quarta-feira, junho 22, 2016

Enquanto durar - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/06

Para Meirelles, gravidade da crise eleva o apoio a medidas fiscais de longo prazo propostas pelo governo interino. O ministro Henrique Meirelles acha que a crise é tão grave que o governo tem apoio para tomar medidas de longo prazo independentemente do fato de a administração ter pela frente alguns meses ou dois anos e meio. O governo é interino, mas tem proposto ações para os próximos 10 ou 15 anos. “São medidas para o Brasil e o menos importante é quanto tempo vai durar o governo”, me disse em entrevista concedida ontem.

Esta semana, a União acertou com os estados o alongamento da dívida por 20 anos. Meirelles disse que apesar de aumentar as despesas em R$ 50 bilhões, o acordo tem vantagens.

— Há um ganho importante porque poderá ser limitado o gasto dos estados de acordo com a inflação do ano anterior, exatamente como vai acontecer com o governo federal.

Para neutralizar o risco de que os estados fiquem com o ganho, mas não respeitem o teto para o gasto, o ministro disse que essa limitação vai ser parte do projeto de lei que fará a reestruturação da dívida dos estados e vai amarrar as duas pontas.

— Além disso, o contrato prevê essa limitação de despesas por 20 anos, com cláusulas de violação contratual caso isso não seja seguido. Outro problema da renegociação é que quando os estados retomarem o pagamento, eles terão que pagar também o que for descontado agora nas parcelas mensais.

Meirelles explicou que a limitação dos gastos dos estados é exatamente para se criar esse espaço fiscal. O ministro rebate a ideia de que os estados tenham sido vítimas, no passado, de uma “agiotagem” por parte do Tesouro.

— Uma parte do crescimento da dívida foi provocada pela inflação, a segunda parte é a taxa de juros real, acima da inflação, que é alta no Brasil, causa do problema fiscal. Por isso é preciso enfrentar o problema. Quanto mais a trajetória da dívida ficar insustentável, maior a taxa de juros.

Meirelles disse que o custo de refinanciar o endividamento em 2016 já estava incluído na meta de R$ 170,5 bilhões de déficit. Sobre o caso do Rio, ele disse que está sendo estudado ainda o instrumento legal que será utilizado para ajudar o estado a cobrir despesas urgentes com as Olimpíadas. Ele confirmou o valor de R$ 2,9 bilhões, e disse que os outros estados aceitaram a situação diferenciada do Rio.

Ele não quis dizer com que prazo trabalha para aprovação do teto dos gastos. Preferiu falar que a emenda é fundamental.

— É importante que todos entendam que o crescimento das despesas de 1997 a 2015, de quase 6% acima da inflacão ao ano, é resultado das vinculações constitucionais. Por isso, um cortezinho aqui e outro ali não adianta. Ou enfrentamos o problema, alteramos a constituição ou o gasto continuará subindo. A proposta estabelece o valor mínimo real para educação e saúde e que será corrigido, por isso as outras despesas que terão que se acomodar.

A reforma da previdência será fundamental para que o gasto não cresça demais, reduzindo o espaço dessas outras despesas. Ele confirmou que se trabalha com 65 anos, como idade mínima, mas haverá um escalonamento como regra de transição.

Sobre a Oi, ele disse que os bancos públicos têm 17% da dívida total da empresa, e que a lei de recuperação judicial está sendo invocada para impedir a falência.

— É uma empresa grande, mas existem inúmeras outras empresas, pequenas, médias ou grandes que terão problemas se a economia não retomar o crescimento. A primeira razão da recessão é a desconfiança que se estabeleceu em relação à capacidade do governo de enfrentar os problemas. A melhor forma de reverter isso é atacar a questão fiscal, essa é a proposta que estamos fazendo. Tudo que fazemos é para permitir a retomada da confiança e o fim deste círculo vicioso.

Sobre a interinidade do governo e o fato de as propostas serem para 20 anos, Meirelles respondeu:

— Esta proposta não é deste governo, é para o Brasil. É para resolver um problema que aflige o país. Não existe outra solução a não ser olhar o longo prazo. Seja um governo de meses, dois anos e meio, quatro anos. Ou atacamos direto a questão estrutural ou vamos continuar tentando soluções de curto prazo que não resolvem. O menos relevante é quanto tempo dura este governo ou quanto tempo vou ficar nesta cadeira. O país espera que os problemas sejam resolvidos.


Calamidades - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 22/06

O governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretou estado de calamidade pública no Estado. Normalmente isto ocorre em face de um desastre de grandes proporções e, sinceramente, não há outra forma de descrever a gestão fiscal do Rio de Janeiro.

Segundo os dados divulgados pelo Tesouro Nacional acerca das finanças estaduais, enquanto o conjunto dos demais Estados registrou (a preços de 2015) superavit primário pouco inferior a R$ 26 bilhões entre 2012 e 2015, o Rio de Janeiro apresentou deficit de R$ 6,8 bilhões.

No ano passado o deficit fluminense atingiu R$ 3,6 bilhões (equivalente a 6% de sua receita bruta); já os demais Estados conseguiram gerar superavit de R$ 10 bilhões (cerca de 1% de sua receita bruta).

Esta diferença de desempenho não pode ser atribuída à receita, que cresceu de forma semelhante no Rio (0,6% ao ano além da inflação) em relação aos demais estados (0,7% anual), mas sim à evolução das despesas. Entre 2012 e 2015 as despesas no Rio de Janeiro aumentaram 4% anuais acima da inflação; nos demais Estados o crescimento nesse período atingiu menos da metade (1,7% anual).

Note-se que não foram os investimentos (presumivelmente associados aos Jogos Olímpicos, embora estes sejam de responsabilidade municipal) que causaram esse estrago, pois encolheram no período. Por outro lado, a despesa com pessoal no Rio aumentou ao ritmo de 7% anuais acima da inflação ante 3% ao ano nos demais. Isto explica quase a totalidade do aumento dos gastos não financeiros do Estado.

