segunda-feira, abril 16, 2018

Instabilidade geopolítica deixa o mundo mais interessante - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 16/04

Desde o fim da Guerra Fria, o mundo parecia virar um parque de direitos humanos e amor; ledo engano


​O mundo está mais interessante. Alguns dizem que adentramos uma era de instabilidade geopolítica. Verdade. Por isso o mundo está mais interessante. Sei também que você pode achar essa afirmação espantosa e, quem sabe, até estranha.

Há uma contradição intrínseca a muitas profissões. Quando falamos de jornalismo e pensamento público, uma contradição inerente é o fato de que a grande maioria desse universo de pessoas sonha com um mundo melhor e vê sua atividade como um “sacerdócio” em favor dessa missão (não é o meu caso: não quero salvar mundo nenhum, quero, talvez, quem sabe, entendê-lo um pouco melhor).

A contradição nasce do fato de que quanto mais o mundo agoniza, melhor é para esse mercado de trabalho. Obama foi “boring” na sua contínua afirmação de melosa bondade, reforçando a autoimagem de que somos gente bacana.

Trump e Putin, por outro lado, carregando imagens de loucos pouco confiáveis, tornam o mundo mais interessante e instigante; aumentam o número de pessoas interessadas no jornalismo de qualidade e, com isso, aquecem o mercado para os mais jovens.

Que, por sua vez, entram no mercado com a mesma melosa autoimagem de virgens a salvar o mundo, mas que dependerão de figuras como Trump e Putin para terem o que fazer na vida profissional.

Eu sei: o mundo é contraditório, mas, para gente que achou que todo o problema do mundo era a questão “trans” nos banheiros dos shoppings, deve ser mesmo uma agonia encarar o mundo como ele é.

E, mais do que interessante, o mundo está voltando ao normal. Instável, criativo, agressivo, exigente, implacável. Desde o final da Guerra Fria, na virada dos anos 1980 para os 1990, o mundo parecia acreditar que iríamos marchar para um parque temático que unisse direitos civis e humanos a shoppings com variedades veganas de amor aos animais.

No meio dessa ponte de perfeição, seres humanos cada vez mais honestos, altruístas e desapegados de bens materiais. Como se as próprias paixões pudessem ser refundadas a partir do seu perfil do Facebook cheio de gratidão.

Dito de modo “acadêmico”, a história estaria definida pela parceria crescente entre sociedade de mercado e democracia liberal, com tons sociais. Ledo engano.

Para fins didáticos e ilustrativos apenas: a Europa, palco de grandes conflitos que impactaram o mundo há séculos, não teve paz de 1789 a 1989 (fiquemos com números redondos pra facilitar a conversa).

Aliás, Karl Marx (1818-1883) viveu no meio desse rolo no século 19, por isso ele acreditava que o “mundo burguês estava condenado”.

Desde 1989, com a queda dos regimes marxistas totalitários do Leste Europeu, até “ontem”, o mundo desfilava suas belas almas evoluídas. Ainda desfilam, mas agora a tendência é parecerem zumbis ansiosos por sugarem o sangue de alguém bom.

A Rússia, que sempre teve vocação imperial na região, superpotência desde, no mínimo, o final do século 18 (a mesma Rússia que muita gente boa acha que só foi agressiva geopoliticamente no período soviético), volta a desempenhar seu “natural” protagonismo, resgatando, para muitos, o velho conceito de Guerra Fria.

O protagonismo russo tende a aumentar. O Estado russo pode ser muito mais ágil do que o americano.

A China cria um novo polo de instabilidade, a ponto de engolir a liderança econômica mundial. Regime autoritário, pode “provar” que a democracia não é necessária para o enriquecimento da população. E essas mesmas belas almas podem, um dia, acordar pensando que a democracia, afinal, só é boa para os maus, que querem destruir os que fazem o mundo “melhor” e igual.

