segunda-feira, outubro 03, 2011

GUILHERME FIUZA - A França condecora um Lula imaginário



A França condecora um Lula imaginário
GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA


Luiz Inácio da Silva foi condecorado na França. O título de doutor honoris causa, concedido ao ex-presidente brasileiro pelo Instituto de Ciências Políticas de Paris, tem valor especial: em 140 anos de existência da prestigiada instituição, apenas 17 pessoas receberam a homenagem. Para os intelectuais franceses, Lula é o homem do povo que dobrou as elites, o ex-operário que superou a ignorância para salvar os pobres. Só quem não superou a ignorância, pelo visto, foram os cientistas políticos parisienses.

Lula não é o único mal-entendido dos luminares europeus. Instituições de alto nível como Sorbonne e London School of Economics estão cheias de pensadores com teorias incríveis sobre heróis do Terceiro Mundo. Essas usinas de bondade à distância fazem cabeças no mundo inteiro. Notáveis como o escritor José Saramago e o cineasta Oliver Stone depositaram seus sonhos revolucionários em Hugo Chávez, em defesa dos fracos. O herói bolivariano afundou a Venezuela e espalhou o autoritarismo populista pela América do Sul. Mas esses detalhes não arranham a ética dos notáveis.

Os intelectuais franceses ovacionaram Lula. Especialmente quando ele se declarou o primeiro presidente brasileiro a não governar para os ricos, demonstrando "que um metalúrgico sem diploma universitário podia fazer mais do que a elite política do Brasil".

Lula fez mais – até porque soube, como ninguém, se apropriar do que os outros fizeram. A redução da desigualdade no Brasil nasceu de um plano econômico que Lula tentou afundar a todo custo. Eleito presidente, jogou suas teses de ruptura no lixo e surfou na política monetária do antecessor. O Instituto de Ciências Políticas sentiria náuseas se alguém lhe informasse que o poder de compra dos pobres foi elevado por um "neoliberal". O humanismo fashion dos franceses não suportaria esse golpe.

Se os intelectuais deram a ele o título de doutor em Paris, deve ter havido algum erro na tradução de "mensalão" para o francês

Eles têm razão. O enredo do coitado que vira salvador da pátria é muito mais excitante do que a história real, que só existe para atrapalhar os teóricos da bondade. Condecorar um Lula da Silva como herói é um verniz e tanto para acadêmicos e artistas do Primeiro Mundo. No texto da revista Time que lançou Lula como celebridade internacional em 2010, o cineasta panfletário Michael Moore explicava que o brasileiro se tornou um dos mais influentes do mundo por ações como o Fome Zero. O fato de esse programa ter morrido de inanição não interessou ao justiceiro de Hollywood.

Para fazer "mais do que a elite política", o metalúrgico sem diploma fundou sua própria elite política. Apinhou o aparelho de Estado com sindicalistas e correligionários, mostrou com quantos cargos se constrói uma rede de lealdades. Sua "elite política" montou um duto entre os cofres públicos e seu partido, no mais ousado esquema de corrupção já visto neste longínquo país tropical.

Quase quatro dezenas de aliados do doutor honoris causa aguardam julgamento por esse escândalo sem precedentes. Mas deve ter havido algum problema na tradução de "mensalão" para o francês.

A canonização de Lula é um diploma de futilidade das elites intelectuais europeias e americanas. Mas isso é problema delas. O problema do Brasil é o bombardeio propagandístico que vai eternizando no poder um projeto político dedicado a uma causa soberana: permanecer no poder.

Os mitos vão aniquilando a crítica. Dilma Rousseff, a primeira mulher, que sucedeu ao primeiro operário, é capa da revista Newsweek, apresentada como uma comandante implacável com a corrupção. O fato de que todos os focos de corrupção "combatidos" por Dilma tenham provindo da nova elite política que a elegeu, e de que Lula tenha convidado os denunciados a resistir com "casco duro" em seus cargos, também não teve tradução para o inglês.

Pelo visto, nem para o português. As pesquisas eleitorais para 2014 revelam que o Brasil quer uma doutora honoris causa em Paris.

Carta ao leitor - Um debate necessário - Revista Veja


Carta ao leitor
Um debate necessário
Revista Veja 

Esta edição de VEJA retrata em cores dramáticas as contradições do Poder Judiciário no Brasil, uma hierarquia imperfeita encarregada de interpretar e aplicar leis que, como mostrou a última capa de VEJA, formam um cipoal de abstrações, quando não de absurdos. A revista foca agora os bastidores da Justiça, onde, longe dos olhos dos brasileiros, se trava uma diuturna luta do bem contra o mal, de juízes honestos e heróicos contra seus pares reféns ou cúmplices do crime organizado. Essa contradição chegou ao ápice com a discussão aberta e corajosa sobre a honestidade dos juízes brasileiros sendo feita publicamente pelas mais altas autoridades do Judiciário em Brasília.
"A magistratura hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga", disparou Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça. "Em quarenta anos de magistratura nunca li coisa tão grave. É um atentado ao estado democrático de direito", reagiu Cezar Peluso, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desafiou
a corregedora a citar casos e nomes, sob o risco de fazer generalizações injustas sobre toda uma classe.
Ainda na semana passada, talvez para evitar decidir no calor da polêmica entre Eliana Calmon e Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu postergar sua decisão sobre quais devem ser os poderes do CNJ no trabalho de vigiar e punir juízes, cujas entidades de classe defendem a tese de que o mau comportamento deles só pode ser punido pelas corregedorías de cada instância.
A reportagem de VEJA investigou o que ocorreu com juízes brasileiros flagrados
de maneira inconteste em escândalos de corrupção na última década. Os repórteres rastrearam o andamento de processos criminais de 39 magistrados pegos em operações da Polícia Federal. Dos 39 envolvidos, 31 foram denunciados à Justiça e apenas sete foram julgados. Dos sete, apenas dois foram condenados, mas ainda recorrem da decisão. Só um está preso, Nícolau dos Santos Neto, o Lalau, mesmo assim domiciliarmente. A reportagem nos leva à conclusão de, que, se a impunidade é regra geral para os parlamentares, ela é lei no Judiciário.
Estava passando da hora de o Brasil encarar essa questão, e é ótimo que ela tenha entrado em ebulição. O Poder Judiciário é o garantidor da ordem, do cumprimento dos contratos e da harmonia social mínima necessária para que uma nação marche na direção correta, rumo ao progresso material e social para a maioria de seus cidadãos. Sem justiça funcional, não existem prosperidade nem democracia. Sem juízes honestos e imparciais, não existe justiça.

FELIPE PATURY - REVISTA ÉPOCA


Os milhões (ou bilhões?) de Orestes Quércia
FELIPE PATURY 
REVISTA ÉPOCA

A Justiça paulista recebeu há dez dias a relação de bens do inventário do ex-governador paulista Orestes Quércia, morto em dezembro de 2010. Calcada na última declaração de rendas, a lista soma R$ 126 milhões. Esse montante foi calculado com base em valores históricos e está fortemente subavaliado. A viúva, Alaíde, seus quatro filhos e os dois herdeiros que Quércia teve fora do casamento concordaram em contratar uma auditoria independente para atualizar os números. As estimativas mais acanhadas preveem que a fortuna legada por Quércia ficará entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão. Outras ultrapassam em muito, muito mesmo, essa cifra. Enquanto espera a partilha, Alaíde resolveu editar uma biografia do marido e contratou jornalistas para entrevistar políticos que conviveram com ele.

Uma solidão amazônica
A ex-governadora do Pará Ana Júlia Carepa (PT) encomendou pesquisas para avaliar se poderia vencer alguma das disputas municipais do próximo ano. O resultado foi desalentador. Ana Júlia não desistiu. Resolveu aquilatar as chances de ser eleita vereadora em Belém. Os números não vieram melhores. Pior: o Planalto e a cúpula petista preferem mantê-la em casa a entrar numa disputa que possa melindrar seus aliados locais.

A nova Anatel
Está decidida a nova composição do Conselho da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, encaminhará ao Planalto o nome de seu consultor jurídico, Rodrigo Zerbone, e o do procurador-geral da Anatel, Marcelo Bechara, chancelado pelo PMDB. Ambos terão de passar pelo crivo do Senado. O economista João Rezende, que já integra o Conselho da Agência, deverá ascender à presidência. Como Zerbone, ele é uma indicação pessoal de Paulo Bernardo.

Quer pagar quanto?
O ex-senador Luiz Estevão negocia um acordo para devolver aos cofres públicos os R$ 160 milhões desviados da construção do Tribunal Regional Federal de São Paulo, nos anos 1990. Corrigida e acrescida de juros, essa dívida alcançou R$ 890 milhões. O governo aceitou o pedido de Estevão por um abatimento no valor do débito. Estevão propôs, então, pagar R$ 470 milhões em prestações de R$ 4 milhões mensais. Seus termos foram recusados. Neste mês, ele voltou à carga com um plano ligeiramente melhor: os mesmos R$ 470 milhões em parcelas de R$ 6,5 milhões. A oferta está sendo avaliada pelo Tribunal de Contas, pela Secretaria de Patrimônio e pela Advocacia-Geral da União.

Mérito contra a dengue
Hoje, os recursos para o combate à dengue são distribuídos entre os municípios de acordo com critérios estritamente populacionais. A partir deste ano, o governo passará a considerar também o desempenho das prefeituras na prevenção e no tratamento da doença. As mais eficientes podem ganhar até 20% mais dinheiro. O principal critério de avaliação será a redução de focos de mosquitos nas residências, responsáveis por 82% das contaminações, como revela uma pesquisa encomendada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

O tempo passa, o tempo voa...
Então terceiro maior banco privado do país, o Bamerindus esfacelou-se em 1997. Sua clientela e seus ativos sadios foram incorporados pelo HSBC. A parte podre ficou com o dono, José Eduardo Andrade Vieira, e seus sócios. Inconformado com a solução dada pelo Banco Central, Vieira clamou por uma indenização bilionária na esfera judicial. O Banco Central (BC) finalmente venceu o processo. O ministro Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, concluiu o óbvio: o BC só interveio no Bamerindus porque ele não era mais capaz de saldar seus compromissos.

Bola fora
A presidente Dilma Rousseff se reunirá na Europa, nesta semana, com o presidente da Fifa, Joseph Blatter, e com o secretário-geral da entidade, Jerôme Valcke. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, não foi convidado.

Você não gosta de mim, mas seu pai...
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), foi vaiado por 100 mil pessoas no Rock in Rio, no dia 24, quando o cantor Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, lhe dedicou a canção "Que país é esse?". Na quinta-feira, Sarney enviou uma carta ao artista reclamando do tratamento. Começou o texto dizendo que "entrou no Rock in Rio aos 80 anos", que o festival se beneficiou dos incentivos à cultura criados por seu governo, arvora-se de defensor da liberdade de expressão e conclui com uma lembrança: foi ele quem promoveu o diplomata Afonso Ouro Preto, pai de Dinho, a embaixador.

O gordo, o magro e o neomagro
Candidato do PMDB à prefeitura de São Paulo, o esbelto deputado Gabriel Chalita tem comemorado a conquista de dois cabos eleitorais de peso: o ex-jogador Ronaldo Fenômeno e o apresentador Fausto Silva. Só é injustopesar o neomagro Faustão pela mesma balança de Ronaldo.

Puxadinho na Câmara
Os deputados desistiram de construir o Anexo 5 da Câmara, um prédio projetado por Oscar Niemeyer que custaria R$ 1 bilhão. Em seu lugar, querem reformar o envelhecido Anexo 4, onde ficam os gabinetes dos parlamentares, e construir um puxadinho. Estimado em R$ 300 milhões, ele terá 80 escritórios e um auditório de 600 lugares.