Resumindo, o desastre fiscal, agora batizado de calamidade pública, não caiu do céu. Em que pesem perdas de receitas mais significativas em 2016, a verdade é que o Rio gastou nos anos anteriores sem maiores preocupações com que isto viesse a ocorrer, aumentando despesas principalmente onde a rigidez orçamentária é maior. Não há outro culpado que não o governo do Estado pela penúria que hoje sofre.

Isso dito, embora o Rio de Janeiro seja um caso patológico (seguido de perto por outros, como Rio Grande do Sul e Bahia), há sinais preocupantes vindos das finanças estaduais tomadas em conjunto.

O governo federal permitiu que Estados se endividassem, supostamente para investir, mas, na prática, a falta de controle permitiu o gasto crescente com pessoal.

De fato, sua folha de pagamentos não para de aumentar, atingindo R$ 321 bilhões (60% da despesa) no ano passado, ante R$ 289 bilhões (57% da despesa) em 2012, ou seja, a trajetória dos gastos com pessoal ameaça se tornar insustentável, reduzindo o já diminuto espaço para investimentos.

Além disso, como notado acima, o aumento do peso da folha de pagamento no total das despesas torna o orçamento cada vez mais difícil de manejar, em particular nos períodos recessivos.

Estados agora conseguiram moratória de suas dívidas para com a União, alegando que se tornaram impagáveis. Não é verdade: a dívida com a União caiu de 13% do PIB no começo de 2003 para 8% do PIB hoje; impagável é uma trajetória de gastos sem controle.

No ajuste fiscal de 1998-2000 (R$ 110 bilhões a preços de hoje), Estados responderam por um quinto do total. Hoje, porém, com a capitulação do governo federal vão atuar no sentido inverso, provavelmente ampliando seus gastos em R$ 50 bilhões nos próximos 18 meses, aí sim uma verdadeira calamidade.


Lições do naufrágio da Oi - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo 22/06

As “campeãs nacionais” foram empresas escolhidas durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva para disputar o mercado mundial com as gigantes estrangeiras contando com vasto financiamento e participação estatal. Pretendia-se gerar conglomerados que fossem ao mesmo tempo competitivos e ajudassem a acelerar o desenvolvimento nacional. O retumbante fracasso de tal iniciativa pode ser medido pelo esfarelamento da Oi, a empresa criada para ser a “supertele nacional” e que acaba de pedir recuperação judicial – a maior da história brasileira, com uma dívida total de R$ 65,4 bilhões. Por ser o símbolo da megalomania de Lula, vale reconstituir a trajetória desse empreendimento que tanto embalou os sonhos de grandeza da tigrada e enriqueceu um punhado de espertos, em detrimento dos contribuintes.

O caso da Oi é marcado por intrigas e negócios suspeitos mesmo antes da existência formal dessa empresa. Tudo começou em 1998, quando a Telemar arrematou a Tele Norte-Leste no leilão de concessão do sistema Telebrás. O consórcio, formado a toque de caixa, era liderado por uma construtora, companhias de seguro e uma empresa da área comercial. Sem dinheiro para honrar o compromisso, o grupo apelou para os cofres públicos, associando-se aos fundos de pensão de estatais Previ, Petros e Funcef e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em uma conversa gravada ilegalmente, o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, qualificou a Telemar de “telegangue” e de “rataiada”, o que dá uma ideia da natureza do jogo que estava sendo jogado.

Dez anos mais tarde, em 2008, a Telemar já havia trocado de nome – passara a se chamar Oi, numa tentativa de dinamizar a marca, já com vista à expansão que teria generoso apoio do governo Lula. O governo petista esperava transformar a empresa na “supertele verde e amarela” com a compra da Brasil Telecom, o que de fato ocorreu.

No entanto, para que a compra fosse concretizada, foi necessário que Lula alterasse o Plano Geral de Outorgas, eliminando a regra que restringia a atuação da operadora somente em uma das quatro regiões em que o País foi dividido. Foi assim, com uma canetada, que a Oi se tornou a primeira tele de alcance nacional.

Para que a reconstituição dessa trajetória não fique incompleta, não se pode esquecer que um dos sócios da Oi, a Andrade Gutierrez, havia sido o principal doador da campanha de Lula à reeleição em 2006. E também não se pode ignorar que, em 2005, a antiga Telemar investiu R$ 5 milhões na compra de 30% da Gamecorp, empresa de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, especializada em programas de TV e em jogos para celular, que fechou aquele ano com prejuízo superior a R$ 3 milhões. No ano seguinte, a Telemar/Oi investiu mais R$ 5 milhões na empresa, sem que isso fosse capaz de reverter as perdas da empresa de Lulinha.

Graças a esse modo de fazer negócios – eivado de interesses que nada têm a ver com a boa administração – a Oi jamais chegou a ser a “supertele” que Lula queria. Ao contrário, a empresa afundou em dívidas, obrigando o governo a intervir para salvá-la. A solução, mais uma vez envolta em situações mal explicadas, foi a fusão da Oi com a Portugal Telecom, em 2010. A transação entrou nos radares da Lava Jato e das autoridades portuguesas, pois surgiram suspeitas, ainda sob investigação, de que houve pagamento de propina a integrantes do PT – José Dirceu entre eles.

A fusão da Oi com a Portugal Telecom fracassou, e a dívida tornou-se impagável. A companhia jamais cumpriu a função alardeada por Lula – na lista das maiores empresas do mundo feita pela revista Forbes, a Oi amarga o 1.464.º lugar. Entre as 19 empresas brasileiras que aparecem no ranking, ela perde para 17.