Os próximos anos deverão ser cada vez mais tomados por instabilidades geopolíticas associadas às tecnologias da informação, às mídias sociais e à inteligência artificial. Guerras “algorítmicas” ocorrerão. E isso deixará o jornalismo cheio de tesão pela vida.

E o Brasil nisso? Merece uma coluna especial. O Brasil, também, está cada vez mais interessante. Espero poder fazer parte desse processo cheio de adrenalina, responsabilidade e espanto. As belas almas derreterão.

Luiz Felipe Pondé

Pernambucano, é escritor, filósofo e ensaísta. Doutor em filosofia pela USP, é professor da PUC e da Faap.

Seu fundo tem taxa de saída? - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 16/04

Há novidades que impactam a rentabilidade e a liquidez de seu investimento


Os mais jovens não conhecem essa história, mas houve tempos em que os bancos não cobravam tarifas, acredita? Isso mesmo, manutenção de conta-corrente, transações financeiras, tudo sem custo para o correntista. Hum... sabemos que nada é de graça, então quem pagava a conta?

O “float”, o dinheiro parado na conta, o tempo em que o banco ficava com o recurso entre o recebimento de um pagamento e o recolhimento ao favorecido. A inflação era tão alta que bastava um ou dois dias para o banco ganhar entre 1% e 2% nas operações de “overnight”, aplicações de um dia, antes de repassar o dinheiro ao dono, os governos municipais, estaduais e federal, no caso de impostos, concessionárias de serviços de energia e telefonia, o FGTS recolhido pelas empresas em nome de seus funcionários, e por aí vai.

Em 1994, quando o Plano Real ceifou as garras da inflação, os bancos se reinventaram, foram obrigados a encontrar uma maneira de remunerar os serviços prestados. Um bafafá na época! As ações dos bancos caíram por que o mercado questionava se e como os bancos seriam capazes de substituir a generosa receita do “float” e manter a lucratividade.

A solução veio com cobrança de tarifas pelo serviço de intermediação financeira, que seriam pagas por quem faz ou por quem recebe o pagamento ou por ambos. Hoje pagamos para manter uma conta-corrente, pelo boleto que recolhe a taxa de condomínio, pela transferência feita para outro banco, e tantas outras.

Investir nunca foi “de graça”, sendo a conta-poupança a única exceção. Os fundos de investimento, por exemplo, sempre cobraram taxa pelo serviço de administração e gestão de recursos de terceiros. Nós somos os “terceiros” que entregamos nosso dinheiro para a instituição financeira administrar em conformidade com o mandato específico previsto no regulamento de cada fundo.

A coluna “Quanto você paga para investir?”, publicada em 04/12/17, explica as características da taxa de administração e chama a atenção dos investidores para o impacto desse custo na rentabilidade de duas aplicações financeiras nesse contexto de taxas de juros baixas.

As instituições financeiras enfrentam, mais uma vez, um desafio. Para manter o interesse dos investidores, precisam reduzir a taxa de administração sem sacrificar receita, sem abrir mão da lucratividade desse importante serviço prestado.

Ainda é um pouco cedo para dizer, mas parece que a solução se apresenta sob a forma de introduzir a cobrança de novas e diferentes taxas, que, somadas à taxa de administração, mantenha o nível de receita da instituição financeira.

Me refiro à cobrança de “taxa de saída”. O fundo estabelece um prazo mínimo de permanência para isentar o investidor do pagamento dessa taxa. Se o cotista quiser ou precisar resgatar antes, pagará um percentual sobre o valor do saque, definido no regulamento de cada fundo.

Alguns fundos multimercado, por exemplo, já adotam política semelhante quando o cotista não concorda em esperar o prazo para converter suas cotas em dinheiro no momento do resgate. Os planos de previdência também adotam essa prática em relação à cobrança de taxa de carregamento, que onera as aplicações de curto prazo e chegam a isentar as aplicações que permanecem por vários anos.

