domingo, janeiro 10, 2010

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Alertas para o golpe

O GLOBO - 10/01/10


A vocação cívica aqui de Itaparica é sobejamente conhecida de todos, mas está sempre surpreendendo por sua intensidade. À primeira vista, o viajante nada perceberá, na névoa da madrugada que encobre delicadamente a Rua Direita ainda deserta, as pedras umedecidas do chuvisco que regou as plantas antes do amanhecer, o silêncio só quebrado pela algazarra da passarada. Talvez um jeguinho em seu passeio matinal antes de pegar no batente, talvez alguém indo assistir ao nascer do sol em cima do cais, tudo quieto e sossegado, como deve ser a venerável vila onde a história do Brasil começou.

Mas, da mesma forma que no passado, a aparência tranquila disfarça a ebulição estuante que nos pôs à frente de todos os grandes movimentos nacionais. Pois que murmúrio é esse, de vozes abafadas porém exaltadas, que o viajante ouve cada vez mais forte, à medida que se aproxima dos umbrais do Bar de Espanha? Alguma festa, que só terminou nesse instante? A numerosa família de Espanha arrumando o estabelecimento para mais um dia de intenso funcionamento? Talvez o rádio ligado nas notícias matinais?

Não, não, nada disso. Também da mesma forma que nas boticas e lojas de maçonaria dos tempos heroicos da Independência, a verdade é que essas vozes, agora muito altas, ao deter-se o viajante à porta do bar, são discursos e brados de conspiradores, gente versada em sedições e levantes, gente afeita ao combate e às lides revolucionárias, gente disposta a qualquer proeza ou sacrifício pelo bem da nação. E, em tom elevado e veemente, é inequívoco que a voz que mais se destaca é a de Zecamunista, inconfundível em sua eloquência vibrante e seu vigor nas denúncias que profere.

– Esse ministro Genro – diz ele, sublinhando as palavras com gestos de Castro Alves – está preparando um golpe, não podemos esmorecer na vigilância democrática! Deu nos jornais, qualquer um pode ler.

– Está escrito que vão dar um golpe?

– Não, claro que não, é tudo muito maquiavélico, a coisa é quase subliminar. Mas aí eu apelo para meus conhecimentos de enxadrista. Eles pensam que me pegam, mas eu já estou vários lances na frente.

– Mas o que foi que ele disse, afinal?

– Disse que d. Dilma é vítima de preconceito.

– Não entendi o que isso tem a ver com golpe.

– Primeiro passo! É o primeiro passo! Em seguida?

– Só você cantando esse jogo, Zeca, eu nem sei jogar xadrez direito.

– Eu canto, eu canto, embora estejamos num país de surdos e não adiante nada. O segundo passo está na cara: quem não gostar dela é preconceituoso.

– Bem, pode até ser.

– Lá vai você caindo na pegada do ministro, às vezes eu acho que aqui só tem otário. Terceiro passo: quem não gostar dela não só é politicamente incorreto como vai para a ilegalidade. Não pode ter preconceito no Brasil, discriminar ninguém por raça, aparência, sexo, nada. Então, quarto passo: quem disser que não gosta dela vai processado pelo Ministério Público.

– Zeca, você não está vendo que isso não pode acontecer?

– É, não pode mesmo. Vai ser pior, depois vem o quinto passo. Quinto passo: quem não votar nela vai em cana.

– Me desculpe, mas isso é delírio completo, isso não vai acontecer aqui, nem pode acontecer em nenhum lugar do mundo.

– Demonstrada mais uma vez a sua ignorância. A primeira condição para compreender o Brasil é levar sempre em conta que aqui acontecem coisas que não podem acontecer em lugar nenhum do mundo. Você viu os caras, lá em Brasília, passando bolos de dinheiro para lá e para cá? Viu o governador pegando dinheiro? Viu a deputada enfiando dinheiro na bolsa? Viu um cara metendo dinheiro na cueca e outro na meia?

– Vi, todo mundo viu.

– Negativo. Nem todo mundo viu, pelo menos do jeito que a gente viu. Tanto assim que até o presidente disse que aquelas cenas não davam para concluir nada. O que é que dava, então? Os caras parando no meio da enfiada de dinheiro no rabo para falar para a câmera? Atenção, Brasil, close na minha cueca, estou levando grana de propina e afanando o dinheiro dos trouxas! Que é que precisava mais, para mostrar que os caras estavam levando jabaculê, que eles saíssem no carnaval fantasiados de irmãos Metralha e carregando sacos de dinheiro?

– Você não deixa de ter alguma razão. Mas isso não vai ficar assim, vai dar processo.

– Vai, vai, sim. Quem de agora em diante mencionar essas propinas vai ser processado. Antes, já tomou porrada e pisada de cavalo, lá em Brasília mesmo e aí entrar em cana completa o tratamento.

– Você está muito pessimista, Zeca.

– Não, não estou, não, longe disso, minhas esperanças continuam mais vivas do que nunca. Tanto assim que vou fundar um jornal aqui na ilha, para lutar pelo povo e pelo proletariado e contra a exploração do homem pelo homem. Que é que você acha de "A Verdade"? "Pravda" quer dizer "verdade" em russo. Eu pensei até em convidar você para dirigir a redação, mas não só não confio muito nas suas posições políticas, como preciso limitar os custos. Felizmente, para ser fiel à verdade, basta assistir aos comerciais do governo e depois escrever o contrário.

GOSTOSA

DANUZA LEÃO

Episódios cariocas

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


Tem alguma coisa mais carioca do que um marido que vai para o botequim jogar baralho?

OUTRO DIA fui fazer as unhas num salão onde nunca tinha estado, e a manicure era daquelas bem falantes. No espaço -curto- em que fiquei lá, ela me contou quase sua vida toda. Mora em Caxias, tem um filho e praticamente criou os dois que o marido já tinha, de um primeiro casamento.
Contou histórias e usou uma palavra que há anos eu não ouvia: que enquanto cuidava da lida, o marido, folgado, ficava no botequim com os amigos tomando cerveja e jogando...
baralho. Tem alguma coisa mais carioca do que um marido que vai para o botequim jogar baralho? Se fosse biriba, tranca, bisca, mas não: ela disse BARALHO. Adorei a história.
A mesma manicure, por sinal morena de astral altíssimo, contou do dia em que o marido foi pedir a seus pais para deixá-la ir morar com ele; casar não podia, pois foi antes da lei do divórcio. Muito sério, ele disse que nada faltaria em casa, que ela não precisaria trabalhar e que não se preocupassem, pois ele nunca bateria nela. Aí, meu queixo caiu.
Nunca tinha ouvido falar de um homem que, ao pedir a mão de uma moça, diz a seus pais que fiquem tranquilos porque ele jamais vai bater nela. Se ele diz isso, imagino que o normal seria bater. Ok que isso deve ter sido antes da Lei Maria da Penha, mas penso que na cabeça de algumas pessoas mais rudes, talvez, bater na mulher seja comum; tão comum que ele quis tranquilizar seus futuros sogros dizendo que nunca faria isso.
Esse é um Brasil que só se conhece quando uma simpática e extrovertida manicure resolve contar sua vida, e ainda confirma: "ele é muito bom, nunca me bateu".