É evidente, portanto, que a experiência das “campeãs nacionais” não deu certo, pela simples razão de que esse grau de intervenção do Estado causa profundos desequilíbrios, gerando escassos ganhos para o desenvolvimento do País. E o resultado menos visível dessa estratégia é a corrupção, cuja extensão ainda se desconhece.


A miséria da economia - MONICA DE BOLLE

O ESTADÃO - 22/06

Os argumentos econômicos já não convencem ninguém. Querem ver? Daqui a um dia, o Reino Unido poderá decidir pela saída da União Europeia sem pestanejar sobre as possíveis perdas econômicas - a perda do acesso ao mercado comum europeu, destino de metade das exportações da ilha, a perda do status de Londres como centro financeiro internacional, a perda de empregos e PIB.

Daqui a cinco meses, americanos escolherão o novo ou nova governante do país. Um deles possui inflamada retórica anticomércio e antiglobalização, o que por certo trará prejuízos econômicos aos EUA. Na segunda-feira, o governo brasileiro fechou negociação com os Estados, muitos em situação de penúria, e tenta vender a ideia de que os efeitos do acordo não trarão maiores prejuízos aos cofres públicos. Não maiores do que os já contemplados.

No caso do Reino Unido, dia desses escutei no rádio o jornalista e escritor britânico Frederick Forsyth, autor de aclamados romances transformados em filme, como O Dia do Chacal. Perguntado se não se preocupava com as implicações econômicas do Brexit, disse ele: “Todos acham que conseguem prever o futuro, é uma idiotice. Ninguém consegue prever nada”. Dia desses, li comentários sobre artigos recentes que escrevi sobre Donald Trump, um deles para este jornal. Não me surpreendi ao ver o repeteco de opiniões enlatadas, considerações inexistentes sobre os efeitos potencialmente nefastos para a economia americana e para o Brasil de Trump da presidência. Antes tivessem ecoado Forsyth - nossa capacidade de previsão é, realmente, limitada. Contudo, não é a miséria absoluta que parece. O Reino Unido haverá de perder, sim, se decidir sair da UE. Os EUA perderão, sim, com Trump. O governo brasileiro haverá de perder, sim, com a recém-concluída negociação com os Estados.

Estados. O governo ofereceu alívio de R$ 50 bilhões até 2018, ou pouco menos de 1% do PIB, para o pagamento das dívidas com a União. É evidente que o decreto de estado de calamidade pública pelo governo do Rio na semana passada acelerou a conclusão do inevitável. Como já escrevi nesse espaço, tanto o Rio, quanto diversos Estados, estão quebrados. Os governadores terão carência de seis meses para a retomada do pagamento das prestações, que haverá de reiniciar-se em janeiro de 2017 de forma escalonada: começa-se pagando 5,55% da prestação, valor que aumenta até julho de 2018, quando o pagamento da parcela deverá ser integral. Detalhe não insignificante: julho de 2018 será véspera das eleições para presidente e governador. Alguém acha que os pagamentos à União realmente seguirão esse calendário? Mas, tergiverso. O ponto não é a credibilidade do plano, ou não apenas isso. O ponto é que a inevitável negociação trará custos maiores do que o governo quer admitir.

Meirelles enfatizou que os R$ 20 bilhões dos R$ 50 bilhões que recairão sobre 2016 já estavam incluídos na meta deficitária de R$ 170,5 bilhões. No entanto, agora serão mais R$ 15 bilhões por ano em 2017 e 2018 que o governo terá de financiar, dados os termos das negociações com os governadores. E esse é o menor dos problemas. O maior dos problemas é que a negociação em bloco, feita às pressas, aumentou aquilo que os economistas chamam de “risco moral” - isto é, as chances de que os Estados não zelem por seus orçamentos sabendo que serão socorridos. “Ah, mas os gastos dos Estados estão agora incluídos na PEC que prevê teto para o crescimento das despesas”, dirão. A PEC do teto, PEC que todavia carece de formulação que a torne verdadeiramente operacional, como muitos têm destacado. Os governadores, sem esconder sorrisos de gato, disseram: “Agora os Estados poderão cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal”. Hipocrisia pouca é bobagem.

A negociação apressada desperdiçou oportunidade única, a chance de reformar o ICMS e acabar com a guerra fiscal entre as unidades federativas como moeda de troca. Mas para que perder tempo com esses argumentos econômicos? Afinal, não sabemos prever nada mesmo. E a economia está realmente na miséria, destituída pela toxicidade da política e da retórica.


O tombo da supertele - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 22/06

O pedido de recuperação judicial da operadora telefônica Oi, envolvendo uma gigantesca dívida de R$ 65 bilhões, é antes de tudo um atestado do fracasso da política dos campeões nacionais promovida pelo governo Lula, que tentou criar uma supertele brasileira para enfrentar as gigantes estrangeiras do setor. Em 2008, sem passar pelo Congresso Nacional, o governo mudou a lei das fusões e usou o Banco do Brasil e o BNDES para facilitar a operação. O apelo nacionalista esbarrou na incompetência gerencial e na dificuldade de modernização. Enquanto as concorrentes investiam na telefonia móvel, a Oi ficou presa durante muito tempo na telefonia fixa, que se tornou pouco rentável.

Mas não foi esse o único problema. A Oi também caiu por seu histórico confuso e recheado de arranjos políticos, que começou no processo de privatização do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 1998, com recursos do fundo de pensão do Banco do Brasil, o consórcio Telemar arrematou o lote das teles do Rio de Janeiro e de 15 outros Estados numa operação tão estranha, que o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, apelidou o grupo arrematador de ´telegangue´. Depois de virar Oi e já no governo Lula, a empresa obteve ajuda do Banco do Brasil e do BNDES para comprar a Brasil Telecom, que operava em 10 Estados. Assim nasceu a gigante da telefonia fixa, com mais de 60% do mercado nacional.

