GAZETA DO POVO - PR - 06/09
Divirto-me ouvindo os palestrantes de administração. Em geral, eles tratam de temas bem mais agradáveis do que os ásperos assuntos de economia, que é minha especialidade maior. Aprendo bastante com eles. Mas também ouço coisas ingênuas, algumas quase infantis. Um desses palestrantes disse que o novo estágio da empresa do terceiro milênio é erigir o amor no interior da organização, que a empresa tem de amar mais para ser bem-sucedida.
Lembrei ao insigne guru que a empresa não ama nem odeia. A empresa é apenas um sistema que junta os fatores de produção – capital, recursos naturais e trabalho – com o fim de produzir alguma coisa – o produto –, que pode ser um bem ou serviço. E sistemas não têm sentimento. Somente pessoas amam ou odeiam. Ele disse: “Então que seja; as pessoas da empresa precisam amar mais seus clientes e seus funcionários, como forma de melhorar o clima, logo a produtividade e a rentabilidade”.
Afirmei que, para mim, respeitar e tratar bem os clientes e os funcionários é uma atitude a ser adotada; chamar isso de amor, porém, é um pouco de exagero. Mas perguntei como ele classificaria esse amor. “Amor não tem classificação; ama-se, e isso é tudo”, ele respondeu. De que amor estamos falando? Amor de concupiscência ou amor de benevolência?
O amor de concupiscência – que para São Tomás não diz respeito apenas à sexualidade – é o fato de amar o outro “para o bem de si mesmo”. Quando digo que amo frango, não é para o bem do frango, é para meu bem: amor de concupiscência. O amor de concupiscência é o amor interessado; o amor que toma, não o amor que dá e depende do ganho derivado de seu objeto. Já o amor de benevolência consiste em amar o outro “para o bem do outro”. Quando digo que amo meus filhos, ainda que me faça bem, é para o bem deles: amor de benevolência.
É a mesma história de que o respeito ao cliente é um valor moral. Não é. É um valor empresarial, é bom, é útil, faz o bem a todos. Nesse sentido, o respeito ao cliente caminha na mesma direção da moral, mas isso não basta para que seja um valor moral. Ensina-nos Kant que é próprio do valor moral o desinteresse. Certa vez, a televisão mostrou um ator entrando numa loja vestido de rico. Ele foi tratado com um rei, com pompa e mesuras. No dia seguinte, o mesmo ator retornou vestido de mendigo. Ele foi enxotado e expulso.
No casamento, acontece o mesmo. Há amor de concupiscência –que é muito – e amor de benevolência – que não é tanto. Recorro ao rabino Harold Kushner. Você pode amar o cônjuge e dar a ele o espaço e o direito de ser ele mesmo, ou então você pode tentar controlá-lo, impor-lhe sua vontade, para seu próprio bem e para afirmação de seu próprio ego. Se você ama alguém porque ele lhe permite controlá-lo e faz você sentir-se forte e condutor da vida dele, isso não é amor, sobretudo não é amor de benevolência.
Esse é um amor egoísta, que atende somente a você, pois não leva em conta a individualidade do outro. Assim, você pode substituir esse cônjuge por qualquer outro com as mesmas características e não sentirá qualquer diferença. Amar alguém que é apenas uma extensão de sua própria vontade, não é amar de verdade. Não passa de uma forma disfarçada de amor por você mesmo.
Terminei dizendo: “Esse é o amor da empresa que você prega, amor interessado, amor de concupiscência, que eu nem chamaria de amor; para mim, trata-se de simples estratégia de negócios, não é um sentimento, mas apenas uma forma de agir: respeitar e tratar bem o cliente e o funcionário, para o bem da empresa. Se isso é bom para eles, é apenas uma coincidência feliz”.
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