Oi, Hélio
Agora, o ex-ministro das Comunicações Hélio Costa está fazendo valer a regra de portabilidade que impôs às operadoras de celular. No início do ano, ele acertou seu ingresso no Conselho da TIM. Na semana passada, disse a um amigo que deverá assumir uma posição na Oi. Ouvido, Costa foi lacônico: "Não tenho nada a comentar".

O país do café
Líder mundial na produção de café, o Brasil deverá tomar dos Estados Unidos a posição de maior consumidor em 2012. O mercado nacional demandará 21 milhões de sacas, um pouco além das necessidades americanas de abastecimento.

Andrés Sanchez - Revista Época


Andrés Sanchez
Revista Época 

CHAPA DE LULA, AMIGO DO FENÔMENO, PARCEIRO DA ODEBRECHT... O RETRATO DO PRESIDENTE QUE TRANSFORMOU O CORINTHIANS NUM NEGÓCIO BILIONÁRIO

Preto no branco

Luiz Maklouf Carvalho

A sexta-feira 9 de setembro foi dia de corintiano feliz. Às 11 horas da manhã, a mulher do mais ilustre deles, dona Marisa Letícia Lula da Silva, ligou para o presidente do clube, Andrés Navarro Sanchez. Ele estava em sua mesa de trabalho, no Parque São Jorge, a enorme sede social do Corinthians, no Tatuapé, bairro da Zona Leste de São Paulo. Naquela calorenta manhã, o quase sempre carrancudo Sanchez era um sujeito agradável. No jogaço de véspera, no Pacaembu, contra o Flamengo, o atacante Liedson vingara-se do soco do zagueiro Gustavo com um segundo gol que selaria a vitória corintiana. "O mais importante é que o time jogou bem. O Adriano foi no vestiário, no intervalo, e botou pilha no pessoal. Belo gesto! O chato foi aquele soco no Liedson", disse Sanchez, entre goles no café com leite e dentadas no pão, enquanto fazia seu tradicional desjejum na padaria. De celular para celular, dona Marisa Letícia cumprimentou-o pela vitória. Ele respondeu:

– No sufoco, quase morrendo do coração, mas ganhamos (risos). Um beijo.
Ela passou o telefone para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Da boca de Sanchez, saiu o seguinte:
– Tá vivo, presidente? Tava lá, pô! P.q.p.! Você tem que ir num jogo lá, pô...
– Ah, vai pegar um gancho de uns dez jogos. O cara foi muito covarde. Mas pode ficar tranquilo que se o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) não pegar, vou entrar com a denúncia.
Lula, então recém-chegado de Portugal, sugeriu, empolgado, que o Corinthians apresentasse algo parecido com a águia amestrada que sobrevoa os estádios antes das partidas do Benfica.
– Esse cara da águia veio aqui também, presidente, há uns dois anos, querendo colocar um gavião. Só que o gavião é símbolo de uma torcida, a Gaviões da Fiel, e não o símbolo do Corinthians, né?
Lula insistiu. Sanchez riu, depois deu uma gargalhada.
– O senhor tá bem?, perguntou.
Lula falou da viagem. E ouviu:
– P.q.p.! Se tiver uma viagem pra esses lugares aí, El Salvador, Haiti, aí eu vou junto, pô. Tá bão? Um beijo! Tchau.

O Corinthians tem um outro Lula da Silva. É o preparador físico e jovem empresário Luís Cláudio, filho de Lula, também conhecido como Lulinha. Ele é funcionário, contratado em 2009. Começou na preparação física do esporte amador – mas nos últimos meses vem cuidando de intercâmbios na difícil área internacional. Volta e meia Sanchez o recebe em sua sala. "É um bom funcionário e um bom menino", diz. (Ambos os Lulas da Silva não quiseram dar entrevista.)

"Não aguento mais essa p...", gritou Sanchez, em sua sala de presidente, numa fria manhã de setembro. "Fico aí, me matando, e ainda sou chamado de ladrão." O palavrão designa o clube com uma das maiores torcidas do Brasil. Mas é apenas um desabafo. No fundo, Sanchez é um sujeito profissionalmente feliz. Sabe que faz a gestão mais produtiva da história do clube. Controversa, sim. Mas vai deixar um legado inegável: um centro de treinamento que custou R$ 50 milhões e é o mais moderno da América Latina, a terceira camisa mais valorizada publicitariamente em todo o mundo e o clube brasileiro que mais arrecada com propaganda. De acordo com a consultoria financeira Crowe Horwath RCS, cujo sócio brasileiro é o vice-presidente de finanças Raul Correa da Silva, a marca Corinthians passou a ter o maior valor de mercado do futebol brasileiro: R$ 867 milhões. O Corinthians ainda terá, em dois anos, um estádio próprio na Zona Leste paulistana, o Itaquerão. Ele está sendo construído pela Odebrecht – ao anunciado custo de R$ 780 milhões. Sanchez aposta que será lá o jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014. Ao ser perguntado sobre o Itaquerão, obra que só vai sair graças a um financiamento a juros baixos do BNDES e a incentivos fiscais dos poderes públicos, Sanchez travou o seguinte diálogo com o repórter de ÉPOCA:

– Quem fez o estádio fui eu e o Lula. Garanto que vai custar mais de R$ 1 bilhão. Ponto. A parte financeira ninguém mexeu. Só eu, o Lula e o Emílio Odebrecht (presidente do Conselho de Administração da Odebrecht).
– O dia em que essa história vier a público, vai ficar feio para quem?
– Não vai ficar feio pra ninguém. Vai ficar, talvez, não imoral, mas difícil para o Lula.
– Por quê?
– Porque vão falar: "Pô, como é que uma empreiteira se submete a fazer isso? Por que o presidente pediu?". É o que insinuam até hoje.

A sala de Sanchez fica no 5º andar do edifício sede no Parque São Jorge. De meia em meia hora, ele pede cafezinhos com leite. Fuma um cigarro a cada três minutos. Pelo estatuto do Corinthians – renovado em sua gestão –, faltam cinco meses para terminar seu segundo mandato de presidente, iniciado em fevereiro de 2009. Deveria sair em fevereiro de 2012, mas anunciou que sairá, sem falta, no próximo dia 15 de dezembro.
Sanchez perdeu uma lasca do dedo anular direito ao teimar em mexer com uma máquina de moer cana. Tinha 6 anos. Foi em Limeira, a 150 quilômetros de São Paulo, no sítio dos avós maternos, espanhóis. "André foi um menino de coração muito bom, mas de gênio ruim", diz sua mãe, Josefa Sanchez, a dona Pepa, em sua casa na periférica Vila dos Remédios, em Osasco, Grande São Paulo. Faz sete anos que ela perdeu a visão. "Cada um carrega sua cruz", afirmou. Pepa e o marido de 80 anos, Gregório Navarro Reche, são espanhóis da Andaluzia. Conheceram-se em São Paulo, no final dos anos 1950. Gregório tinha um açougue em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. Josefa, uma família grande e bem estabelecida em Limeira. Casaram lá, em 1961. Sanchez chegou na véspera do Natal de 1963. Foi o segundo, de quatro filhos. Toda a família o chama de André.

Gregório tinha uma banca de frutas no Ceasa de São Paulo. Corintiano, associou-se ao clube em fevereiro de 1969, com o título de número 100.492, quando moraram na Zona Leste. Sanchez tinha 5 anos. Em 1972, Gregório pegou Pepa, os três filhos de então e embarcou num navio para a Andaluzia natal. Passaram dois anos com parentes na aldeia de Llano de Los Olleres. Gregório e Pepa trabalharam duro. Sanchez sofreu na escola, mas aprendeu a língua dos pais. "Foi uma experiência boa, mas complicada", diz. Retornaram no final de 1974. Gregório voltou a trabalhar no Ceasa, agora como carregador. Anos depois, estabeleceu-se como feirante, com uma banca de frutas. Acordavam de madrugada, de segunda a domingo, para montar a barraca nas feiras da Vila dos Remédios. "O André ajudava, mas não parava de reclamar", diz seu Gregório.

No Colégio Nossa Senhora dos Remédios, Sanchez penava para passar de ano. Gazeteava aulas para ir, de ônibus, ao Parque São Jorge. Aos 13 anos, já se esforçava para passar na peneira do dente de leite corintiano. E passou, aos 14, como lateral direito. "Eu sabia jogar e queria ser profissional. Mas já bebia, já fumava, não aparecia nos treinos. Não deu certo. Sou um jogador frustrado."

Seu melhor amigo da juventude foi o tenente-coronel Augusto Fernando Silva, que o chama até hoje de Espanha. O apelido do coronel era Fernando Minando. Quase três anos mais velho que Sanchez, ele entrou para a Polícia Militar de São Paulo aos 15, quando isso era possível. Passou a maior parte do tempo na Rota, aposentou-se com 45 anos e hoje, aos 51, cuida da segurança de um banqueiro. Minando e Espanha eram amigos s de bairro, bailes e futebol. Sanchez jogou futebol de salão, como ala, no Água Branca, do Moinho Santo Antônio, e no Real Madrid – da Vila dos Remédios.

Sanchez namorou e casou com os olhos verdes de uma colega do bairro e da escola, Maria Bernadete Gomes, a Dete, filha de portugueses, o pai sapateiro, depois padeiro. Tiveram Lucas, 18 anos, e Marina, 14, os dois filhos que quase sempre vão ao estádio quando o Timão joga em São Paulo. Separaram-se em 2000. Mantêm boa relação, mas não inteiramente resolvida.

Foi com José Oller, primo pelo lado materno, dois anos mais velho, que Sanchez começou a trabalhar e a ganhar dinheiro. Antes, penara como um indisciplinado praça do 4o Batalhão de Infantaria Motorizada, em Quitaúna, Grande São Paulo. Oller abriu uma loja nas cercanias do Mercado Municipal paulistano. Vendia sobretudo limões, no atacado. Sanchez chegava de madrugada e suava a camisa até as 3 da tarde. Aos limões, Oller agregou embalagens para frutas, as redinhas. Associou-se ao dono da Sol Embalagens, a fábrica que as produzia. O negócio cresceu, e Oller montou lojas na Ceasa de Ribeirão Preto e na de Campinas. Sanchez foi ser gerente desta última, no começo de 1983. Mudou-se, alugou apartamento, melhorou de carro.

Um ano depois, resolveu passar seis meses em Barcelona, na Espanha. Lá, morou com Tadeu Oller, irmão de José. Sindicalista desde os tempos da luta contra o franquismo, relacionava-se bem com a cúpula dos então nascentes PT e CUT. De volta à Ceasa em Campinas, Sanchez teve um rápido flerte com o Partido Comunista do Brasil. Depois filiou-se ao PT. Em Campinas, conheceu e ficou amigo do atacante José Ferreira Neto, hoje comentarista da rádio e TV Bandeirantes. Naquela ocasião, a canhota de Neto brilhava no Guarani de Campinas. Fanático, Sanchez não perdia os jogos do Corinthians. Dete, com quem já namorava, tinha sempre de dividi-lo com o clube. Foi a terceira namorada das quatro que diz ter tido – fora os enroscos.

Casaram-se, apaixonados, em abril de 1989. Oller abrira mais uma Sol Embalagens, na Ceasa do Rio de Janeiro, e o casal mudou-se para lá. "Foi a melhor fase da nossa vida", diz Dete no apartamento em que mora, com os dois filhos e a cadelinha poodle Lila, no Jaguaré, na Zona Oeste de São Paulo. O imóvel está no nome de Sanchez, que paga as despesas, inclusive o salário de Dete, sua funcionária num de seus dois postos de gasolina.

