uma vitória do grupo do ex-ministro José Dirceu, condenado no julgamento do mensalão, e do presidente da sigla, Rui Falcão. E uma derrota do governo. Os ministros Gilberto Carvalho e Ideli Salvatti, e o líder Arlindo Chinaglia (PT-SP), trabalharam pela eleição de Paulo Teixeira (SP), considerado um "petista light". Uma das bandeiras que Vargas tentará transformar em pauta no ano que vem é a votação de projetos de regulamentação da mídia. Vai precisar, porém, do PMDB, que terá o controle da pauta.

Na memória

A condição de relator da cassação de José Dirceu no Conselho de Ética, em 2005, reduz a margem de traição pelo PT da qual poderia se beneficiar o deputado Julio Delgado (PSB-MG) candidato alternativo ao do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), para a presidência da Câmara. "Ele foi muito feroz contra Dirceu", diz um petista ao lembrar o relatório de Delgado que orientou o plenário.Nem morto

O PMDB mobilizará uma tropa de choque para evitar, na próxima semana, a votação do requerimento de convocação de Marcos Valério para esclarecer as denúncias contra o ex-presidente Lula. Ao lado do PT, o partido lidera articulação para derrotar, ou se possível, impedir a apreciação do requerimento na Comissão de Constituição e Justiça. O presidente do colegiado é o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), ex-ministro do governo Lula. A palavra de ordem é, Valério, "nem morto".

Nova versão

O governador petista Agnelo Queiroz quer conduzir o deputado Agaciel Maia (PTC) - pivô do escândalo dos atos secretos no Senado - à presidência da Câmara Legislativa do DF. A ideia é indicar o presidente eleito da Casa, Wasny de Roure (PT), para o Tribunal de Contas. Como vice, Maia assumiria o comando da Casa.

Há risco de se repetir o 0,6% - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 16/12


O PIB de 0,6% no terceiro trimestre indicando um crescimento este ano que pode ficar em apenas 1% ou, como admite um número cada vez maior de analistas, 0,8%, surpreendeu Brasília e o mercado. Todas as estimativas eram de quase o dobro. O que mais preocupa, porém, não é o que aconteceu no terceiro trimestre, mas o que está ocorrendo neste último, que deve terminar (de novo de acordo com previsões do mercado) em 0,8%. Quase todas as análises feitas por instituições financeiras e economistas reduziram o potencial de crescimento do País em 2013 para algo em torno de 3,2%, embora o governo continue projetando 4%, mesmo porque vai ampliar os incentivos à industria e à produção.

Mas será preciso inovar muito, porque o setor privado não reagiu aos estímulos oferecidos e a cena pode se repetir no primeiro trimestre de 2013. Não adianta continuar repetindo que a economia está reagindo. Não cresceu e 0,6% pode ser considerado estagnação.

Caminhos. Não há muito mais a fazer em relação ao fornecimento da demanda interna, que se mantém elevada com a própria dinâmica salarial, emprego e renda, não se pode contar com o comércio exterior, que vacila no mundo e no Brasil se concentra nas commodities. O caminho, diz o diagnóstico do governo, é a indústria. Ela precisa ter condições para produzir mais, e não produz - nem investe - dizem a CNI e a Fiesp, porque a maior parte do aumento do consumo interno é atendida pelas importações que continuam entrando a preços menores. Um fato antigo provocado, principalmente, pela taxa de câmbio que encarece exportações e favorece importações. Tudo isso e mais o clima mundial de incerteza, leva os empresários a rever planos e esperar. E está aí o PIB de 0,6% que, se teme, pode ter vindo para ficar por algum tempo.

É o câmbio. Nesse cenário, surgiram dentro do governo pressões para uma nova política cambial voltada para proteger a indústria da competição externa. No fundo, seria agir como eles agem, desvalorizam suas moedas para exportar mais e sustentar seu crescimento. Nós estamos - ou estávamos? - até agora fazendo o contrário. O ministro Guido Mantega afirma que o dólar a R$ 2 veio para ficar, a indústria diz que é pouco, precisa mais porque além do câmbio, seus competidores externos têm custos menores e subsidiam a produção. E os 0,6% lhes daria razão. O Banco Central está sendo estimulado a ser mais agressivo na desvalorização do real, algo apontado como imprescindível para a indústria, retraída há muito tempo, voltar a crescer.

Depois de alguns dias de indefinição com diretores do banco dando sinais diferentes - para uns há espaço para desvalorizar; para outros, não -, o presidente do BC deu o toque final. Não há um valor fixo, uma das missões do banco é manter a estabilidade da moeda e cooperar com crescimento equilibrado da economia com juros que estimulem a atividade econômica e liquidez no sistema financeiro. E vem fazendo isso até agora, mas a economia não reagiu e há pressões para que ajude mais o governo, fazendo mais.

Cautela. Tudo bem, mas o presidente do BC, Alexandre Tombini, em depoimento em comissão da Câmara, alertou para os riscos que um câmbio mais favorável acabe por importar inflação, já que afetaria os preços em reais dos produtos externos. Hoje, a inflação está em parte sendo contida pelo câmbio, pela importações mais baratas.

E ele levantou um ponto delicado da política cambial do qual até agora ninguém falou: o câmbio real, descontada a inflação. Estão vinculados. Pode-se correr o risco de obter ganhos com o câmbio que acabam sendo absorvidos e até mesmo superados pelas perdas decorrentes do aumento da inflação. Tombini chamou a atenção para o custo inflacionário e para o risco embutido na depreciação cambial: ganha-se algo com a desvalorização da moeda, mas se perde com a inflação. E aí, não se obtém o esperado da desvalorização do real. Os custos de produção em reais serão pressionados pela inflação e não aumentam a competitividade da indústria nacional. No fundo, há limites para a aplicação de uma política cambial mais agressiva. A retomada do crescimento, a superação do 0,6% no trimestre, do 1% no ano, exige a coordenação de medidas fiscais, tributárias, estímulos especiais para atrair investimentos, que recuam. Medidas que devem ir além das que já estão em vigor. E é isso o que a equipe econômica promete anunciar talvez ainda este ano.

O massacre - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 16/12


RIO DE JANEIRO - Quando a porta do Château de Sully se abriu e o comissário de bordo autorizou a descida dos passageiros, JK viu, ao pé da escada, um oficial da Aeronáutica grudado ao último degrau.

Se fosse simples cautela tomada pelo comando da base do Galeão, que encarregaria um de seus oficiais de assistir ao desembarque, o militar estaria ao lado da escada, e não ali, como a impedir que o passageiro da Air France pisasse o chão do Brasil.

O oficial recuou um passo e continuou a barrar-lhe o caminho.

JK estendeu-lhe a mão, cordialmente, não o conhecia, mas o gesto era comum nele. O militar ignorou a mão estendida: tinha missão a cumprir. Entregou-lhe a intimação firmada pelo coronel Ferdinando de Carvalho, que presidia a um Inquérito Policial Militar sobre as atividades dos comunistas no Brasil. O próprio oficial comunicou-lhe, verbalmente, que o ex-presidente estava intimado a comparecer no dia seguinte ao quartel da Polícia Especial do Exército, na rua Barão de Mesquita.

Tão logo o oficial se afastou, outro militar se aproximou e repetiu a cena, intimando-o para outro IPM, este sobre as atividades do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). A intimação vinha assinada pelo coronel Joaquim Victorino Portella Ferreira Alves e marcava o primeiro depoimento para aquele mesmo dia, às 14 horas.

Juscelino deu-se por intimado. Comunicou aos oficiais que iria para casa, em Ipanema, mas que estaria presente na hora e local determinados. Ladeado pelos dois militares, ele se afasta do avião e se dirige à alfândega, onde parentes o esperavam, apreensivos. Acompanhando o lance à distância, tiveram a impressão de que JK havia sido preso no momento em que voltava a pisar o chão do Brasil.