Quando começaram a aparecer passivos ocultos, a Oi beneficiou-se da mudança da legislação para associar-se à Portugal Telecom. E novamente surgiu uma dívida escondida, em euros, que se multiplicou até o descontrole atual.

Agora, para se proteger dos credores e do risco de falência, a operadora campeã de reclamações de consumidores busca o abrigo judicial. O desafio da Justiça, diante de tamanho descalabro, é encontrar uma forma de proteger os mais de 60 milhões de clientes da operadora para que não paguem pela má gestão e pela predatória ingerência política.

O Rio e o mito do governo de eventos - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 22/06

A falência de um modo de administração irresponsável, espetaculoso e demófobo


Decretar calamidade é parte do estilo de governar que cria eventos para resolver problemas do estado. Odecreto que colocou o Rio de Janeiro num regime de calamidade é mais uma pirueta do estilo de administração que arruinou o estado. Havendo um problema, cria-se um evento. O problema era a falência, assinou-se um decreto, criou-se um evento, e transferiu-se o problema para Brasília. Lá, um governo fraco e fiscalmente combalido capitulou, concedendo uma moratória a estados administrados por perdulários.

O governo do Rio faliu pelo mais elementar dos motivos: gastou o que não tinha e pôs dinheiro onde não devia. O mesmo núcleo do PMDB controla o estado desde 2007. Não é um núcleo qualquer. Seus caciques são Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Eduardo Cunha e Jorge Picciani. Uns, como Cabral e também o prefeito Eduardo Paes, são políticos com tino para o espetáculo. Outros, como Pezão, Cunha e Picciani, costuram por dentro.

A atividade espetacular cavalgou a Copa do Mundo, reformou o Maracanã e deu à cidade uma eventual sensação de segurança com a criação das Unidades de Polícia Pacificadora e a ocupação militar de comunidades. A Copa foi-se embora, o Maracanã transformou-se num escandaloso elefante branco e as UPPs adernaram por falta de ações sociais complementares e excesso de corrupção policial. Sobrou o teleférico do Complexo do Alemão, onde a diretora do Fundo Monetário Internacional sentiu-se nos Alpes. A madame ecoava a cultura cosmopolita do governador Cabral no restaurante Louis XV do Hôtel de Paris, em Mônaco: “Este é o melhor Alain Ducasse do mundo”. (Referia-se ao chef da casa.)

Quando um governo vive de eventos, uma crise jamais começa com a paralisação de alguma grande obra ou de um projeto da vitrine. A conta vai sempre para os serviços básicos oferecidos ao andar de baixo. A falência do Rio foi exposta no final de 2015 com o colapso da rede de saúde pública. Havia fornecedores que não recebiam há meses. Na ocasião, o governador Luiz Fernando Pezão ensinou: “O estado não fabrica recursos”. Consome-os, mas deixa pra lá.

A aula de economia de Pezão passou longe da prática da gestão pública. Na hora de suspender serviços para a população, a matemática funciona, mas quando se trata de gastar dinheiro para sustentar a máquina, a administração pública brasileira contorna uma lei da física, segundo o qual dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo espaço. Um servidor pode ocupar, ao mesmo tempo, duas folhas de pagamento, trabalhando num só lugar. A repórter Carina Bacelar mostrou que no Rio os secretários Christino Áureo, da Agricultura; Wagner Victer, de Educação; e Júlio Bueno, da Fazenda, acumulam seus vencimentos com os salários de funcionários do Banco do Brasil ou da Petrobras. Victer acumula salários desde 1999. Bueno, o homem das contas, recebe R$ 16.579 como secretário, e os contribuintes do Rio pagam R$ 49 mil à Petrobras pela cessão de seus serviços. Tudo de acordo com a lei, sempre superando os tetos constitucionais.

O próximo evento desse estilo espetacular de administração será a Olimpíada. Como explicou o secretário Moreira Franco, ex-governador do Rio e fundador do PMDB, “não podemos pagar um mico internacional”. Disse isso no dia em que o governo pagou um orangotango nacional.

O réu comentarista – BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de S. Paulo 22/06

O anúncio teve ar de suspense. Afastado da Câmara por decisão do Supremo, Eduardo Cunha convocou a imprensa para uma coletivaantecipar o assunto. O Congresso se preparou para uma bomba, mas a montanha pariu um rato. Ou um "papabiru", como PC Farias costumava chamar o pupilo.

Cunha não renunciou, não confessou, não delatou e não contou nada de novo. Num monólogo de uma hora e meia, repetiu os argumentos de sua defesa e fez um retrospecto da própria carreira. Ainda encontrou tempo para falar mal dos adversários e dissertar sobre temas diversos, como a última eleição presidencial.

Sem os afazeres do mandato, o deputado tenta se reocupar como réu comentarista. O problema é que há cada vez menos gente disposta a ouvi-lo. Os canais de telejornalismo transmitiram o início da fala, mas cortaram o sinal quando perceberam que não haveria notícia relevante.

A cobertura ao vivo só continuou na TV Câmara, que não tinha justificativa para estar lá. O peemedebista teve o mandato suspenso e não exerce atividade parlamentar há um mês e meio. A presença da emissora oficial foi uma nova prova de que ele continua a dar ordens na Casa, embora esteja proibido de pisar lá.

A discurseira teve passagens curiosas. Cunha alegou que está sofrendo ameaças, embora não tenha registrado ocorrência porque "não fica fazendo drama". Depois admitiu sua influência no governo Temer, para recuar em seguida. "Qual o crime de ter nomeado quem quer que seja? É motivo de prisão nomear? Mas eu não nomeei ninguém", disse. Em outro momento, deu o recado que desejava: "Eu não tenho o que delatar".

