O Estado de S.Paulo - 13/12
Acuada por seus aliados, a presidente Dilma Rousseff se rendeu e desistiu de vetar mais uma ameaça ao Tesouro Nacional - a obrigação de custear as emendas individuais de parlamentares, em geral paroquiais e eleitoreiras, incluídas no Orçamento-Geral da União (OGU). Essa obrigação foi inscrita, com apoio do presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A presidente havia ameaçado barrar esse dispositivo, mas, diante da reação da base, preferiu recuar. Essa decisão foi informada ao presidente da Câmara pela ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Sem o recuo, os aliados prometiam impedir a votação da proposta de Orçamento, o que forçaria o governo a atravessar os primeiros meses do ano sem dinheiro para investir, uma perspectiva temível em um ano de eleições.
Para começar, trata-se de uma situação quase surrealista. O Congresso deveria ter votado a LDO até o fim de junho ou, de qualquer forma, antes do recesso do meio do ano. A tramitação foi paralisada e houve recesso em julho, embora disfarçado. A LDO fixa prioridades e as linhas gerais da proposta do Orçamento anual. Mesmo sem essa base de orientação, a proposta da lei orçamentária foi encaminhada ao Congresso dentro do prazo, no fim de agosto.
Com isso se acrescentaram mais detalhes à paródia de surrealismo. Se der tudo certo (pelos padrões brasilienses), a presidente poderá examinar ao mesmo tempo os textos aprovados da LDO e do OGU.
Nenhuma explicação compatível com um mínimo de decência política foi apresentada para justificar o atraso na votação das diretrizes. Apesar disso, parlamentares cobram respeito em nome da instituição - como se a instituição se confundisse com as piores práticas adotadas no Congresso - e defendem sua avidez por verbas como se fosse a essência da democracia.
Dependente e refém de uma base essencialmente fisiológica, a presidente Dilma Rousseff já havia decidido aceitar a instituição do orçamento impositivo por meio de emenda à Constituição. Incapaz de resistir, o Executivo chegou a contribuir para a elaboração do projeto, sugerindo um piso de despesas com saúde - 13,2% da receita corrente líquida no primeiro ano, com elevação gradual até 15% no quinto ano.
A sugestão foi incluída no texto, no Senado, mas a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dividiu a proposta, separando a criação do orçamento impositivo da instituição de um piso de gastos com saúde. A Frente Parlamentar da Saúde defende um mínimo de 18,7% da receita corrente líquida no prazo de cinco anos.
O projeto do orçamento impositivo só deverá ser submetido à votação final no próximo ano. Isso daria ao governo um argumento para vetar o dispositivo da LDO sobre os gastos obrigatórios com as emendas, mas a reação da base, especialmente do PMDB, fez a presidente recuar.
Começar mais um ano sem Orçamento aprovado seria duplamente ruim - pela impossibilidade de investir e também pelo risco de rebaixamento da nota de crédito do País. Diante dessa ameaça, o governo tem procurado pelo menos encenar um compromisso com a seriedade na administração das contas públicas, embora a precária situação fiscal, nesta altura, seja indisfarçável. Não se pode deixar nenhuma dúvida quanto ao empenho do governo em produzir um superávit primário maior, disse na quarta-feira o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Curiosamente, pela mesma razão parlamentares aliados decidiram adiar para 2014 a votação da mudança da indexação e dos juros das dívidas de Estados e municípios. Essa mudança, retroativa, abrirá um rombo na Lei de Responsabilidade Fiscal. O atraso na votação em nada mudará esse fato. Mas a conveniência de fingir seriedade parece ter motivado até parlamentares da base.
Mesmo sem uma séria disposição de bem administrar o dinheiro público, o governo poderia pelo menos dosar melhor a despesa, se continuasse desobrigado de bancar as emendas. O recuo da presidente é mais um sinal preocupante sobre a o futuro das contas públicas.
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