MINHA FAMA DE MAU - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 16/12


Felipe Camargo, de volta à TV na minissérie 'Xingu' e na próxima novela das sete, diz que sua vida 'não é um mar de rosas, mas é muito melhor do que era antes'

Felipe Camargo, 52, sai do cinema arrastando as Havaianas marrons pelo chão, puxado por Maria Flor, 29. Os dois escapam de fininho antes da exibição para a imprensa do primeiro capítulo de "Xingu", transformado em minissérie pela Globo após passar no cinema. "A gente começa hoje o workshop dado por um cara sinistrão", diz a colega de set, de curso e de sotaque carioca "bolado".

Mais tarde, o ator está ladeado por Maria Flor e Nathalia Dill, 26. O trio começou na semana passada a ter aulas com o argentino Juan Carlos Corazza, preparador de elenco do casal Javier Bardem e Penélope Cruz. Dica do ator Cauã Reymond, 32.

"O Cauã mandou e-mail pra mim sobre esse curso", diz o ex-galã dos anos 80, que estourou como par de Malu Mader em "Anos Dourados". Ele toma um café expresso (quatro gotas de adoçante) com a repórter Anna Virginia Balloussier, na saída da primeira aula, num teatro no Planetário do Rio de Janeiro.

Duas horas, quatro cigarros e duas barras de cereal sabor banana depois, Felipe fala sobre a "vontade de se reciclar" após um passado conturbado por álcool e drogas, que iam de cocaína a tranquilizantes. Suas confusões eram self-service de notícias para a mídia. Sobretudo as brigas com a ex-mulher Vera Fischer, 61, com quem disputou e ganhou a guarda do filho Gabriel, hoje com 20 anos e estudando cinema na PUC.

Era chamado de James Dean na adolescência "meio da pá virada". Foi criado entre Copacabana e Ipanema, com quatro irmãos e pais divorciados. Antes dos 20, virou assalariado da estatal Furnas e cursou economia numa faculdade particular. Jogou tudo para o alto quando percebeu que sua onda era atuar.

Destacou-se como o personagem Gato numa montagem de "Capitães da Areia". E, de repente, "pá, pá, pá, tava bombando na Globo". "Entrei de forma abrupta", afirma gesticulando -quase derruba sua xícara de café vazia.

"Ninguém entrou na TV como eu entrei fazendo trabalhos de peso, no horário nobre", diz. "Antes era duro pra cacete, fazia só teatro. Aí comecei a ganhar dinheiro, e isso é ótimo. Tinha carro, aluguei um puta apê, e muita gente grudando porque você está na crista da onda."

Saiu da Globo durante a novela "Pátria Minha" (1994), em que atuou com Vera. Depois de barracos públicos envolvendo os atores, seus personagens foram mortos num incêndio no meio da trama.

Felipe diz estar "limpo" há 16 anos, longe de bebidas e drogas. Ainda frequenta reuniões de Narcóticos e Alcoólicos Anônimos. "Na época, bebia tudo, tudo, tudo. Uísque, vodca... Gostava mesmo de uma cerveja, mas gostava com outras milongas a mais."

"Tem diferença em quem vai num bar e toma dois, três chopes -e quem toma 20. E eu, depois de começar, não parava mais. Era assim quase todo dia. Adorava ficar bêbado. Ficar doidão não é uma delícia? É uma delícia, tô falando. Se soubesse ficar doidão e falar 'chega', tava bom."

Felipe era criança quando tomou o primeiro gole. "Provei Alexander [drinque à base de licor de cacau] num almoço de Natal. Meu avô fazia e me deu na maior inocência. Se soubesse...", diz, rindo.

"Tem uma doença que faz algumas pessoas perderem o controle. E elas são determinadas como 'muito loooooucas', sabe? Estigmas que a própria sociedade cria".

Discorre enquanto fuma -o cigarro é um vício que persiste. Por uns tempos, tentou adotar a cigarrilha de baunilha. Neste ano, voltou a consumir quase um maço de Marlboro todo dia. Decidiu que geração saúde, para ele, tem limite. "A pior coisa para o ser humano é o estresse. Virei uma pessoa insuportável [sem cigarro]." Falei, 'pô, vou acabar ficando doente, vou adoecer minha família.'"

Felipe crê que o discurso sobre ele também precisa se reciclar. "O que me incomoda é fazer uma entrevista enorme e o foco ser só esse. Parece que foi ontem. Não! Muita água rolou." Calcula que "só 20% do que saiu [na imprensa] tinha fundo de verdade". Como quando, após um aniversário do ator Guilherme Leme, Vera foi atropelada por um táxi. "Deram que foi porque a gente brigou." Ela também desmente.

Hoje, a relação dos dois é "tranquila". "Não é minha amiga, mas também não é inimiga. Foi minha mulher, mulher que eu amei pra caramba. Respeito, torço por ela."

Nem sempre foi assim. Em 1994, ela teria cortado o ex-marido com vidro após ele quebrar seu braço numa briga. "Quantos relacionamentos não tiveram momentos de violência entre as partes? Porque parecia que eu era um carrasco, né? Na boa, isso eu sei que foi a imprensa que criou. E eu também não saía por aí falando [faz voz de choro] 'ahhh, a Vera me bateu."

Num jantar de amigos, conheceu sua nova mulher, a fisioterapeuta Malu, uma loira esbelta e mãe do segundo filho, Antônio, de quase dois anos. Moram todos, mais o filho Gabriel, na Barra da Tijuca, vizinhos de Cássia Kiss.

Malu descobriu a gravidez pouco antes de ele viajar para filmar "Xingu". O colega Caio Blat tinha acabado de virar pai -do set no Norte, ficavam os dois falando com as mulheres por Skype. Isso os aproximou. "O Felipe é um sobrevivente. O rosto dele é todo marcado por sua história. Para um ator, é a melhor coisa. Ele está num grande momento", afirma Caio.

Foi Fernando Meirelles quem o levou de volta à Globo, para a minissérie "Som e Fúria", em 2009. Não vivia um protagonista no canal há 17 anos. No ostracismo, tinha passagem comprada para tentar a sorte em Los Angeles. Até receber um telefonema do diretor. De cara, achou que era trote. "Até perguntei quantos [atores testou] antes de mim. Você se acostuma: 'Sou o rejeitado, a sobra.'"

Era a primeira escolha do diretor, que o tinha visto no filme "Jogo Subterrâneo" (2005) e na série da HBO "Filhos do Carnaval" (2006).

"Falando sinceramente, teve uma época em que eu voltei à TV e ficava, 'meu Deus, tenho que fazer um protagonista'. Mas isso é muito relativo." Estará no elenco da próxima novela das sete, "Sangue Bom". Vai viver "um pintor que falsifica obras e é dominado pela mulher".

Católico de formação e simpatizante do kardecismo, não acha sua vida "um mar de rosas, mas é muito melhor do que era antes". "De vez em quando, caramba, queria chutar o balde. Claro que passa pela minha cabeça. Mas pra mim pode ser sem volta. Agora lido com as minhas dores de uma forma muito mais real", diz no fim de tarde, com o café do teatro fechando.

O papo vai chegando ao fim com Felipe Camargo em pé, na calçada. Ele olha para a rua: "Adoro um meio-fio".

"Hoje vejo muito mais respeito, admiração [comigo]. Claro que tem pessoas ignorantes que falam 'ah, olha o marido da Vera! Ih, aquele cara doidão!' A pessoa tá com um 'delay' de 16 anos"

Amolegas? - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 16/12


Mal abriram para perguntas na enorme tenda da Fliporto, a festa literária internacional de Olinda, e um camarada lascou lá da plateia:

- Tu gosta de amulegá?