A entrevista não rendeu manchetes, mas serviu para mostrar como o correntista suíço está isolado. Até outro dia, ele só andava cercado por uma tropa de choque. Nesta terça (21), apenas dois deputados apareceram no local da entrevista, sem se sentar a seu lado. Cunha discursou sozinho, cercado por cinco cadeiras vazias.


Delírios estatistas e corrupção na quebra da Oi - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/06

Num fato para a História, o PT se liga aos três maiores fracassos empresariais do país desde Cabral: Petrobras, Sete Brasil e a ‘Supertele’. Há causas comuns


A virtual quebra da Oi, sacramentada pelo pedido de proteção judicial, outro nome de concordata, representa a conversão em pó de delírios estatistas, expressos no sonho que virou pesadelo de ressuscitar o espírito da velha Telebras por meio de uma empresa de capital na prática misto, turbinada com dinheiro público via BNDES (sempre ele), fundos de pensão de estatais e, mais tarde, com um braço internacional baseado em Lisboa (Portugal Telecom, Banco Espírito Santo), com extensões na África de língua portuguesa (Angola, Cabo Verde).

Foi assim que a Telemar, saída de várias costelas da privatização das teles regionais do grupo Telebras, com exceção da Telesp, virou a “Supertele”, em que lulopetistas e a CUT (via fundos de pensão, Previ, Petros, Funcef ) tiveram grande influência. E certamente benefícios. Mas, no final, dissabores. A ver se vêm processos.

No outro lado do Atlântico estavam a família Espírito Santo e o primeiro-ministro José Sócrates, com quem o próprio Lula manteria contatos. Implodido o grupo Espírito Santo, num caso de fraudes financeiras de repercussão mundial, a Portugal Telecom, que no descenso da ex-supertele veio a ser o maior acionista da Oi, também ruiu. Sócrates, condenado à prisão em regime fechado e, depois, domiciliar, volta e meia é citado na imprensa portuguesa como parceiro de Lula no lado obscuro da proximidade entre a tele dos sonhos lulopetistas, também dos socialistas portugueses, e da família Espírito Santo.

Neste roteiro de seriado de escândalo corporativo, circulam o ex-ministro José Dirceu, trancafiado em Curitiba, como um operador dessa proximidade entre o partido e portugueses, Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, virtual dona da Oi num determinado momento, e apanhado na Lava-Jato.

Não se sabe se na delação premiada de Otávio haverá algum capítulo sobre a aventura ultramarina. Ou sobre o patrocínio de Dirceu e dos governos Lula e Dilma à vinda de portugueses para montar no Brasil um grupo de comunicação companheiro. Este também não resistiu à debacle de todos.

Restam, como sempre nessas operações, prejuízos para os contribuintes, via perdas do BNDES (a Telemar era um dos “campeões nacionais” do banco). Também para funcionários de estatais, por meio dos prejuízos dos seus fundos de pensão, e por tabela novamente o Tesouro, onde as empresas públicas baterão à porta, no socorro aos planos de seguridade dos empregados. Perdem, ainda, 877 mil pequenos acionistas, além de investidores internacionais, com os quais deverão micar títulos de dívida da telecom.

A Oi se transforma na maior recuperação judicial do país, com uma dívida de R$ 65 bilhões. Só seria superada se a Petrobras fosse uma empresa privada, condição em que tomaria o mesmo caminho. Mas a estatal também socializará seus rombos quando for ao Tesouro, como as demais.

Fica, então, para a História que o lulopetismo está ligado aos três maiores fracassos empresariais no Brasil de Cabral até agora, considerando o estouro da Sete Brasil, outro projeto delirante com o selo do PT, para substituir a importação de plataformas. Como esperado, gerou propinas, ineficiência — e um rombo de R$ 19,3 bilhões.

É só uma criança... - RODRIGO CRAVEIRO

CORREIO BRAZILIENSE - 22/06

Ele é "de menor". Cometeu um ato bárbaro, atroz. Assassinou com requintes de crueldade e sem chance de defesa para a vítima. No entanto, é "de menor" e não poderá responder pelo crime com privação total de liberdade durante vários anos. Como é de se esperar da punição a qualquer homicida. Está amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, imantado pelos defensores dos direitos humanos. Ele é "de menor", mas já é um monstro. Aprendeu a matar sem demonstrar remorso. Tirou a vida de um ser humano como se fosse de um animal qualquer. Quando atingir a idade adulta, estará pronto para impor o terror à população.

Ele é "de menor". "O coitado está em formação da personalidade e não tem faculdade sobre seus atos." É hora de a sociedade rever seus conceitos e suas leis. Se adolescentes são capazes de executar alguém, então deveriam ter a capacidade de responder por seus crimes. Não poderiam estar sob a tutela de assistentes sociais e de um sistema conivente com o algoz, em detrimento da vítima.

Eu me recordo que uma das primeiras reportagens em minha incursão no jornalismo foi com menores infratores, quando trabalhava em um jornal de Goiânia. Sentado diante de jovens, ouvia as tipificações dos crimes cometidos, segundo o Código Penal. Um deles era estuprador de carteirinha; outro, um homicida em potencial. Nenhum deles chorou, clamou pela mãe ou demonstrou remorso. Quase sempre se escondem no passado sem estrutura familiar, na miséria e na falta de oportunidades. E é aqui que entra a culpa do Estado, ao não prover o mínimo de dignidade aos seus cidadãos e ao contribuir com o desajuste de famílias, acossadas pelo álcool e por uma vida sem horizontes.

No último sábado, um garoto de 15 anos queria o videogame do colega, de 11. Para tê-lo, matou o amigo, amarrou o corpo da criança com arame farpado e lhe ateou fogo, na Estrutural. Tudo por um videogame. O homicida, que em nada perde para presos da Papuda, ficará detido em regime de internação, por três anos, e estará novamente nas ruas, ressocializado, pronto para matar por um carro ou por qualquer frivolidade. Outros menores vão se unir a quadrilhas de marginais e assumirão os crimes de adultos, para livrá-los da cadeia. E a sociedade seguirá refém de uma infância bandida, protegida pelo Estado, fria e calculista.