Lucas nasceu no Rio de Janeiro, no final de 1992. Sanchez continuava colado no Corinthians. Não perdia os jogos em São Paulo e, quando o clube jogava no Rio, era o anfitrião de Neto, então no Timão, e de jogadores amigos dele. Neto também o apresentou ao bicheiro e diretor de base do Corinthians Jacinto Antônio Ribeiro, o Jaça. Saíam depois dos jogos, pela animada noite do Rio. "O Andrés tinha dinheiro e nunca deixou ninguém pagar nada", diz Jaça. Dete implicava com as farras. Em 1994, com cinco anos de Rio, a família voltou para São Paulo. Oller, prosperando, comprara a fábrica Sol Embalagens, em Caieiras, Grande São Paulo. Além de sócio, com participação de 8%, Sanchez passou a comandá-la. Comprou um BMW 323, preto, e alugou um bom apartamento no Alto de Pinheiros, bairro nobre na Zona Oeste paulistana.

O fim do casamento de 11 anos, em 2000, está vivo até hoje. Ele praticamente casara-se com o Corinthians – pelo menos é a avaliação dela – e padeceu o que chama de "decepção amorosa". Foi uma fase difícil para ambos, agravada por um câncer que mais tarde Dete conseguiu vencer. (Ele também teve um, anos depois, e também pulou a fogueira.) Sanchez gosta de falar sobre questões pessoais. Ele se autodefine como "muito solitário". "Tenho poucas horas de alegria para muitas de tristeza. É mais ou menos como o Corinthians: poucas horas de alegria para muitas de dor de cabeça." Por que ele se sente assim? "Depois das minhas decepções amorosas, ou da maior delas, me tornei muito sozinho, fechado, bloqueado." Mesmo eventualmente pensando em retomar o casamento, não superou o passado. Hoje, dizem ambos, está terminada a relação pessoal. "Tenho fama de comedor, de galinha, mas não sou isso", diz. "Às vezes, à noite, vou na Passatempo (boate no Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana), fico lá tomando meu uísque e venho embora pra minha casa."

Deve-se ao bicheiro Jaça a entrada de Sanchez na vida interna do Corinthians. O então diretor de futebol amador do clube pediu ao auxiliar que cuidava da escolinha de futebol, Manoel Ramos Evangelista, que André do Rio – como Sanchez era então conhecido – fosse
admitido como ajudante. Nesse período, o jogo do bicho pesava muito na balança corintiana. O apelido de Evangelista é Mané da Carne, oriundo do ramo que o tornou próspero: açougue, primeiro; depois, a carne verde no atacado. Em 1995, ele era diretor adjunto da escolinha que reunia 70 moleques de 10 a 13 anos. Sanchez passou a ser seu assessor. Ia para o clube de BMW e tirava dinheiro do bolso para as despesas de uma categoria a que a diretoria não dava maior importância. "Ele gastava, do dele", diz Jaça. "E, como todo mundo sabe: quem assina o cheque tem preferência." Aos três mosqueteiros – Jaça, Mané e Sanchez – juntou-se um quarto: André Luiz de Oliveira, conhecido como André Negão. Também era bicheiro, sócio de Jaça, e Mané o agregou à escolinha. Como mostra seu cartão, Jaça é "assessor especial da presidência". Ele mesmo traduz: "Na verdade, sou um aspone. Não mando p... nenhuma e não faço nada". Já mandou mais, muito, mas ainda banca suas apostas.

Num fim de semana de outubro de 1996, Sanchez capotou e arrebentou, com perda total, um BMW que Jaça acabara de comprar e ainda tinha plástico nos bancos de couro. Estavam em Coxim, Mato Grosso, numa casa de Jaça, à beira do Rio Taquari. Depois de uma noite de farra, ao amanhecer, Sanchez pegou o BMW e foi levar umas garotas em casa. Na volta, o carro ficou com os quatro pneus no ar. Dois dias depois, num hospital de São Paulo, Sanchez soube que fraturara a vértebra C-4. Queriam operar, mas ele não deixou. Ficou 93 dias com um colete de gesso no pescoço.

André Negão, hoje diretor administrativo do Corinthians, tem uma sala ao lado de Sanchez. Simpático, não se importa em mostrar as marcas, pelo corpo todo, dos sete tiros que levou na manhã de 8 de agosto de 2003. Saía de uma padaria, perto do Parque São Jorge. Uma moto encostou, o carona desceu e, pelas costas, disparou. "Foi um milagre ele ter sobrevivido", diz Sanchez. Até hoje, o caso é um mistério. "André, Jaça e Mané são meus grandes amigos", diz Sanchez. "Me ajudaram muito, e sou parceiro dos parceiros." Mané também tem seu cartão de "assessor especial da presidência".

Na definição coincidente de seus três mosqueteiros, Sanchez era, nas internas do Corinthians, um reclamão contumaz das precariedades do futebol amador – que continuava a tentar sanar com dinheiro do próprio bolso. Sanchez cuidava das categorias mais crescidas da base do clube quando, no final de 1999, o poderoso vice-presidente Nesi Curi, braço direito do presidente Alberto Dualib, afastou-o do Corinthians. "Foi como se o mundo tivesse caído", diz Dete. Ela se viu livre da concorrência. O marido concentrou-se na fábrica de Caieiras – e ficou dois anos fora do Timão.

Curi morreu na segunda semana de setembro. Sanchez visitou-o no hospital e foi a seu enterro. "Nesi o afastou porque descobriu que ele estava negociando jogadores para um clube do interior", diz o blogueiro Paulo César de Andrade Prado. Responsável pelo Blog do Paulinho, Prado é o mais implacável detrator de Sanchez, de boa parte de seus diretores e de alguns de seus amigos. Diz responder a 56 processos por calúnia, injúria e difamação. Foi condenado em primeira instância em pelo menos meia dúzia – inclusive nos movidos por Sanchez, André Negão, Mané da Carne e Jaça. "Nesi me tirou da categoria de base porque eu brigava muito com ele", diz Sanchez. "Nunca negociei jogador." Outro que o apoquenta com acusações é o conselheiro corintiano Rolando Wohlers, vulgo Cyborg. Ele já foi sentenciado e cumpriu pena pelo crime de estupro. Prado e Wohlers são ligados a adversários de Sanchez no Corinthians.

Em 2002, André Negão, também no limbo com o afastamento do amigo, deu um jeito de voltar ao Corinthians: virou cabo eleitoral do mais uma vez candidato a deputado estadual Wadih Helu. Morto em junho último – Sanchez também bateu ponto no cemitério –, Helu era uma espécie de "faraó malufista" da política paulistana. Por dez anos presidente do Corinthians (1961-1971), continuava a ter forte influência na gestão Dualib-Nesi Curi. "Fui à fábrica falar com o Andrés", diz André Negão. "Disse a ele que a nossa chance de voltar para o Corinthians era apoiar a campanha do Wadih." Sanchez respondeu:

– Você tá louco, tio. Isso eu não vou fazer nunca. Sou do PT, c... Se os caras descobrem um negócio desses, eu tô perdido. Não dá, tio.
– Então, tio, você não quer ser diretor – disse André desolado, já saindo.
– Ô tio, volta aqui. Você tem certeza que se eu fizer isso eu posso ser diretor do Corinthians?
– Claro, tio! Você não vive dizendo que quer ser presidente? Pois o caminho é esse. O Nesi é assim com o homem.

Poucas empresas apoiaram uma campanha de Wadih Helu com o calor da Sol Embalagens. Teve churrasco em chácara alugada, para mais de 1.000 pessoas, e material de campanha a valer. Ao ver todo aquele apoio, Nesi Curi mudou de opinião sobre os "tios". Ainda em 2002, a pedido de André Negão, fez com que Dualib nomeasse os quatro mosqueteiros conselheiros vitalícios do Corinthians. No passo seguinte, Sanchez realizou a primeira parte de seu sonho: diretor de esportes terrestres, no quarto e penúltimo mandato consecutivo de Alberto Dualib (2003-2005).

Corinthians Casuals Football Club – homenagem à cidade grega de Corinto – foi um time de estudantes ingleses que passou por São Paulo em 1910. Jogou bonito. Por isso, cinco operários do bairro do Bom Retiro, na região central de São Paulo, escolheram esse nome quando fundaram o Timão, há 101 anos. Seu presidente notório, muitos anos mais tarde, foi o espanhol naturalizado Vicente Matheus. O último eleito, antes de Sanchez, foi Alberto Dualib. Ficou 14 anos ininterruptos no poder, fora os dez em que foi vice-presidente de Wadih Helu.

Kiavash Joorabchian, ou Kia, como ficou conhecido, é um milionário empresário anglo-iraniano. Em 2004, ele era o dono da Media Sports Investment, a MSI, sediada em Londres. É conhecida a história tumultuada de sua parceria com o Corinthians. Rendeu inquérito e processo, ainda tramitando, sobre a entrada de dinheiro ilegal no Brasil. Nessa ocasião, o articulado Sanchez já era diretor de futebol do clube. Apoiou a parceria, esteve em Londres com a comitiva que acertou o negócio, ficou amigo de Kia. Quando a Polícia Federal entrou no caso, Sanchez foi investigado e várias vezes ouvido pelo delegado e hoje deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP). Não foi denunciado, não é alvo de inquéritos nem responde a processos judiciais. "O que mais me irrita é a insinuação de que eu sou ladrão e faço negociata com jogador", diz Sanchez. "Já cansaram de me investigar – e estou limpo."

Alberto Dualib é um senhor vetusto que põe terno e gravata para receber visitas no apartamento em que mora, no elegante Alto de Pinheiros, na Zona Oeste paulistana. Tem 91 anos e carrega, além da viuvez recente – Sanchez mandou uma coroa de flores –, uma condenação na primeira instância, por estelionato, em parceria com o finado Nesi Curi. Coisa de notas fiscais frias quando comandavam o Corinthians. Alega inocência – e recorre da sentença.

Dualib apoiou Sanchez porque ele era um empresário bem-sucedido e mão-aberta, disposto a emprestar dinheiro ao clube, ou a avalizar empréstimos, quando "seu Alberto" pedia. Subiu de posto, para vice-presidente de futebol, quando Dualib começou a anunciar que seu amigo e diretor Roque Citadini poderia, se quisesse, ser o próximo presidente do clube. Desafeto de Citadini, Curi exigiu que Dualib lhe diminuísse a crista. Sanchez aproveitou para crescer.

Sanchez narra o começo da sedição contra Dualib: "A oposição começou, forte, quando vimos o contrato que a Carla Dualib, neta do seu Alberto, tinha assinado com o clube. Ela ganhava R$ 38 mil por mês e tinha direito a 30% de toda a publicidade que entrasse no Corinthians, mesmo a que não fosse trazida por ela. Um privilégio absurdo". Por causa da campanha movida por Sanchez, Dualib foi forçado a renunciar. Carla está processando o clube. "Ele soube fazer", diz Dualib. "Formou uma ala política, disputou e ganhou."

Sanchez assumiu a presidência do Corinthians, pela primeira vez, para cumprir o resto do mandato de Dualib. Era outubro de 2007. Nos meses que antecederam a queda de Dualib, Sanchez reuniu ao grupo da contravenção – a turma do bicho e agregados – profissionais liberais bem situados e interessados em melhorar o clube, batizados como "corintianos obsessivos". "Ele teve a capacidade de nos conquistar", diz o advogado Sérgio Alvarenga, diretor jurídico do Corinthians. "E jogo de cintura para administrar a convivência dos dois grupos", afirma o advogado Felipe Ezabela. Os dois foram fundamentais na área jurídica. Também ajudou, e muito, a tonitruante autoridade do delegado de polícia Mário Gobbi. E, mais que os anteriores, o economista Luís Paulo Rosenberg, o vice de marketing. É dele a melhor frase sobre a diferença entre os dois grupos: "Se o Andrés me pedir para atender um pedido do Mané da Carne, simplesmente vou embora!". Sanchez explica o segredo da convivência: "Todos engolindo sapo de um lado, todos engolindo sapo do outro".

