FOLHA DE SP - 08/10
Não há herdeiro à vista para uma Cristina Kirchner enfraquecida pela cirurgia e pela eleição iminente
Difícil discordar de Eduardo Aliverti, colunista do jornal argentino "Página12", ainda que se saiba que a publicação é militantemente pró-Cristina Kirchner, quando ele escreve o seguinte sobre a doença da presidente:
"Há muitos que, ante circunstâncias como estas, (re)tomam nota do valor de uma chefe de Estado que --consideradas as colunas de deve' e haver'-- continua erigida como figura imprescindível para sustentar não apenas um modelo ou um relato, mas a própria governabilidade, com firmeza de caráter".
De fato, com todos os defeitos que Cristina tem, a sua cirurgia e o pós-operatório abrem um vazio político-institucional. Seu substituto interino e sucessor constitucional, em caso de necessidade, chama-se Amado Boudou. É figura secundária, marginalizada pela própria presidente durante a campanha eleitoral para as primárias obrigatórias de agosto.
Marginalizado pela simples e boa razão de que responde a dois processos judiciais, sob acusações de enriquecimento ilícito e de "negociações incompatíveis com a função pública".
Não há no kirchnerismo herdeiro à vista, salvo que se recorra a uma velha mania peronista e se entronize o filho de Cristina, Máximo, uma das únicas companhias de seu retiro de domingo na quinta presidencial de Olivos, ao lado do secretário técnico da Presidência, Carlos Zanini, burocrata sem projeção política.
O mais provável é que o vazio político seja preenchido pela oposição, que lidera todas as pesquisas para as eleições parlamentares do dia 27, para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. A reta final da campanha não terá a presença de Cristina puxando votos para os seus, o que, em tese, os enfraquecerá mais ainda.
Uma vitória oposicionista seria "convergência entre a decadência política e o declínio físico [da presidente]", na cruel observação de Joaquín Morales Solá, principal colunista do opositor "La Nación".
Mas a oposição, mesmo que ganhe, poderá ocupar só uma fatia do vazio, o parlamentar, assim mesmo com a ressalva de que não será ocupação completa, posto que estará em jogo apenas uma parcela dos assentos nas duas Casas do Congresso, hoje de maioria confortável para o peronismo kirchnerista.
Preencher o vazio depende de Cristina se recuperar plenamente. Ainda assim, será preciso saber se ela preservará uma característica que é endeusada pelos seguidores, a de procurar sempre o confronto, contra tudo e contra todos, o que é complicado em uma convalescente de cirurgia no cérebro.
Para gerir a sua própria sucessão, no pressuposto de que não deve alcançar os dois terços do Congresso que lhe permitiriam tentar a "re-reeleição", a presidente terá que mostrar uma capacidade de conciliação e de negociação que até agora lhe foi estranha. Ainda mais que um Congresso com oposição majoritária exigirá igualmente capacidade de negociação.
Tudo somado, a doença da presidente abre um período talvez longo de instabilidade no principal vizinho do Brasil.
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