A razão de contar essa história é que a cobrança de taxa de saída está chegando aos fundos DI, conhecidos por seu atributo de liquidez, possibilidade de solicitar resgate a qualquer momento, sem risco de perdas.

Por diversas vezes recomendei investir o dinheiro do “fundo de emergência”, da “reserva financeira”, em fundos DI. Liquidez, sem risco e sem custo, o principal atributo para atender a essa necessidade do investidor.

Mecanismo de carência —prazo mínimo para rentabilizar seu depósito— ou cobrança de taxa de saída se o resgate for feito antes do prazo mínimo definido inviabilizam a escolha do fundo para acolher os recursos desse investimento.

Portanto, caro investidor, fique de olho na lâmina do fundo em que você já investe ou pretende investir.

Verifique se as regras são compatíveis com seu objetivo de investimento, perfil de risco, necessidade de liquidez. Aceite as condições e faça a adesão ao fundo somente se concordar com elas. Evite os de custos elevados e os que impõem restrições de acesso ao capital investido quando essa for uma condição para sua escolha.

Marcia Dessen

É planejadora financeira pessoal, diretora do Planejar e autora de 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu Dinheiro'.

Universo sem controle - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 16/04


Privatização deve ser feita não apenas devido ao Tesouro, mas também para a economia ser eficiente


Programas de privatização se constituem nervo exposto da esquerda. É assunto muito sensível e, por isso, inspirador de mitos. Um deles, que estatal é “empresa do povo”. Ora, só quando, para tapar rombos no Tesouro, abertos na injeção de dinheiro em estatais cronicamente deficitárias, o “povo” é convocado a pagar mais impostos.

Na vida real, as empresas públicas têm respondido é ao controle de corporações de funcionários e às rédeas do partido político no poder. Os 12 anos do lulopetismo no Planalto apresentam este aspecto didático: mostrar como aparelhos são montados dentro do Estado, uma forma tentacular de o grupo no poder controlar a máquina burocrática e estatais, fonte estratégica de recursos infindáveis. Pois são retirados do contribuinte por meio de impostos, contribuições, taxas de toda ordem etc.

Nos exemplos lulopetistas de como se drenam recursos públicos para projetos próprios de poder — e até pessoais, de enriquecimento —, o controle da Petrobras, a fim de, por meio de contratos feitos de forma generosamente superfaturada com empreiteiras amigas, é um modelo muito bem acabado do uso de estatais por interesses particulares. De partido, de grupos, de sindicatos, do que seja.

O uso descuidado de empresas públicas, como o feito na Eletrobras na gestão Dilma, força, ironicamente, a sua privatização. Pois a “decisão por vontade política”, tomada por Dilma, de intervir no sistema Eletrobras, por meio da MP 579, de 2012, e forçar subsidiárias da empresa a baixar as tarifas destruiu o equilíbrio financeiro da estatal, já há algum tempo sem condições de arcar com os pesados investimentos no setor. Não há outra alternativa saudável que a privatização.

Porém, a venda de estatais, no caso do Brasil, não deve ser feita apenas por razões de caixa — e éticas, como demonstra o escândalo histórico do petrolão, desvendado pela Lava-Jato. Mas muito também pela necessidade de se aumentarem a produtividade e a eficiência da economia. Num país, segundo dados do Ministério do Planejamento, em que há 150 estatais federais ativas, mas apenas 89 delas com orçamento próprio, sendo que todas as demais dependem do Tesouro, é evidente que há algo de muito errado. E há porque grupos políticos se beneficiam desta distorção, porque vivem como parasitas sugando o Tesouro por meio desses esqueletos de “empresas do povo".

A trancos e barrancos, o Brasil passa por transformações, e na democracia, o que permite debates amplos. Uma das mudanças é o ciclo que se vive de inflação baixa. Ele ajuda a deixar mais nítida a estrutura de gastos públicos. Fica, então, ainda mais à vista o desperdício de dinheiro do contribuinte com estatais inoperantes. É preciso que haja um programa de privatizações para valer. Também em nome do respeito ao dinheiro do contribuinte, já forçado a arcar com a carga tributária mais pesada no âmbito das nações emergentes (35% do PIB). O sorvedouro de estatais improdutivas é uma das causas.