"Só consegui trabalhar com dois chefes: Delfim Netto e Andrés Sanchez", diz Rosenberg na sala de reuniões da Rosenberg Partners, na movimentada Avenida Faria Lima, em São Paulo. Rosenberg colaborou com a gestão Dualib quando um grupo de jovens empresários achou que podia dedetizá-la. Sanchez colocou-o na vice-presidência de marketing. Lá, implantou uma gestão que multiplicou os empreendimentos e a receita do clube. "O Andrés é mercurial", diz Rosenberg. "Tem péssima formação escolar, mas uma grande sensibilidade política para perceber onde pode surgir a crise e abortá-la." Dois goles de água depois: "O Andrés, na verdade, é a versão futebolística do Lula. Sabe unir pessoas em torno de uma ideia e tem uma incrível capacidade de delegação. É grosseiro e muito agressivo. E também um manteiga derretida, o mais emotivo, o mais doce, o mais amigo dos amigos".

Eleito presidente do clube, Sanchez deixou as empresas de José Oller. Vendeu os 8% da Sol Embalagens, montou meia dúzia de lojas em Ceasas de Estados diferentes, comprou dois postos de gasolina, o imóvel em que Dete mora e outro, menor, no mesmo bairro do Jaguaré. "Meu patrimônio é de R$ 3,5 milhões", afirma. "Ficou combinado, com a família, que eu ficaria quatro anos dedicado ao Corinthians, mantendo minha retirada." Suas lojas, que têm 80 funcionários, são administradas pelo irmão mais novo, Tadeu. "Vivo muito bem com R$ 40 mil por mês. É o suficiente." (O Corinthians não remunera sua diretoria.)

O maior gol contra da primeira gestão de Sanchez no Corinthians foi o rebaixamento para a segunda divisão, em dezembro de 2007. Quando ele assumiu, faltavam sete jogos para o final do campeonato. Os adversários de Sanchez gostam de insinuar que a queda foi proposital. Sanchez diz: "Foi a maior frustração da minha vida. Fiz tudo ao meu alcance para o time não cair". E por que ele não trocou de técnico? Sanchez reconhece o erro: "Eu tinha que ter afastado oito ou dez jogadores e ter trocado a comissão técnica. Mas, como assumi na terça e no domingo o time ganhou do São Paulo, não quis trocar. Talvez eu tenha sido omisso. Não mudei talvez por um pouco de medo de levar a culpa 100% sozinho. Tem que ver o tamanho da culpa de cada um. Que tenho culpa, tenho. Eu era o presidente. Nunca me isentei".

Ronaldo Nazário, o Fenômeno, foi o maior gol de Sanchez no Timão, feito no final de 2008. Foi seu grande trunfo para ganhar o segundo mandato – para o qual seria reeleito, em fevereiro de 2009. O martelo foi batido num hotel do Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro, um dia depois da festa em que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) entregou os prêmios para os destaques de 2008. Sanchez e Rosenberg estavam hospedados no hotel Novo Mundo, no bairro do Flamengo, no Rio. Ronaldo chegou com seu empresário, Fabiano Farah. A tantas, resolvido o essencial da parte financeira, Rosenberg e Farah começaram a discutir os detalhes. Sanchez desceu para fumar, e o Fenômeno o acompanhou.

Aconteceu então uma cena inusitada. "Apareceu um torcedor com uma tatuagem do meu rosto na perna", diz o agora empresário Ronaldo na sede de sua empresa de marketing esportivo 9ine, em São Paulo. "Ficou muito emocionado, chorou, foi uma p... coincidência. Isso me fortaleceu na hora de decidir." Ele achou a proposta de Sanchez desafiadora. "Eu já vinha de salários bem altos na Europa e não sabia os valores que poderiam me oferecer. O Andrés teve a ideia de vender patrocínio na manga da camisa e no calção. Montamos juntos lá essa divisão do uniforme, de acordo com o patrocinador que viesse. Eu teria 80% de manga e calção, participando também no patrocinador máster (o principal)". O santo dos dois bateu: "O Andrés é simples, autêntico, passa credibilidade. Boto a minha mão no fogo por ele", diz Ronaldo. Na avaliação do Fenômeno, Sanchez "fez uma revolução no Corinthians e ensinou para o Brasil como fazer negócio, como trazer grandes jogadores, como viabilizar a permanência deles com salários altos". O momento mais marcante entre os dois foi quando Ronaldo o avisou que pararia de jogar. Foi no apartamento do Fenômeno. Tomaram uma garrafa de uísque – o de Sanchez com guaraná, como sempre. "Aí contei tudo", diz Ronaldo. "Falei das minhas dores, disse que não podia mais. Ali eram dois amigos, chorando como duas crianças bobas. Foi f..."

Como presidente do Corinthians, Sanchez não vai levar muitos títulos para casa. Só ganhou dois, neste segundo mandato que está acabando: o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil de 2009. Ainda tem o Brasileiro, em andamento, para testar sua sorte. Dos momentos amargos, ficará o dramático adeus à Libertadores na derrota para o Tolima, da Colômbia, neste ano. "Ainda dói", diz.

Antes de Sanchez, era o Clube dos 13 que negociava, com as empresas de televisão, o preço das cotas de patrocínio pela exibição dos jogos. Calculando que o Corinthians podia ganhar mais, Sanchez implodiu o Clube dos 13. Inaugurou o modelo da negociação direta, depois seguido pelos outros clubes. Sua opção foi negociar com a TV Globo. A negociação começou em outubro de 2010 e terminou em março deste ano. Foram 15 reuniões. Sanchez e Rosenberg pelo Corinthians. Tinham pela frente Marcelo de Campos Pinto, diretor executivo da Globo Esportes. "Foi uma batalha campal, reunião a reunião, com avanços e recuos", diz Campos Pinto. "Andrés foi duro e extremamente cioso na defesa dos interesses do Corinthians – e nós dos nossos. O resultado foi feliz para os dois lados."

O contrato é confidencial. Do que veio à luz, o Corinthians receberá a partir de 2012, em quatro anos, entre R$ 80 milhões e R$ 120 milhões, ou quase o dobro do contrato anterior. "Andrés herdou um Corinthians em situação econômica e financeira absolutamente desesperadora e conseguiu sanear", diz Campos Pinto. "Fez uma gestão muito eficiente: tem o maior patrocínio de camisa no Brasil – o terceiro do mundo –, construiu o centro de treinamento e elevou as receitas globais do clube. Andrés não é um scholar, mas é um dirigente sagaz, peitudo, ousado e intuitivo." Campos Pinto diz que a TV Globo não se sentiu ofendida quando Sanchez a chamou de "gângster" numa reunião do Clube dos 13. "Lá, as reu­niões costumam ser esquentadas", afirma. "Foi só uma palavra mal aplicada." Sanchez esclarece: "Falei gângster também para o Ricardo Teixeira, presidente da CBF, que é meu amigo, no sentido de gente poderosa, mas não criminosa".

O advogado do Corinthians, Luiz Felipe Santoro, despacha com Sanchez praticamente todo dia. Também o acompanha em viagens, para resolver pendências do clube. Na segunda quinzena de abril, eles estiveram em Brasília, onde Sanchez prestou um depoimento à Comissão de Educação, Cultura e Desporto do Senado. No voo de volta, Santoro tomou um susto ao ver uma bolha do tamanho de meia laranja na perna esquerda de Sanchez. Sem aguentar a dor, ele puxou a perna da calça e, a sangue-frio, estourou a bolha contra a poltrona. Fazia três dias que queimara a perna, na sauna do novo centro de treinamento. Como não quis perder o compromisso no Senado, deixou a queimadura em paz, até a volta. Só em São Paulo, procurou um médico. "Quase gangrena", diz Sanchez, rindo. Ficou uma semana no hospital.

Sanchez indicou, como candidato a sua sucessão, o delegado da Polícia Civil Mário Gobbi, que considera capaz de fazer o resto da faxina. Gobbi atende num posto do Detran em Guarulhos. Tem um vozeirão, está longe de ser simpático e é daqueles sujeitos que mostram o Imposto de Renda sem que se peça – mas retira-o imediatamente da mesa quando se vai olhar. "Sempre me preparei para receber essa indicação", diz Gobbi. Ele é apoiado pelos "corintianos obsessivos". Rosenberg é seu maior cabo eleitoral. André Negão não gostou da escolha. "Eles são obsessivos pelo poder, não pelo Corinthians", diz. Negão sabe que Gobbi pretende tirar, pelo menos da cúpula diretora, todo o resquício da contravenção. Logo que Sanchez bateu o martelo por Gobbi, Negão lançou, em seu perfil no Facebook, o movimento "Fica Andrés". Isso significaria mudar o estatuto, para permitir a reeleição. Sanchez não demoveu o amigo – até disse para ir em frente –, mas deixou claro que é contra. "Jamais vou brigar com o Andrés, meu irmão, por motivo nenhum", diz Negão. "Nossa amizade está acima do Corinthians", afirma Sanchez. Jaça também não quer Gobbi. Está organizando um grupo de oposição chamado "Corinthians com respeito".

A verdade é que Sanchez não pretende exatamente sair. Antes de deixar a presidência, ele vai propor, no Conselho Deliberativo, a criação de uma comissão de três pessoas para acompanhar as obras de construção do Itaquerão. "Eu no comando, com autonomia total, um outro diretor que eu indique e um integrante da oposição. Quando o estádio ficar pronto, eu entrego a chave e digo: "Está aí, ó"", diz Sanchez. "Além de um cara da oposição, eu queria colocar dois jornalistas. Mas isso não vai dar certo, porque vão dizer que é privilégio dos escolhidos." E por que não um representante do Ministério Público? Sanchez dá risada: "Mas aí o cara vai querer aparecer mais que eu. Promotor é brincadeira, né?".

Sanchez é bom em administrar a convivência dos contrários, como Gobbi e André Negão. Sabe que os potenciais candidatos da oposição – Osmar Stábile e Paulo Garcia – tentam sair numa chapa conjunta. Mas só observa, na dele. Parece ansioso para sair da presidência, que lhe exige dedicação integral. Quer mais tempo para os filhos. Para Dete, quem sabe? E mais liberdade para o uísque com guaraná, o pôquer e o truco, as incursões no clube de suingue que frequenta, as casas de samba, os botecos, os ótimos restaurantes e as boates caras. Quem sabe seja o presidente da CBF quando seu amigão Ricardo Teixeira sair? "Isso aí já deve estar tudo certo", diz o comentarista Neto, com a autoridade de amigo assíduo. Ou, quem sabe?, volte depois do delegado Gobbi.

O que Sanchez quer que digam a respeito de suas gestões?

– Que um cara da torcida administrou muito bem o Corinthians. Que existe um Corinthians antes desse cara e um Corinthians depois desse cara.

Simples assim.

ANCELMO GOIS - Fator grana


Fator grana
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 03/10/11

A ideia de tirar a Copa do Brasil, nesta altura do campeonato, além de ser estapafúrdia, é complicada do ponto de vista econômico. Semana passada, patrocinadores da Fifa avisaram à entidade que são contra tirar a Copa do país de Pelé.

No mundo dos negócios, o Brasil está na moda.

Aliás,

Uma mudança seria fatal para empresas de capital nacional, como Itaú e Oi, focadas praticamente no mercado brasileiro.

Cada uma pagou U$90 milhões à Fifa.

No mais...

O encontro hoje de Dilma com a cúpula da Fifa, em Bruxelas, é bem-vindo. A Fifa tem que ser menos arrogante e procurar respeitar o país-sede. Mas é preciso lembrar que foi o Brasil que pediu para sediar a Copa de 14.

Na época, Lula assumiu compromissos com a entidade, a exemplo do que já tinham feito países igualmente ciosos de sua soberania, como EUA, Japão, Alemanha e África do Sul.

Ataque ao Rio

Cabral, além do veto à emenda Ibsen, está apavorado com o projeto do senador Wellington Dias, do Piauí.