Amulegá? - pensei eu com meus botões, ou melhor, meu zíper. O debate do qual participava era sobre palavras - palavras bonitas, feias, curiosas, bizarras -, assunto em que estou longe de ser autoridade, mas que desde sempre cultivo com aplicação de maníaco. Comigo estavam o colega português J. Rentes de Carvalho e, na mediação, o jornalista Sílio Boccanera. E o camarada com aquela esquisitice verbal, querendo saber se gosto de amulegá. Convinha ser prudente:

- Se isso é uma proposta, a resposta é não!

A maré de gargalhadas não inibiu o perguntador, que cuidou de esclarecer minha ignorância, especializada em pernambucanismos. Amolegar - concedeu ele a meus ouvidos de forasteiro, repondo o O no lugar do U, como pede a ortografia - significa apalpar. Na verdade, fui entendendo, é um pouco mais que isso: premer, dar uns apertões, mas na maciota, carinhosamente, à beira ou em plena bolinação - e nesse ponto meu diligente professor espalmou as mãos e as fechou em concha, pondo-se a massagear imaginários porém inequívocos hemisférios. Ah, então é isso... Eu não tinha ligado o nome à pessoa, quer dizer, à coisa.

Sim, é isso - mas não só, soube mais tarde, quando, encerrado o debate, me vi no centro de um grupo de simpáticos nativos. Amolegar é também, me explicaram, o ato de apertar a manga para liberar o suco, de modo a que possa ser bebido, mamado, através de um furo que se faz na casca. Será mesmo um pernambucanismo, como apressadamente concluí? Novidade é que não é, pois seu primeiro registro escrito, vejo aqui no Houaiss, data de quase 200 anos. Tem raiz no latim, vulgar porém latim: vem de admollicare, que significa tornar mole, brando. Tu podes amolegar não só manga como tudo o que amolegável seja, de seios a inocentes travesseiros.

O verbo, fui aprendendo, não se aplica apenas a coisas e seres inanimados - alguns de seus objetos, ao contrário, são animados, eventualmente animadíssimos. Não lhe falta uma conotação de tropical malemolência, de safadeza mesmo - ao menos em Olinda, a julgar pelo gestual lúbrico do camarada a me interpelar acerca de supostas amolegações. Não lhe falta uma conotação de tropical malemolência, de safadeza mesmo - ao menos em Olinda, a julgar pelo gestual lúbrico do camarada a me interpelar acerca de supostas amolegações. Numa abordagem sem rodeios, poderia ser esta a pergunta crucial: amolegas? Consideradas as consequências, talvez fosse o caso de sugerir ao Criador um 11º mandamento: Não amolegarás a mulher do próximo.

Pode um homem ser amolegado? - desinteressadamente perguntei. Claro, também as mulheres podem fazê-lo no sexo oposto, por sua conta, risco e deleite. Esqueci de perguntar se para tal eventualidade existiria um verbo específico, algo como "enduregar".

* * *

Se voltei da Fliporto com o "amolegar" na bagagem, em retribuição deixei lá, para ver se pega, o adjetivo "jonjo". Ainda não dicionarizado, nem por isso deixa de andar nas bocas - não muitas, mas não quaisquer -, e até na boa prosa literária, incrustado que está em Abacaxi, o suculento romance de Reinaldo Morais, de 1985.

Não tenho notícia de que compareça em outro texto, e se assim for estaremos diante de algo raríssimo, nada menos que um hápax - "palavra ou expressão", ensina o Houaiss, "de que só existe uma única abonação nos registros da língua". A não ser, naturalmente, que ao escrevê-lo aqui eu lhe esteja tirando a virgindade lexicográfica.

O que jonjo quer dizer? O adjetivo qualifica o jubiloso amolengamento de certa particularidade da topografia corporal masculina após eventos exaltantes, ou na frustrante impossibilidade de performá-los. Por extensão, um estado de lassidão física não de todo ou nem um pouco desagradável. E mais não digo. Se não lhe basta, leia o romance do Reinaldo, que por várias razões recomendo, com especial atenção à página 321 de Tanto faz & Abacaxi.

Mas agora diga lá, ainda que mal pergunte: tu gosta de amulegá?

Três meses ou 30 minutos? - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 16/12


Qual seria o prazo que uma mulher deveria esperar até ir para a cama com um homem?

Uma amiga que mora numa cidade do interior dos Estados Unidos me conta seu espanto diante do resultado de uma pesquisa informal (ou seja, feita por ela) junto a várias mulheres americanas. Estavam num encontro de luluzinhas e o assunto de repente surgiu, mesmo sendo irrelevante para o futuro da humanidade. A questão: qual seria o prazo que uma mulher deveria esperar até ir para a cama com um homem que a convidou para sair pela primeira vez?

Acreditem. As gringas responderam: “três meses”. É, três meses, também conhecido como 90 dias.

Ou seja, se você sair com o cara hoje à noite, mesmo gostando muito do jeito dele e da conversa dele, só estabelecerá um vínculo mais íntimo no final de março. Em março o mundo já terá acabado, dizem.

Se não tiver, haja papo entre os dois até lá. Haja restaurante para frequentar, haja filme para assistir.

Mas aguente no osso: três meses é o prazo para que ele não a considere leviana, três meses é o prazo para vocês fazerem todos os exames médicos recomendados pela Organização Mundial da Saúde, três meses é o prazo para que vocês conheçam os parentes um do outro para ter uma ideia de onde estão se metendo, três meses é o prazo para a sua dieta começar a surtir efeito, três meses é o prazo para investigar se ele não tem ficha na polícia ou se já foi denunciado pela Lei Maria da Penha, três meses é o prazo para testar se é amor mesmo ou se tudo não passa de – que horror! – uma atração mútua entre dois adultos, sem preocupações com o futuro.

Essa minha amiga, que mora há muito tempo fora mas continua com sangue latino correndo nas veias, achou a prudência das americanas meio exagerada, e resolveu fazer uma enquete similar com suas amigas daqui, por e-mail. A maioria respondeu: “trinta minutos”.

E assim a gente ocupa os intervalos do trabalho jogando conversa fora e rindo muito com essas bobagens. Minha amiga tem emprego estável, vive numa casa linda sem grades, os estudos do filho são pagos pelo governo Obama, assim como todas as despesas relacionadas à saúde, e ela nunca foi assaltada, nem ninguém que ela conheça. Ainda assim, mesmo vivendo a vida que todo brasileiro sonha, ordenamos a ela: volte enquanto é tempo. Vá que esse puritanismo seja contagioso.

Três anos, três meses, três dias, trinta minutos: em que encíclica está determinado qual o momento certo para duas pessoas praticarem o que tiverem vontade, de comum acordo? Sei de gente que namorou, noivou, casou virgem (sem leilão) e, quem diria, separou logo depois.

E sei de pessoas que foram morar juntas no dia seguinte ao primeiro beijo, e juntas continuam até hoje, apaixonadas. O amor não obedece regulamentos. Mas se você estiver se relacionando com um homem que considere essa questão determinante para saber se você é uma mulher que vale ou não vale a pena investir, a resposta para quando deve ir para a cama com ele: daqui a três séculos, se cair num sábado.

Ju Toku - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 16/12


Aparentemente, nada é mais antagônico do que um corintiano e um japonês. Segundo o senso comum, eles estariam um para o outro como, digamos, uma chuleta e um quimono. As aparências, contudo, enganam, e após cinco dias de intensa convivência com as duas culturas de rara complexidade, descobri entre ambas mais semelhanças do que supõe a nossa vã filosofia.

Em primeiro lugar, como bem notou meu amigo Zero, Japão é ZL. Pega a Radial, passa a Mooca, vai embora --e isso é só o começo.