Outro dia eu estava procurando alguma coisa para ver na televisão, não tinha nada. Acabei parando num documentário já começado, em preto e branco, meio gasto pelo tempo. Deduzi que havia sido feito em alguma favela ou bairro da zona norte do Rio, cujos moradores gostavam de samba, claro. Era Carnaval, iam todos sair sambando, e o sonho era serem promovidos a escola de samba para desfilar na avenida no próximo ano, junto com as importantes. Quem narrava o documentário era o presidente da possível futura escola.
A câmera focalizou uma birosca, que na verdade era um barracão, e num puxado, com chão de terra batida, alguns homens de variadas idades faziam o ritmo e cantavam. Era coisa séria: só tinha homens. Os closes, bem feitos, foram nas garrafas de cerveja, nas mãos dos sambistas: um batucava na mesa, outro fazia o ritmo numa caixinha de fósforo, outro batia duas varetas de madeira, outro um pequeno pandeiro. Eram homens humildes, todos vestidos muito corretamente, mas percebia-se que as bermudas que usavam um dia haviam sido calças.
Aí apareceu a talvez futura escola na rua, sambando. Todos muito pobres, pobres e animados; a maioria vestida normalmente, e só alguns poucos improvisaram uma fantasia, como um rapaz que vestia short, enormes brincos de argola e um turbante na cabeça. Mas o que mais me empolgou foi uma "ala" com quatro jovens magrinhos, de perna fina, enrolados em um lençol, como se fosse uma toga; na cabeça, uma coroinha feita de folhas, e nas mãos um assento de privada, à guisa de lira. Um deles levava um cartaz tosco, escrito à mão, onde se lia: "Os tarados de Roma".
No final do documentário, soube-se que o grupo no ano seguinte estava na avenida desfilando com as "grandes", com o nome de Unidos de Vila Isabel.
Ah, povo brasileiro; você é muito emocionante.

EMÍLIO ODEBRECHT

A imprensa e o novo Brasil

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


No final do ano passado, a revista The Economist brindou-nos com uma matéria de capa cujo título era: “O Brasil decola”. A reportagem chama nosso país de maior história de sucesso da América Latina. Lembra que fomos os últimos a entrar na crise de 2008 e os primeiros a sair e especula que possamos nos tornar a quinta potência econômica do globo dentro de 15 anos.

Não é apenas a revista inglesa que vem falando dos avanços aqui obtidos nos campos institucional, social e econômico nas últimas décadas. Somos hoje referência no mundo e um exemplo para os países em desenvolvimento, vistos como uma boa-nova que surge abaixo da linha do Equador.

Diante disto, me pergunto se a imprensa brasileira está em sintonia com a mundial – que aponta nossos defeitos, mas reconhece nossos méritos.

Tal dúvida me surge porque há um Brasil que dá certo e que aparece pouco nos meios de comunicação. Aparentemente, o destaque é sempre dado ao escândalo do dia. Isso deixa a sensação de que não estamos conseguindo explicar aos brasileiros o que a imprensa internacional tem explicado aos europeus, norte-americanos e asiáticos.

Tornar públicas as mazelas é obrigação da imprensa em um país livre. Mas falar somente do que há de ruim na vida nacional, dia após dia, alimenta e realimenta a visão negativa que o brasileiro ainda tem de si.

Se as coisas por aqui caminham para um futuro mais promissor, é porque, em vários âmbitos, estamos fazendo o que é o certo.

Para líderes políticos, empresariais e sociais dos países que precisam encontrar o caminho do progresso, conhecer nossas experiências bem sucedidas pode ser o que buscam para desatar os nós que ainda os prendem na pobreza e no subdesenvolvimento.

O fato é que, ficando nos estreitos limites do senso comum, a sensação é de que a imprensa, de uma forma geral, considera o que é bem feito uma obrigação – não merecedor, portanto, de ocupar espaços editoriais, porque o que está no plano da normalidade não atrairia os leitores.

Ocorre que o que acontece aqui, hoje, repercute onde antes não imaginávamos. Por outro lado, há uma mudança cultural em curso na sociedade brasileira e a imprensa tem um papel preponderante nesse processo.

O protagonismo internacional do Brasil e nossa capacidade de criar novos paradigmas impõem que a boa notícia seja tão realçada quanto são os fatos que apontam para a necessidade absoluta de uma depuração de costumes que ainda persistem em nossas instituições.

GOSTOSAS

VINICIUS TORRES FREIRE

Sujos e mal lavados na Argentina

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


Está difícil de decidir quem tem menos razão no conflito entre Cristina Kirchner e o presidente do BC do país


A ARGENTINA está em tumulto devido ao conflito entre o governo e o presidente do Banco Central. Uma lei confusa concede uma extravagante independência ao BC, ao menos no papel. Cristina Kirchner quer dinheiro e quer recolocar o BC na linha. A disputa tornou-se espetáculo mundial. Mercadistas vituperam contra o "atropelamento de instituições técnicas e autônomas" e a "insegurança jurídica". Antes de tratar da Argentina, e dada a reação estereotipada, jeca e servil dos mercadistas locais, convém lembrar a situação do paradigmático BC dos EUA, o Fed. Seu presidente até 2006, Alan Greenspan, fazia política. Foi ideólogo e cúmplice da livre-bandalha da finança, que deu na catástrofe de 2008. Por causa disso, o Fed na prática teve de financiar governo e mercado, um escândalo.
Isto posto, volte-se à Argentina. Em dezembro, Cristina baixou uma espécie de medida provisória a fim de tirar US$ 6,6 bilhões das reservas internacionais do país, de US$ 48 bilhões. O dinheiro pagaria metade dos compromissos da dívida externa deste ano. Assim, Cristina abriria espaço no orçamento para outros gastos e tentaria facilitar a volta do país ao mercado mundial de crédito, de onde está banido faz uma década. O presidente do BC, Martin Redrado, se recusou a liberar o dinheiro. Queria que o Congresso, de férias até março, fosse ouvido. Cristina demitiu Redrado. Na sexta-feira, uma juíza suspendeu o uso das reservas e reempossou Redrado provisoriamente. Pela lei do BC deles, o governo só poderia destituir Redrado depois de ouvida uma comissão do Congresso. Como de hábito, advogados divergem sobre o assunto, assim como empresários e até banqueiros. O caso é quase pura briga política.
A política argentina é mais furiosa que a nossa e, agora, mais precária: ficou em frangalhos após o colapso de 2001-02. O país é muito mais dividido, brecha ampliada pelos tiques autoritários dos Kirchners -e porque Néstor quer voltar à Presidência em 2011. O conflito é tenso ainda porque os argentinos vivem sob medo constante de confiscos e falência do governo. Os Kirchners pegam dinheiro onde podem e não podem. Reestatizaram a Previdência a fim de colocar a mão no caixa, tomam crédito nos bancos estatais, antecipam receita com o BC (sic) etc.
Redrado, amigo dos Kirchners até dezembro, é um fariseu, além de inepto, pois a inflação é alta. Pior, é cúmplice da fraude do índice oficial de inflação, cambalacho patrocinado pelos Kirchners. Sem índice confiável de preços, furta-se do debate público o valor real da moeda. Sem que se saiba o valor real da moeda, um BC se torna um corretor de títulos e uma fábrica de papel pintado.
Mas as instituições não estão sendo "atropeladas". As instituições argentinas estão estateladas na estrada faz anos, em parte devido ao colapso decorrente de experimentos mercadistas alucinados, aplaudidos por FMI e finança mundial. De resto, a independência do BC é, em termos estritos, sempre balela (e difere de autonomia operacional, restrita a cuidados com a moeda). Mercadistas em geral querem que BCs sejam o quarto Poder, livres para tomar decisões que afetam orçamentos, dívidas, câmbio, reservas e o diabo. Em vez de atropelar instituições, querem atropelar a democracia.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Responsabilidade Social

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10


O projeto Empregabilidade,do AfroReggae, fechou o primeiro ano com 486 pessoas empregadas, das quais 222 egressas do sistema penitenciário ou que viviam na criminalidade. O plano de José Junior é empregar mil pessoas até o fim do semestre.

Para ajudar as crianças desabrigadas de São Luiz do Paraitinga, a Fundação Abrinq - Save the Children vai captar recursos junto à Aliança Internacional Save the Children e The Resource Foundation. Para refazer escolas e creches.

A Associação Viva e Deixe Viver, dedicada a histórias para crianças hospitalizadas, promove a partir de quarta programação de férias gratuita no Shopping Vila Olímpia. Os participantes poderão doar 1 kg de alimentos.

O PNUD convidou Eleine Bélaváry, da Associação Franquia Sustentável, para compor o grupo que participará, em quatro Estados, de ações capazes de gerar emprego e renda, com ajuda de micro e pequenas empresas locais. Nas cidades de Abaetetuba (PA), Barbalha (CE), Jaguarão (RS) e Marliéria (MG).