Sua excelência, o fato - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 16/04

Fui ingênuo, cometi erros e me penitencio por eles, mas não cometi nenhuma ilegalidade


A narrativa que se impõe como um tsunami no país tende a considerar, de antemão, todos os políticos culpados.

Fragmentos de imagens e manchetes repetidos à exaustão definem percepções. Vivemos o tempo da opinião muitas vezes desvinculada da informação.

Sou alvo de denúncia em função da delação da JBS. Aos que não conhecem o seu conteúdo, ofereço este esclarecimento. Ofereço mais, ofereço os fatos.

No início de 2017, precisei contratar advogados. Era uma despesa inesperada e eu não possuía recursos pessoais para enfrentá-la. Minha mãe colocou então à venda o apartamento em que reside há mais de 35 anos no Rio de Janeiro.

Minha irmã, Andrea, ofereceu o imóvel a alguns empresários, inclusive ao senhor Joesley Batista. Ela teve com ele, em toda a sua vida, um único encontro, a meu pedido, motivado por esse assunto familiar que nada teve a ver com política.

Mais tarde, de passagem pelo Rio, ela lhe telefonou, convidando-o para conhecer o imóvel. Ele preferiu não ir e pediu um encontro comigo.

Felizmente, esse telefonema, omitido pelo delator, foi recuperado pela Polícia Federal. Ele mostra, de forma inequívoca, o objetivo do contato feito: a venda do imóvel. Apesar da relevância, essa informação não foi mencionada na denúncia.

Recebi, de boa-fé, o delator no hotel em que estava e, numa conversa criminosamente gravada e induzida por ele, permiti-me usar um vocabulário inadequado e fazer brincadeiras injustificáveis e de enorme mau gosto, das quais me arrependo profundamente. Lamento, especialmente, o que esse episódio acarretou para outras pessoas.

Meu primo, Frederico, é uma pessoa absolutamente correta, íntegra e não tem nenhuma responsabilidade pelos fatos ocorridos. Limitou-se a me fazer um favor ao receber um empréstimo pessoal, a mim dirigido, que não tinha nenhuma vinculação com o cargo que ocupo. Reitero a ele e ao seu amigo Menderson, que o acompanhou, o meu pedido público de desculpas pelas consequências que eles e suas famílias vêm sofrendo.

Minha irmã, reconhecida até mesmo pelos meus adversários por sua seriedade e correção, foi injusta e covardemente exposta apenas por ter contatado o delator com a intenção de vender um imóvel.

Na gravação de que fui alvo, o delator atesta a origem lícita e particular dos recursos e deixa claro — também em depoimento— que partiu dele a decisão de que o empréstimo teria que ser feito em espécie, o que não é ilegal, uma vez constatada a licitude dos recursos.

Errei em aceitá-lo. Mas não cometi nenhum crime. Não houve nenhum prejuízo aos cofres públicos. Ninguém foi lesado.

Hoje, é fácil reconhecer que o objetivo dessa exigência era gerar as imagens para o seu extraordinário acordo de delação. Os recursos ficaram guardados, esperando serem formalizados, para que eu pudesse pagar honorários de advogados. Como isso não ocorreu, não foram usados e foram entregues à Justiça.

Mas vamos às acusações.

Sou acusado de corrupção passiva, crime que pressupõe que um agente público receba vantagem indevida em troca de contrapartida.

Não houve vantagem indevida, e a própria Procuradoria-Geral da República indicou que não houve nenhuma contrapartida no caso.

