O GLOBO - 08/10
Na véspera de eleições, só não vale transparência no acesso privilegiado ao dinheiro público
Começa esta semana a etapa menos visível da disputa eleitoral do ano que vem: um ciclo de 80 dias de votações dos orçamentos de 2014 para a União, os estados e os municípios.
O acordo entre Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) embaralhou o jogo dos partidos pela Presidência, governos estaduais e bancadas legislativas. A pressão dos aliados de Dilma Rousseff (PT), que batalha pela reeleição, e as novas composições regionais acirram a competição pelo acesso privilegiado ao Tesouro, em todos os níveis. O prêmio é o “direito” de gastar o dinheiro alheio sem ser incomodado.
Vale tudo, só não vale transparência. Veja-se o caso do Orçamento da União, mais enigmático a cada eleição. A gestão Dilma acentuou o obscurantismo ao classificar 98% das despesas deste ano com um “não atribuído” a qualquer plano orçamentário. E foi além, com uma miríade de projetos-fantasia (os Brasis “Sem Miséria”, “Carinhoso”, “Sorridente”, “Verde” etc.), sem relação direta com as políticas já definidas pelo próprio governo. Deixou perdidos analistas do Congresso, do Tribunal de Contas e de organizações independentes como Contas Abertas.
Nesse trevor orçamentário, multiplicam-se as transferências de recursos do governo federal a “entidades privadas sem fins lucrativos” (ONGs, fundações e partidos políticos, entre outros).
Já são 87.399 convênios e contratos com mais de sete mil entidades privadas. Custaram R$ 13,7 bilhões até 2012. É dinheiro equivalente a meio Bolsa Família e 30% mais que o capital investido pelo BNDES no grupo de Eike Batista. A conta aumentou em R$ 3,7 bilhões nos primeiros nove meses deste ano.
Falta “uma atuação mais contundente” do governo na fiscalização, acha o TCU. O acervo sobre o descontrole mostra que 43% dos contratos (38.321 convênios) foram feitos sem um plano de trabalho dos agentes privados beneficiários. Quatro mil entidades não apresentaram contas nos últimos cinco anos. Frágil, o sistema mistura a minoria de entidades sérias com as outras.
Há, também, evidências de avanço da “política uterina” — autoridades atuando em benefício próprio ou de parentes até segundo grau. Por amostragem, identificaram-se 134 casos de repasses a entidades privadas dirigidas por juízes, procuradores, deputados, prefeitos e vereadores, ou seus parentes, nos estados do Rio, de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Acre, Alagoas e Sergipe. O TCU mantém nomes em sigilo, e decidiu enviá-los à Justiça e à polícia. Entre os achados há uma entidade privada dirigida pelo secretário de um deputado federal, autor da emenda orçamentária que a privilegiou com dinheiro público. Qualquer semelhança com a ficção, claro, é pura coincidência.
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