Acordo Temer-Renan acerta em Dilma - RAYMUNDO COSTA

VALOR ECONÔMICO - 22/06

Negociação das dívidas pode pacificar o Senado

À mesa de Temer com os governadores, o lugar de honra coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Há uma semana, Renan questionava o poder do governo provisório para tomar decisões definitivas como a que estabelece um teto para os gastos públicos. Na segunda-feira, o senador alagoano tornou-se o principal avalista do acordo celebrado entre os governadores e o Palácio do Planalto sobre a dívida dos Estados. Após um dia de negociações, os governadores conseguiram arrancar do governo federal um alívio de R$ 50 bilhões até 2018 para o pagamento de suas dívidas com a União.

Todo mundo ficou contente, alguns mais outros menos, à exceção de São Paulo, cujo tamanho da dívida impediu um acerto mais favorável. Mas sendo São Paulo o maior Estado da federação e sendo o atual presidente da República um paulista de nascimento, o que não acontece há 110 anos, não há duvida de que se chegue a uma solução satisfatória para os dois lados. Sem a corda apertando no pescoço, por outro lado, os governadores podem se dedicar com mais energia às eleições municipais; e Temer sedimentou a pista que leva ao afastamento definitivo de Dilma.

A equipe econômica, naturalmente avessa a esse tipo de acordo, também saiu sem reclamar. Os governadores queriam dois anos de moratória. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, bateu o pé nos seis meses e levou. Livrou-se de um calote. Outro destaque das reuniões foi a capixaba Ana Paula Vescovi, secretária do Tesouro Nacional. Foi quem conduziu e costurou o acordo. Na reunião final, sentou-se discretamente ao fundo, mas aos poucos foi sendo chamada à cena principal, para esclarecer uma ou outra dúvida. Uma vitória de Temer: os governadores do PT não foram, mas enviaram seus vices. É difícil ficar longe do cofre cujas chaves estão com o Palácio do Planalto.

Diz mais que a presença dos governadores petistas o lugar privilegiado, na foto da reunião, do governador Flávio Dino, do Maranhão. Integrante do PCdoB, Dino talvez tenha sido o governador que foi mais fundo na tese do golpe e nos ataques ao presidente interino. Ele e o ex-ministro Ciro Gomes inclusive tentaram reeditar a "Rede da Legalidade", convocada por Leonel Brizola contra o avanço dos tanques que depuseram a frio o presidente João Goulart e fizeram o golpe militar de 1964. Dino não foi a uma ou outra reunião prévia, mas estava na hora decisiva, quando se bateu o martelo. Discreto. Calado.

Na terça-feira da semana passada, na véspera da data marcada por Temer para levar ao Congresso o pacote do limite dos gastos públicos, Renan deu uma declaração à imprensa dizendo que as medidas que aprofundam o ajuste fiscal não deveriam ser enviadas agora ao Congresso, mas somente depois do fim do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, previsto para a primeira semana de agosto, em princípio. Segundo o presidente do Senado, não seria recomendável a um governo interino fazer propostas desse tipo, de caráter mais permanentes.

"Toda medida que ajudar a estabilizar a economia do ponto de vista fiscal, ela é recomendável", disse Renan. "Mas as medidas substanciais deveriam ser guardadas para depois da transitoriedade do governo. Talvez não seja o caso [de propor coisas polêmicas agora]".

O Palácio do Planalto iria ignorar o veto de Renan, um antigo adversário de Michel Temer nos embates internos do PMDB que, na disputa do impeachment, ficou do lado da presidente afastada. O presidente do Senado sempre teve outros planos em mente para enfrentar a crise, entre os quais a adoção do sistema parlamentarista de governo e a convocação de uma assembleia constituinte em 2018. Temer iria ao Congresso entregar a proposta de reforma no dia seguinte, mas o mundo caiu na quarta-feira com a divulgação da delação do ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado.

Na mesma quarta-feira, o presidente do Senado jantou com o presidente interino, no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente da República, às margens do Lago Paranoá, em Brasília. No dia seguinte, um novo Renan reapareceu no Senado com outro discurso: "Nunca estivemos tão próximos", disse o senador alagoano referindo-se a Temer. Renan disse ainda que mantinha um contato regular com o presidente interino e que Temer havia pedido a ele que retomasse a Agenda Brasil, um conjunto de medidas para tirar o país da crise que o presidente do Senado apresentou quando Dilma ainda estava no Planalto.

Entre terça-feira, quando vetou iniciativas de ajuste, e a quinta-feira, quando afirmou que "nunca" esteve tão próximo do presidente interino, a única novidade foi a divulgação da delação premiada de Sérgio Machado, na qual Renan aparece como beneficiário de três dezenas de milhões de dólares e Temer como o autor de um pedido de doação para a campanha de seu candidato a prefeito de São Paulo nas eleições de 2012, Gabriel Chalita.

Nas reunião com os governadores, Renan ficou das 15h às 19h no Palácio do Planalto, onde recebeu todas as deferências possíveis de Michel Temer. O interino fez questão de lembrar o passado constituinte de Renan Calheiros e sua condição de presidente da Casa que representa a Federação. Mas essa não foi a única mesura que Temer reservou para Renan: ele o consultou sobre a indicação da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) para a função de líder do governo no Congresso. O presidente do Senado avalizou.

