sexta-feira, dezembro 13, 2013

Agruras de 2002 não estão no radar do BC - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 13/12

2014 não será 2002, assegura o Banco Central. A partir dessa determinação a autoridade monetária se prepara para enfrentar o início do desmonte gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos, processo que coincidirá com a sucessão presidencial no Brasil.

Repetir 2002 significaria o país passar por uma enorme tensão cambial e levantar dúvidas sobre sua própria solvência, tal como ocorreu durante a campanha em que Lula foi eleito para o primeiro mandato na Presidência da República. Naquele ano a taxa de câmbio passou de R$ 2,30 para quase R$ 4,00, a dívida interna líquida atingiu o pico histórico de 60,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em setembro, acirrando o risco de "default". A inflação mensal chegou a 3,02% em novembro, taxa que, anualizada, apontava para quase 43%.

Foi um duro período, movido pelas mais sombrias expectativas derivadas do temor eleitoral, em que o risco país medido pelo Credit Default Swap (CDS) bateu em 2.400 pontos-base e tudo parecia ir para o mais profundo buraco.

O BC esta ciente de que o ambiente externo, que hoje já não está bom, ficará mais hostil. Espera que o Federal Reserve Bank (Fed), em reunião na quarta feira da próxima semana, dê indicações mais claras sobre o início da redução dos estímulos monetários acionados após a crise de 2008. E apronta, para anunciar logo em seguida, até sexta-feira, o novo programa de leilões cambiais que se estenderá pelo ano que vem.

Está, também, seguro de que sabe operar em tempos de crise - foram muitas as experiências nas últimas décadas - munido de reservas internacionais e avalia que a oferta de proteção cambial, mediante os contratos de swap e leilões de linha, em prática desde agosto é uma política muito bem sucedida. "Não é qualquer país que consegue colocar em pé um programa de R$ 100 bilhões, como este, sem consultar o Fundo Monetário Internacional e sem ter qualquer apoio bilateral", comentou uma fonte do governo.

"O BC sabe operar bem. Inclusive o mercado diz que ele está adiando a hora da verdade", repetiu um alto funcionário do governo a esta coluna.

Há, de fato, uma visão crítica do mercado de que ao manter, na quadra atual, o programa de ração diária de oferta de swap cambial, o BC estaria gastando farta munição sem necessidade e consumindo capacidade de intervenções futuras, que serão demandadas quando as taxas de juros nos EUA subirem. "Mas o negócio aqui não vai ser 2002 não", enfatizou a mesma fonte.

Se não há fuga de capital, também já não está havendo ingresso de recursos externos. A rolagem dos empréstimos internacionais está, atualmente, em cerca de 100%, mas esteve bem pior há poucos meses. Houve momentos em que não se conseguiu renovar nem 30% dos créditos externos, conta um economista oficial.

Para o governo, além de prover liquidez ao mercado de câmbio, a forma mais eficaz de se aparelhar para enfrentar a transição monetária americana - com suas consequências sobre os fluxos de capitais para os países emergentes em geral, e para o Brasil, em particular - é com taxas de inflação mais baixas e acomodadas.

Nesse quesito, os resultados não são excepcionais mas vem melhorando. O IPCA acumulado em doze meses é de 5,77%, mas a inflação ao consumidor medida pela Fipe (um índice mais restrito) já está menor, em 4,01%, e deve encerrar o ano com uma variação abaixo de 4%. Isso, em algum momento, vai se refletir no IPCA, que é um índice de abrangência nacional e que apura a variação de preços para famílias com renda de até 40 salários mínimos.

Depois de a inflação atingir seu ponto mais elevado em junho (6,7% em doze meses), o BC enxerga uma "janela" até abril de 2014 para colher taxas mensais em queda. O próximo exercício, porém, começa com uma nova pressão inflacionária. Embora em janeiro deste ano o IPCA tenha sido alto, de 0,86%, não será fácil obter uma taxa menor, pois entram em vigor as bandeiras tarifárias, que vão representar aumentos nas contas de luz conforme o nível dos reservatórios e o custo de acionamento das térmicas.

Para o segundo e o terceiro trimestres, os prognósticos também não são fáceis, pois a base de comparação é com índices baixos de variação do IPCA em igual período deste ano. O aumento da demanda durante a Copa do Mundo deve dar um repique inflacionário que volta logo em seguida.

O BC conta com os efeitos defasados da política monetária para conter esses movimentos de preços. Os juros que desde abril tiveram aumento de 275 pontos base, passando de 7,25% ao ano para 10% ao ano, devem subir mais um pouco em 2014. Essa, porém, não é uma aritmética simples de se fazer levando em consideração que os efeitos da transição monetária patrocinada pelo Fed estarão em pleno vigor.

De qualquer forma, permanece o compromisso do BC com a "escadinha": inflação em 2014 ligeiramente menor do que a de 2013, que será um pouco menor do que a de 2012, conforme constará do próximo relatório trimestral de inflação.

De um lado, espera-se ajuda dos preços dos alimentos que devem aumentar entre 5% e 6%, após um período de forte inflação nessa área, quando houve aumentos de mais de 40% nos alimentos in natura.

Por outro, não haverá a contribuição da queda das tarifas de energia elétrica, como teve este ano, e nem do congelamento de demais preços administrados, como os da gasolina e do diesel. Enquanto os preços livres tiveram inflação de mais de 8% este ano, os administrados ficaram contidos em pouco mais de 1%. Para o próximo ano, a expectativa é de que os administrados subam 4,5%.

No arranjo para evitar que os problemas externos e internos se transformem em inflação no ano em que Dilma Rousseff busca um segundo mandato, será crucial o conserto da política fiscal. Há grandes esperanças de que o Palácio do Planalto tenha acordado para esse tema.

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