Na gravação, poucos se recordam de que rechacei prontamente a sugestão, feita por ele , para que apoiasse um nome para a presidência da Vale. A menção a diretorias da empresa se deu como forma de encerrar o assunto introduzido, premeditadamente, por ele. Prova de que essa questão nem sequer foi considerada é que absolutamente nenhuma iniciativa foi tomada nesse sentido.

Na minha vida pública, não existe um ato sequer em favor da JBS, o que foi confirmado pelos delatores.
Como falar em corrupção onde não existe dinheiro público ou contrapartida?

A segunda acusação, de tentativa de obstrução, é também desprovida de fundamento.

Basta dizer que o precedente citado em longas 15 páginas para justificar a denúncia contra mim foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal, a pedido da própria PGR. Ou seja, pelos critérios da própria instituição eu não deveria nem sequer estar sendo denunciado.

Acusam-me por votos que dei no Senado e por opiniões que externei em conversa particular, sem que tivessem nenhum desdobramento fático. Tenta-se, com isso, criminalizar opiniões e votos de congressistas cujas imunidades são garantidas pela Constituição. De forma seletiva, a denúncia ignora, por exemplo, que cheguei a apresentar emenda alterando o projeto original da Lei de Abuso de Autoridade, defendendo, justamente, o ponto de vista do Ministério Público Federal!

É, portanto, com o sentimento de grande impotência que vejo as versões devorarem os fatos.
O que me define são os meus 32 anos de vida pública honrada e não os poucos minutos de uma armadilha montada por criminosos.

Fui ingênuo, cometi erros e me penitencio diariamente por eles. Mas não cometi nenhuma ilegalidade.

Por isso, não esmoreço. Em nome da minha história, da minha família e de todos aqueles que confiaram a mim a esperança de uma Minas Gerais e de um Brasil melhor, sigo em frente, porque sei que a verdade vai prevalecer.

Apesar do tsunami.

AÉCIO NEVES é senador (PSDB-MG). Foi candidato à Presidência em 2014 e governador de Minas Gerais de 2003 a 2010

A religiosidade petista - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 16/04

O próprio PT torna-se um apêndice da vontade de seu chefe, colando seu destino ao dele

O ocaso petista está vindo acompanhado de formas políticas religiosas, alicerçadas na figura de Lula, considerado acima da lei, e na crença dos militantes de que seu líder máximo não seria um cidadão como os outros. À medida que o partido vai perdendo sua base social, seu discurso se descola da realidade, buscando principalmente uma maior adesão dos que já lhe são fiéis. O próprio PT torna-se um apêndice da vontade de seu chefe, colando seu destino ao dele.

Discurso descolado, ruas ausentes. As manifestações prometidas pelas lideranças petistas após a prisão de Lula simplesmente não ocorreram. O PT chegou a anunciar que as cidades seriam tomadas por multidões. Os mais radicais chegaram a apregoar um clima de extrema instabilidade política, todos clamando em uníssono pela libertação de seu líder. O máximo que conseguiram foi uma manifestação com 2 mil a 3 mil pessoas em volta do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, com militantes trazidos de vários lugares. Um anticlímax, que expõe a falta de apoio popular ao PT e a Lula.

O contraponto de um discurso descolado da realidade é uma forma de religiosidade política, que ganha a cena. O PT adota uma linguagem intramuros como se estivesse abandonando a pretensão de conquistar eleições num futuro próximo. Cerra fileiras em torno de uma liderança inconteste e não se abre para a sociedade. Refugia-se em seu gueto. Nesse processo, em vez de apostar numa refundação, o PT volta aos seus antigos dogmas, nada oferecendo para além da repetição dos seus erros.