O Grupo Pão de Açúcar doou 1.500 cestas básicas para as famílias afetadas pelas chuvas em Angra dos Reis e no Vale do Paraíba. E montou postos de coleta para receber alimentos, roupas e cobertores.

Unilever e São Caetano fazem hoje no Maracanãzinho o Jogo da Solidariedade. Iniciativa da Ação da Cidadania, para arrecadar alimentos para Magé e Angra dos Reis.

A Fundação ArcelorMittal Acesita apoiou, em 2009, 31 entidades do Vale do Aço, em Minas. Foram beneficiadas cerca de 2,5 mil pessoas.

Interinos: Doris Bicudo, Gabriel Manzano Filho, Marilia Neustein e Pedro Venceslau.

O próximo herói

A plateia ainda nem se acostumou com Avatar e a Dreamworks - que fez Shrek e Kung Fu Panda - ataca com um novo herói: Megamind.
É um vilão dos quadrinhos que destrói seu último inimigo mas descobre que, sem rivais, não tem papel nem futuro. O filme chega por aqui em dezembro.

Fora do jogo

Pesquisa da Ipsos em 70 cidades revela até que ponto os eleitores desconhecem o mundo político.
Chegam a 66% os que, perguntados sobre o nome de algum ministro, disseram não conhecer nenhum. No caso de deputados federais, foram 62%. E para os senadores o índice vai aos 69%.

Cubatão revive

Xico Graziano está empolgado com a implantação do Jardim Botânico da Água Fria, em Cubatão. O projeto inclui o Museu da Mata Atlântica e oito estruturas para pesquisas com espécies nativas. "Simboliza uma virada de página", diz ele do projeto, que prevê recuperação de toda a área e é financiado com recursos do BID.

Replay sanfona

Dominguinhos, que já foi homenageado em filme de Sérgio Roizenblit, vai ganhar outro documentário.
Dominguinhos - Volta e Meia mostra a trajetória do artista desde o interesse pela sanfona, no alto sertão, até sua consagração como músico. Ainda em produção, tem roteiro de Felipe Briso.

Elza dose dupla

A biografia de Elza Soares, Cantando Para Não Enlouquecer, de José Louzeiro, vai ser reeditada pela Editora Planeta. Com ajustes de texto do autor.
Além disso, a cantora, que está em cartaz no Rio com o show Operária Brasileira, será tema de documentário a ser lançado em 2011.

PARABÉNS. OBRIGADO

JOSÉ ROBERTO AFONSO

Quatrilho macroeconômico

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10


Os modelos de consistência macroeconômica eram o que de mais avançado se rodava na econometria dos anos 1980. Hoje, em qualquer revista ou congresso de economia, inclusive nacionais, não faltam modelos para os mais diferentes temas, alguns sofisticados, outros confundindo meios com fins, mas raro é reencontrar algo sobre consistência macro. O instrumento caiu em desuso com as visões mais amplas e integradas das diferentes faces da política econômica. A coordenação entre suas instâncias também parece ter saído de cena (a mídia nem cita mais "equipe econômica"). Parece que a ordem é cada um cuidar do seu quintal, esmerar-se em mantê-lo bem limpo, pouco importando se à custa de varrer o lixo para o vizinho (quando não para debaixo do tapete).

Se a crise global, por si só, exigiu um incomum esforço de análise e decisões, o desembarque dessa excepcional postura exige ainda mais cuidados. É uma ótima oportunidade para resgatar a ideia de consistência macro. Desmontar gradualmente as medidas anticrise é bom momento para melhor interconectar políticas e práticas.

É inegável que os juros básicos ainda seguem muito acima dos padrões internacionais, no entanto, o mercado pressiona por novo aumento de taxa, talvez menos pela (falta de) perspectiva inflacionária e mais como "prêmio" para não preocupar com metas fiscais atendidas por contabilidade criativa (já subiu para status de mágica), muito menos com as projeções de deterioração das contas externas.

O crédito transformou nosso funcional tripé da política econômica numa espécie de "quatrilho". Foi o principal determinante para o Brasil mergulhar (surpreendentemente) em sua recessão mais profunda, mas, ao mesmo tempo, em fazê-la a mais curta. Dados oficiais mostram que, após a crise, o estoque de crédito cresceu muito (7,5 pontos do PIB de setembro de 2008 até novembro último), puxado basicamente pela maior oferta por instituições financeiras públicas (responderam por 5,6 daqueles pontos), enquanto recuava a taxa de investimento nacional (de 20,1% para 17,7% do produto, entre o terceiro trimestre de 2008 e de 2009).

Os bancos federais precisaram tomar crédito extraordinário (mais 4,6 pontos do PIB no mesmo período) com o Tesouro Nacional - na prática, ele virou o maior "banco" do País, pois já acumula créditos de 12,4% do produto (sem contar mais R$ 80 bilhões extras, que serão concedidos neste ano). Os recursos federais não poderiam sair de resultado primário, que minguou com a expansão (clarividente) de gastos (com custeio, enquanto o investimento seguiu patinando), fora o impacto brutal da revalorização cambial (já perdidos 3,1% do PIB no ano passado, ante 5,5% ganhos no anterior).

Estourada a crise em setembro de 2008, nos catorze meses seguintes o total de papéis públicos em mercado cresceu 10,6 pontos do PIB (exatamente o mesmo aumento dos meios de pagamento, no conceito M3). Metade desse incremento fluiu via operações compromissadas do Banco Central, que rolam em média a cada 40 dias (ante 40 meses do Tesouro) - aliás, se inexistiam em janeiro de 2002 (quando a mobiliária era de apenas 35% do PIB), já respondem por um quarto do estoque de títulos, que encostou em 60% do PIB, como nunca antes na história.

Fechamos a década seguindo ao pé da letra o roteiro descrito por Keynes sete décadas atrás. Quando empresas optam por aplicar a produzir com recursos próprios e os bancos ficam com medo de emprestar para outros bancos, ambos preferem emprestar cada vez mais para o governo. O Brasil caiu num arranjo que combinou aumento do crédito bancário (chegou a 45% do PIB) com incremento muito maior na dívida pública (64% do PIB, no conceito bruto, usado internacionalmente), enquanto servia a exacerbada preferência privada por liquidez (ao menos 15% do PIB em operações compromissadas). Inegavelmente isso serviu para expandir o consumo e a economia de imediato, mas impõe grandes desafios para o longo prazo. De certo, a solvência da dívida pública está garantida, mesmo no novo mágico mundo fiscal. Mas já passa a hora de retomarmos os modelos e as reflexões sobre consistência macroeconômica.

*
José Roberto Afonso, economista, é mestre pela UFRJ e doutorando da Unicamp

CLÓVIS ROSSI

O mandato que a finança não tem

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


SÃO PAULO - Na crise argentina, há um aspecto institucional infinitamente mais grave do que o afastamento à força do presidente do Banco Central, Martín Redrado, depois anulado pela Justiça.
Trata-se de saber, pura e simplesmente, quem tem mandato para tomar decisões, se o presidente da República (no caso, a presidente), que para isso foi eleita livre e legitimamente pelo único soberano, o eleitorado, ou se um funcionário subalterno, que não recebeu qualquer tipo de delegação popular. Sua autoridade, portanto, emana exclusivamente da chefe.
Imagine que o problema de desobediência tivesse acontecido na área, digamos, de transportes.
Se o ministro desacatasse uma orientação da presidente, seria sumariamente demitido e ninguém moveria uma sobrancelha para se espantar.
Agora, quando se mexe no amplo território do que os argentinos chamam de "patria financiera", que hoje em dia nem pátria tem, aí é diferente. Não interessa, do ponto de vista político-institucional, se a ordem dada por Cristina Fernández de Kirchner era tecnicamente a melhor ou a pior. Interessa que ela é a parte legítima para adotá-la. Ponto.
Não acatá-la é insubordinação. Ponto. Insubordinação se pune. Ponto. Sob pena de instaurar-se a anarquia.
O problema é que o predomínio das finanças no mundo contemporâneo é tamanho que se criaram regras formais ou informais (no caso do Brasil, é informal, felizmente) que impedem que o mandatário possa exercer o seu mandato de forma plena.
É óbvio que, uma vez criada a regra, se legítima, deve-se cumpri-la, coisa que a presidente não fez. Mas o descumprimento é uma anomalia filha direta da anomalia maior que foi dar criar a uma situação em que quem não tem mandato se insubordina contra quem tem.

