quarta-feira, novembro 28, 2012

A anatomia da fraude - EDITORIAL ZERO HORA


ZERO HORA - 28/11
A organização criminosa desmontada pela Polícia Federal, composta por pessoas consideradas inatingíveis pelo fato de terem as "costas quentes" por terem sido indicadas por poderosos, é cruelmente ilustrativa de como a máquina pública se presta em muitos casos mais para atender aos interesses de grupos do que aos do conjunto da sociedade. A própria figura-chave do esquema montado para a prática de tráfico de influência e corrupção é uma síntese do que ocorre quando o critério de preenchimento de postos-chaves é o mero apadrinhamento. Rosemary Nóvoa de Noronha, a Rose, foi levada ao poder pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a preservou no governo Dilma Rousseff. Blindada na condição de chefe de gabinete da Presidência em São Paulo, tinha marido e filha bem instalados na esfera pública. Mais: transformou as agências de regulação numa fonte de enriquecimento com base na venda de pareceres. Enquanto a tolerância com esse tipo de comportamento for mantida, o setor público continuará nas mãos de especialistas em lesar o setor público.

Um aspecto particularmente inaceitável dos fatos desvendados agora é que os danos desse tipo de deformação não podem ser atribuídos apenas a más escolhas, embora, em sua maioria, os episódios mais recentes de corrupção acabem envolvendo os chamados braços direitos de figuras poderosas. Um dos principais envolvidos no esquema de venda de facilidades instalado em órgãos federais, Paulo Rodrigues Vieira, só assumiu a direção da Agência Nacional de Águas (ANA) porque o Senado resistiu em aprovar sua indicação, mas acabou cedendo na terceira tentativa. Instituições como essa, inicialmente previstas para atuar com independência na regulação dos serviços concedidos, acabaram se transformando com o tempo em meras autarquias de ministérios. Em conse- quência, ficaram sujeitas a pressões político-partidárias no jogo do vale-tudo entre companheiros de partido e na busca de apoio do Congresso a projetos de interesse do governo.


Como se não bastassem todas essas deformações na configuração da máquina pública, na maioria dos casos pessoas guindadas a postos-chaves pela mão de políticos influentes são encaradas como quem pode tudo. O país precisa dar um basta à tolerância excessiva com a atuação de apadrinhados que entram pela janela para transformar o setor público em balcão de negócios, como demonstrou a chamada Operação Porto Seguro.


Ao lançar luz sobre a anatomia da fraude, a Polícia Federal oferece ao país mais que uma oportunidade de punição dos fraudadores. Contribui também para o desenvolvimento de antídotos de transparência que efetivamente façam efeito contra a corrupção.

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