sábado, junho 22, 2013

Estes jovens ventos de mudança - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA

Será que, um dia, olharei as fotos de hoje e verei manifestantes envolvidos em maracutaias?



Confesso que assisto às manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro e no resto do país e penso: houve um tempo em que eu estaria lá também, correndo das bombas de gás e das balas de borracha. Na minha época, ainda adolescente, no final dos anos 1960 e início dos 1970, jogavam a cavalaria em cima de nós, manifestantes. Cheguei a me refugiar dentro de lojas, onde os comerciantes fechavam as portas e ficávamos todos lá: nós, os jovens, clientes, vendedores e proprietários em silêncio solidário, ouvindo os gritos, a pancadaria. Na manifestação depois da morte de Vladimir Herzog, na Praça da Sé, arrisquei perder o emprego para comparecer.

Amigos meus foram presos, outros fugiram ou foram banidos. Um dos meus melhores amigos, Flávio Tavares, jornalista e militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), foi trocado por um embaixador. Havia, sim, um ideal, não muito claro, mas de esquerda. Todos acreditávamos no fim da pobreza, na divisão dos bens, no socialismo. Todos citavam Marx, mas raramente algum lera sua obra máxima, O capital. No máximo, o Manifesto do Partido Comunista. Bem mais novo, eu admirava José Dirceu, seus discursos inflamados. Mais tarde, participei de um grupo de teatro popular que se apresentava na periferia da cidade. Sempre acreditando num mundo mais justo. Não sei se por ingenuidade ou por burrice, acreditava que o futuro seria melhor.

Mais tarde acompanhei, compareci às manifestações pelas Diretas Já. Jamais me arrependerei. Sou profundamente contra qualquer governo totalitário, sempre serei. Meu pote de inocência ganhou rachaduras quando soube, mesmo extraoficialmente, das pequenas e grandes corrupções, dos cabides de emprego nos novos governos.

– Não pode ser! – dizia. – São essas pessoas que lutaram por um Brasil melhor.

Mesmo assim, me apaixonei pelos caras-pintadas. Já me tornara menos ativista, mas torcia por eles. Dizia:

– Há esperança.

Agora, assisto de longe às manifestações. Meu coração bate forte.

– Será? – pergunto.

Não entendo bem quem está do lado de quem. Na minha memória de dinossauro, o PT era a âncora dos ativistas. Agora, as manifestações são contra o PT? E o PSDB, que floresceu no PMDB, partido que, com a sigla MDB, corajosamente se opunha aos direitistas pró-militares da Arena? É esse governo que envia a repressão em São Paulo? Tudo fica confuso na minha cabeça. Mas ainda acredito que, um dia, as coisas darão certo. E me inclino para os manifestantes, simplesmente porque são do contra. Em meio a tantos casos de corrupção, verbas multiplicadas, explosão de cargos, alianças que me chocam, só sei que sou do contra. Gostaria de estar gritando com uma faixa na mão.

Então olho as fotos desses jovens, sinto sua veemência. Não são de esquerda, como na minha época. À sua maneira, querem um mundo melhor. Quem sou eu para criticar atos de vandalismo se, na minha época, a turma do contra assaltava bancos e tentava fazer guerrilha no Araguaia? Só penso: qual o futuro desses jovens? O livro A revolução dos bichos, de George Orwell, é fascinante porque mostra como o poder corrompe os idealistas. Da mesma maneira, uma peça meio esquecida de Jean-Paul Sartre, A engrenagem, fala de um político revolucionário que se transforma num ditador semelhante ao que ele derrubou. Sábia maneira de analisar o poder! Eu me pergunto:

– Qual será o destino desses jovens?

Hoje gritam nas ruas. Mas tantos idealistas não foram envolvidos em casos de corrupção? Ou estão fumando charutos cubanos, tomando conhaque em casas monumentais, construídas com as “comissões” em contratos do governo? Olho a foto de tanta gente e penso:

– Onde foi parar aquele idealista?

De todos, o único que evitou as teias do poder foi Flávio Tavares. Vive em Búzios, aposentado.

E depois, os caras-pintadas? Lindberg Farias é acusado de corrupção. Não sei se é inocente ou culpado, mas a simples acusação me decepciona.

Será que, daqui a alguns anos, olharei as fotos de hoje e descobrirei alguns dos manifestantes transformados em políticos envolvidos em maracutaias? E que não tem mesmo jeito, pois a idade nos torna mais ambiciosos e menos idealistas? Ou será que tudo isso agora simboliza um princípio? Um início. Um sinal de que algo pode mudar e de que, mesmo com erros, excessos, há um futuro com gente disposta a lutar por um mundo melhor?

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