GOSTOSA

PAULO MARKUN e GABRIEL PRIOLLI

Nem concorrência nem submissão

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


Se São Paulo investe mais de R$ 80 milhões/ano com os programas da TV Cultura, por que outros Estados devem recebê-los de graça?

A TELEVISÃO pública, diga-se com clareza, ainda não existe no Brasil. Emissoras independentes do mercado e dos governos de plantão, mantidas e controladas pela sociedade, são, por enquanto, sonhos, promessas ou, na melhor das hipóteses, projetos em construção. Obra que vem se erguendo aos poucos, de várias formas. Essa heterogeneidade pode ser virtude, mas dá margem a incompreensões, que convém aclarar.
A TV Cultura e a TV Brasil, as duas maiores emissoras oriundas de um modelo educativo-estatal em transição para o modelo cultural-público, padecem no momento com um desses mal-entendidos. Numa lógica de telenovela, comentários de formadores de opinião e reportagens de imprensa têm colocado a emissora paulista no papel de "vilã", ao cobrar de outras estações pelo direito de retransmitirem seus programas, enquanto a TV Brasil desempenha o papel de "boazinha", por oferecer "de graça" toda a sua programação.
Há dois anos, o Senado aprovou a criação da Empresa Brasil de Comunicação, a quem cabe criar a Rede Nacional de Comunicação Pública. Seus recursos, assegurados pelo Orçamento da União, permitem sustentar a oferta graciosa de conteúdos e até o financiamento da modernização ou projetos de produção das afiliadas.
Já a TV Cultura surgiu há 40 anos, para oferecer aos contribuintes paulistas (que a financiam) educação, cultura, informação e formação crítica para o exercício da cidadania, sob a fiscalização de um Conselho Curador, democrático e plural. Depois de alcançar todo o Estado de São Paulo, passou a disponibilizar seu conteúdo pelo satélite, cobrindo todo o país. E, por anos a fio, ofereceu a outras emissoras toda a sua programação -sem ônus para elas, mas também sem qualquer contrapartida para si.
O surgimento da EBC impôs uma mudança de rumo nessa política. A atitude paternalista vem sendo substituída por acordos pontuais e flexíveis com emissoras educativas ou comerciais, em pacotes ajustados às necessidades de cada uma, sem interesse, obrigação ou ônus da Cultura em ser "cabeça de rede".
Se o Estado de São Paulo investe mais de R$ 80 milhões/ano, com esforço, para produzir ou comprar os programas exibidos por sua TV pública, por que outros Estados, interessados nesses programas, devem recebê-los graciosamente? Por que não ajudam a custeá-los, na medida de suas possibilidades?
Recentemente, a Rede Minas adquiriu um pacote anual de dez programas da TV Cultura pelo valor mensal equivalente ao custo de produção de um único episódio de um desses produtos. Negociações semelhantes acontecem com as TVs Educativas do Rio Grande do Sul e do Paraná, a TV Brasil Central (GO) e outras emissoras.
A TV Cultura não integra a rede liderada pela TV Brasil, mas rejeita a condição de concorrente. Tanto que, na cidade de São Paulo, os transmissores da TV Brasil estão sediados na torre da Cultura, por um acordo em que ninguém saiu perdendo.
Quatro de nossos melhores programas -"Roda Viva", "Viola Minha Viola", "Cocoricó" e "Vila Sésamo"- são exibidos há quase dois anos pela emissora federal e afiliadas, com base num contrato de retransmissão que aporta recursos importantes para sua própria manutenção e aperfeiçoamento. Outros programas estão sendo negociados e já há co-produções em andamento. A primeira é "Almanaque Brasil", em pré-produção.
Em 2007, quando a TV Brasil começou a operar, as emissoras que hoje integram sua rede exibiam uma programação composta majoritariamente por produtos oferecidos pela TV Cultura (49%) e pela TVE do Rio (31%), cabendo à produção local os 20% restantes. Hoje, 68% da programação exibida nas mesmas emissoras são gerados pela TV Brasil, 14% pela TV Cultura e 18% são de produção local. Os dados são de setembro de 2009, os mais recentes disponíveis.
Sem subordinação nem concorrência, a TV Cultura continua aberta à cooperação com todas as emissoras públicas brasileiras, como já faz com suas congêneres de Angola, Argentina, Cabo Verde, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Chile, Equador, Espanha, Grã-Bretanha, Guiné-Bissau, Macau, México, Moçambique, Panamá, Peru, Porto Rico, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Uruguai e Venezuela -em muitos casos, por meio de programas idealizados pelo Ministério da Cultura.
Transpor a lógica partidária, governo versus oposição, para o campo da TV pública não interessa a ninguém. A partidarização desse campo certamente não ajuda a lavrá-lo melhor.

PAULO MARKUN é diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, e diretor-tesoureiro da Abepec (Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais).

GABRIEL PRIOLLI é coordenador de Expansão e Rede da Fundação Padre Anchieta.

PAULO BONAVIDES e PAULO LOPO SARAIVA

Proposta: Código de Processo Constitucional

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


O processo constitucional tem crescente relevância, mas as leis que dispõem sobre esse processo se acham esparsas

DESDE A época do império até a presente República, temos sido mais prudentes, mais cautelosos, mais lentos em instituir códigos do que em promulgar, outorgar ou emendar Constituições.
Com efeito, a partir da rejeição do projeto de Teixeira de Freitas, o império ainda levou muitos e muitos anos forcejando, em vão, por ultimar no país a tarefa codificadora da lei civil. As normas vigentes nessa matéria eram preponderantemente as da herança colonial, a saber, das Ordenações Filipinas.
Tal legislação, no corpo da sociedade que se regenerava constitucionalmente pela dissidência com o passado, pela conquista da soberania, pelo advento da nacionalidade e da independência, representava uma contradição, ou seja, a memória do Brasil colônia cravada como um espinho no dorso de instituições que a liberdade construíra.
Dispunha a monarquia de graves jurisconsultos que bem poderiam ter feito o código que o século 19 deixou de fazer. Dentre eles avultavam figuras de alta expressão jurídica e elevada estatura moral: de Teixeira de Freitas ao conselheiro Lafayete, de Rui Barbosa a Coelho Rodrigues, de Ribas a Pimenta Bueno.
As qualidades e vantagens que rubricam a preferência codificadora continuam sendo em geral as mesmas do período áureo em que os códigos despontaram nas primeiras décadas do século 19. Positivavam eles pelo braço da revolução triunfante o direito natural dos filósofos e pensadores da corrente racionalista que reorganizava a sociedade sobre as ruínas do feudalismo.
Tais benefícios -a história nos atesta- realizavam uma aspiração de unidade, de sistema, de regra lógica, de clareza, de segurança, de ordem, de racionalidade e de certeza. Pautas que legitimavam desse modo o novo arcabouço jurídico das relações de direito privado, volvidas por inteiro para o vocativo de liberdade em que o governo dos poderes legítimos pertencia à lei, e não aos homens.
Chega, porém, de digressões históricas. Vamos direto ao cerne da proposta que nos levou a compor estas ligeiras linhas.
Com efeito, partimos da averiguação de que o processo constitucional aufere hoje no ordenamento jurídico nacional crescente relevância por haver alcançado já segmentos de larga faixa da sociedade pátria.
Alguns julgamentos do STF despertam a atenção de distintas camadas sociais, de tal sorte que demandam uma compreensão mais acurada das ações de controle julgadas perante aquela corte, bem como outras de defesa e garantia dos direitos fundamentais decididas em diversas instâncias judiciárias.
As leis que dispõem sobre esse processo -infraconstitucionais- estão porém esparsas, privadas de unidade processual, o que em rigor não se compadece com a majestade e importância do órgão supremo que as julga.
Impõe-se, pois, a elaboração do Código de Processo Constitucional, a exemplo do que ocorreu no Peru.
Por essa via se alcançará entre nós o regramento sistemático das ações constitucionais de defesa de direitos e de controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, em sintonia com as conquistas jurídicas contemporâneas.
Em razão disso, faz-se mister, desde já, criar uma comissão, em nível de governo, encarregada de elaborar com urgência o Código de Processo Constitucional e também assegurar, ao mesmo passo, a presença da advocacia nessa estratégica esfera judicial.
Nunca devemos esquecer que os códigos em geral, como as Constituições que ab-rogam o passado e aparelham o futuro, foram a um tempo elemento de conservação e meio de consolidação das grandes rupturas que, na revolução do Estado moderno, abriram as portas da sociedade ao poder legítimo e ao Estado de Direito, isto é, à legalidade que freia o arbítrio, garante o direito, protege a civilização, mantém a paz e, com a simples vigência, promete expandir o progresso e propagar a liberdade.
As reflexões antecedentes buscaram demonstrar que o Brasil precisa de um Código de Processo Constitucional. Essa postulação de criar novo código, se atendida, deveras contribuirá para tornar a Constituição cada vez mais efetiva na confluência: norma, jurisdição e processo.
Fica assim posta, aqui e agora, a ideia pioneira, a fim de que surjam os colaboradores e as colaboradoras da construção desse monumento legislativo que poderá vir a ser no breve porvir o nosso Código de Processo Constitucional.

