quinta-feira, julho 10, 2014

Lições de outro campo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 10/07


A economia sabe tudo sobre derrotas, recomeços, superações e humilhações externas. Se olharmos através da linha do tempo que nos trouxe até aqui, veremos momentos em que parecíamos destroçados. Houve episódios da renegociação da dívida em que estrangeiros diziam que não tínhamos palavra. O dia do Plano Collor foi um momento de pânico, raiva e dor.
Era uma sexta-feira, os bancos estavam fechados havia três dias, tínhamos que esperar até segunda-feira para saber o que restara nas contas-correntes do que cada família tinha economizado ao longo do tempo. Foi desesperador. Dez milhões de pessoas correram aos bancos na segunda e a fúria era tal que, em uma das fotos que revi, anos depois, uma bancária se agachava atrás do balcão enquanto a multidão gritava descontrolada.

De fato, era forte demais. Uma sensação de ressaca se espalhou pelo país quando enfim entendemos o que as autoridades, de forma atrapalhada, tentavam nos dizer: o dinheiro ficaria prisioneiro do banco por 18 meses, pelo menos. As derrotas dos outros planos econômicos, como o Cruzado, Bresser e Verão, chegaram devagar. Ao longo dos meses a gente ia percebendo que falhara mais uma vez na luta contra a hiperinflação. Era só ver a volta das remarcações, os ágios cobrados nos preços congelados ou o desaparecimento das mercadorias. No Plano Collor, a violência veio de uma vez só. Uma pancada forte. Meio tontos, os brasileiros oscilavam entre a raiva e a apatia ou a tentativa de entender o que estava se passando.

Como foi muito violento, o país quis, num primeiro momento, que nem se tentasse mais controlar a inflação. Alguns ligaram um “deixa pra lá”. Depois, quando a inflação alta voltou a incomodar, o Brasil quis o plano sem traumatismos. E a população se esforçou em entender complexidades da economia, até que se livrou da doença que nos derrotava durante décadas. Por isso, é perigosa qualquer complacência com esse inimigo.

Na economia, aprendemos que não há vitória que não seja construída devagar com alguns elementos básicos: análise sincera do que houve de errado nas derrotas, estabelecimento da meta desejada, persistência na caminhada, mesmo quando o caminho é longo. E mais: jamais considerar que uma derrota, mesmo devastadora, sela o nosso destino.

Na economia, vivemos também o descrédito internacional. Era olhar a cara do mundo e sentir vergonha. Nossa fama era de caloteiros. Nossos negociadores passaram por situação de humilhação diante da arrogância dos credores. Houve uma vez em que negociando com o Clube de Paris, o saudoso Francisco Gros disse: “isso é tudo que o Brasil pode prometer.” Ele era presidente do Banco Central, nós estávamos no começo dos anos 1990, e Clube de Paris é a entidade na qual se negociam as dívidas entre governos. A delegação brasileira estava há dois dias numa maratona de negociação de 48 horas, descansando por revezamento num ônibus estacionado na porta de um prédio em Paris. “O Brasil nunca cumpriu o que prometeu”, disse um dos credores.

A dívida havia sido contraída de forma irresponsável, tratada de forma leviana, durante o governo militar. Erros assim cobram seu preço. O Brasil enfrentou o descrédito, renegociou, pagou num projeto de longo prazo de resgate da credibilidade. A derrota que nos levou à hiperinflação nasceu da soma de pequenos erros que, no dia a dia, pareciam sem importância.

As difíceis travessias econômicas que o país fez ensinam algumas lições para qualquer momento de tristeza. Inclusive no esporte. Recomeçar, fazer um projeto de longo prazo e persistir nele. A cicatriz ficará, mas as vitórias virão se trabalharmos por elas.

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