Congela as receitas do Rio no valor deste ano. E divide o butim de uma outra maneira a partir de 2012.

A vez do Brasil

A imprensa belga descobriu o Brasil por causa da Europalia, considerado o maior festival de artes da Europa, que este ano homenageará o nosso país e será aberto amanhã por Dilma.

No jornal "Le Soir", o Brasil ganhou duas páginas com fotos de carnaval e uma de Oxóssi. A reportagem convida a conhecer outro Brasil, além de samba, telenovela, carnaval e praia.

MEC deu bolo

O secretário de Educação Superior, Luiz Cláudio Costa, deixou sexta cerca de 500 gestores educacionais esperando no Fórum de Ensino Superior Particular, no Hotel Renaissance, em São Paulo, e não apareceu para uma palestra.

O setor privado responde por 80% dos alunos do ensino superior brasileiro.

Capitalismo Selvagem - REVISTA VEJA



Capitalismo Selvagem
REVISTA VEJA


O deputado Rubens Otoni tem sua trajetória política ligada aos movimentos populares, à luta por democracia e justiça social. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores e foi membro de sua primeira Comissão Executiva Nacional. Em Goiás, presidiu o PT em quatro ocasiões. Também exerceu dois mandatos de deputado estadual, que lhe deram amplo destaque pelos mecanismos de participação popular presentes no seu trabalho. Na Câmara Federal, chegou ao seu terceiro mandato com a votação histórica de 171 382 votos distribuídos em 245 municípios de Goiás. Sua postura firme e equilibrada, baseada na ética, no compromisso social na participação popular e na defesa dos direitos de cidadania, garante-lhe um respaldo político cada vez maior. Além de professor universitário, é consultor jurídico, membro da Comissão de Constituição e Justiça e um dos relatores do projeto de reforma política. A biografia oficial do parlamentar com todos esses detalhes está disponível para consulta em seu site pessoal. Mas ela carece de uma pequena atualização.

Há duas semanas, a Justiça condenou o deputado por transferir uma empresa afundada em dívidas para laranjas, e assim se livrar da responsabilidade de pagá-las. Em maio de 1998, quando já era um político em ascensão, Otoni transformou seu motorista em empresário devedor. João Rosa de Jesus, que foi funcionário da família do deputado por mais de trinta anos, tomou-se o dono de uma empresa com débitos que hoje, corrigidos, podem ultrapassar 300 000 reais. Ele morreu em 2006. vítima de um infarto, sem saber disso. Todas as tentativas da Justiça de encontrá-lo na sede da empresa para depor sobre o caso foram frustradas, por motivos óbvios. A única pista que se tinha dele era um endereço, que pertencia a uma amiga sede do PT de Anápolis. Sua viúva. a empregada doméstica Pérti Barbosa, de 53 anos, só não está na completa ruína financeira porque o tribunal, ao verificar a desonestidade da manobra, anulou a mudança no quadro societário da empresa. Hoje, o patrimônio dela se resume a uma casa modesta em um bairro de baixa renda, que vale 40000 reais. "Ele foi capaz de fazer isso com a gente?", disse Pertí, ao saber do caso pela reportagem.

A sentença do juiz Eduardo Sanches não deixa dúvida sobre a postura ética do deputado: "O réu utilizou-se de expediente ardiloso (simulação e fraude) para transferir as cotas da empresa para laranjas com o objetivo claro de não pagar dívidas". O deputado foi condenado a pagar uma multa que, corrigida desde o início da ação, em 1998, pode superar 300000 reais. Além disso, o magistrado recomendou à Procuradoria-Geral da República uma investigação sobre o caso, para verificar se a empresa do deputado cometeu outros crimes, como sonegação fiscal. Otoni contesta a decisão e promete recorrer ao Tribunal de Justiça de Goiás. Segundo o parlamentar, a empresa foi cedida a funcionários de confiança envolvidos com o negócio para que ele pudesse se dedicar exclusivamente à politica. "Eles assumiram o negócio com todos os seus créditos, assim como com rodos os seus débitos", afirma. Sem dúvida uma forma de fazer justiça social, baseada na ética e no compromisso com os direitos da cidadania, exatamente como descreve a biografia oficial do parlamentar.

Otoni, que é professor e consultor jurídico, ainda acusa a Justiça de tê-lo privado de seu direito de defesa, não o intimando a depor. No processo, porém, constam cópias de duas intimações. "Todos os ritos da Justiça foram respeitados, mas ele tem o direito de adotar a linha de defesa que julgar mais apropriada", comenta o juiz do caso. Além dos problemas judiciais, da dívida que ele deve pagar e do consequente ajuste biográfico, a condenação pode trazer outra dor de cabeça ao petista. Nesta quarta-feira, o Conselho de Ética da Câmara decide se crimes cometidos antes do início do mandato podem configurar quebra de decoro parlamentar. O relator da matéria, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), afirma que sim. "Se uma conduta ilícita que comprometa a imagem de um político for descoberta, caberá a abertura de um processo de cassação, independentemente de quando ela foi cometida", explica. A tese. porém. tem poucas chances de prosperar, exatamente porque muitos dos deputados que vão votá-la têm problemas iguais ou piores que o do petista Rubens Otoni.

A ONG do general - Revista Veja


A ONG do general
Revista Veja 

O diretor-geral do Dnit é acusado de montar uma entidade que aceitou pagar propina em troca de um contrato milionário no Ministério dos Transportes.

O general Jorge Fraxe assumiu o comando do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) há exatos trinta dias. Ele foi convocado pela presidente Dilma Rousseff para sanear um órgão que, dotado de um orçamento de 15 bilhões de reais em 2011, se tornara presa fácil da corrupção. Ex-diretor de obras do Exército, considerado um técnico acima de qualquer suspeita, Fraxe recebeu a missão de desmantelar uma máquina clandestina que cobrava propina em troca de fraudes em licitações e superfaturamento de obras. Essa máquina servia aos interesses do Partido da República, que comandou o Ministério dos Transportes e o Dnit desde o início do governo Lula. Mas não só aos do PR. O próprio general Fraxe, a quem cabe realizar a faxina determinada pelo Palácio do Planalto, surge agora no rol daqueles que miraram as milionárias verbas do órgão e miraram o caminho pantanoso que está na gênese e no desfecho de todos os escândalos. A história remonta a 2009.

Naquele ano, quando era diretor de patrimônio do Exército e já tinha conhecimento de sobra das engrenagens que movimentam o setor, o general conversou com um grupo de ambientalistas sobre a criação de uma ONG que se especializaria em trabalhar com obras pública. Participaram da conversa os engenheiros florestais Lorena Rabelo de Araújo e Mardel Morais, além do assessor de tecnologia do Exército Joarez Moreira Filho, que trabalhava diretamente com o general. Em outubro do ano passado, eles fundaram o Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (Inda). Fraxe, oficialmente, não tem vínculo com a ONG, mas mensagens eletrônicas trocadas entre ele e seu ex-assessor revelam que o militar sempre acompanhou tudo bem de peno. O general era avisado sobre rodos os aros administrativos envolvendo a entidade, os salários, o andamento dos contratos e os custos de manutenção, que, aliás, ficavam sob a responsabilidade de Joarez Moreira, que também não tem vinculo formal com o lnda. A ligação ficou ainda mais umbilical quando a entidade firmou seu primeiro contrato, em dezembro passado, juntamente com o Exército. Coisa pequena para os padrões brasilienses: 264 000 reais - em troca de estudos para a implantação de vilas militares em Brasília.

Mas foi na costura do que seria o segundo contrato que a entidade pisou em terras movediças. No início deste ano, o Inda negociava com o Dnit a assinatura de um convênio para fazer o monitoramento ambiental do contorno ferroviário de Camaçari, na Bahia. A obra está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e renderia à entidade 6 milhões de reais. Durante as negociações, a tal máquina clandestina de cobrança de propina que funcionava no órgão entrou em campo, a Inda teria de pagar 300 000 reais - o equivalente a 5% do valor do contrato - a duas funcionárias do Dnit: Aline Freitas e Juliana Karina. O engenheiro Mardel Morais, diretor administrativo da entidade, porém, estrilou. Ele diz que testemunhou uma conversa entre a diretora da ONG, Lorena Rabelo, e Joarez Moreira, o assessor do general, ocasião em que eles discutiam detalhes do pagamento do que era tratado como "pedágio". Preocupado, o diretor conta que procurou o general Fraxe para alertá-lo sobre o caso. Fez isso duas vezes. Na segunda delas, em março passado, chegou a entregar-lhe um dossiê. a general explicou que nada podia fazer porque não tinha nenhuma ligação com a ONG. "Ali, eu percebi que a coisa estava combinada entre todos eles e decidi sair", conta Mardel.

O contrato entre o Inda e o Dnit não avançou, mas deixou um gigantesco embaraço para o general convocado para moralizar o órgão. Aline de Freitas, a funcionária que teria pedido propina, era a coordenadora-geral de meio ambiente do Dnit. E Juliana Karina, a ex-assessora dela. Aline é uma das poucas sobreviventes da faxina que varreu o órgão. Ela está no cargo desde julho de 2010, nomeada por Luiz Antonio Pagot, o ex-diretor que foi demitido após a divulgação do esquema de corrupção. Aline continua no posto, só que agora é subordinada direta ao general Fraxe. Ou seja, se tudo o que o engenheiro diz for rigorosamente verdadeiro, a funcionária que cobrou propina agora é subordinada ao mentor da entidade que estava disposta a pagar. Corruptos subordinados a corruptores. Procurada "por VEJA, a coordenadora confirma a negociação com os representantes do Inda, mas garante que nada pediu para fechar o convênio. "Houve uma troca de ideias que não prosperou", disse por e-mail. Indagado a respeito, o general Fraxe respondeu, por nota, que não tem nenhuma relação com o Inda, que desconhece as denúncias e que aconselhou o engenheiro a procurar a polícia. Lorena e Joarez também negam as acusações.

Revelado por VEJA em julho, o esquema de corrupção dos Transportes levou a presidente Dilma a demitir quase trinta servidores. Caíram o ministro Alfredo Nascimento, os chefes do Dnit e da Valec, a estatal que cuida das obras em ferrovias, e duas dezenas de subalternos. O caso leve desdobramentos no Congresso. Presidente de honra do PR e o principal beneficiário da propina coletada na pasta, o deputado Valdemar Costa Neto foi alvo, de uma representação no Conselho de Ética da Câmara. Na semana passada, o colegiado, apesar de fartas evidências em sentido contrário, absolveu por 16 votos a 2 o parlamentar, que também figura como réu no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Nada que surpreenda numa semana em que até vassouras instaladas em frente ao Congresso, numa manifestação contra a corrupção, foram roubadas.

"Ele sabia do pedido de propina"

O engenheiro Mardel Morais dirigiu o Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (Inda) desde sua fundação. Segundo ele, o general Jorge Fraxe ajudou a montar a entidade, escolheu a diretoria e iniciou as tratativas para a assinatura de um convênio no valor de 6 milhões de reais com o Ministério dos Transportes. Para receber os recursos, o Inda pagaria 300000 reais de propina a funcionários do Dnit. O negócio só não prosperou porque explodiu o escândalo de corrupção no ministério que alçou o general ao posto de comandante do Dnit. A funcionária que teria cobrado propina agora é uma de suas principais auxiliares.

O atual diretor do Dnit sabia do pedido de propina? Sabia. Entreguei um dossiê nas mãos dele com todos os detalhes. Falei com ele longamente sobre a história do "pedágio". Ele ouviu a história e, depois, leu os papéis que eu lhe mostrei. Passado algum tempo, ele me ligou e disse que não poderia fazer nada porque não tinha nenhum vinculo com a entidade.