Veja o lema da Fiel: "Lealdade, Humildade, Procedimento". Ora, não foi agindo de outra forma que os Sete Samurais defenderam seu povoado, no filme do Kurosawa, nem com disposição diferente que este país foi reconstruído do chão, depois da Segunda Guerra.

O mascote do Timão é um mosqueteiro por quê? Pelo companheirismo, do "um por todos e todos por um". Também é esse o espírito que move os japoneses: primeiro o coletivo, depois o pessoal. Neste sentido, aliás, o atual time do Corinthians é o mais japonês que já tivemos. Sem estrelas. Sem firula. Com dedicação --muita dedicação--, concentração e resultado. Nipon. Timón.

Ontem, em Tóquio, resolvi tomar um saquê. Após rodar alguns quarteirões, achei o lugar: uma escadinha dando para um subsolo, só duas mesas e um balcão, onde sentei- -me. Não demorou e um cara por ali, tomando cerveja, puxou papo.

Gente finíssima, o Sakurai. Casado com Midori, pai de Hiroko, mora em Kawasaki e, sempre que vem a Tóquio, bebe ali. Perguntei-lhe o nome do bar. "Ju Toku." Quis saber o significado e ele fez uma cara de "como é que eu vou explicar pra esse gringo?", já pegando meu caderninho e desenhando dois ideogramas.

"Ju", me explicou, é "dez", que no caso quer dizer "bastante", "mas Toku... Difícil. Toku, muito japonês". Pôs, então, a mão no coração. "Toku, coração, só que mais. Toku, coragem. Toku, esforço. Só que mais. Alguém faz coisa difícil? Tem Toku. Bravura? Toku!", dizia o Sakurai e batia no peito, onde, a essa altura, nem preciso dizer, já via os dois remos cruzados sob a âncora.

Na boa: eles têm mais estrelas, jogaram melhor contra o Monterrey do que nós contra o Al Ahly, e, vamos admitir, estão na frente na bolsa de apostas. Mas você acha que o Torres, com aquela pinta de Golf Club, tem Toku? Que o Rafael Benitez, que não vê a hora de mudar de emprego, tem Toku?

Que essa torcida, que veio até o Japão pra ficar homenageando o Di Matteo, tem Toku? Não, eles têm tanto Toku quanto um quimono tem sabor. Já nós, meu amigo, temos Toku até o osso: não dez, como o bar, mas 11. E 20 mil. E 30 milhões. Vai, Curintcha!

“Melhor amigo de meu pai é meu amante” - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 16/12


Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.



“Eu me apaixonei perdidamente pelo melhor amigo do meu pai. E ainda é casado. Não posso dizer que temos um relacionamento, mas desde que nos reencontramos, há dois anos, sempre que ele aparece a gente fica. Não sei o que acontece. Se o medo dele é do meu pai descobrir e não perdoá-lo, se é medo da esposa se matar ou matar alguém. Penso que seja por isso que ele não se decide definitivamente a se separar, pois ela tem crises e ameaças suicidas. Já pensei até que o medo dele é por ser 12 anos mais nova. Eu realmente não sei. Abraços, Ingra”


Querida Ingra

Você está mexendo com magia negra. Investir em namoro com amigo de pai é pedir para sofrer. Deve conhecê-lo desde pequena, criar a fantasia que estava se guardando, que o amava em segredo, que não resistia em fantasiar quando ele vinha visitar a família; uma doideira só.

Não é sadio se envolver com quem nos viu de fraldas. É pedofilia atrasada.

É um relacionamento para desacontecer. Parto da seguinte regra: se o caso demora mais de um ano, esqueça. Os amantes se acostumam rapidamente com a clandestinidade, e a clandestinidade é mais estável do que o casamento. Além de tudo, seu companheiro é mentiroso. Vive se protegendo na doença da esposa para não se decidir a favor do divórcio. Não é que ele não se separa porque a esposa pode se matar, clássico engodo masculino. Ele alimenta a enfermidade dela com ciúme de você para nunca se separar. A mulher suicida e perigosa é o escudo da inércia, o atestado médico, o pretexto ideal.

Existem muitos homens usando a falsa histeria da mulher para manter um caso por mais tempo. São malandros que forjam um descontrole doméstico para prosseguir com a identidade dupla. Eles se portam como vítimas de um casamento infeliz. Ainda carimbam a imagem de preocupados e generosos, que não podem deixar a coitada na mão. Você confia mesmo neste conto de fadas hipocondríaco?

Certamente ele não se interessa em casar com você, ou oficializar qualquer laço público. Procura aproveitar a comodidade e facilidade dos encontros. Jamais vai se curar da esposa doente e completará bodas de ouro. A diferença de idade tampouco é problema. O que lamento é que tenha quebrado a confiança paterna.

Sob a roupagem do amor impossível, nem percebeu que elaborou todo o enredo para chamar atenção do pai. Você se aproximou do amigo dele para castigá-lo pela ausência em casa? Está mandando a seguinte indireta: como você não me ofereceu atenção, eu roubei o confidente.

Seu entrevero sentimental é um atalho à vingança. O que mais deseja é que o pai descubra o romance para que ele se afaste do melhor amigo e fique mais tempo em família. Coisas de criança orgulhosa, que não sabe como ganhar colo ou conversar sobre suas tristezas.

Esquerda, direita - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 16/12


Desculpem-me por falar na ilha tão seguidamente, mas é que acho que algumas novidades de lá apresentam certo interesse, diante da delicada conjuntura nacional. É o caso dessas graves questões de direita e esquerda, agora trazidas à baila o tempo todo, para vexatória confusão de grande parte da coletividade — e os cidadãos da ilha não são exceção. A baralhada vem logo de cima, porque o ex-presidente Lula já disse que nunca foi de esquerda, mas agora parece que as coisas mudaram e, no momento, ele é de esquerda e não abre, e quem não está com ele é de direita. Como bem observou Beto Lindo Olhar, num raro momento de exasperação, assim fica difícil até puxar o saco.

Justiça seja feita, a confusão já vem de muito longe. Lembro o tempo do finado Naninho Balaio, muito mais comunista do que Zecamunista hoje em dia. Bem verdade que Naninho não regulava bem da ideia e cansou de ir à praia de terno preto e gravata, mas ninguém pode negar que era comunistíssimo e completamente de esquerda, até porque não nasceu canhoto, mas treinou anos a fio e acabou conseguindo fazer tudo com a mão esquerda, só usando a direita em último caso. Também dizem que aprendeu a falar russo, mas ninguém entendia russo nem nunca apareceu um russo na ilha, de maneira que a controvérsia jamais foi esclarecida. E também comentam que ele fugiu para Moscou ambicionando embarcar num Sputnik, mas isso é amplamente desmentido pelo fato notório de que acabou seus dias como gerente de um estabelecimento de Nazaré das Farinhas denominado Lupanar do Moura, onde distribuía aos clientes um cartão de visitas: "Hernani M. Balaio — Lupanar do Moura Ltda. — Mulheres-Damas, buffet ou à la carte."

Nos círculos esportivos, aonde dificilmente os temas políticos são levaos, é bem possível que, entre os veteranos, a noção de esquerda se restrinja à inextinguível recordação de Chupeta, indiscutivelmente o melhor jogador de futebol que todos já viram em ação, não excluindo disso nem Pelé, nem Messi, nem ninguém. Chupeta lembrava um pouco Maradona, mas isso muito antes de Maradona, que, aliás, ainda que mal me expressando, nunca lhe chegou aos pés. Ele escondia a bola no lado de fora do pé esquerdo e saía ciscando pelo campo, até ficar cara a cara com o goleiro e aí dar um passe para quem vinha de trás. Não gostava de fazer gols, achava dar o passe mais bonito, bom de assistir. Compadre Edinho, que está aí e não me deixa mentir, e eu nos juntávamos para marcar Chupeta com toda a deslealdade possível e Edinho ainda jogava um bolo de areia na cara dele, mas assim mesmo ele passava. Sem dúvida, para esse setor de opinião, a esquerda é e sempre será Chupeta.