Nessa mudança de discurso a mentira torna-se um instrumento corrente de manipulação, pois reconhecer a verdade de seus crimes faria o partido expor toda a sua fratura interna e o fracasso de seu projeto. Em lugar do reconhecimento dos seus erros, temos seu encobrimento. As palavras começam a perder seu significado, só valendo, em seu uso demagógico, para que os crentes continuem acreditando numa concepção que perdeu a validade. Note-se que o estatuto do partido estipula que condenados devem ser expulsos da agremiação. Ninguém foi expulso e os condenados apenas se multiplicaram. Crime deixa de ser crime, corrupção deixa de ser corrupção, e assim por diante. A condenação e a prisão de Lula tornam-se expressões de uma “perseguição política”. O criminoso torna-se, então, um “prisioneiro político”.

Alguns mais afoitos foram buscar uma analogia da situação atual do condenado com sua prisão durante o regime militar. A mensagem é de que haveria uma linha de continuidade entre esta prisão e aquela. É como se a prisão num contexto autoritário fosse igual à de um governo democrático e civil. Observe-se, ainda, que o processo de prisão de Lula foi o desfecho de um longo percurso por tribunais de primeira, segunda, terceira e quarta instâncias. Lula exerceu em todas essas etapas o seu direito de defesa, nada lhe tendo sido subtraído. No entanto, no exercício da mentira, surge a versão demagógica de que seu direito de defesa não teria sido assegurado.

Para que a mentira não ganhe ares de mentira, de modo que não fique escancarada, é-lhe necessário um substrato, de preferência de cunho religioso. Lula fala como líder detentor de uma “verdade absoluta”, embora seja essa uma mentira, e o seu público militante é constituído por pessoas que acreditam nessa mensagem de forma incondicional. Isso significa que os que não compartilham essa crença são os infiéis, os inimigos, os que devem ser eliminados. É o discurso do “nós” contra “eles”. Lula diz defender a paz e prega o conflito e a discórdia.

Note-se que uma das razões apresentadas por Lula e seus advogados para sua não apresentação à Polícia Federal no prazo estipulado pelo juiz Sergio Moro foi a de uma suposta missa por sua falecida esposa. Ora, de missa não teve sequer a aparência, tratou-se, na verdade, de um comício para fiéis. Houve um uso despudorado da religião, com alguns religiosos esquerdistas conferindo-lhe legitimidade, embora não estivessem, evidentemente, em função, o que foi assinalado posteriormente pelo cardeal de São Paulo. Importa ressaltar que a política petista ganhou um contorno religioso, adotando mais propriamente uma forma do teológico político.

Lula não seria uma pessoa comum, mas a concretização de uma “ideia” que lhe sobreviveria, um “ideia”, portanto, de valor absoluto. Ele poderia ser encarcerado, porém a “ideia” que nele está incorporada seria perene. Por consequência, a lei não se aplicaria a ele, pois não estaria submetido às regras dos mortais, às leis de uma República e de uma democracia, pois sua posição o situaria acima da Constituição, embora a ela não cesse de fazer aparentemente reverência, uma espécie de concessão ao vulgo. Não pode ser julgado por nenhum tribunal, que desconheceria sua verdadeira natureza de tipo religioso. A negação da democracia é a outra face do teológico político.

Logo, não restaria ao partido outro caminho senão o de sua radicalização, não se apresentando enquanto alternativa de poder numa sociedade democrática. Abandonou o discurso de apaziguamento que norteou a primeira eleição do presidente Lula. Voltou à sua antiga concepção, porém, no governo, levou o País ao descalabro econômico, com sérias repercussões sociais, procurando agora atribuir seus erros a outros, às reformas empreendidas pelo governo Temer. Transfere a ele seus próprios desacertos. Se, em sua primeira etapa de ascensão, sua radicalização poderia ser ainda considerada ingenuamente por alguns como moral, atualmente ela se fundamenta no encobrimento de sua imoralidade no exercício do poder, e no não reconhecimento de seus imensos erros em política econômica. A radicalização de agora não tem nenhum sonho a orientá-la, está ancorada na mentira e na mera demagogia de fundo religioso.

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.

