O problema da Previdência é estrutural, e não resultado da crise econômica
Meu leitor assíduo e crítico feroz Ricardo Knudsen fez diversos reparos aos cálculos que apresentei em coluna recente sobre o tema do título acima. Os comentários de Ricardo procedem e, portanto, volto ao tema.
Ricardo considera que a melhor maneira de calcular o impacto da crise econômica sobre a arrecadação do Regime Geral de Previdência Socialurbano, RGPS urbano, é considerar 2014 como ano-base.
Partindo de 2014, se não houvesse a crise econômica, qual teria sido a arrecadação do RGPS urbano em 2018?
Temos de considerar um cenário para o crescimento do emprego, da produtividade do trabalho e, portanto, dos salários, além da inflação entre 2014 e 2018.
Mantendo-se constantes os parâmetros do mercado de trabalho —taxa de desemprego e taxa de participação observadas em 2014—, a população ocupada (PO) cresceria na mesma velocidade da população em idade ativa, isto é, 4,7% no quadriênio de 2015 até 2018. Sempre considerando 2014 como o ano-base.
Para a medida de inflação, uso a inflação da economia como um todo, conhecida por deflator implícito do PIB, em geral superior ao IPCA. No período, o deflator subiu 23,8%.
Finalmente, considero que, no período, a produtividade do trabalho —e, portanto, os salários— subiu à taxa de 1% ao ano, ou 4,1% em quatro anos.
Com essas hipóteses, a massa de contribuições teria crescido, em termos nominais, 34,9%: basta compor 4,7, com 23,8 e 4,1.
Com todas essas hipóteses, a economia produziria, em 2018, 9% a mais do que produziu de fato.
A arrecadação do sistema urbano teria sido de R$ 421,9 bilhões, ou R$ 53,2 bilhões acima do valor observado.
Para saber o que ocorreria com o déficit, suporei que o crescimento real do salário de 4,1% no período não motivaria nenhum aumento do salário mínimo nem de qualquer outro benefício previdenciário. Assim mantenho constante o gasto do RGPS urbano em 2018. Essa hipótese é essencial para o resultado.
Sob essas hipóteses, o déficit do sistema urbano teria sido de R$ 40,7 bilhões e, se todas as desonerações fossem devolvidas ao sistema, isto é, se o Congresso Nacional eliminasse a desoneração da folha de salários, o programa Simples Nacional e o Microempreendedor Individual (MEI) e acabasse com a desoneração para as entidades filantrópicas, haveria um superávit de R$ 21,6 bilhões.
Para notarmos o desequilíbrio do sistema, se atualizássemos monetariamente os valores observados em 2014 para o RGPS urbano, o superávit a preços de 2018, no mesmo critério do exercício contrafactual que fiz no parágrafo anterior, teria sido de R$ 66,3 bilhões. Em quatro anos, R$ 44,7 bilhões do superávit de 2014 a preços de 2018 teriam desaparecido, mesmo na ausência da crise econômica.
Em mais dois anos, mesmo desconsiderando o déficit do RGPS rural, devolvendo todas as desonerações, o crescimento econômico e o emprego, mantendo o mesmo grau de formalização de 2014, congelando em termos reais os benefícios, teremos déficit. É nesse sentido que há um problema estrutural na Previdência.
Em uma sociedade em que a razão de dependência --população acima de 65 anos como proporção da população entre 20 e 64 anos-- é menor que 15%, o assunto déficit de um sistema previdenciário de repartição não deveria ser nem aventado.
Dois aspectos preocupam no relatório do deputado Samuel Moreira sobre a reforma: a retirada dos estados e municípios e de gatilhos automáticos que ajustam os parâmetros do sistema em função das alterações demográficas.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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