Que mais? Ah, sim, não podem ser esquecidas as implicações religiosas. Como não se ignora, entre as centenas de alcunhas por que se conhece o Inimigo, está a de Canhoto. Ninguém na ilha tem nada contra os canhotos, mas, por exemplo, todo mundo sabe que o feiticeiro e o mandingueiro do Mal, ao firmarem ou confirmarem seus acordos com Satanás, se persignam com a mão esquerda. Há quem alegue que Padre Ptolomeu, que era de outra paróquia mas veraneou na ilha muito tempo, dava a Bênção dos Canhotos todo ano, borrifando água benta nas crianças canhotas, para ver se elas se recuperavam. Com algumas, funcionava e Mário Gaguinho e Zenóbio Merdinha estão aí mesmo para testemunhar de viva voz, embora enfrentando pequenas dificuldades, porque ambos estão curados do canhotismo, mas ficaram gagos.

Ainda no terreno da fé, a julgar pelo que sempre se disse dos esquerdistas comunistas, eles não devem ser muito boa companhia para o cristão, porque são todos ateus hereges. Hoje em dia o pessoal não liga muito para essas coisas, mas a grande verdade, como lembrou outro dia Ioiô Ranulfo, é que o Santo Papa Pio XII, no tempo sério da missa em latim e do padre de batina, decretou que estava excomungado qualquer um que se misturasse com eles. E Zecamunista mesmo diz para quem quiser ouvir que não acredita em religião nenhuma, embora haja quem assevere que ele se garante dissimuladamente com Santo Antônio e que, apesar da foice e martelo no boné, o que usa por baixo da camiseta são umas continhas de Ogum — ele nega, mas desconversa.

Por aí se vê que grassa forte inquietação entre aqueles que, como Lindo Olhar, querem assumir a postura ideológica correta, seja para exercer o puxa-saquismo com conhecimento de causa, seja para não passar a vergonha da ignorância na frente das visitas. O que é ser de esquerda, afinal? É ser canhoto, é ser a favor do ponta-esquerda como no tempo de Zagallo e Chupeta? É ser herege, quer dizer, tem que ser ateu para apoiar o homem? É ser comunista, o homem é dos comunistas? Por que ninguém aceita ser de direita?

— Bonita pergunta! — exclamou uma voz roufenha à entrada do Bar de Espanha e ninguém precisou virar o pescoço para saber que, inesperadamente mais uma vez, ali estava Zecamunista. Cuidava-se que se encontrava em sua turnê de pôquer de fim de ano, mas, pelo visto, ele já tinha raspado o dinheiro todo dos parceiros e terminara antes do previsto. Na condição de intelectual e calejado político, certamente daria uma resposta definitiva àquelas dúvidas.

— Bonita pergunta, pois me permite um esclarecimento e um conselho prático a todos os conterrâneos que querem subir na vida — ensinou ele. — Direita no Brasil é xingamento, não pega as mulheres, nada de direita. Meu conselho é o seguinte: não interessa o que vocês pensem ou em quem votem, o importante é ser de esquerda, no máximo de centro, que por sinal é meio mal recebido nas festas do Sul do país. E ser de esquerda é fácil, é só concordar com tudo o que ele diz e faz. Como não é o meu caso, me vejo obrigado a admitir que hoje em dia sou um comunista de direita, este mundo é cruel.

A beleza é leve - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 16/12


Oscar Niemeyer foi o assunto principal do país, que se voltou inteiramente para essa perda inaceitável


AMANHECE O dia 6 de dezembro de 2012, mas o meu amigo Oscar Niemeyer já não está aqui para vivê-lo. Saio à rua a caminhar e sinto que o mundo não é mais o mesmo. É verdade que fazia algum tempo que não nos víamos nem nos falávamos, coisas da vida. Mas a minha admiração e meu afeto por ele se mantinham os mesmos que ao longo desses mais de 50 anos.

Desde o momento em que ele morreu, no Hospital Samaritano, aqui no Rio, todos os meios de comunicação se mobilizaram, e não apenas para noticiar o fato, mas também para colher o pronunciamento de pessoas que privaram com ele ou que estudaram sua obra.

E durante aquela noite e os dias seguintes, a morte de Oscar Niemeyer foi o assunto principal do país, que se voltou inteiramente para essa perda inaceitável.

De minha parte, não apenas me solicitaram a falar sobre ele, como me mantive diante da televisão a acompanhar esse acontecimento que foi transmitido, minuto a minuto, durante todo aquele primeiro dia, a noite e os dois dias seguintes.

Vi quando o caixão mortuário foi retirado do hospital, posto no carro funerário e transportado, ladeado de batedores, para o aeroporto Santos Dumont. Não pude evitar de pensar que ele, quando vivo, não queria saber de avião, mas agora, morto, voaria para Brasília. Os mortos se defendem mal. E foi. Chegado a Brasília, um carro do Corpo de Bombeiros o levou até o Palácio do Planalto, onde seria velado. E eu me dizia: ele jamais supôs que isso fosse acontecer após sua morte. E o imaginava dentro daquele caixão mortuário, sendo conduzido sob os olhos da nação inteira para o velório no palácio que ele mesmo concebera.

Tenho certeza de que, se lhe perguntassem se estava de acordo com tal procedimento ritual, diria que não, já que sempre foi pouco afeito a pompas e solenidades. Isso não tem nada a ver com ele, mas não importa; o que significou para todos nós excede sua modéstia e sua simplicidade.

E me lembrei de nossos encontros em diferentes momentos, desde quando o conheci, em 1955, ao entrevistá-lo para a revista "Manchete", ou de nosso convívio em Brasília, em 1961, quando dirigi a Fundação Cultural. Nessa ocasião, propus-lhe que projetasse um pequeno museu onde reuniríamos um acervo de arte popular brasileira. Ele o projetou, o museu foi construído: as paredes eram de tijolos de vidro e o teto de palha, uma mistura inusitada e bela. Ficava perto do antigo aeroporto, que foi abandonado. E o museu também.

Mas a vida prosseguiria, e o golpe militar de 1964 mudou nossas vidas. Ele foi para Paris e eu para Moscou. Mais tarde, eu já em Buenos Aires, ele me enviou um exemplar do livro sobre sua arquitetura que acabara de ser editado na França. Era fascinante ver cada uma de suas obras ali. E desse fascínio nasceu o poema "Lições da Arquitetura", que escrevi e lhe mandei pelo correio.

Permito-me citar alguns versos: "No ombro do planeta / (em Caracas) / Oscar depositou / para sempre / uma ave uma flor / (ele não faz de pedra / nossas casas: / faz de asa)".

É verdade, pois seus prédios, de tão leves, parecem flutuar. Essa é uma das inovações que ele introduziu na arquitetura moderna, que se caracterizava pela construção ortogonal e a linha reta, tendo a funcionalidade como princípio básico: a forma segue a função.

Le Corbusier era o mestre por excelência dessa nova arquitetura e foi nele que Oscar se inspirou, mas sempre dissentindo, como no caso do prédio do MEC, no Rio, hoje Palácio Gustavo Capanema. Mas a ruptura se dá mesmo é quando ele concebe o conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, e introduz a linha curva na linguagem dessa nova arquitetura. Muda-lhe o rumo e a história: agora é antes e depois de Oscar Niemeyer.

Brasília foi um passo a mais nessa reinvenção da arquitetura, pois, em seus palácios, a forma arquitetônica nasce da estrutura construtiva: as colunas do Palácio da Alvorada, por exemplo, são ao mesmo tempo sustentação e beleza. Oscar realizava a milagre de ser ao mesmo inovador e popular.