PAULO BONAVIDES , doutor "honoris causa" da Universidade de Lisboa (Portugal), é professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, presidente emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e fundador da "Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais".

PAULO LOPO SARAIVA , doutor em direito constitucional pela PUC-SP, pós-doutorado pela Universidade de Coimbra, é membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

O VERME

JANIO DE FREITAS

O governo contra o governo

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10

O Programa Nacional de Direitos Humanos é um dos atos de governo mais tresloucados do pós-ditadura

O NINHO DE COBRAS a que o governo deu o nome de Programa Nacional de Direitos Humanos, decretado por Lula em meio às festas de fim de ano, é um dos atos de governo mais tresloucados do pós-ditadura, senão o mais. Não pela variedade de temas e alvos que liga aos direitos humanos, mas por reunir tamanha variedade em um só decreto, que assim funciona como um disparador de ataques simultâneos, com o próprio governo como alvo, a partir de tudo o que é força e poder entre (ou sobre?) nós.
É suficiente notar dois dos muitos propósitos que o decreto junta à pretendida comissão da verdade -causa de imediata e extremada reação dos comandos militares-, para captar o desatino masoquista do governo: modificação das regras de renovação dos canais de TV, para dissolver as atuais concentrações e impedir novas, e criação de imposto específico sobre a grande riqueza pessoal.
Excetuadas as tolices como a classificação permanente dos meios de comunicação, segundo sua adesão aos direitos humanos, grande parte do decreto é uma antecipação do futuro, menos ou mais remoto. Hoje impraticável, considerada a força dos poderes que se confrontariam, a desconcentração de meios de comunicação é uma quase certeza aqui reservada ao futuro. As legislações dos Estados Unidos e de vários países europeus preveniram-se logo aos primeiros sinais do poder identificado nas concentrações. O endeusamento do "mercado", ou vale tudo, nos anos 90 atenuou as restrições nos EUA, mas as limitações já estão outra vez em discussão. Na América Latina, território prioritário da concentração, o assunto está esquentando em diversas capitais.
Um exemplo interessante da importância desse tema foi deixado por Roberto Marinho. As divergências políticas levaram ao erro de obscurecer as qualidades de Marinho como condutor da empresa jornalística herdada dos pais. Alcançar o domínio do jornalismo impresso no Rio foi por muito tempo, claro, um dos seus sonhos, e agiu para isso com todas armas do capitalismo. Mas quando o "Jornal do Brasil", conduzido por qualidades inversas, deu sinais de derrocada, Roberto Marinho preocupou-se talvez mais do que os donos do "JB": não queria ficar sozinho na "grande imprensa" carioca, porque via nesse predomínio um estímulo a ideias antimonopolísticas nos meios de comunicação. Pelo mesmo motivo, ajudou Adolpho Bloch a fazer a TV Manchete, até que a nova TV entrou na seara das novelas e tornou-se concorrente direta.
Aumentar os serviços e diminuir o custo abusivo dos planos de saúde, restrições verdadeiras à influência do dinheiro nas eleições, a manifestação pública em questões polêmicas e de interesse da população são, entre outros, casos em que o teor do decreto antecipa o que virá, por certo, menos ou mais tarde. Mas, com a associação de intenções problemáticas feita pelo governo, o decreto não ultrapassa as barreiras conhecidas. E, se ficar por aí só para poupar Lula de recuos vexaminosos, será um fantasma inócuo, porque não se desdobrará nas leis que fariam do plano uma realidade.

Inovações
Deve ser um novo estilo de política. Com todos as desgraças por aí afora, Lula não foi capaz de abalar-se sequer em um gesto mínimo de solidariedade formal às vítimas. Nos soterramentos e desabamentos iniciais em São Paulo, José Serra não se mostrou nem falou, e quando falou foi para responsabilizar os paulistanos por entupirem os bueiros com lixo. Sérgio Cabral não foi a Angra e Ilha Grande, em seguida aos desastres, porque "não é demagogo", mas depois cedeu às críticas e foi "fazer demagogia". A secretária fluminense de Ação Social, Benedita da Silva, levou seis dias para mostrar algum interesse pelo que aconteceu em Angra.
Nem mesmo o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, emitiu considerações sobre as tragédias. Deve ser uma novidade constatável mas, por ora, inexplicável.

BRASÍLIA -DF

Leilão de caças

Luiz Carlos Azedo

CORREIO BRAZILIENSE - 10/01/10



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer fazer dessa história da compra dos novos aviões de caça da Força Aérea Brasileira (FAB) uma limonada. Já tomou a decisão de comprar os caças franceses, levando adiante uma parceria estratégica com a França. Acredita que isso pode resultar numa cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, proposta reiterada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy. Lula está aproveitando a onda contra a decisão para forçar os franceses a baixar o preço dos aviões Rafale, da Dassault.

Esse foi o recado dado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao ministro da Defesa francês, Hervé Morin, quando Lula viajou para Copenhague. Jobim foi à França a pedido de Lula, acompanhado por ninguém menos do que o comandante da FAB, brigadeiro Juniti Saito. O vazamento do relatório técnico do projeto FX-2 foi uma reação dos engenheiros da Aeronáutica à preferência de Lula. Preferem o protótipo sueco Gripen NG, fabricado pela empresa Saab, porque participariam do desenvolvimento do projeto com a Embraer. A preferência dos pilotos, porém, é pelo F-18 da Boeing norte-americana. Na verdade, os “caçadores” queriam o caça russo Sukhoy 35, que foi desclassificado pelo comando da FAB. Era afronta demais ao lobby norte-americano.


Troca // O senador Álvaro Dias perdeu a queda de braço com o prefeito de Curitiba, Beto Richa, pela vaga de candidato ao governo do Paraná. Líder nas pesquisas, Beto conta com o apoio da cúpula da legenda. Dias, porém, luta pelo cargo de líder do PSDB no Senado, função exercida pelo senador Arthur Virgílio Netto (AM) desde 2003.


Micou
Até o lançamento do ambicioso Programa Nacional de Direitos Humanos, o presidente Lula andava prestigiado na caserna. No almoço de fim de ano, foi muito aplaudido por oficiais-generais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O Plano já virou um trem fantasma na Esplanada. Só falta Lula mandar rever tudo.