E isso é verdade? A ideia de criar a Oscip (uma modalidade de ONG) foi dele, do general. Trabalhamos juntos num projeto ambiental de uma obra que estava sob a responsabilidade do Exército. Ele disse que havia gostado do meu trabalho, que queria criar uma instituição séria., e me chamou para participar, junto com outras pessoas ligadas a ele. O general me disse também que assumiria a presidência da entidade depois de deixar o Exército. Enquanto isso, o Joarez Moreira, que o assessorava, ficaria informalmente responsável por ela. A ONG é do general.

O senhor, como diretor administrativo da entidade, já sabia do pagamento de propina?

Não. Descobri quase que por acaso. No início do ano, a diretoria estava reunida tratando dos custos e dos lucros que o projeto iria gerar. Foi quando falaram num "pedágio" que seria necessário pagar. Perguntei do que se tratava. Eles me explicaram que, para garantir a assinatura do convênio, teríamos de pagar 5% dos 6 milhões de reais do convênio. Ouvi isso da Lorena Rabelo, que é da ONG, e do Joarez Moreira. Seriam 300000 reais.

O "pedágio" seria pago a quem? O dinheiro seria repassado para a Aline Freitas, coordenadora-geral de meio ambiente do Dnit, e a Juliana (Karina), que foi assessora dela e hoje é coordenadora de supervisão ambiental da BR-163.

E o que o senhor fez ao tomar conhecimento da história? Eu avisei o general. Como diretor da entidade, fiquei muito preocupado. Ele nunca me disse que seria preciso pagar propina para conseguir os contratos. E eu, como diretor administrativo, seria o responsável legal por qualquer problema que isso viesse a causar no futuro. Como nada foi feito. Decidi denunciar. Ele sabia do pedido de propina. Tenho como provar.

SÉRGIO AUGUSTO - Femininamente incorreta


Femininamente incorreta
SÉRGIO AUGUSTO
O ESTADÃO

Ainda não nasceu o homem capz de reduzir Gisele Bündchen à condição de teúda e manteúda

Indignação no governo. Com o corporativismo no Judiciário, que esteve a pique de sacramentar o esvaziamento do Conselho Nacional de Justiça e beneficiar os "bandidos atrás da toga"? Não. Com o corporativismo do Conselho de Ética da Câmara, que rejeitou a abertura de processo disciplinar contra o deputado Valdemar Costa Neto, um dos réus no processo do mensalão? Não.



Modelo já era veterana em ação afirmativa da mulher quando Iriny Lopes se elegeu deputada

O governo indignou-se com uma campanha de lingerie que começou a ser veiculada pela TV e na internet no dia 20 de setembro. Entenda-se por governo a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a quem ninguém deixaria de dar razão se nos três comerciais das calcinhas e sutiãs Hope que tanto a enfureceram mulheres aparecessem agredidas, estupradas ou estranguladas com alguma peça de lingerie. Mas, como é do conhecimento público, nos três anúncios a top model Gisele Bündchen apenas faz um casto jogo de sedução, sem tirar a calcinha ou o sutiã. E com o marido, não com um amante ou o entregador de pizza.

A sensual artimanha é legítima, corriqueira em alguns ou muitos relacionamentos e fadada ao sucesso se a lingerie estiver cobrindo o corpo de uma beldade e o marido for um panaca. Para poder bater, impunemente, com o carro do marido, estourar-lhe o cartão de crédito e constrangê-lo a coabitar com a sogra, uma mulher não pode parecer um clone do humorista Laerte, fase crossdressing, por exemplo, tem que ser top.

O que Gisele faz, nos três comerciais da Hope, é atestar o poder de sedução e da astúcia femininos, não um mero ardil de mulher submissa e parasitária. Falar em "desrespeito à condição feminina", como fizeram a ministra Iriny Lopes, sua subordinada Aparecida Gonçalves e outros baluartes do femininamente correto, é, no mínimo, um exagero. Tudo bem, a mulher do anúncio não sabe dirigir carro direito nem controlar seu consumismo conspícuo, mas ela é (e não há como descolar a imagem da personagem de quem a encarna) a Gisele Bündchen, uma das mulheres mais bonitas, famosas, bem-sucedidas, independentes e ricas do mundo.

Em matéria de "ação afirmativa" da mulher brasileira, Gisele já era veterana quando Dilma Rousseff elegeu-se presidente e Iriny Lopes deputada. A graça, meio antiga e careta, dos comerciais estrelados pela modelo (em outro, da TV Sky, ela não se importa de parar de esfregar o chão da casa para pegar uma cerveja para o marido, refestelado diante de um televisor) deriva justamente do contraste entre a personagem e sua intérprete, do absurdo das situações neles exploradas, pois me parece unânime a certeza de que ainda não nasceu o homem capaz de reduzir Gisele à condição de teúda e manteúda.

Impressiona a ignorância de certas autoridades sobre como funciona a publicidade, como ela trabalha com clichês e com o humor. Por entendê-la um pouco mais e achar que o governo tem coisas mais sérias a tratar, resisto à tentação de propor à presidente a criação de uma secretaria especial para fiscalizar o tratamento dado ao homem na propaganda e denunciar ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitário (Conar) todos os comerciais em que nós, marmanjos, somos retratados como trouxas que se deixam enrolar por mulheres de lingerie e como idiotas que babam por uma cerveja gelada ou carros que desenvolvem velocidades inatingíveis fora de uma pista de Fórmula 1 – e muito menos nas ruas de São Paulo. Para não mencionar os cornos mansos, os velhos gagás e as bichas enrustidas.

Ano passado, a SPM e o Conar proibiram um comercial da cerveja Devassa com a doidivanas Paris Hilton por seu "conteúdo sexista e desrespeitoso à mulher", por "depreciar o corpo feminino" e "desmoralizar as louras". Hilton limitava-se a esfregar uma lata de cerveja ao longo do quadril, por cima de um pretinho básico. Depreciação do corpo feminino? O de Hilton já chegou aqui depreciado por sucessivas lipos e aplicações localizadas de silicone, mas isso é outra história. A linhagem da loura burra não remonta a 1981, que foi quando (thank you, Google) Hilton nasceu. Como agora com a campanha da Hope, os vigilantes do femininamente correto – cuja retórica moralista muito me lembra as falas de Greta Garbo de Ninotchka antes de sua capitulação aos apelos do coração e aos prazeres da sociedade burguesa – não perceberam a graça do reclame: cerveja = loura gelada = Paris Hilton, uma metáfora redonda.

"Publicidade é um filé mignon para os demagogos." A frase não é minha, mas do publicitário Washington Olivetto, que, nesta era p.c., correria o risco de ter sua mais aclamada criação ("Do primeiro sutiã ninguém esquece") proibida, sob a acusação de estimular a pedofilia. Olivetto iniciou carreira no auge da ditadura militar. Embora sofresse mais pressões da censura exercida pelos clientes, pelo menos em duas oportunidades os militares interferiram em seu trabalho, vetando o verbo coçar num anúncio sobre o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo ("Em vez de ficar coçando, entre para o Liceu", exortava o anúncio) e o substantivo "menstruação" numa publicidade do absorvente O.B. (que provocou o recolhimento nas bancas de uma edição da revista Veja).

Foi justamente para manter o moralismo fardado longe da publicidade que se criou o Conar. Como outras instituições do gênero, o Conar opera por sístoles e diástoles, ao sabor das pressões do momento, às vezes se pautando mais pelos conceitos de moral e bons costumes da avó que da mãe e da filha. Quem grita mais, leva. Artigo no código de ética para justificar uma proibição é o que não falta. Falta só bom-senso. Dos gritos que ouvi, ou melhor, li, dois me chamaram atenção: o de uma leitora de O Globo, que acusou a SPM de tentar estatizar o corpo e a sensualidade, e o de um blogueiro, que sugeriu ao governo a criação da SPBCT (Secretaria de Políticas para Barangas, Canhões e Tribufus).

PAULO SANT’ANA - Muita cura de câncer



Muita cura de câncer
 PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 03/10/11

Sábado foi dia de eu me dirigir até o Crematório São José para levar minha última homenagem à viúva de meu saudoso descobridor, Cândido Norberto.

Mulher heroica esta Oiara Pons Santos, que fomos cremar sábado. Companheira fiel e dedicada do Cândido, Oiara foi uma dessas pessoas que se aproximam da perfeição na cordialidade, no fino trato, no humanismo, no extraordinário devotamento que ofereceu em vida a seu marido. Uma mulher excepcional.

Pois ela não resistiu à quimioterapia que utilizou para um tratamento de câncer. Mas, também, ela tinha em torno de 80 anos de idade.

No crematório, ao lado de sua mãe singular, que estava sendo cremada, o Laurinho, aquele extremado filho que conhecemos quando o Cândido por vezes o punha, com 13 anos de idade, a dar-se a conhecer no Sala de Redação. Chegou a ficar conhecidíssimo do público o Laurinho, que agora está com 45 anos de idade e tem uma pequena empresa de vídeo e som com que vai ganhando a vida.

Pois o Laurinho também tem um câncer, felizmente em fase final de tratamento exitoso.

É impressionante o número de pacientes de câncer que conheço. Por todos os lados, surgem pessoas com câncer.

E vão se curando multidões de pacientes de câncer. O tratamento dessa doença ganhou no Rio Grande do Sul, nos últimos anos, um desenvolvimento descomunal.

E por toda parte me surgem na rua pessoas que me dizem que curaram seu câncer. E fico sabendo por outros de outras pessoas que curaram seu câncer.

É de se ressaltar o papel fundamental que o Hospital Santa Rita da Santa Casa vem desempenhando no tratamento do câncer, a iniciar-se com milhares de cirurgias que efetua.

E, depois das cirurgias, os pacientes vão se espalhando por inúmeras unidades dos nossos outros hospitais, todos na busca afanosa da cura, tantas e tantas vezes atingida.

Anos atrás, não era assim. A maioria dos pacientes sucumbia antes ou durante o tratamento.

Agora não, a vida é o valor destacado, pela cura e sobrevivência, desses tratamentos.

Vou agora bater na mesma tecla que tenho tocado nos últimos tempos: precisamos realizar campanhas de trânsito que visem a fazer com que os motoristas de Porto Alegre tenham paciência quando estão a trafegar nas faixas de nossas ruas e avenidas.

A maioria desses motoristas não conserva a sua faixa. E sai da sua faixa injustificadamente, na ânsia, muitas vezes maluca, de ultrapassar os outros.

Assim não dá. O trânsito fica selvagem e derruba um estresse sobre os outros motoristas. Por que não esperar na sua faixa? Por que se atravessar de modo indevido à frente dos outros carros, numa impaciência que beira a insânia?

Vamos parar com isso, pessoal. Esse quadro está enfeando de desumanidade a nossa querida Porto Alegre.

