sexta-feira, março 23, 2012

Faltou fé aos coreanos? - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 23/03/12


O mercado se surpreendeu com a notícia de que o estaleiro coreano Samsung vendeu a participação de 6% que detinha no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), instalado no complexo portuário de Suape (PE), para os sócios Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, que passam a ficar com 50% cada um do empreendimento. O fim da parceria da Samsung desmente informações que vinham sendo divulgadas em Brasília, dando conta de que o estaleiro coreano, que possui comprovado know-how na construção de navios, plataformas e sondas de exploração de petróleo, aumentaria a sua participação no EAS ou mesmo poderia adquirir seu controle acionário. O governo teria interesse no negócio, que implicaria maior transferência de tecnologia, permitindo o cumprimento de prazos acertados com a Petrobrás para a entrega de embarcações de que a estatal necessita urgentemente para aumentar a produção nacional de petróleo.

A presidente da Petrobrás esteve no Recife no fim de fevereiro, para um encontro reservado com os sócios do EAS. Depois do encontro, Graça Fortes lembrou que o contrato da Petrobrás é com a empresa de investimento Sete Brasil, que encomendou as construções ao Atlântico Sul. Graça Foster, antiga funcionária da estatal e ex-diretora de sua área de Energia e Gás, é conhecida por seu rigor com o cumprimento de prazos e, como ela própria afirmou, em entrevista ao Estado, está empenhada em acompanhar "que nem mosca de boi" as encomendas feitas pela companhia. É claro que ela não desconhece a ineficiência dos trabalhos do EAS, que registra o notório caso do navio João Cândido, que, apesar de ter sido lançado ao mar em maio de 2010, com grande fanfarra, continua no estaleiro para reparos.

Há atraso também na produção de sondas. A sonda P-55, construída pelo EAS, começou a ser transportada para o Rio no início deste ano e só estará em condições de poder entrar em operação no Campo de Roncador, na Bacia de Campos, nos últimos meses deste ano ou - o mais provável - em 2013. Como informou O Globo, a produção de petróleo pela Petrobrás em território nacional, que ficou 3,7% abaixo da meta em 2011, deveria aumentar 335 mil barris/dia em 2012, mas para isso precisaria contar com a P-55, com expectativa de produzir 120 mil barris/dia, e com o poço piloto de Guará, no pré-sal na Bacia de Santos, que produziria outros 180 mil barris/dia.

O aumento da produção no volume previsto não passa, portanto, de "uma possibilidade". Essa situação diz respeito não só aos interesses da Petrobrás e de seus acionistas, mas aos interesses nacionais, já que, com maior produção, o País poderia aumentar a exportação de petróleo, em uma fase de altas cotações. Não se deve deixar de observar que as vendas de petróleo em bruto constituem hoje um dos principais itens da pauta de exportações brasileiras.

Tudo parece indicar também que os estaleiros brasileiros, de modo geral, ainda não adquiriram todo o know-how necessário para atender às exigências de conteúdo nacional feitas pela Petrobrás por exigência do governo petista. O EAS anunciou, no início deste mês, que receberia o reforço de uma equipe de 120 técnicos coreanos, mas agora, com a saída do estaleiro Samsung, não se sabe se isso ocorrerá ou não. A transferência de tecnologia é muito facilitada quando há um sócio estrangeiro com reconhecida competência. Uma alternativa poderia ser um contrato de assistência técnica entre os controladores e a multinacional, mas isso, por enquanto, permanece no terreno da especulação.

Na realidade, o País continua aferrado à questão de conteúdo nacional dos equipamentos para a produção de petróleo, mesmo quando isso se mostra irrealista. Em seu discurso de posse na estatal, Graça Foster reiterou o compromisso com "a uniformização dos critérios de medição e cobrança de conteúdo local nas contratações para toda a companhia, pois, afinal, temos investimentos de US$ 224,7 bilhões e uma estimativa de produção de 6 milhões de barris por dia até 2020".

A presidente da Petrobrás não viu contradição alguma entre os meios disponíveis e os objetivos a atingir.

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