Colisão
O ex-lider do PT na Câmara Maurício Rands e o ex-prefeito do Recife João Paulo entraram em rota de colisão por causa da vaga do PT ao Senado, na chapa do governador Eduardo Campos (PSB). Rands conta com o apoio do ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT). A outra vaga de candidato ao Senado é do presidente de Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado federal Armando Monteiro (PTB).


Blindados
A Estratégia Nacional de Defesa tem amplo apoio no Exército, que comemora a reorganização e o reaparelhamento dos regimentos blindados do Sul do país, graças aos 250 tanques Leopard 1A5 BR , reformados e modernizados, comprados da Alemanha. Cada um custou 350 mil euros, ou seja, R$ 900 mil


Cana-dura
A delegada Mara Toledo Piza deixa a diretoria de Inteligência Policial para assumir a Superintendência da
Polícia Federal em Brasília. Na próxima semana, assume o lugar de Disney Rosseti, também da área de inteligência, que vai dirigir a Academia Nacional de Polícia (ANP). Atual diretor, Anisio Soares Vieira será o novo adido policial na Venezuela. Mara será a segunda mulher a comandar a PF no Distrito Federal; a primeira foi a delegada Valquíria Teixeira de Andrade.


Vice
A cúpula do DEM se articula para disputar a vice do governador de São Paulo, José Serra, na chapa da coalizão PSDB-DEM-PPS. O novo nome na cartola é o do primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes, cardeal da legenda no Piauí, que mantém excelentes relações com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Quem não está gostando da conversa é o líder da bancada no Senado, José Agripino Maia (RN).


Guitarra/ O Tesouro inicia 2010 com recursos extras para enfrentar eventuais turbulências no mercado financeiro por causa da campanha eleitoral. Tem caixa para pagar os títulos públicos que vencerão nos próximos seis meses. Recentemente, durante palestra no Itamaraty, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, disse que não há hipótese de faltar dinheiro em caixa: se for preciso, a Casa da Moeda põe a guitarra pra tocar.

Paredão/ Quem quiser que se iluda: o presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente (sem partido), aquele que foi flagrado colocando dinheiro nas meias, não deixará o cargo por moto próprio. Ergue uma espécie de bunker de proteção para o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Prudente pretende engavetar qualquer tentativa de impeachment.

Campanha/ A boa performance de Dilma nas pesquisas realizadas em algumas cidades baianas foi o assunto do jantar do presidente Lula com o governador Jaques Wagner (PT), na residência da Marinha, na base naval de Aratu, onde o chefe do governo passou o fim do ano. O governador baiano não quer saber de dois palanques.

Cartórios/ Três anos após sua realização, o concurso para cartórios extrajudiciais de Santa Catarina caiu na malha fina. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deve enviar denúncia de tráfico de influência e suspeita de nepotismo envolvendo membros do Judiciário local ao Supremo Tribunal Federal. A posse dos novos cartorários está prevista para o próximo dia 20.

GOSTOSA PELO SISTEMA DE COTAS DO BLOG

ALBERTO TAMER

É grave. Brasil se acomodou

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10


O Ministério do Desenvolvimento alterou ligeiramente o resultado da balança comercial de 2009, mas isso não mudou nada. O resultado das exportações é o pior da história, desde que os dados veem sendo levantados, em 1950. E, a não ser que haja uma séria mudança de atitude do governo e dos empresários, o superávit comercial agora de US$ 25,6 bilhões deve diminuir ainda mais neste ano. Com a economia caminhando para crescer 5%, haverá mais mercado para ocupar no mercado interno. Ao mesmo tempo, com a entrada no ritmo atual de investimentos externos, pelo menos até que a economia internacional se estabilize, dificilmente o real irá se desvalorizar e as importações só tendem a aumentar.

Muitos leitores, que criticaram o tom da última coluna perguntam: mas até onde é grave ter um superávit decrescente e até mesmo um déficit na balança comercial?

Infelizmente, mas infelizmente mesmo, essa tem sido a dúvida do governo. Pelo menos, é o que a sua atitude indica. O que importa é manter o crescimento do consumo interno, o tudo o mais a gente arruma.

O fato é que, em termos comerciais, a economia brasileira é uma das mais fechadas e protegidas do mundo. Exporta pouco, importa pouco. Em termos econômicos e comerciais, a diplomacia brasileira é ainda mais fechada ainda.

Sem acordos bilaterais prometidos por Brasília quando a recessão derrubou o comércio mundial. Nada. As regras do Mercosul não permitem. Só que o Mercosul, que na verdade são Brasil e Argentina, não existe mais. Os argentinos estão preferindo a China e não concordam conosco em negociações comerciais.

Uma camisa de força esgarçada pelas crises que se sucedem no país vizinho. Fomos iludidos pela União Europeia que há mais de dez anos prometeu um acordo conosco e o Mercosul. Ouvi isso de diplomatas entusiasmados quando cheguei a Paris, em 1994. Lá se vão 16 anos! Até agora, nada. Os europeus nunca quiseram nada, só exportar mais produtos industrializados para nós.

Fizeram o jogo deles, mas precisávamos ter entrado nesse mercado. Quantas alertas fizemos por meio desta coluna após cada reunião cheia de promessas não cumpridas...

E, por favor, nem me falem de Doha. É a grande farsa comercial da década. E tem gente importante em Brasília que ainda acredita nela. Só está servindo para manter empregos na OMC, em Genebra.

Este cenário, mais a crise mundial, mais a apatia do governo e empresários em questão de comércio exterior, explicam o que está acontecendo.

MAS, ESTÁ TUDO BEM

Brasília diz que tudo anda bem, mesmo com esse comércio exterior anêmico, raquítico, porque não precisamos de superávits comerciais para cobrir o déficit em contas correntes. Os investimentos externos param de entrar, preocupar-se, por quê?

Quanto ao estoque de reservas, nem se fala. O colunista do Estado, Celso Ming, com muita oportunidade, apresenta na sua coluna de quinta-feira um quadro do BC mostrando que as reservas cambiais no momento se elevam a US$ 239,1 bilhões. Em 2002, eram US$ 49,3 bilhões. No governo atual, aumentara nada menos que 385%.

Mais importante ainda, entramos na recessão com reservas maiores que a dívida externa total. Não me lembro de ter visto isso nas minhas cinco décadas de jornalismo.

Deu até para o Banco Central socorrer com folga as empresas quando o crédito externo escasseou. Queimou reservas. Estavam em US$ 180,3 bilhões em 2008, mas aumentaram nos dois anos seguintes com a política do BC de comprar dólares no mercado interno, com levantamentos oficiais e privados feitos no exterior.

Guardar dinheiro ou desfazer-se de dólares quando o país estava em crise? Nunca vi isso em manual de economia algum.

UMA GRANDE CONFUSÃO

Essa situação de folga cambial que oferece certa tranquilidade nas contas externas levou o governo a acomodar-se nos últimos anos. Está confundindo reservas cambiais com geração de emprego, produção, crescimento econômico. Elas podem socorrer em momentos de urgência, sim, como socorreram os bancos e a indústria, mas não podem ser consideradas como elemento de política econômica sustentável.Foram pouco eficazes ao apoiar e estimular as exportações, que recuam.

O Brasil está sendo visto hoje como um país seguro, com grandes reservas cambiais, mas um anão comercial. Anão, sim. Pouco mais de 1% do mercado mundial. Mais grave, um anão que tende a ficar ainda menor se continuar se transformando principalmente em exportador de matérias-primas, produtos minerais, commodities agrícolas e, no futuro, petróleo, que geram mais riquezas onde se consome do que onde são produzidos. Não mais como exportador de produtos industrializados, de tecnologia avançada, para países desenvolvidos.

Perdemos mercado nos EUA e na Europa, mas estamos alimentando a China.

A não ser que se rompa com esse clima de acomodação de que reservas cambiais são investimentos, o resto não importa. O nosso destino é ficar à margem do mercado mundial.