Acertado com Renan, o presidente interino espera dias mais tranquilos para o governo provisório no Senado. Há uma penca de projetos que já saíram da Câmara e aguardam decisão da Casa. Todos concordam que o acerto com os Estados não é o ideal, mas que era preciso fazer alguma coisa, por enquanto, diante da pressão do Supremo Tribunal Federa (STF), de decisões legislativas conflitantes e até do calote à vista. A mudança do ambiente no Senado favorece Temer e é definitivamente mortal para a ex-presidente da República, apesar de Renan vez por outra proclamar: "Sou Dilma".

A alma do negócio - DORA KRAMER

O ESTADO DE S. PAULO - 22/06

Se tem munição, e deve ter, Cunha vai esperar até o último momento para usar
Eduardo Cunha falou quase duas horas ininterruptas e não disse nada que não fosse de conhecimento público na aguardada entrevista em que até seus aliados supunham que ele poderia se render às evidências e renunciar. Ao posto de presidente da Câmara do qual está suspenso pelo Supremo Tribunal Federal ou do mandato de deputado.

Não fez uma coisa nem outra. Usou a atenção despertada pela expectativa de um gesto relevante para repetir o que vem fazendo há meses: negar que tenha mentido sobre a existência de contas no exterior, desancar os atos do procurador-geral da República, dizer que a dinheirama que financiou as exuberantes viagens da família ao exterior não é algo ao qual tenha acesso, ressaltar seus feitos como presidente da Câmara, negar intenção de renunciar, desmentir a ideia de delatar e cair de pau e pedra sobre Dilma Rousseff, tal como ele, afastada do cargo.

De mais candente, só os detalhes de uma conversa com o então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que, segundo ele, lhe ofereceu o apoio do PT no Conselho de Ética em troca do arquivamento do pedido de impeachment contra Dilma. Deu local e circunstâncias do encontro e, pelo dito, recusou o acordo por não confiar que Wagner pudesse mesmo entregar o prometido. De fato, na época - por volta de outubro do ano passado - mais de um ministro dizia nos bastidores que Cunha estava sendo "conversado". Daí as declarações esperançosas de governistas de que o impeachment estava morto, embora não estivesse enterrado.

A história, bem como o declaratório como um todo, não influem nem contribuem para alterar a situação periclitante de Eduardo Cunha, na Justiça, na polícia e na política. Abrir mão da presidência da Casa não garantiria a ele necessariamente uma absolvição no plenário, como ocorreu em Renan Calheiros em 2007. O cenário hoje é muito mais adverso para acertos.

Renunciar ao mandato o levaria direto para as mãos do juiz Sérgio Moro e talvez a uma desagradável temporada em Curitiba. Cunha ainda tem um tempo até a votação do parecer do Conselho de Ética no plenário. Pelo visto ontem, resolveu ocupar o período que lhe resta ao microfone e à luz de holofotes, posição que havia abandonado desde o afastamento pelo STF. O que tem a perder com isso? Nada, visto que o principal já perdeu: a força no colegiado.

O caso dele chegará ao plenário -provavelmente em julho - onde a sentença está decretada. Isso na melhor das hipóteses, pois pode ter o pedido de prisão feito por Rodrigo Janot acatado pelo Supremo. Se acontecer, os fatos e o tempo dirão se vai aderir ou não à delação premiada negada por ele e anteriormente descartada pelos barões do esquema da Petrobrás,hoje plebeus cansados de guerra.

Por enquanto, Eduardo Cunha não precisa dizer nada além do que tem dito. Amanhã, quem sabe? Caso tenha - e deve ter - a munição que supostamente detenha, só fará uso dela quando lhe for conveniente. Ele pode ser tudo, menos ingênuo como Marcos Valério que acreditou na salvação do poder constituído.

O deputado usará todo o seu tempo e a munição que tiver deixará para usá-la no último e crucial momento.

Fatura liquidada. Dos senadores contabilizados como "indecisos", que não quiseram declarar o voto ou que não foram encontrados para falar de suas posições sobre o impeachment no levantamento do Estado, sete são do PMDB, cujo propósito obviamente não seria tirar seu governo do poder. Um do PSDB, o relator Antonio Anastasia, de posição conhecida a favor da cassação.

Outro é Romário, candidato a prefeito do Rio, cuja posição tanto poderá estar vinculada ao cargo que ganhou na estrutura federal ou à vontade do eleitorado.

Temer reformista - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 22/06

Temer quer negociar reformas estruturais após a votação do impeachment. Aprovado o impeachment no Senado como espera, o presidente Michel Temer deixa de ser interino e passa a assumir uma agenda reformista que andou parada nos últimos anos petistas, a começar pelo novo pacto federativo, que ele pretende negociar com os estados e municípios.

Animado pela renegociação da dívida dos estados, quando sentiu “um verdadeiro espírito de união nacional entre os governadores”, Temer acha que será possível renegociar uma reforma tributária e levar adiante reformas estruturais de que o país necessita, todos temas polêmicos que necessitarão de uma base parlamentar coesa para chegar a bom termo.

É justamente por isso que ele não se arrepende de ter feito uma composição política na montagem de seu primeiro Ministério, que acabou sofrendo baixas devido a investigações da Lava-Jato. Ele tinha a necessidade de fortalecer a base governamental no Congresso, e tentou montar acordos difíceis dentro de um esquema que tem 35 partidos políticos atuantes.

O acordo com os governadores, com a contrapartida de que também os estados limitem seus gastos, foi um passo dado à base da negociação política que há muito não se via. Temer pretende que essa seja a marca de seu governo, com a pacificação da base parlamentar que há muitos anos vivia às turras por conta do poder hegemônico do PT.

Ele admite que tem recebido diversos recados do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, mas não vê como ajudá-lo neste momento, pois a questão deixou de ser política para estar no STF, dentro do âmbito de investigações criminais. No momento adequado, o presidente interino pretende participar das negociações para a escolha de um futuro presidente da Câmara, não para defender uma candidatura, mas um conceito: é preciso encontrar um candidato que represente a base parlamentar do novo governo, para manter a coesão que permita ao governo avançar.

