O Estado de S.Paulo - 13/12
Entre bocejos e moscas, entre o PIB que talhou e a confiança que azinhavrou, em meio ao futuro arreganhado como um cavalo sedento, surge o orador. Sobe à tribuna, que não é bem uma tribuna, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, e faz suas ilações. Ilações sensatas, que ainda permitem um lampejo de alívio, calando por um instante o zumbido incessante da Nova Matriz Econômica.
"Não há Nova Matriz Econômica", disse o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, contrariando as declarações do Ministério da Fazenda. Há um compromisso em combater a inflação, ainda que ele tenha sido atropelado pelas indefinições do quadro externo, pelas dúvidas que ainda cercam o "quando" e o "como" da redução das compras de títulos pelo Fed americano. Por mais que Tombini possa ter exagerado um pouco o peso da política monetária dos EUA nos desmandos do câmbio e da inflação, ele tem razão ao salientar a dificuldade de gerir a política monetária diante dessa incerteza. Uma incerteza que dificilmente terá o desfecho tempestivo e previsível que Tombini exortou nas suas palavras ao Senado por um motivo simples de tão complexo: a recuperação americana ainda é uma sopa embolotada. Há o enrosco fiscal, os nódulos do mercado de trabalho e os caroços do PIB, cujo bom desempenho do 3.º trimestre veio a reboque do acúmulo de estoques, o que pode prejudicar o desempenho da indústria à frente.
"Não há um trade-off entre um pouquinho mais de inflação e um pouquinho mais de crescimento porque é um ganho que não se materializa." A razão é simples como um curso introdutório de Economia. Se o governo tentar gerar mais crescimento abrindo mão do combate inflacionário, perderá a batalha das expectativas, que, desancoradas, impedirão os ganhos concretos. Em meio ao discurso modernista e experimental que andou tentando membros da equipe econômica, é sempre bom que certas verdades incontestáveis sejam redimidas.
No Senado, o presidente do BC defendeu uma gestão fiscal mais prudente, rechaçou a proposta do governo de trocar o indexador das dívidas dos Estados e municípios e salientou que superávits primários mais altos são recomendáveis para a boa gestão monetária. Tombini também reconheceu que a espinhosa questão dos indexadores das dívidas estaduais e municipais pode abalar a Lei de Responsabilidade Fiscal e exortou a cautela diante de um momento delicado em que se questiona o compromisso do atual governo com a manutenção das instituições fiscais. Um questionamento que tem se espalhado, inclusive, entre alguns dos principais economistas que não participam do governo, mas que aconselham regularmente a presidente.
O problema para todos, e sobretudo para o BC brasileiro, é que o zumbido da Nova Matriz Econômica é tenaz, obstinado. Ainda insiste em que um superávit primário mais baixo nos próximos anos é recomendável, apesar dos efeitos da lassidão sobre a inflação e as contas externas. É um zumbido que impede a interpretação do que se passa no resto do mundo. Um mundo que será menos favorável ao crescimento brasileiro por causa das reformas na China e da arrumação de casa nos países maduros, sobretudo dos EUA. Neste mundo, a margem para os erros da política econômica é mais estreita, menor do que aquela que possibilitou os experimentos constrangedores dos últimos três anos. É essa a mensagem de Tombini. Ainda há tempo para corrigir os rumos da política econômica. Ainda é possível mudar o discurso e recuperar um pouco da confiança perdida. Mas as chances de que falte vontade e, sobretudo, de que o reconhecimento se perca entre os discursos de campanha são demasiado altas.
Portanto, entre bocejos e moscas, talvez tenhamos de aturar mais do mesmo. O PIB vai crescer. O fiscal vai se ajustar porque o PIB vai crescer. O investimento vai voltar porque o PIB vai crescer. Quiçá finalmente aprenderemos, em 2014, que as mentiras são as verdades que se esqueceram de acontecer, como diria Mario Quintana...
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