CELSO MING

Caixas-pretas

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10



A autonomia dos bancos centrais está sob ataque em todo o mundo e uma revisão das funções dos bancos centrais parece inevitável. No entanto, até agora não se inventou sistema melhor para executar a política monetária (política de juros).

Ontem, esta Coluna apontou de onde e por que vem tanto tiro. Hoje, a proposta é identificar um pouco melhor o problema.

Os críticos não se conformam com tanta concentração de poder nas mãos dos dirigentes dos bancos centrais que nem sequer são eleitos para seus cargos. Se o mandato de um chefe de Estado emana do voto popular, por que a administração do principal patrimônio da sociedade, a moeda, fica a cargo de um punhado de burocratas que agem de acordo com o que lhes dá na telha, estão sempre cheios de razão e quase nunca dão satisfação do que aprontam.

A independência (ou autonomia) do banco central se baseia em dois pressupostos. O primeiro é o de que nada é mais destrutivo para a vida econômica e social do que a inflação. Por isso, tem de ser combatida implacavelmente. A longo prazo, não há incompatibilidade entre combate feroz à inflação e defesa do emprego e da renda. Ao contrário, é a falta de estabilidade monetária que destrói o setor produtivo e o emprego.

O segundo pressuposto é o de que não se pode deixar as impressoras de moeda nas mãos dos políticos. É botar o bode para tomar conta do milharal. Os políticos precisam do voto e voto se obtém gastando verbas públicas. Quando faltam verbas públicas, como tantas vezes acontece, não há político que resista à tentação de soltar dinheiro à vontade.

Segue-se que, na condição de cão de guarda da moeda, o banco central tem de ficar longe dos políticos e deve usar seus dentes (política monetária) sempre que farejar inflação.

No sistema de metas de inflação, o banco central obtém do governo o patamar tolerado (no Brasil, é hoje de 4,5% ao ano) e usa a política de juros para empurrar a inflação para dentro dessa meta. Se a inflação ameaça escapar para cima do estabelecido, tem de reduzir o volume de dinheiro na economia (aumentar os juros); se a inflação está sob controle e tende a resvalar para baixo do planejado, o banco central injeta mais dinheiro na economia (baixa os juros).

A ideia é que essas medidas tecnocráticas sejam sempre explicadas e delas se prestem contas à sociedade. E, no entanto, (esta é uma das queixas mais comuns) os bancos centrais se portam como confrarias secretas que operam caixas-pretas a que ninguém tem acesso. Em parte, não há como não ser caixa-preta. Os bancos centrais são os fiscais e supervisores de instituições sujeitas a rigoroso sigilo bancário e os próprios bancos centrais são bancos. Não há como abrir tudo aos distintos interessados.

Em todo o caso, nesta crise, ficou claro que os bancos centrais não deram conta do recado. Deixaram que os bancos produzissem todo tipo de lambança. Uma das razões pelas quais as bolhas apareceram e estouraram foi a excessiva generosidade da política monetária exercida pelo maior banco central do mundo, o Federal Reserve (Fed, banco central americano).

Não há saída, é preciso repensar tudo. Mas, paradoxalmente, todos os projetos de mais regulação e mais controle conduzem a soluções que preveem mais poder para os bancos centrais.

CORTARAM O PAU DO LUGO

MÍRIAM LEITÃO

Elas conseguiram

O GLOBO - 10/01/10


Nos próximos meses, as mulheres americanas atravessarão uma fronteira e passarão a ser a maioria das pessoas empregadas no mercado de trabalho. Hoje, são 49,9%. A revista “Economist” pegou o dado como assunto da sua primeira reportagem de capa do ano. Segundo a revista, essa foi a maior revolução que aconteceu nos tempos atuais. A transformação não está completa

No Brasil, as mulheres são 44% do mercado de trabalho, mas há muito tempo são maioria nos cursos universitários, e 59,9% tem 11 anos ou mais de estudo. Apesar disso, ganham 71% do que os homens ganham e têm mais dificuldade de ascensão nas empresas. O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Ence, do IBGE, dá números impressionantes sobre o Brasil: — Nos últimos 40 anos, 40 milhões de mulheres entraram na População Economicamente Ativa do Brasil.

Uma Argentina. De 2000 a 2007, entraram na força de trabalho nove milhões de homens e 12 milhões de mulheres. Na faixa de trabalhadores com mais de 11 anos de estudo, elas já são maioria.

Em 1966, 40% das mulheres que terminaram faculdade nos Estados Unidos tinham optado pela área de educação e apenas 2% se formaram em administração e negócios. Agora, são 12% em educação e 50% em administração e negócios. Mesmo assim, só 2% dos cargos de principal executivo das 500 maiores empresas americanas da Fortune são ocupados por mulheres. Na Inglaterra, são 5%.

A revista celebra o avanço da mulher no mercado de trabalho com frases assim: “Milhões de cérebros passaram a ser usados de forma mais produtiva.” E sustenta que países que resistem a esta tendência — não apenas os países árabes, mas Japão e Itália, por exemplo — “vão pagar um alto preço na forma de talentos desperdiçados e cidadãos frustrados.” O Goldman Sachs acha que incluir mais mulheres no mercado de trabalho pode puxar o PIB da Itália em mais 21%, do Japão, em mais 16%.

Os dados são espantosos.

Na União Europeia, as mulheres ocuparam seis milhões dos oito milhões de empregos criados desde 2000. Nos Estados Unidos, três em cada quatro demitidos na atual recessão eram homens. Em 2011, haverá 2,6 milhões de mulheres a mais do que homens entre os estudantes das universidades americanas.

Sempre haverá explicação do tipo: há mais emprego para mulheres porque elas recebem menos. Mas o fenômeno é mais complexo do que isso e qualquer tentativa de explicação com uma única causa ficará incompleta.

Há influência do movimento feminista, a pílula, a maior escolaridade, as transformações econômicas, as mudanças culturais, a vontade da mulher. Uma das explicações da revista para essa absorção de mulheres no mercado de trabalho é o crescimento do setor de serviços, que emprega mais mulheres, e também a demanda por habilidades mentais — nas quais há igualdade entre os sexos — maior do que a demanda por força física.

Chamadas para o mercado de trabalho na falta de homens, durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres nunca mais voltaram para casa. Na época, o cartaz da propaganda americana era uma mulher de uniforme — Rosie, a operária — com o braço levantado como sinal de força e a frase “We can do it” (Nós podemos fazer). A revista usa o mesmo cartaz e põe o título: “We did it” (Nós conseguimos).

Os dados derrubam os mitos que certas reportagens no Brasil sustentam de que as mulheres estariam fazendo o caminho de volta para casa, ou que passaram a valorizar mais o antigo papel da mulher. Estatisticamente não há sinal de fenômeno assim. Todas essas reportagens cometem um erro elementar do jornalismo que é confundir casos particulares com tendência.

Erro de pauta e apuração.

O grande problema, disse a “Economist”, é a falta de políticas públicas e privadas que solucionem o dilema entre maternidade e vida profissional. Algumas dessas políticas seriam “simples, sutis e baratas, como a de ampliação do horário escolar ou a adaptação das empresas às possibilidades do trabalho executado em casa”.

Na verdade, é preciso caminhar um pouco mais na discussão sobre a visão cultural de que é da mulher a obrigação primordial de cuidar da criança. É o que acha a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Ipea. Excetuandose a gestação, parto e amamentação, tudo o mais pode e deve ser executado de forma compartilhada, no mundo de hoje, entre mãe e pai. Países escandinavos passaram a oferecer uma etapa da licença a quem cuida da criança, não necessariamente à mãe.

Alguns programas de incentivo ao aumento da fecundidade nos países europeus, como Itália, por exemplo, que enfrentam redução da população, não deram certo porque só previam incentivos às mulheres e não davam o direito à escolha do casal. Conclusão: não adianta dar dinheiro para as mulheres ficarem em casa para que elas tenham mais filhos, porque nem todas querem isso. O desejo por realização profissional mobiliza a maioria.

O esforço tem que ser para conciliar maternidade e vida profissional.

