A facção justiceira da Lava-Jato, de inspiração jacobina, será — já é — a principal agente eleitoral brasileira para 2018, cujo alcance para influir se tornou senhor da decisão sobre quem poderá ou não concorrer no ano que vem. Mas os efeitos da cultura acusadora que plantou entre nós — essa que condena publicamente indivíduos nem sequer denunciados — por muito tempo permanecerão. Reúno-os sob o título de “renovação política” — algo que devemos perseguir desesperadamente, ao menos de acordo com quase todas as revistas jornalísticas nacionais.
A propósito, viciado na adrenalina folhetinesca dos últimos meses, mesmo o jornalismo terá de se reencontrar com a capacidade de investigar — desintoxicando-se do comodismo de ser mero veiculador de vazamentos seletivos, hábito barato e de repercussão tão espetacular quanto (não raro) irresponsável, o que o coloca na incômoda posição de ventilador acrítico para a circulação de interesses de parte do Estado.
O Brasil é um país doente, mas que prefere se medicar com cosméticos; que define o que quer destruir sem refletir sobre o que haveria como alternativa. Por exemplo: em vez de reformar, com rigor, o sistema de financiamento empresarial de campanhas eleitorais, optou por dinamitá-lo, daí porque — não havia outro destino — já nos afundamos no atraso por meio do qual o Estado bancará as eleições.
Esse é o verdadeiro extremo que nos ameaça. O das escolhas radicalmente popularescas, que jogam para a galera e que de súbito fazem herói, paladino na luta contra os criminosos de colarinho branco, aquele juiz que anteontem criara as condições para que José Dirceu pudesse ser hoje, em liberdade, articulador oculto do projeto de reerguimento eleitoral do petismo. Esse é o extremismo palpável que perturba o país. O das soluções ultraburras, que ignoram nuances e possibilidades de aperfeiçoamento, e jogam na lama os fundamentos da democracia representativa tão arduamente erguidos. E o que haverá como alternativa?
Ao igualar crimes de naturezas e gravidades diversas — como se o assalto ao Estado para financiar um projeto de permanência no poder pudesse ser comparado ao roubo que enriquece fulano e sicrano — e assim ceifar cabeças indistintamente, à revelia dos processos judiciais, e ao se transformar em pauteira-mor do jornalismo no Brasil, editando e distribuindo o enredo por meio do qual se informa que política é exercício para bandidos, a divisão janotista da Lava-Jato, a que tentou limitar o direito ao habeas corpus, contribuiu decisivamente para a criminalização da vida pública neste país, circunstância a partir da qual se desenrolam consequências reais, orgânicas, como a reencarnação competitiva de Lula, reabilitado pela fabulosa multiplicação de chefes de quadrilha, e artificiais, como a requentada ideia de que a solução para a política se encontra fora da política, no desprezo pela representação partidária, essa sendo a matéria deste artigo.
Ou o leitor não terá notado que querem nos vender, como tendência, a ascensão irresistível de movimentos suprapartidários — bancados por ricaços culpados — dispostos a investir em candidatos com perfil para Macron brasileiro?
O troço é tão falso quanto ardiloso. Uma fábrica de isentões cujo produto correrá para se declarar nem de direita nem de esquerda, porque acima — logo explicará — dessa dicotomia ultrapassada; mas que se apresentará com um programa que desfila a própria cartilha esquerdista para o século XXI, apenas domesticada por concessões liberais na economia: desarmamento, legalização do consumo de drogas e pregação abortista etc., tudo, porém, amortecido pelo compromisso com o tripé macroeconômico. Ou seja: uma indústria reprodutora de Obamas a serem comerciados como Macrons. Não há, no entanto, novidade alguma nisso; a não ser o fato de que Marina Silva teria concorrentes no planeta Melancia — caso típico de quando a oferta supera em muito a demanda.
Aí está o que chamam de renovação política; mas que outra coisa não é que imposição do apolítico, paraíso para o desenvolvimento de personalismos — como Luciano Huck. Erra, pois, quem avalia que a recente aceleração da campanha que pretende forjar, por meio do estigma de extremistas, uma polarização entre Lula e Jair Bolsonaro tenha a intenção de beneficiar, franqueando-lhe o terreno do centro (no caso, da centro-direita), algum nome tradicional, como Geraldo Alckmin — já rotulado de velha política pela mesma narrativa renovadora. Esses movimentos — isto, sim — trabalham para que um outsider, embalado como desprovido de caráter ideológico, encarne e capitalize uma percepção difusa de centro equilibrado. Esse é o campo que querem alargar e preencher: o do nem-nem.
Quebrarão a cara. Entre outras razões, em decorrência de uma premissa fundamental ainda pouco examinada, a se verificar tanto mais em período eleitoral: quando alguém chama, por exemplo, Bolsonaro de extremista, chama de extremista igualmente seu eleitor — e também aquele, até então indeciso, que concorda com uma ou outra ideia do candidato.
Goste-se ou não do que representam, os nossos — segundo a butique — extremistas, precisamente porque fazem política, crescem como massa de pão, quanto mais lhes batem. Isso dá notícia não sobre eles, mas sobre o eleitor. Que tem lado. E quer lado.
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