O Estado de S.Paulo - 24/09
A horas tantas da festa pela espetacular vitória da democrata-cristã Angela Merkel nas eleições de domingo na Alemanha, em meio ao coro de "Angie, Angie" e à cantoria em seu louvor, ela lembrou a todos que "amanhã, trabalhamos". Nada mais típico da mutti ("mamãe", outro de seus apelidos). Mesmo no auge do júbilo, ela não abre mão da responsabilidade de manter a disciplina em família. Mas, à parte o zelo inseparável da imagem dessa reservada senhora de 59 anos, o que tem proporcionado à maioria dos alemães um singular senso de segurança - em contraste com as agonias dos seus vizinhos atingidos pela crise do euro -, trabalho é que não vai faltar agora aos operadores políticos da chanceler que acaba de conquistar o terceiro triunfo consecutivo desde 2005.
Isso porque, embora Merkel tenha sido reeleita com mais votos que das vezes anteriores - numa inequívoca consagração pessoal -, o seu partido, a CDU, não alcançou os 45,5% de apoio exigidos na Alemanha para uma sigla fazer a maioria absoluta no Bundestag, a Câmara Baixa. (No Bundesrat, equivalente ao Senado, prevalece a coligação entre os sociais-democratas do SPD e o Partido Verde.) Contadas as cédulas dos cerca de 44 milhões de eleitores que compareceram às urnas (de um total de 61 milhões aptos a votar), o partido da chanceler e o seu braço regional na Bavária, a CSU, conquistaram 41,5% dos sufrágios. Seria mais do que suficiente para continuarem governando, se os seus aliados históricos do ultraliberal Partido Democrático Livre (FDP) repetissem o resultado de 2009, quando arrebanharam 14,6% dos votos.
Só que, achando um exagero a sua insistente pregação por menos governo e mais mercado, os alemães lhes deram apenas 4,8% da votação, abaixo do patamar de 5% para o acesso dos partidos ao Parlamento, conforme a cláusula de barreira adotada para dificultar a representação parlamentar de agremiações extremistas. A Esquerda, a legenda criada pelos simpatizantes do regime da antiga Alemanha Oriental, com 8,6% dos votos e 64 cadeiras, tornou-se a terceira força política do país, ao superar os verdes por 0,2 ponto porcentual e 1 cadeira. Diante desses resultados, que lhe deram 311 assentos em 630 - 5 aquém da maioria -, a CDU deve se voltar para a trabalhosa procura de um parceiro interessado em se coligar com ela.
Se dependesse apenas da atitude do SPD (25,7% dos votos e 192 cadeiras) e dos verdes diante do criticado programa de Merkel de resgate dos países europeus vítimas da crise financeira de 2008, como Grécia, Espanha, Portugal e Itália, condicionado à adoção de rígidos programas de austeridade, não haveria empecilhos insuperáveis. Com maior ou menor relutância, os sociais-democratas e os verdes votaram a seu favor. A chanceler caiu no agrado dos ambientalistas, ao ordenar a desativação das usinas nucleares do país, em seguida à catástrofe de Fukushima. Antes das eleições, porém, os verdes disseram não à hipótese de um acordo com a centro-direita. O mau desempenho do partido pode fazê-los mudar de ideia.
Do lado do SPD, com o qual Merkel poderia formar uma "grande coalizão" mais robusta, dado o tamanho da bancada rival, o precedente de 2005 não traz boas lembranças. O pacto foi facilitado pela desregulamentação do mercado de trabalho no governo Gerhard Schroeder, o último líder social-democrata antes de Merkel. Nas eleições seguintes, o partido sofreu uma traumática derrota, ficando com desmoralizantes 23% dos votos. Daí a acidez das suas críticas no decorrer do segundo mandato de Merkel. Ela teria transformado a Alemanha em um país de "miniempregos". O SPD propôs mais impostos e um salário mínimo nacional. A passos miúdos, como é de sua índole, Merkel contrapropôs pisos diferentes por regiões e setores. Mas aumentos de impostos, nem pensar.
Diante do estrondoso sim que os alemães deram à sua mutti, agora a única verdadeira líder europeia, talvez seja mau negócio para o SPD negar-se a um compromisso. O risco é de uma nova eleição - e de um êxito ainda maior da chanceler.
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