Temer diz que a grande diferença de seu governo é que ele escolheu uma equipe econômica de alto nível que é unida na mesma visão de Estado, e que tem o apoio firme de base aliada coesa. Ele lembra que, quando foi o negociador oficial do governo Dilma com o Congresso, não teve o apoio do Planalto devido às divisões internas estimuladas pelo PT, e a equipe econômica chefiada por Joaquim Levy não tinha o apoio nem da presidente nem do PT, o que inviabilizou o avanço do ajuste fiscal.

A reforma da Previdência deve ser apresentada logo após o desfecho do processo de impeachment, definindo idade mínima para a aposentadoria, com todas as regras de transição negociadas no Congresso. Temer diz que esse tema já fora abordado na Constituinte, e só não entrou em vigor porque houve longa discussão interpretativa que acabou evitando que a idade mínima definida na Constituição entrasse em vigor.

Hoje o parágrafo 7 do artigo 201 diz: É assegurada aposentadoria no regime geral de Previdência Social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Estão nos planos de Temer ainda a flexibilização das leis trabalhistas, para permitir superar a crise do desemprego no país, e também a reforma política, que ele acredita ser possível aprovar sem fazer grandes malabarismos, como a convocação de uma Constituinte exclusiva, como sugerem alguns.

Ele lamenta que as cláusulas de barreira tenham sido vetadas pelo Supremo anos atrás, e considera que alguns ajustes nas regras de coligações partidárias já podem ser eficientes para reduzir o número de partidos em atuação no Congresso.

O protagonismo que o Orçamento está ganhando no processo de impeachment pode levar também a uma maior responsabilidade na sua discussão, ampliando o espaço para políticas com visão do país como um todo.

A expectativa dentro do governo Temer é que a crise por que passa o país seja um ponto de reversão de expectativas por parte do Congresso.

Um acordo de arrumação - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 22/06
Ao negociar um alívio de R$ 50 bilhões aos Estados devedores do Tesouro Nacional, o presidente interino Michel Temer pode ter feito um bom investimento. Em troca da ajuda, governadores aceitaram dois compromissos. Desistirão de processos para mudar os juros cobrados sobre as dívidas estaduais. Além disso, aceitarão a fixação de um teto para o aumento de gastos. O acordo tira os governos do sufoco, elimina ou pelo menos atenua um foco de inquietação política e pode facilitar o conserto das finanças públicas. Se tudo correr segundo o planejado, haverá um bom retorno, medido pelos critérios políticos e pelos objetivos das finanças públicas.

Ao propor a revisão da meta fiscal, com espaço para déficit primário de até R$ 170,5 bilhões, a nova equipe econômica embutiu nas contas o custo provável, neste ano, da negociação com os governadores. A decretação do estado de calamidade pelo governo do Rio de Janeiro poderia ter complicado as discussões. Mas os demais governadores concordaram com o auxílio diferenciado para o Rio, sem cobrar atenções especiais.

Livres do custo da dívida até o fim do ano, os Tesouros estaduais só retomarão os pagamentos a partir de janeiro, com descontos decrescentes até julho de 2018. Depois disso as prestações voltam ao nível normal. O custo para a União ficará em R$ 20 bilhões em 2016 e em R$ 15 bilhões em cada um dos dois anos seguintes. Além disso, os prazos ficarão 20 anos mais longos. Mas os juros compostos – como aqueles pagos pela União quando toma um empréstimo – serão mantidos e com isso se evitará uma aberração financeira. Os Estados autorizados pelo Supremo Tribunal Federal a pagar juros simples terão um tempo para repor a diferença devida ao Tesouro Nacional.

O acordo possibilita a volta à disciplina fiscal negociada com os governos no fim dos anos 1990, quando a União refinanciou e assumiu as dívidas estaduais e se tornou credora desses valores. O limite planejado para a expansão dos gastos federais será estendido também às despesas dos Estados. O aumento nominal dessas despesas poderá corresponder no máximo à inflação do ano anterior. Para atender a essa restrição, e também para retornar aos padrões impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os governos terão de restabelecer critérios de austeridade perdidos nos últimos anos. Uma das façanhas da política petista foi o relaxamento das normas fiscais dos Estados, com maior espaço para endividamento e para despesas.

O efeito mais visível do afrouxamento foi a expansão dos gastos com pessoal. Segundo nota divulgada pelo Ministério da Fazenda no fim de abril, entre 2009 e 2015 esses gastos cresceram de 4,95% do Produto Interno Bruto (PIB) para 5,3%. Nesse período as despesas com a dívida chegaram a diminuir, passando de 0,95% do PIB para 0,91%.

Ainda segundo a nota, o Rio de Janeiro foi o Estado campeão no aumento da folha de pessoal, com variação média anual de 16,2%. Santa Catarina ficou em segundo lugar, com expansão de 15,67% ao ano. Em anos recentes, vários Estados passaram o limite prudencial da relação entre a folha e a receita corrente líquida.

No caso do Rio de Janeiro, a crise fiscal tornou-se escancarada neste ano, quando faltou dinheiro para salários e para a manutenção de serviços básicos, como a medicina de emergência. Histórias de pessoas desesperadas em busca de assistência tornaram-se frequentes na televisão.

A explicação oficial – redução da receita derivada da exploração do petróleo – apenas confirmou a baixa qualidade da administração. Em qualquer Estado brasileiro, o governo só deveria usar a receita proporcionada pelo petróleo como complemento, jamais como fonte de cobertura de funções essenciais. A aberração fica mais evidente quando se pensa no esforço de governos do Oriente Médio para reduzir a dependência da atividade petrolífera. Calamidade, mesmo, é a soma de incompetência com irresponsabilidade, como prova ainda mais amplamente a recessão brasileira.