AÉCIO NEVES - Responsabilidade



Responsabilidade
AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 03/10/11 

Duas matérias em discussão no Legislativo e no Executivo carregam importância capital para o futuro do país, por representarem rara oportunidade de fazer justiça federativa e trazerem para o centro do debate nacional a reflexão sobre como lidamos com os nossos recursos ambientais não renováveis. Refiro-me à discussão sobre os royalties dos minérios e do petróleo.
Por suas características únicas, mas também semelhantes, não podemos nos permitir ficar reféns do debate exclusivo sobre quem ganha o quê. Tão importante quanto ele é definir com responsabilidade o destino dos recursos que podem advir dessas decisões.
No momento de anemia financeira de Estados e municípios -alguns à beira da insolvência-, é fundamental prevalecer uma visão mais ampla e generosa sobre o imprescindível fortalecimento dos entes federados, dando assim correta dimensão ao nosso compromisso com o país. Afinal, não somos apenas mineiros, paulistas, cariocas ou baianos. Somos brasileiros, um país organizado de forma federativa e não um aglomerado de Estados com interesses necessariamente conflitantes.
É preciso que a União assuma a posição natural de coordenação do debate dessas matérias sem reduzir-se à posição de parte interessada, como se fosse um dos contendores, como vem acontecendo.
A necessidade da revisão dos royalties dos minérios é antiga e é compromisso assumido pela presidente Dilma Rousseff, que, no entanto, ainda não se confirmou.
Por outro lado, esse tema traz também consigo um forte componente ético, que não pode ser ignorado.
Estamos lidando com um patrimônio que não pertence só a algumas gerações de brasileiros. Trata-se de questão intergeracional.
Como usar os recursos advindos da exploração de um bem não renovável em favor do presente e do futuro?
Países como a Noruega encontraram respostas adequadas à sua realidade. Lá, institucionalizou-se um fundo provido pela exploração do petróleo que busca garantir o pagamento de aposentadorias futuras e proteger a economia do país para o tempo em que a exploração econômica se findar.
A realidade brasileira é bem mais complexa, mas precisamos enfrentar algumas questões: no caso do petróleo, vamos garantir parte dos recursos para investimento em energia renovável, gesto de responsabilidade com o presente e de solidariedade com o futuro?
Como evitar que os recursos da exploração mineral sejam usados em obras de baixa qualidade, onde terminam transformando-se em desperdício e ilustrando de forma melancólica a equação na qual desaparecem as nossas montanhas e os benefícios que poderiam ser gerados para a população?
Não estamos apenas discutindo royalties, mas o futuro.

PAULO BROSSARD - Inflação cresce e o PIB diminui


Inflação cresce e o PIB diminui 
PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 03/10/11

Não é meu propósito permanecer indefinidamente circunscrito à corrupção e à fatídica faxina que a senhora presidente, depois de proclamá-la, cuidou de colocar no porão, dizendo-a destinada à pobreza... Engana-se a chefe do governo se imagina que a opinião se sujeitará a esse estratagema. Outro dia, 594 vassouras verde-amarelas foram colocadas à frente do Congresso e, da noite para o dia, elas desapareceram ou foram desaparecidas.
Isto posto, passo a outro tema. O país está a ver uma espécie de brinquedo entre gato e rato. Enquanto, pelo mundo afora e aqui mesmo, se fala que a crise é visível e iminente, o governo proclama que todas as providências apropriadas para enfrentá-la foram tomadas, ainda que os especialistas adiantem que os efeitos dela serão maiores e mais persistentes que a de 2008; como se tudo andasse em lua de mel, o governo se satisfaz com declarações graciosas; ora, ninguém ignora que a taxa de inflação burlou as previsões oficiais e ainda agora o Banco Central reconhece seu crescimento, ao mesmo tempo que definha o crescimento do PIB de 4% a 3,5%, e o governo, na linha do anterior, projetava-o generosamente. Outrossim, a carga fiscal, defendida por todo mundo, permanece intocada e só se fala em agravá-la com nova tributação. E o tempo, que não se recupera, continua a passar, dia e noite, incansável e implacavelmente.
Outro dado que não me parece desprezível se refere às obras relacionadas com a Copa do Mundo, que estariam atrasadas, fato não contestado, antes, confirmado na resposta da ministra do Planejamento, ao declarar que tudo está sendo feito para que as obras estejam prontas antes do início do certame e, quando lhe observaram que obras inadiáveis nem iniciadas foram, como o acesso aos locais previstos, ela respondeu que isto já tinha solução: bastava decretar feriado para reduzir o trânsito! Acredite se quiser nessa solução de cabo de esquadra. Aliás, a esquisita e inaudita solução, em vez de referir-se a cabo de esquadra, deve ser substituída por outra mais feminina como a que lhe teria tirado o equilíbrio, pela quebra do salto alto de seus sapatos.
Em face de problemas que não são pequenos nem adiáveis, sou levado a supor que, lembrados da Oração na Acrópole, já que estamos em tempo de Olimpíadas, recordem-se a sentença de Renan, "um imenso rio de esquecimento nos arrasta para um pélago sem nome", capaz de tudo levar para o túmulo do esquecimento, inclusive as soluções de tamanha hierarquia.
Ainda bem que, entre tantos dados incômodos, acaba de surgir um capaz de compensá-los; um novo partido vem de ser criado, destinado, quiçá, a sanear o distrito político-eleitoral e o que possa imaginar-se. A nação pode respirar aliviada. A pátria está salva!

CAROLINA BAHIA - O dono do petróleo


O dono do petróleo
CAROLINA BAHIA
ZERO HORA - 03/10/11

É cada vez mais difícil um acordo sobre a nova divisão dos royalties do petróleo. Nesta briga, há Estados que não querem perder uma gota de arrecadação, enquanto a União alega que já abriu mão de tudo o que podia. Isso explica o choro do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), que bate o pé como um menino mimado, ameaçando recorrer ao presidente do Senado, José Sarney. O pedido é para que o veto à Emenda Ibsen não seja votado na próxima quarta. Se o texto for a plenário do jeito que está, a tendência é de aprovação. O que o governo federal propõe é um meio-termo, beneficiando os não produtores. Até mesmo bancadas que não estavam mobilizadas, como a gaúcha, se empolgaram nas últimas semanas, vislumbrando aumento de repasses. O governador Tarso Genro e lideranças da Assembleia Legislativa desembarcam nesta semana em Brasília, empunhando a bandeira do petróleo. Fraco na articulação política, o Planalto patina para costurar todos esses interesses.

Vigília
Quem também desembarca em Brasília amanhã é o ex-deputado Ibsen Pinheiro (foto), disposto a defender a emenda de sua autoria que promove a divisão equânime dos royalties do petróleo. Ele vai pedir ao vice-presidente da República, Michel Temer, que o PMDB feche questão a favor das mudanças. Com a presidente Dilma Rousseff viajando, Temer ganha ainda mais peso nas negociações.

Futurologia
Com a derrota do grupo do ex-prefeito Irajá Rodrigues no diretório municipal de Pelotas, o PMDB caiu no colo do petista Fernando Marroni. Candidato a prefeito, Marroni já teria negociado com os peemedebistas o cargo de vice e mais quatro secretarias. Só falta combinar com o eleitor. Das últimas quatro eleições ao paço municipal, o petista perdeu três.

PARA CONFERIR ali adiante
Limpeza - Indicado para o conselho da Conab, João Carlos Bona Garcia está a um passo de ocupar a diretoria financeira da companhia. Ele conversa hoje com o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho. A CGU já terminou o pente-fino nas acusações de irregularidades, e a faxina na Conab deve começar neste mês.

Acessório
Recém chegada da China, a deputada comunista Manuela d"Ávila (PC do B-RS) chama a atenção pelos corredores da Câmara ao carregar elegante bolsa, de marca conhecidíssima no mundo fashion. Aos curiosos, ela vai logo avisando que não se trata de falsificação.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - Duplo ataque



Duplo ataque 
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA

O ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, e o prefeito de São Paulo, Gílberto Kassab, cada um de seu lado, movidos pelas próprias razões e cada qual com os próprios objetivos, convergem num movimento de pinça que tem como vítima a democracia brasileira. Peluso comanda o processo cujo objetivo é anular a capacidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de acionar e punir magistrados denunciados por má conduta. Na semana passada, levou a causa a inéditos níveis de exacerbação ao entrar em polêmica com a corregedora do órgão, ministra Eliana Calmon.

Kassab desfralda a bandeira do primeiro movimento direito-centro-esquerdisra de que se tem notícia no planeta. Na semana passada, festejou a aprovação do Partido Social Democrático (PSD), a entidade encarregada de conduzir a causa, pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O CNJ, constiruído a duras penas em 2005, pa ra cumprir o que as corregedorías dos tribunais não cumprem, ou relutam em cumprir, ou o fazem sob o consrrangímento de julgar colegas, enfrentanta o problema de abrigar o inimigo em seu bojo. Peluso, que como presideme do Supremo Tribunal Federal é também seu presideme, trabalha em favor da ação de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil, que, se aprovada no Supremo Tribunal Federal, cortará as asas do Conselho. Já tinha até programado para a última quarta-feira a votação no Supremo, e contava como certa a vitória. A maioria dos ministros também não gosta de xeretice de um órgão externo a perturbar a santa paz da magisgtratura.

Eis que se interpõe no caminho a corregedora Eliana Calmon. Numa entrevista, ela fala de juízes e desembargadores corruptos e, a respeito da ameaça que paira sobre o CNJ, sentencia: "Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga". Horror! Juízes corruptos? Bandidos atrás da toga?

Peluso jamais ouvira falar nisso. "Em quarenta anos de magistratura, nunca li uma coisa tão grave", esbravejou, perante os colegas de Conselho. O caso do famoso juiz Nicolau, ou ele não leu a respeito, ou não achou tão grave. A indignação de Peluso isolou Eliana Calmon no CNJ. Uma nota do órgão, redigida de próprio punho por seu presidente, repudiou "acusações levianas" que "lançam sem provas dúvidas sobre a honra de milhares de juízes".

No mesmo dia em que Peluso enfrentava a corregedora, Kassab festejava a aprovação do partido que, em memorável definição, afirmou não ser "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro". A agremiação seria como alguém que não vai nem volta. Não avança, não recua, nem se esgueira para os lados. Em tal situação, só resta a alternativa de levitar. Talvez seja o caso do PSD. Ele se manteria em levitação sobre a política brasileira, na permanente prospecção do recanto mais conveniente para pousar de paraquedas, uma vez aqui, outra ali, outra acolá. Mas também pode se considerar que, ao não se posicionar nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, o PSD se posicione simultaneamente em todos esses sentidos. Seria e então como o prodigioso espécime que caminhasse para a frente, para trás e para os lados a um só tempo.

Se Peluso trabalha contra a democracia ao defender um Poder Judiciário ensimesmado, Kassab o faz ao criar o partido que não partidariza. O PSD não é partidário de nada. Nem contra nada. É o partido apartidário. Ora, direis, não são assim quase todos os outros 22 partidos (22, sim senhor!) com representação no Congresso Nacional? Não de forma tão explícita. Mesmo os mais insignificantes, e mesmo os que nascem com óbvias intenções delinquentes, alegam alguma bandeira, para disfarçar. O PSD não julgou necessário fazê-lo. Acresce que não é insignificante. Com seus cinquenta deputados, nasce como a quarta bancada na Câmara.

Kassab e Peluso experimentavam diferentes sortes, no fim da semana. Kassab só tinha razões para festejar. Aberto lhe estava o caminho para comandar a levitação, temperada de direito-centro-esquerdismo, a que se propôs. Peluso murchou. A forte reação a seus propósitos, à qual não faltou uma articulação no Congresso em favor de emenda constitucional tomando claro, se ainda não está, que o CNJ pode investigar e punir magistrados, levou-o a adiar a votação no Supremo. O que parecia vitória certa virara crise. A ministra Eliana Calmon, de isolada e vilipendiada, era promovida a heroína. Peluso, de defensor das sagradas prerrogativas do Judiciário, era rebaixado a simulacro de líder sindical. Aguardam-se os próximos capítulos.