Perigos - ARTUR XEXÉO

O GLOBO - 16/12


Vinicius já dizia que “são demais os perigos desta vida”. Bem, não era só isso. No famoso “Soneto de Orfeu”, depois musicado por Toquinho, ele dizia que “São demais os perigos desta vida para quem tem paixão”. Eu peço licença a Vinicius e acrescento: “São demais os perigos desta vida para quem tem paixão pelo Rio de Janeiro.”

Não. Esta não é uma coluna poética. Mas queria, antes de entrar no assunto propriamente dito, lembrar de outro poema, no caso, de uma letra de música. Falo de “Cariocas”, de Adriana Calcanhotto, que tão bem descreveu os que moram por aqui. Cariocas são ‘bonitos, bacanas, dourados, modernos, espertos e diretos”. São também “bambas, craques, alegres, atentos, sexys e claros”. Têm sotaque. Não gostam de dias nublados, nem de sinal fechado.

Calcanhotto se esqueceu, mas eu acrescento, como já tinha acrescentado algo ao soneto de Vinicius: cariocas têm medo de elevados. Nem sempre foi assim. Eu me lembro muito bem de assistir, ainda jovem, recém-saído da adolescência, reportagens no jornal da tela exibido nos cinemas sobre a construção da obra de engenharia que enfrentava o Rio e a montanha para ligar a barra a São Conrado. O Elevado das Bandeiras _ alguém mais se lembra de seu nome de batismo? _ enchia o Rio de orgulho. Mas isso foi antes de os elevados do Rio caírem como a tarde, só para lembrar outro poeta da MPB, Aldir Blanc. Ainda no jornal da tela, mas já adulto, comecei a me familiarizar com reportagens que mostravam a corrosão que afetava os pilares do elevado. Essa história é velha.

Não sou o único carioca que, desde essa época, ainda nos anos 80 do século passado, suspira aliviado quando chega ao fim do Elevado das Bandeiras, ou do Joá, como ficou conhecido na intimidade. É como se a gente dissesse “desta vez, eu escapei”. O Rio é uma cidade de muitos perigos. Tem tiroteio em comunidades pacificadas. Moradores de rua que agridem mulheres que caminham no calçadão. Bueiros que explodem sem mais nem menos. A cada um desses perigos, os administradores reagem com medidas que se pretendem definitivas. Menos com o perigo do Joá. Ali, a prefeitura sempre se limitou a fazer uma meia-sola. Em outras palavras, sempre se satisfez em adiar o perigo. Talvez não tenha sido uma ideia tão boa, como apregoava o jornal da tela, construir um elevado ali. O fato é que foi feito. E cabe a nossos administradores tomar conta dele. Para que não seja mais um perigo a assombrar os cariocas.

Há não muito tempo, a prefeitura anunciou que alargaria o elevado. Criaria mais uma pista para acabar com o gargalo que costuma acontecer no trajeto da Zona Sul a Zona Oeste, provocando engarrafamentos. Seria uma das muitas medidas que preparariam a cidade para os Jogos Olímpicos de 2016.

Como é que agora um estudo do Coppe diz que o estado da obra é tão precário que a recomendação é reconstruir tudo de novo? Se o caso era tão grave, como é que se pensou em alargá-lo? E o prefeito, que encomendou o estudo, diz que não tem condições de fazer isso e promete uma nova meia-sola?

É ou não é contraditória uma cidade que resolve demolir um elevado que não tinha problemas, mas mantém um outro que ameaça entrar em colapso? São demais os perigos dessa vida. Entre eles, os prefeitos.

Mais um - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 16/12


Não dá para entender porque as pessoas se desejam "Feliz Natal"; seria melhor receber um "feliz hoje" todos os dias


JÁ QUE estamos em pleno clima de Natal, como enfrentar os próximos dias que nos esperam? Eu tomei minhas resoluções e comecei a segui-las há uma semana.

Em primeiro lugar, sair de casa só por justíssima causa. Supermercado só aos domingos muito cedo, que é quando estão vazios, comprando o mínimo necessário para não morrer de fome. Pedir ao médico -se ele não estiver viajado e seu consultório ficar a não mais que um quarteirão de sua casa- várias receitas de vários tranquilizantes e também de um poderoso sonífero para uma eventualidade mais grave (noite de 24). E passar direto na farmácia, para não ter que sair de novo e poder voltar para casa correndo.

Se você faz parte da turma que se estressa no fim do ano -e quem não o faz?- peça a seu porteiro para não lhe entregar um só pacote com ares de presente de Natal. Que deixe tudo para depois de 6 de janeiro, quando todos os festejos estarão terminados. Só então você vai telefonar para quem lembrou de você e agradecer, dizendo que foi passar as festas no Equador e que adorou o presente. A única maneira de se liberar das lembrancinhas de Natal é jamais retribuí-las; um dia as pessoas compreendem. Mas o grande perigo é o telefone.

Se você faz parte dos 99,9 % que usam celular, é mais fácil, pois sabe quem está ligando e pode simplesmente não atender. Mas, se pertence à turma dos que, como eu, só têm telefone fixo -e com fio-, aí é preciso uma estratégia mais cuidadosa.

Para aqueles dois ou três amigos com quem você se entende, é preciso combinar. Eles devem ligar, deixar o telefone tocar uma vez e ligar de novo -aí você atende. As pessoas que você mais adora na família (que não são todas) têm o direito de saber desse código, assim você se liberta de ouvir o eternamente igual "Feliz Natal", coisa que eu nunca entendi muito bem. A não ser que seja uma pessoa verdadeiramente religiosa, que festeja com fervor o nascimento de Jesus -e eu não conheço ninguém assim-, não dá para entender porque as pessoas se desejam todas um feliz Natal. Eu entenderia melhor se todos os dias fosse cumprimentada pelo jornaleiro, pela vendedora da loja e por todos os meus amigos com um "feliz hoje"; não seria mais legal? E para se defender da programação natalina na TV, só o Animal Planet e o Canal Rural.

Como falta só uma semana, procure não se estressar: o Natal passa.

PS - Se nem os ministros do Supremo têm a mesma opinião sobre quem deve cassar os deputados condenados -se o STF ou a Câmara dos Deputados-, nós, simples mortais, muito menos. Mas eu torço para que essa situação seja decidida ficando essa incumbência para o Supremo, porque não tenho a menor confiança em nossos nobres deputados -nem tenho razão de ter. Não vamos nos esquecer que foram eles, em 2005, que votaram em Severino Cavalcanti com o claro intuito de bagunçar mais ainda a situação política na época, e acho perfeitamente possível que eles, escudados pelo voto secreto, sejam capazes de votar pela não cassação dos deputados condenados, o que seria uma total vergonha para o país e que pode perfeitamente acontecer.

E não entendo como o ministro Celso de Mello se esqueceu de se vacinar contra a gripe.

Medo do fim - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 16/12


Como pessoas inteligentes creem numa besteira dessas, após centenas de profecias apocalípticas na história?


SEGUNDO AS profecias que andam aterrorizando uma boa fração da população mundial, esta será minha última coluna. Sexta-feira, dia 21, o mundo acaba. Venho recebendo dezenas de mensagens de pessoas visivelmente preocupadas, achando que desta vez é pra valer, que não temos como escapar.

Leitores, podem se acalmar. Garanto que sexta-feira, dia 21, será apenas mais um solstício de verão, o dia mais longo do ano. No sábado de manhã, você estará tomando seu café tranquilamente, com um sorriso nos lábios, convencido de que essa história de profecia de fim de mundo é mesmo uma bobagem. Tudo será devidamente esquecido e a vida continuará como antes. Pelo menos, até a próxima profecia.