A revista inglesa acha que é preciso agora lidar com os efeitos da revolução que já ocorreu. Um deles é o fato de que crianças se ressentem da ausência de ambos os pais. Isso será resolvido de forma mais contemporânea, dentro da nova mentalidade de que o cuidado da criança é dever — e direito — tanto do pai, quanto da mãe; e que lidar com a nova situação é uma responsabilidade das políticas públicas e das empresas.

As mulheres vieram para ficar.

DORA KRAMER

Mistérios de polichinelo

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10


O PSDB passou o ano de 2009 fazendo de conta que o partido tinha dois candidatos à Presidência da República disputando a indicação em condições de igualdade. No fim, prevaleceu a lógica.

Mas se fez política: o governador de Minas, Aécio Neves, saiu do falso embate bem maior do que entrou e o governador de São Paulo, José Serra, ficou sozinho em cena sem precisar se pronunciar a respeito da candidatura.

O passo adiante é mantido sob rigoroso sigilo, embora seja um segredo de polichinelo quase tão secreto quanto aquele guardado pelos tucanos até dezembro último.

Com a diferença de que o resultado agora não é certíssimo como era aquele. O governador mineiro continua firme na negativa, embora já tenha sido mais enfático na recusa.

Seus pares na cúpula do partido deram por interditada a discussão pública do assunto e do governador de São Paulo não se obtém nada além de um "depende do Aécio".

No particular, porém, o tucanato não só torce e trabalha em prol da junção dos dois mais vistosos nomes do partido como exibe boa dose de confiança. Baseada no raciocínio de que "pela lógica" Aécio acaba aceitando.

Dirigentes que até a oficialização da desistência do mineiro não tinham a menor esperança, já deixaram de considerar a chapa pura uma hipótese remota.

Cumprem o ritual do silêncio, acham que o governador no momento está fazendo o que é preciso fazer - ajeitar as coisas em Minas depois de já ter conseguido o cacife de fiador do desejo de todo o partido -, mas apostam que está "segurando" a vaga ao Senado para negociar alianças. Notadamente com o PMDB de Hélio Costa.

Na base dessa crença levam em conta os interesses políticos do próprio Aécio, sob as seguintes premissas: a necessidade de manter o poder dele sobre a "base", Minas, e a afirmação como liderança de expressão nacional para efeito de futura candidatura a presidente.

Por esse raciocínio Aécio teria muito mais chance de eleger governador o atual vice, Antonio Anastasia, como candidato na chapa presidencial do que como pretendente a uma vaga no Senado. Até porque, nesse caso, teria de se dedicar à própria campanha e deixaria Anastasia como figura secundária.

A experiência da campanha municipal de 2008 é citada como exemplo. A preponderância do nome de Aécio sobre o de Marcio Lacerda fez o eleitor se desinteressar pelo candidato e quase leva o governador a perder a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte.

Além disso, seria também, segundo aquela interpretação em vigor na seara tucana, muito mais conveniente Aécio investir na vitória do PSDB para a Presidência da República do que se arriscar a ser mais um senador de oposição, sem possibilidade de almejar a presidência do Senado.

Nesse aspecto, Aécio Neves não é o único interessado em se empenhar na eleição de presidente. Os tucanos dizem que, diferentemente das duas presidenciais anteriores, em 2002 e 2006, agora o sentido da unidade está presente em todos.

Pautados, claro, pela necessidade: o verdadeiro pânico de que a derrota leve os partidos de oposição às vias da extinção. Mais quatro ou oito anos fora do poder, argumentam, vão sobrar muito poucos para continuar a história.

Muito bem, mas e se estiverem todos equivocados e Aécio mantiver a decisão de concorrer ao Senado?

Apesar dos boatos, dizem que Marina Silva e Itamar Franco são hipóteses fora de cogitação. A senadora por impossibilidade real e o ex-presidente pelo potencial de conflito de seu temperamento.

Nesse caso, o PSDB partiria algo desanimado para um "déjà vu" com o DEM.

Cercania

A versão de que o ex-secretário de Meio Ambiente do governo de São Paulo Eduardo Jorge, coordenador da campanha presidencial de Marina Silva, seria a "ponte" para a formação de uma possível chapa Serra-Marina, é só uma ilação.

Fato mesmo é que, no caso da vitória do PSDB, ele seria o predileto de José Serra para o Ministério do Meio Ambiente. E uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra.

Ao arquivo

Pode até ser que para desembaraçar a negociação em torno da formação da chapa puro-sangue do PSDB, Serra e Aécio combinem qualquer coisa relativa à reeleição.

Mas a ideia de investir na retirada da Constituição da possibilidade de dois mandatos consecutivos para presidentes, governadores e prefeitos, foi posta de lado.

Por um motivo objetivo: o PT não aceita.

E por orientação direta do presidente Luiz Inácio da Silva, que chegou a conversar a respeito com Serra em 2008, mas depois mandou avisar que não tinha razão nem disposição de facilitar o andamento do "fila do PSDB".

Ou seja, se os dois tucanos quiserem se entender que se entendam, mas não será - nem deve ser - Lula quem vai contribuir para a promoção da paz no campo adversário.

GOSTOSAS

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! O Brasil entrou em 2012!

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


Essa é a única notícia de janeiro: roubaram o celular e a celulite da Gretchen em Salvador!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Previsões pra 2010: a Dilma vai virar presidente e a Argentina vai ganhar a Copa!
Outra previsão para 2010: faça como o Palmeiras, assista à Libertadores pela Sportv! E sabe o que uma biba falou pra outra biba alucinada? "Volta pro pão, carne louca." Rarará. E mais um pra minha série "Os Predestinados": em Campinas tem um proctologista chamado Dédalo. Deve ser O DÉDALO DE OURO! Rarará! E o site Anima Tunes lançou um novo parque aquático em São Paulo; o AQUASSAB! Um tipo de Beach Park com água de enchente.
E um aviso às leitoras: devido aos temporais, tá proibido chapinha! Imagine a Fátima Bernardes na enchente da marginal Pinheiros! O cabelo ia virar macarrão parafuso! Não pode! E com as enchentes, a Sabesp cumpriu a promessa: água e esgoto na porta de casa! E eu tenho uma teoria: o Brasil não entrou em 2010, entrou em 2012. Tá parecendo "disaster movie"! O mundo vai acabar!
Mas pense por um lado positivo: se o mundo acabar, a Argentina também acaba! Rarará! E ontem ouvi um grito lancinante no prédio: "AAAAAIIII!". Crime, assalto? Não, era meu vizinho recebendo o IPTU! E IPVA quer dizer Imposto sobre Propriedade de Veículo ANFÍBIO!
E notícias da Globo: o Zé Mayer tá a cara do Seu Madruga, a Dalva tinha voz de Pato Donald e a tetraplégica deu um pontapé na bunda do namorado! O fim do mundo. Pior é o fim do mês. Fim do mês é o fim do mundo em parcelas! E já imaginou as manchetes do fim do mundo? Capa de "Caras": "Xuxa espera o fim do mundo na ilha de Caras". "Veja": "Chávez e PT envolvidos no fim do mundo". "Trip": "Fim do mundo, uma experiência radical". Rarará!
Buemba 2! Meteram a mão na poupança da Gretchen! Essa é a única notícia de janeiro: assaltaram a Gretchen em Salvador. Bundas-moles! Pra assaltar a Gretchen precisa ser muito bunda-mole.E roubaram o quê? Celular. Celular e celulite. Rarará. Como disse um amigo: a Gretchen é uma bunda pra cem talheres. E, se ela soltar um pum num saco de confete, é carnaval o ano inteiro! E os dois únicos lugares movimentados em janeiro: quiosque de coco e pedágio. E sabe por que pra ir ao litoral tem dez pedágios e pra voltar só tem sete? Pro Serra poder inaugurar mais três pedágios.
E um amigo foi pra Caldas Novas e desejou feliz 2010 para todos os operadores de pedágio. Resultado: passou o Réveillon totalmente rouco. Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! O genérico do Moura Brasil: o Estoura Brasil!