GAZETA DO POVO - PR - 22/06
Pressionar os governantes sem fragilizar as instituições é o desafio para os manifestantes que seguem ocupando as ruas do Brasil
Depois de afirmarem veementemente que não tinham como reduzir os preços das tarifas do transporte público, prefeitos e governadores em todo o país recuaram – o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, por exemplo, na manhã do dia 19, havia dito que baixar a passagem era “populismo”, mas seis horas depois revogou o aumento. Essas decisões remetem imediatamente a uma pergunta: se no início não havia como diminuir o valor da tarifa, como é que, horas ou dias depois, anunciava-se a redução? As hipóteses são várias: ou realmente havia margem para evitar os reajustes, e os governantes estavam blefando; ou os governantes recuaram por medo das manifestações que vêm tomando o país e agora terão de encontrar um modo de compensar a manutenção das tarifas, seja alterando orçamentos municipais e estaduais (tirando dinheiro de outras áreas), seja buscando meios adicionais para bancar subsídios ao transporte (e todos terão de pagar por eles). Se prefeitos e governadores estão cedendo única e exclusivamente para aplacar a população, sacrificando as contas públicas, é preciso parar e refletir sobre essa nova relação que parece estar surgindo entre população e poder público.
O recuo dos governantes dá margem a uma tentação perigosa que os manifestantes, até o momento, têm conseguido sabiamente evitar: a de imaginar que a pressão popular, sozinha, é suficiente para se atingir todos os objetivos propostos pela mobilização dos brasileiros. Por esse raciocínio, bastaria sair às ruas por um período de tempo significativo para vencer governantes, parlamentares ou magistrados pelo cansaço. Os “cinco pontos” que circulam pelas mídias sociais como uma possível nova plataforma de reivindicações refletem um anseio legítimo da população – alguns deles, inclusive, contam com apoio explícito desta Gazeta do Povo, como a crítica à PEC 37, que retira o poder de investigação do Ministério Público. Mas é preciso se perguntar: qual é o melhor meio de atingir esses objetivos? Seria realmente razoável uma estratégia de permanecer nas ruas indefinidamente até que as reivindicações sejam atendidas?
As manifestações têm sido fundamentais para mostrar à classe política, muitas vezes alheia ao que realmente se passa no país, quais são os verdadeiros anseios da população. Elas são, sim, uma forma de pressão sobre o poder público. Mas uma eventual intransigência, seja dos governantes, seja da população, significaria atravessar a tênue linha que existe entre a pressão e a chantagem; a imposição é a pior saída pelos riscos que traz, entre as quais poderíamos incluir medidas autoritárias por parte do governante para prevalecer sobre os manifestantes, ou a procura por um líder que, nos braços do povo, resolvesse ignorar as instituições. Em ambos os casos, a democracia sairia perdendo. Vários dos temas na pauta dos manifestantes também estão na pauta do Congresso Nacional, analisados por deputados e senadores eleitos pelo mesmo povo que hoje está nas ruas. Por que não buscar um meio de diálogo que permita aos parlamentares efetivamente atuar como representantes do povo?
A democracia e o exercício da cidadania se fazem com a participação através do voto, e também com a manifestação popular. Não existe “ou” nesse caso. Se é condenável reduzir a democracia a alguns meses de período eleitoral seguidos por dois anos de apatia, também é daninho querer fazer do clamor das ruas a única instância de poder, atropelando as instituições. Por piores que sejam os homens que ocupam os cargos públicos, eles são temporários (e, no caso dos poderes Legislativo e Executivo, podem ser removidos periodicamente pelo povo, nas urnas); as instituições são permanentes, e são elas que garantem a democracia.
Uma das preocupações em relação às passeatas é o vandalismo contra prédios públicos e propriedades particulares. Mesmo a maioria de manifestantes pacíficos não parece capaz de conter a minoria de vândalos. Prédios, no entanto, podem ser restaurados – no caso dos edifícios públicos, todos pagaremos a conta. Muito pior que o vandalismo contra edifícios é o vandalismo contra as próprias instituições – seja quando praticado por partidos que se acham donos do Estado, seja quando praticado pelas massas. Esse é muito mais difícil de consertar, e por isso mesmo é o que exige mais atenção para que não venha a ocorrer. Contamos com os brasileiros que estão tomando as ruas, agora diariamente, para que também eles sejam guardiões dignos da jovem democracia brasileira.
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