No caso dessa, o calendário maia recomeça a cada 13 "baktuns", e cada ciclo tem 5.126 anos. O calendário maia foi iniciado no dia 13 de agosto de 3114 a.C. É apenas o fim de um ciclo e o começo de outro, típico de culturas que acreditam num tempo circular, ao oposto da nossa, na qual o tempo é linear, com apenas um começo e um fim.

Nenhum tablete de barro ou papiro misterioso prevê o fim do mundo. Ao contrário, os pouquíssimos documentos que sobreviveram à dilapidação tropical e ao fanatismo dos padres espanhóis, que queimaram tudo o que encontraram, não oferecem qualquer indicação de fim de mundo.

O mesmo ocorre com a ciência. Várias causas foram oferecidas para provocar o fim: a reversão dos polos magnéticos da Terra, a colisão com um asteroide, instabilidade solar, o planeta Nibiru, alinhamento galáctico etc. A Nasa preparou respostas para todas essas "ameaças" em seu portal e em um vídeo. (Se você entende inglês, eis o link do video:http://www.youtube.com/watch?v=QY_Gc1bF8ds) A história do planeta Nibiru, por exemplo, foi inventada pela médium americana Nancy Lieder, que diz ter um implante na cabeça que permite a ela se comunicar com alienígenas do sistema planetário Zeta Reticuli, a 39 anos-luz de distância.

Como milhões de pessoas inteligentes acreditam numa besteira dessas e se esquecem de que o mundo ainda não acabou, mesmo após centenas de profecias apocalípticas no decorrer da história?

Entre outras coisas, o medo do fim do mundo reflete nosso medo de perder o controle da vida, do nosso destino. Reflete o medo ancestral, encravado em nossa memória coletiva e reconfirmado todos os anos em dezenas de desastres cataclísmicos, de que a natureza é muito mais poderosa do que nós e tem o poder de nos aniquilar a qualquer instante.

Se nos séculos passados o fim do mundo refletia a ira divina ou a chegada da ressurreição, hoje, com os avanços da ciência, as causas são fenômenos cósmicos devastadores. Mas, como explico em meu livro "O Fim da Terra e do Céu", a simbologia é sempre a mesma: o fim vindo dos céus, sem que possamos nos defender, vítimas de nossos pecados ou de nossa fragilidade.

Mas não precisa ser assim. Temos um poder enorme para nos defender de medos ancestrais e infundados: a razão. Nossa compreensão da natureza não nos traz apenas celulares e DVDs mas também a certeza de que o conhecimento é a melhor forma de liberdade.

Efeito nem sempre é causa - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 16/12


Os fatos crus são conhecidos e rodaram mundo. Dois DJs de uma rádio australiana, imitando as vozes da rainha Elizabeth II e do príncipe Charles, telefonam para o hospital londrino onde Kate Middleton, hoje duquesa de Cambridge, se internara devido a enjoos decorrentes da gravidez. O trote dá certo. A ligação telefônica é transferida para a enfermagem de atendimento à duquesa e a dupla de DJs recebe informações detalhadas, precisas e sigilosas.

Em segundos, a íntegra da surreal conversa trafega solta na internet e torna-se a notícia do dia. Provoca duas reações básicas: gáudio em quem achou graça na brincadeira ter dado certo; comiseração e mal-estar em quem se colocou na pele do(s) funcionário(s) de plantão que caíram no trote.

Três dias depois, na manhã de 7 de dezembro, a enfermeira Jacintha Saldanha é encontrada enforcada num dos apartamentos funcionais anexos ao hospital King Edward VII. A notícia corre ainda mais rápido do que a primeira. E a reação é apenas uma, universal: horror.

O que merece uma reflexão mais criteriosa é o que se seguiu: a demonização instantânea dos dois DJs, como se causa (o trote) e efeito (o suicídio) estivessem ligados de forma única, indivisível e umbilical, sem espaço para a fatalidade e a complexidade da vida.

Em sua primeira entrevista televisionada após o fato, os radialistas da 2DayFM derramaram um constrangedor balde de lágrimas que, por inevitável, pareceu obrigatório e artificial. Bem mais convincente foi o ar perplexo e assustado da dupla. “Nem nos nossos momentos mais delirantes podíamos imaginar que o telefonema ao hospital teria qualquer seguimento, que nossa imitação improvisada da rainha e do príncipe daria certo. Nem estávamos preparados para o diálogo que se seguiu”, contaram Mel Greig e Michael Christian.

Ambos já receberam várias ameaças de morte, foram transferidos para locais seguros, com proteção policial, e a Southern Cross Austero, grupo controlador da emissora em que trabalham, está gastando o equivalente a R$ 150 mil por semana com seguranças privados para dez de seus executivos.

Nem a mente mais fantasiosa poderia prever os desdobramentos do telefonema. Mesmo a volumosa tribo que vê na mídia uma malta de chacais dispostos a tudo para conseguir um furo ou considera jornalistas almas cínicas e insensíveis, competitivos e desprovidos de humanidade, deveria resistir à compulsão de encontrar culpados fáceis por tragédias difíceis de compreender. O fato de que a vítima possivelmente ainda estaria viva caso não tivesse ocorrido o trote não equivale a atribuir o suicídio ao telefonema.

Jacintha Saldanha, nascida na Índia há 46 anos, era casada com um contador e mãe de dois filhos adolescentes. Deixou três bilhetes de despedida. Segundo o jornal britânico “The Guardian”, um deles contém instruções sobre o seu funeral, outro aborda o trote fatal e no terceiro bilhete faz críticas a seus colegas de trabalho do hospital.

Um inquérito policial foi aberto em Londres e detetives já ouviram um número expressivo de testemunhas para estabelecer o que pode ter contribuído para a sua morte. Também certos e-mails de relevância para o caso e alguns contatos telefônicos estão sendo analisados em meio ao desenrolar de dois serviços fúnebres em homenagem à enfermeira, na Inglaterra. O primeiro na cidade onde residia com a família, Bristol. O segundo na capela da catedral de Westminster, em Londres. Os ritos finais estão previstos para Udupi, estado de Karnataka, no sudoeste da Índia, onde moram os ancestrais do casal.

Coube a uma organização social chamada The Samaritans, voltada para o apoio emocional a pessoas em angústia e risco de suicídio, lançar um primeiro alerta à imprensa ao longo da semana. Fundada há 60 anos, com 201 postos espalhados pelo Reino Unido e Irlanda, a entidade já foi acionada por mais de cinco milhões de telefonemas ou e-mails, e publica estudos acadêmicos sobre o tema.

“Evite explicações simplistas para um suicídio”, diz o item 2 de uma lista de 14 tópicos de seu manual direcionado especificamente à cobertura jornalística para estes casos. “Embora um catalizador pode parecer óbvio, nenhum suicídio resulta de um único fator ou evento, por mais penoso que ele seja. Os motivos para um indivíduo encerrar sua vida são múltiplos e as causas tendem a ser interligadas. Quando relevante, o noticiário deve procurar fornecer uma análise mais detalhada dos motivos pelos quais o número de fatalidades tem aumentado.”

O manual também recomenda o uso de determinadas terminologias (usar apenas “suicídio” no lugar de “tentativa bem sucedida de suicídio”, por exemplo). Pede cuidado na publicação de detalhes capazes de romantizar o ato, e discernimento rigoroso na divulgação do conteúdo de bilhetes de despedida.

Considerando-se que ocorre um suicídio no mundo a cada 40 segundos e que mais pessoas morrem desta forma do que, somadas, as vítimas de homicídios e guerras, melhor mesmo prestarmos atenção.