A bomba fiscal e a LDO - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 16.04

Desarmar a bomba fiscal para evitar um desastre no primeiro ano do próximo governo é uma das tarefas mais complexas e mais assustadoras da recém-nomeada equipe econômica. Se tudo correr de acordo com as previsões oficiais, o presidente que será eleito em outubro chegará ao fim de 2021, terceiro ano de seu mandato, ainda com um déficit de R$ 70 bilhões nas contas primárias do governo central. Não terá ainda conseguido um centavo, portanto, para pagar os juros e frear o crescimento da dívida pública. Será impossível afastar o risco da insolvência, em 2022 ou pouco mais tarde, sem a reforma do sistema de aposentadorias e pensões.

Mas o desafio mais próximo, o de programar as finanças federais para 2019, já é bastante grave para concentrar as atenções do pessoal do Planejamento e da Fazenda e dos membros mais sérios e respeitáveis do Congresso Nacional.

Garantir o cumprimento da chamada regra de ouro das finanças públicas, em 2019, foi uma das preocupações da equipe econômica ao montar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), recém-apresentado ao Legislativo. Aquela regra proíbe endividar o Tesouro para cobrir gastos de custeio, como salários do funcionalismo, contas de luz e outras despesas do dia a dia.

Descumprir essa norma pode sujeitar o presidente da República a processo por crime de responsabilidade. Como prevenção, foi incluída no projeto da LDO uma autorização do Congresso para um crédito suplementar ou especial. Esse remédio é previsto na Constituição, mas depende de aprovação no Legislativo. Sem esse dinheiro, o governo ficará impossibilitado de custear certos gastos obrigatórios ou terá de estourar limites legais, como a meta do déficit primário.

A solução preventiva parece bem concebida, à primeira vista, mas especialistas têm dúvidas sobre a possibilidade de vincular despesas obrigatórias à aprovação de crédito especial. O assunto deverá render discussão nas próximas semanas. Prevista para aprovação até o fim do semestre, a LDO condiciona, formalmente, a elaboração da proposta de Orçamento a ser enviada ao Congresso até 31 de agosto.

Se esse ponto for resolvido de forma satisfatória, sobrarão poucas dúvidas importantes quanto ao conteúdo da LDO. De modo geral, as condições econômicas tomadas como referência para os cálculos são próximas daquelas projetadas pelos especialistas. Segundo o documento, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 3% em 2019, 2,4% em 2020 e 2,3% em 2021. A inflação chegará a 4,2% no próximo ano e ficará em 4% nos dois seguintes. A taxa básica de juros deverá situar-se, em média, em 7,7% em 2019 e depois em 8% até o fim do período considerado.

Os limites do déficit primário, isto é, sem a conta de juros, foram fixados em R$ 139 bilhões, R$ 110 bilhões e R$ 70 bilhões. Nos três anos, como tem ocorrido regularmente, o Tesouro será superavitário, mas o déficit da Previdência mais que anulará esse resultado e jogará o saldo geral das contas no vermelho. O buraco previdenciário crescerá de 2,76% do PIB em 2019 para 3,08% em 2021.

Outras despesas declinarão, mas o esforço de ajuste será severamente condicionado à redução das despesas discricionárias. Aí se incluem os investimentos públicos. Sem a arrumação da Previdência, o governo continuará reduzindo a aplicação de recursos em obras essenciais para a economia.

De modo geral, o projeto da LDO revela um esforço de prudência e de realismo. Só receitas de concessões já realizadas foram incluídas nas contas. Se houver empenho na busca de parceria com o setor privado, o ingresso de recursos no Tesouro poderá ser superior ao previsto. Mas a prudência é mesmo a atitude mais aconselhável em qualquer programação financeira. Isso vale especialmente quando a maioria dos envolvidos no jogo político mais atrapalha do que ajuda a gestão do dinheiro público.

Desajustado estruturalmente, o Orçamento tem sido mais um problema do que um instrumento para execução de políticas e realização de inovações econômicas e sociais. A recuperação do instrumento só virá com ajustes e reformas.