segunda-feira, outubro 03, 2011

LÚCIA GUIMARÃES - A profundidade do pires



A profundidade do pires
LÚCIA GUIMARÃES
O Estado de S.Paulo - 03/10/11

A personagem coberta de griffes tinha acabado de ficar viúva, quando reconheceu: "Eu não tenho profundidade para ficar tão triste assim". A plateia dava gargalhadas no Teatro Brooks Atkinson, durante a matinê da temporada de prévias de Relatively Speaking. Os três atos de comédia, escritos por Ethan Coen, Elaine May e Woody Allen, são reunidos numa produção dirigida pelo estimado John Turturro. A estreia é no dia 20 de outubro e, se você, que lembra com saudades da neurose judaico-nova-iorquina de Woody Allen, der com os costados nesta ilha, não deve perder. Mas a viúva perua da peça George Está Morto foi criada por Elaine May, cujo incomparável timing cômico nem sempre viaja bem porque, quem sabe, ela escreve pensando nos tempos em que era parte do duo com Mike Nichols, sim, o diretor. Os dois mudaram a história da improvisação nos Estados Unidos, no final da década de 50.

A viúva Doreen, com seus mais de 60 anos, é uma mulher analógica mas emblemática da superficialidade digital. Uma personagem pergunta a ela, exasperada: "Você nunca ouve o que a gente diz?". Não, ela admite, sem hesitar: "Não entendo como as pessoas ficam ouvindo as histórias, umas das outras".

Se tivesse uma conta no Facebook, outra no Twitter e outra no Orkut, Doreen não teria do que se queixar. Todo mundo está contando sua história, mas quem está escutando?

Assim como não se pode mergulhar de cabeça na piscina infantil, é impossível enfrentar com garbo o trivializar-se de tudo, até do luto, ironizado na peça de Elaine May.

A gigante dos cartões Hallmark, a quem devemos a manufatura de efemérides como o Dia das Mães, acaba de lançar sua linha de cartões para desempregados. Como negligenciar um público de mais de 14 milhões de pessoas? Se o seu tio foi despedido depois de 30 anos de dedicação a uma empresa e é tarde demais para ser reeducado para o novo mercado de trabalho, ele há de se sentir muito melhor quando for alcançado pelo correio com o humor do seu cartão, que diz: "Não pense no que aconteceu como a perda do seu emprego. Pense como um tempo livre entre patrões estúpidos". Ou, que tal, "A Vida Não É Justa?".

Ah, e para a sua amiga que sofre de câncer de mama, eu tenho um especial: a Câncer Vixen (A Megera do Câncer). Na capa do cartão, uma figura tipo Barbie dá um pontapé no ar para mostrar como vai vencer a doença. Sugiro não enviar para uma mulher idosa com um tumor em estágio 4.

Uma outra gigante dos cartões, a American Greetings, sabe como é escassa a atenção geral porque está lançando outra linha, com o nome da cantora pop Taylor Swift. Como explica o texto de divulgação do lançamento, é para você agarrar aquela lembrança repentina de alguém importante e mandar um cartão rápido. Antes que um alerta sobre Ashton Kutcher (*) apague o pensamento.

Alguém está prestando atenção em alguma coisa? Ei, você aí mesmo, que não parou de conferir as mensagens do celular enquanto finge conversar comigo. Se o seu mundo tem poucos caracteres, vou facilitar a leitura.

- Uma editora americana nos informa que Courtney Love vai escrever sua "autobiografia definitiva". Aos 47 anos.

- Candidata republicana Michelle Bachmann declara que Barack Obama é "culpado" pelos movimentos populares contra as ditaduras do mundo árabe.

- Candidato republicano e afro-americano Herman Cain diz que, nos Estados Unidos, os negros sofreram lavagem cerebral para não votar no seu partido.

- O céu azul de 11 de setembro de 2011 representa "o último momento da inocência americana". (Tina Brown, animadora chefe da revista Newsweek)

E agora, um boletim urgente: acabam de anunciar que os seios siliconados da ex-coelhinha da Playboy Holly Madison serão objeto de uma apólice de seguro de US$ 1 milhão da Lloyd's de Londres. "Eles estão recebendo o crédito que merecem", disse a estrela da nova obra de dramaturgia O Mundo de Holly, em cartaz num palco de Las Vegas. "Eles são o meu sustento", ela explicou, com sinceridade profunda.

(*) Caro leitor: se você nunca ouviu falar em Ashton Kutcher, primeiro, meus parabéns. Depois, comece uma corrente pela internet, conclamando seus colegas de ignorância a se unirem, uma espécie de movimento inspirado pela antigravidade, e desafie a física newtoniana das celebridades pesos mortos.

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