Na Austrália, o caso levantou cuidados redobrados. A agência reguladora de Comunicação e Mídia (ACMA) decidirá nos próximos dias se revogará a licença da 2DayFM. Segundo o artigo 6 do código de radiodifusão em vigor no país, é proibido veicular palavras ditas por “pessoas identificáveis” sem, antes, informá-las. Toda gravação feita sem consentimento exige a autorização do dono da voz antes de poder ir ao ar.

A infração, grave, dos dois DJs foi essa.

Democracia e árabes, nada a ver? - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 16/12


Ou será que as dificuldades no Egito e na Tunísia são apenas sinal de como é difícil parir a democracia?


OS ACONTECIMENTOS no Egito e, em menor escala, na Tunísia transformaram em predominante uma "narrativa que diz que democracia no mundo árabe é uma má ideia", constata Katherine Wilkens, subdiretora do Programa para o Oriente Médio do Instituto Carnegie para a Paz Internacional.

Até na mídia árabe essa narrativa aparece claramente. Hasam Aidar, por exemplo, escreve para "Al Hayat" (a vida), o jornal de referência para a diáspora árabe, que "eles próprios [os partidos islamitas] provaram em curto espaço de tempo que são da mesma roupagem que as ditaduras em declínio, embora em cores diferentes".

Na Tunísia e no Egito, os países que iniciaram a Primavera Árabe, ganharam as eleições dela decorrentes partidos islamitas, derivados da Irmandade Muçulmana, a matriz das agrupações do gênero.

A canção que os ditadores árabes cantavam sempre, para justificar a ditadura, dizia que a alternativa a regimes autocráticos seria o avanço do islamismo, supostamente mais autoritário. Com isso, ganharam o respaldo ou, no mínimo, a omissão do Ocidente. É justa a "narrativa" hoje predominante?

Antes de responder, é bom deixar claro que desconfio imensamente de partidos que confundem religião e política. Não porque seja contra a religião, mas porque não acredito que líderes religiosos tenham linha direta com Deus (qualquer Deus), graças à qual obtêm dicas sobre como deve ser a Constituição, sobre construir ou não uma bomba atômica, sobre o papel da mulher na sociedade, e por aí vai.

Feita a ressalva, torço para que a já citada Wilkens tenha razão quando escreve: "Os partidos islamitas que venceram eleições na região estão avançando no caminho de se convencerem de que precisam seguir políticas pragmáticas para criar crescimento e gerar renda por meio do turismo e do investimento externo que os habilitará a produzir resultados e ganhar a reeleição".

No mais, é importante deixar claro que o parto da democracia é necessariamente processo complexo.

Analisa, por exemplo, Vincent Geisser, pesquisador do Instituto Francês do Oriente Médio, em referência à Tunísia, mas que vale para o Egito: "Os conflitos sociais colocam à luz do dia todos os problemas que ficavam escondidos sob o antigo regime. Essa liberalização da palavra pública é reveladora da situação particular e difícil de todo o período de transição (...) e dá essa impressão de desordem".

Não custa lembrar que, no Brasil, a transição também se caracterizou por uma bela confusão, até que o impeachment de Fernando Collor, sete anos após recuperada a democracia, começou a acomodar as águas. Mesmo assim, havia resistências à esquerda que guardam algum parentesco com o desconforto com os islamitas.

Para Marina Ottaway, especialista em Oriente Médio do Council on Foreign Relations, "muito da presente crise política [no Egito] vem do fato de que os partidos da oposição laica sabem que não vão ganhar uma eleição".

Daí a disseminarem a "narrativa predominante" é um passo.

Perigosa intolerância - CARLOS TUFVESSON

O GLOBO - 16/12


Você não precisa ser homossexual para lutar contra a homofobia


Recentemente, em “Avenida Brasil” — brilhante novela de João Emanuel Carneiro — era possível acompanhar uma trama que unia dois homens e uma mulher, e outra que abordava o casamento entre um homem e três mulheres. Neste segundo caso, com direito a vestidos nas noivas e beijos enfileirados lado a lado. Esse fato não registrou o menor alvoroço na sociedade como causa a manifestação de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo. Paradoxalmente, por algum critério de moralismo seletivo, o tal “beijo gay” ainda continua sendo um tabu.

Sou casado há 17 anos. Uma relação pública abençoada por toda nossa família. É importante ressaltar que casamento civil nada tem a ver com nenhuma cerimônia religiosa. A definição de casamento, segundo o Código Civil, art. 1511: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.”

Por que, afinal, as pessoas querem se casar? Porque em nosso país cidadãos que se unem para dividir uma vida em comum só têm a ampla proteção, em direitos e deveres, se realizado o casamento civil, estabelecido no Código Civil. O ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ, em decisão sobre casamento civil, declarou em seu voto: “Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os ‘arranjos’ familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.”

No último dia 6, a coluna de Ancelmo Gois noticiou que uma conversão de união estável em casamento entre duas pessoas do mesmo sexo na cidade fluminense de Sapucaia deve sofrer represália de um grupo religioso que promete uma passeata contra a união e já roda um abaixo-assinado para tentar anular a decisão. É muito perigoso esse nível de intolerância e interferência na vida de outros que tem acontecido no Brasil. Pessoas têm se unido para fazer com que as regras da sua religião sejam impostas à sociedade, mesmo aos que não comungam da sua fé.

Reconheço que não vejo a comunidade judaica organizar-se para impor suas regras e viabilizar um projeto de lei que proíba o consumo de carne de porco no país ou para que tenhamos de respeitar o shabat. Não vejo a comunidade muçulmana se organizar para criar uma lei onde todos têm de se ajoelhar para Meca ao meio-dia. Por que então algumas pessoas “em nome” de determinadas religiões tentam impor seu Deus e suas regras a toda uma sociedade? Não preciso ser negro para lutar contra o racismo. Não preciso ser judeu para lutar contra o antissemitismo. E você não precisa ser homossexual para lutar contra a homofobia.

Excelência médica - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/12


SÃO PAULO - A pedidos, comento o problema da qualidade da formação dos médicos no Brasil. Alguns representantes da categoria não gostaram de minha coluna de 8/12, na qual questionei a ideia, tão cara às entidades de classe, de que o país já possui médicos em demasia.

Apresentei alguns números -contamos com 1,8 médico por mil habitantes, contra 2,4 dos EUA, 3,1 da Argentina, 4 da Bélgica ou 4,4 da Rússia- e falei da dificuldade que é antecipar demandas futuras. Lembrei que os médicos americanos tinham o mesmo discurso que os brasileiros, defendendo e obtendo a redução dos cursos, e, hoje, projetam um deficit de até 200 mil profissionais em 2020.

Nunca sugeri que a qualidade dos nossos formandos é aceitável. Ao contrário, evidências, como a última prova do Cremesp, na qual 54,5% dos quase 2.500 graduandos do Estado não acertaram 60% dos testes, indicam que a situação é crítica.

Existem, porém, algumas medidas que ajudariam a mudar essa realidade. A mais urgente é tornar obrigatória a residência -e com preceptoria. É nela que o jovem aprende o que precisa saber. Eu iria mais longe e estabeleceria um prazo para que todos os cursos de medicina tenham sob sua administração um hospital-escola. Não estou falando de firmar convênios com instituições públicas, como se faz hoje, mas de estar realmente no comando de um hospital, sem o que as aulas práticas ganham tons ficcionais. Modelos como o das OS podem ser úteis aqui.

Eu também adotaria um rigoroso exame nacional para os formandos, nos moldes do USMLE americano. Com isso, poderíamos abrir mais vagas sem temor de despejar gente sem qualificação mínima no mercado.

Esses são passos importantes, mas deve-se ter em mente que não existem milagres. Jamais conseguiremos ter bons médicos em número suficiente num país onde o ensino básico, tanto o público quanto o privado, é desastroso, como é o caso do Brasil.