O monstro está na engorda - REVISTA VEJA



O monstro está na engorda

REVISTA VEJA 

Com uma mão o governo alimenta o dragão e com a outra tenta timidamente segurá-lo
Depois de uma década de rigor na política econômica, o governo aposta nos efeitos da crise externa e afrouxa a luta contra a inflação

Marcelo Sakate

“Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo." Raras vezes o aforismo do filósofo hispano-americano George Santayana (1863-1952) foi tão útil quanto no Brasil deste fim de 2011. O passado de caos, sofrimento e descontrole provocado pela inflação está sendo lentamente esquecido. Por isso, o país pode estar se condenando a repetir aquela insana experiência coletiva que, no auge de sua força destrutiva, em 1989, chegou a produzir uma inflação anual de 1973%. O recorde mensal seria batido em março do ano seguinte, quando a taxa alcançou 82%. Os 97 milhões de brasileiros com menos de 30 anos só sabem de ouvir falar e não sentiram o que - foi a guerra diária de seus pais em uma economia irracional em que o dinheiro perdia poder de compra a cada hora. Uma nota de 100 valia menos de 20 no fim do mês. O governo alimentava a fornalha onde se queimava a prosperidade nacional oferecendo títulos da dívida remunerados sempre acima da inflação - do contrário, ninguém os compraria. Os brasileiros com mais de 30 anos, portanto, têm o dever de alertar os mais jovens sobre a loucura que é dar trégua à inflação, justamente o que os atuais condutores da política econômica brasileira estão fazendo ao romper, lenta mas decididamente com o tripé de estabilização financeira - baseado no controle inflacionário, na responsabilidade fiscal e no câmbio flutuante - em vigor no Brasil há doze anos. Como aquele que aparece na rua no meio do redemoinho, a inflação também é mestra em fingir que não existe - ou que se contenta em ficar bem pequenininha e comportada no seu canto. Os gigantes nascem pequenos. A hiperinflação também.

Na última década, período em que os menores de 30 usufruíram uma economia estável e com inflação sob controle, o ritmo de crescimento econômico brasileiro dobrou, a taxa de desemprego caiu pela metade, os investimentos privados internos e externos bateram recordes históricos. O Brasil se modernizou, ganhou credibilidade externa, acumulou reservas e prestígio que o ajudaram a enfrentar a crise mundial de 2008 com sobranceira tranquilidade. Essas conquistas estão sendo postas em risco pelos atuais integrantes da equipe econômica. "Temos uma nova política econômica", resume o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega em seu artigo na página 24 de VEJA desta semana. Essa nova política de nova só tem o nome. Ela é filhote das práticas heterodoxas mais ruinosas aplicadas no passado recente do Brasil. Que tenha resistido ao tempo é um desses fenômenos que carecem de explicação. Que ela possa estar dominando a cabeça dos condutores da política econômica brasileira é uma daquelas condenações a que se sujeitam os que esquecem o passado. Por enquanto, o sinal mais evidente e alarmante dessa guinada é a leniência com a inflação. Com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já acima de 7%, o Banco Central baixou os juros, abdicando de seu papel de vigilante do dragão inflacionário. Essa tarefa foi deixada para uma quase certa, mas imponderável, externalidade: a brusca desaceleração econômica do mundo rico e seu efeito anti -inflacionário. O BC apostou que a economia mundial vai desacelerar. e esse choque externo tende a reduzir o crescimento do PIB brasileiro em 1,25 ponto porcentual; por isso o melhor a fazer é afrouxar a política monetária, baixando os juros. Os analistas reconhecem que não é uma má aposta - mas é uma aposta. Como ensina a Teoria dos Jogos, clássica na economia, o real problema das apostas não está em termos um bom ou mau histórico de acenos. O problema real está em sermos ruins em saber quando uma decisão pode ser baseada em uma aposta. É mau sinal quando o combate à inflação passa a se basear em uma aposta.

Sob a orientação de Guido Mantega, a equipe econômica tem operado, desde pelo menos o fim do ano passado, uma flexibilização do chamado tripé da estabilidade macroeconôrnica. Os componentes desse tripé, que vigora desde 1999, são: metas para a inflação, equilíbrio das contas públicas e câmbio flutuante. Implantado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e mantido (mesmo a contragosto) pelo seu sucessor. Esse é o sistema que fez do Brasil um país estável. Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, vê riscos na aposta do governo. Diz ele: “As políticas econômicas são dinâmicas e devem ser administradas de acordo com a conjuntura. Mas a análise das medidas dos últimos meses mostra que o governo está testando os limites do tripé macroeconômico. E que há maior tolerância com a inflação". Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, houve um “esgarçamento” gradual da política econômica: "Da mesma forma que na lenda do sapo que não salta da panela e morre porque a água vai esquentando aos poucos, há um gradual abandono das linhas de política econômica que caracterizaram o período de 1999 a 2008". Gustavo Franco, ex-presidente do BC, completa: "Não passa um dia sem que haja uma intervenção do Banco Central no câmbio, uma semana sem que apareça um novo truque contábil para que a meta do superávit -fiscal não seja prejudicada: O tripé foi muito mutilado".

Por convencimento próprio, o que é mais provável do que ter sido doutrinada nisso, a presidente Dilma Rousseff dá seu respaldo à mudança de rumos na condução da política econômica. Ela deixou isso claro em seu discurso no Fórum Exame, na sexta-feira, em São Paulo. "Não é admissível que se, de fato, configurar-se uma recessão e um processo deflacionário no resto do mundo, nós, aqui, não levemos isso em conta", afirmou a presidente, sinalizando com um "ciclo de reducão" da taxa básica de juros. "Obviamente, isso só será possível, dadas as condições internas e externas", afirmou Dilma, respaldando a aposta do Banco Central. Alexandre Tombini, presidente do BC, não tem dúvida de que a inflação no fim do ano ficará abaixo de 6,5%, o teto de tolerância da meta estabelecida. Para muitos analistas, é improvável que isso ocorra. Pela lei, caso dezembro chegue e Tombini seja desmentido pelos fatos, ele será obrigado a escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda explicando por que o BC deixou a inflação fugir do controle. Isso aconteceu pela última vez em 2003. O duro será explicar que o erro se deveu a uma aposta.

Por que os governos flertam com a inflação

Em um primeiro momento a inflação alivia as contas públicas, ...

Maior arrecadação

Com a subida dos preços, a arrecadação nominal aumenta, pois os impostos são embutidos no valor dos bens e serviços

Menores gastos

Os contribuintes pagam impostos à vista, mas o governo pode escalonar o pagamento de seus credores, deixando que a inflação corroa o valor real das dívidas

Menor dívida interna

Um repentino surto de inflação diminui o valor real dos títulos públicos em poder dos credores, reduzindo o estoque da dívida. Com estoque menor, o governo pode rolar a dívida a juros mais baixos. A dívida interna brasileira atual em títulos chega a 1,8 trilhão de reais. Se a taxa de juros caísse 1 ponto porcentual, o governo economizaria 18 bilhões de reais

Reindexação

É o infernal mecanismo que traz para o presente a expectativa futura de inflação, levando as empresas a uma corrida louca para remarcar preços defensivamente, o que desencadeia a espiral inflacionária

Perda do poder de compra

Como todo brasileiro com mais de 30 anos sabe, os reajustes de salário nunca acompanham o ritmo de subida dos preços inflacionados.

Injustiça social

Em um ambiente inflacionário, o ganho financeiro acaba superando o ganho produtivo, inibe investimentos, reduz o potencial de crescimento das economias e diminui a oferta de empregos. Não é por acaso que a inflação é chamada de "o mais cruel dos tributos"

Juros mais altos

O mecanismo de desvalorização real dos títulos públicos funciona em um primeiro momento, mas logo o mercado, sabendo que o governo tolera a inflação, passa a exigir juros mais altos ainda para rolar a dívida pública.

MARCELO DE PAIVA ABREU - Protecionismo e patriotismo


Protecionismo e patriotismo
MARCELO DE PAIVA ABREU
O Estado de S. Paulo - 03/10/2011

Há algo intrinsecamente errado com o processo de tomada de decisões que está prevalecendo na área econômica do governo. No caso da política econômica externa e, em particular, da política comercial, o primitivismo é estarrecedor.

O recente aumento de 30% da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre automóveis é bom exemplo de decisão estapafúrdia. Ao limitar o aumento a veículos importados - que não podem cumprir os requisitos relacionados a componentes nacionais e etapas da produção realizadas no Brasil -, a legislação estabelece tratamento fiscal discriminatório independentemente da tarifa de importação.

Do ponto de vista da Organização Mundial do Comércio (OMC), a nova legislação é ilegal, pois implica violação de pelo menos duas regras: a que define tratamento nacional - isto é, a não discriminação da tributação interna entre importações e produtos produzidos domesticamente - e a que proíbe subsídios que dependam de conteúdo nacional. A razão para a regra sobre tratamento nacional é óbvia. Na OMC, os países registram listas de tarifas máximas de importação que resultam de negociações envolvendo concessões recíprocas. Que sentido teria isso, se fosse legal fazer incidir tributação interna de forma discriminatória apenas sobre importações?

Além dos aspectos legais, devem ser considerados os aspectos econômicos. O governo mencionou preocupação com o aumento de estoques nas montadoras e as concessões de férias coletivas a seus operários. Mas os dados da Anfavea registram crescimento da produção de janeiro a agosto de 4,4%, em relação a 2010. Isso depois de crescer 9,3% ao ano entre 2002 e 2010. É difícil caracterizar uma indústria em crise. Por que o tratamento especial dispensado à indústria automotiva? O favorecimento decorre do peso dos "interesses especiais", da capacidade que tem o setor de extrair benesses do Estado, com base em orquestração entre montadoras, produtores de autopeças e sindicatos. A conta onerará os consumidores, que pagarão mais caro pelos seus carros, importados ou não. Só na microeconomia da Anfavea essa política não terá impacto sobre os preços de carros produzidos no País. Enquanto isso, em meio a risotas de jornalistas presentes, o ministro Guido Mantega assegurava, em Washington, que a medida não é protecionista... Trata-se de espetacular episódio de captura do governo por "interesses especiais".

O estímulo à inovação tecnológica é objetivo desejável de política econômica. Há formas legais e efetivas de estimular o desenvolvimento tecnológico por meio de subsídios permitidos pela OMC. Para isso, seria necessário que o BNDES avaliasse a inovação tecnológica como condição para distribuir crédito subsidiado, abandonando critérios injustificáveis como a escolha de campeões nacionais. Tal como estão as coisas, cabem sérias dúvidas quanto aos mecanismos de controle que o governo usará para aferir inovação e distribuir benesses fiscais.

Alguns analistas manifestaram preocupação com o impacto da decisão insensata do IPI sobre a credibilidade do Brasil, exatamente no momento em que foi apresentada à OMC proposta sobre possíveis medidas de defesa comercial para contrabalançar as consequências de políticas que sustentam artificialmente taxas cambiais desvalorizadas. A preocupação, embora louvável, não procede pela simples razão de que a proposta brasileira à OMC tem escassa credibilidade. O que se propõe é que, no caso de desvios de taxas de câmbio além de limites negociados previamente, seja possível a imposição de direitos compensatórios.

A proposta faz lembrar a anedota dos náufragos que enfrentam o problema de abrir latas de comida sem ter instrumentos adequados, e ouvem do economista um tratamento teórico do problema com base na suposição de que se dispõe de um abridor de latas. O problema crucial que se enfrenta hoje quanto à coordenação de políticas macroeconômicas é exatamente o balizamento das taxas cambiais dos principais protagonistas, em particular China e EUA. É ilusório pensar que gestões na OMC possam resultar em progresso em relação ao assunto. O Financial Times, em editorial de 23/9, Brazilian feint ( Finta brasileira), qualificou a iniciativa brasileira como embromação sem nenhuma possibilidade de prosperar e sugeriu que o País recue e pense melhor sobre o assunto. É um bom conselho, mas que o governo terá dificuldade em seguir, dadas as limitações já demonstradas de sua capacidade decisória, em particular na área econômica.

A mistura de protecionismo e iniciativas de efeito que desgastam a reputação do Brasil como interlocutor com credibilidade nos foros internacionais é muito preocupante. Só é julgada aceitável por quem defende que ser "contra o protecionismo brasileiro é o discurso das nações industrializadas e dominantes". É hora de invocar a gasta citação de Samuel Johnson e lembrar que o patriotismo pode ser o último refúgio dos pilantras. Em vez de se enrolar na Bandeira Nacional tentando respaldar decisões estapafúrdias, é essencial analisar quem se beneficia e quem arca com os custos das políticas protecionistas agora adotadas. O resto é lobby, jogo de cena ou simples miolo mole.