quarta-feira, novembro 28, 2012

Governo e polícia, relação imperfeita - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 28/11

A intervenção em ações da PF é crime, avisa Cardozo



Com argumentação veemente, que reproduzirá a partidos aliados e adversários que forem ouvi-lo sobre as operações da Polícia Federal, o aumento da corrupção, o recrudescimento da violência, obstáculos, todos sob o seu comando, que dificultarão, se não removidos, o conforto da campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, parte para a ofensiva.

Não recebeu críticas da presidente por não tê-la avisado da Operação Porto Seguro, que colheu em malhas da corrupção a chefe de gabinete da Presidência em São Paulo e o advogado-geral-adjunto da União, a primeira muito próxima do ex-presidente Lula, o segundo braço direito do braço direito de Dilma.

Cardozo não viu problema em não saber e afirma que o próprio diretor-geral da PF não sabe de operação sob sigilo a não ser na hora de ser desencadeada ou um pouco antes, quando já tem mandado de prisão expedido e ele faz uma verificação para ver se não há nenhum abuso.

"Qualquer interferência mesmo da direção geral da PF numa operação é crime", afirma. "O ministro não pode e não deve ter ciência de uma ação sob sigilo que só o delegado, promotor ou juiz pode saber". Dilma e todo o governo sabem disso. "Nunca fui cobrado por isso".

Cardozo lembra que quando houve a Operação Voucher foi criticado por ter perdido o controle da polícia. "Nunca se perde o que não se tem nem se deve ter. Tenho o controle hierárquico. Se houver abuso, tenho que tomar medidas. Mas uma operação que se processa dentro da lei, com ordem judicial, não tenho como ter controle nem devo ter." O ministro atribui a uma cultura antiga a expectativa de que o investigado seja avisado para que fuja da polícia.

Quando lembrado que o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos era considerado praticamente um advogado do ex-presidente Lula e dos ministros mais importantes do governo, com eles buscando saídas para várias situações de impasse em denúncias e suspeitas de irregularidade, diz que isso não existe no governo. "O que eu tenho que fazer? Que se cumpra a lei. Vou chegar e dizer para não cumprir o mandado porque é do meu partido? Tenho que avisar para ele fugir? Não tem cabimento".

O ministro discute também as avaliações nacionais e internacionais sobre o fato de a corrupção, no Brasil, ter se tornado endêmica, e de as autoridades máximas não perceberem o que ocorre a seu lado, muitas vezes na mesma sala que habitam. "Uma coisa é você poder perceber, outra coisa é ser conivente. Por que se descobriu o caso? Porque um servidor público fez a delação premiada em um caso que estava rolando no bastidor do TCU, a partir daí se fez escuta telefônica e quebra do sigilo telemático. Foi por isso que se descobriu. Imagina se uma pessoa que estivesse convivendo com isso tinha condições de saber e descobrir o que acontece no subterrâneo de uma administração a olho nu?"

"A corrupção é a histórica, atemporal e tem em qualquer país do mundo. Nenhum está imune", acredita Cardozo. A estrutura administrativa pode facilitar ou criar empecilhos e, claro, no Brasil ela facilita. "O Brasil tem uma estrutura administrativa permeável à corrupção, e culturalmente temos uma passividade que está mudando nos últimos tempos com relação a isso". A seu ver, o que é importante é ter mecanismos de Estado que a combatam. A Polícia Federal é um deles.

Quanto aos comentários, especialmente oriundos de partidos da oposição, de que nos governos petistas os órgãos reguladores ficaram mais permeáveis à manipulação e às irregularidades, o ministro os rebate afirmando que não se deve politizar a situação. "Como se no passado as agências reguladoras não tivessem tido problemas, pessoas que se comportavam fora da lei. Não vejo problema nas avaliações da oposição".

O que lhe parece diferente é que "estamos sendo implacáveis". Ninguém tentou obstaculizar a PF, afirma, e a presidente tomou atitude imediata. "É essa a diferença". E aqui vai a crítica ao adversário de sempre, o PSDB: "Se tivéssemos um ministro que tentasse obstaculizar a ação da PF, um Ministério Público dirigido por um engavetador-geral da República, ou a inação colocada no Palácio, poderia dizer que o governo era conivente".

O partido de Cardozo, o PT, ficou especialmente abalado pelo atual escândalo e ainda é tensa a situação da direção, pelas ligações dos envolvidos com Lula e com o advogado-geral da União, muito próximo à Dilma, cotado para assumir a chefia da Casa Civil ou uma vaga no STF.

"Não estou vendo o que ocorre no PT. Foi um caso em que houve grande divulgação, tinha a chefe de gabinete da Presidência em São Paulo, um advogado da União, sinceramente é uma operação como tantas outras se fez e se fará".

O ministro resume: "Quando a ação da Polícia Federal se dá em relação a membros do governo, diz-se que o ministro da Justiça perdeu o controle. Quando se dá em relação à oposição, o governo está instrumentalizando politicamente a Polícia Federal. O que as pessoas não percebem é que a situação é republicana".

O ministro também discorda de que seja responsável pela outra pedra no caminho da campanha da reeleição, o recrudescimento da violência. Afirma que a violência tem muitas causas e que há um papel do governo federal, estadual, municipal, Judiciário, Legislativo, e da sociedade também.

Não se deve esperar que o governo federal, sozinho, seja o responsável e vá resolver, ou que isto será uma cobrança à presidente quando for pedir um novo mandato. "Vamos dizer por que as coisas acontecem. Por exemplo, recentemente se discutiu se o aumento da violência em São Paulo se devia a um problema de falta de controle nas fronteiras, e não é nada disso".

Cardozo admite que há Estados one a violência aumentou e outros em que se reduziu. "Nosso projeto em Alagoas reduziu em 60% a violência em 120 dias". O ministro defende que se procure entender as causas da violência em cada localidade para discuti-las. "É incorreto associar, numa análise política do desempenho de um governo, toda a responsabilidade pelo aumento da violência à administração federal. O governo federal está fazendo a política correta para enfrentar as causas é isso que vamos discutir numa eventual campanha eleitoral, que está muito longe ainda".

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