O GLOBO - 03/10
Abrir os trabalhos com uma declaração de princípios que desqualifique o colunismo. Praticar em seguida o método habitual do gênero, o idiossincrático.
Só escrever o que realmente pensa acerca de assuntos irrelevantes.
Eventuais acertos devem ser compensados por uma redação horrível.
Ser desenraizado, volúvel, borboletear em torno do secundário, mas manter o bom rumo, o da esquerda para a direita.
Indignai-vos. A indignação tem presente vivaz e futuro longo, desde que a favor. A atitude é tudo.
Seja agressivo, impiedoso até, ao afirmar o óbvio. Justificá-lo com descobertas recentes da neurociência e da genética.
Não esquecer jamais que o grande problema nacional é a corrupção, e não a concentração de renda.
Seja nostálgico e novidadeiro. Enalteça filmes marginais de Cingapura dos anos 60 e pintores que só irão expor no Soho em 2015.
Não venha com problemas. O leitor os tem em demasia. O seu é diverti-lo.
Se for elogiar um sambinha banal, passá-lo pelo moedor de carne da biossemiótica até virar um semantema glúteo que tenda à polissemia.
Adotar uma persona displicente e blasé, radical na sua superficialidade. Columnism is the gentle art of making friends.
Pega mal usar expressões estrangeiras. A não ser que o contexto clame por frases como “a brevidade é a alma da lingerie”.
Dê uma de sofisticado; mas não a ponto de pontuar com ponto-e-vírgula ou evitar repetições.
O título deve ser forte e não precisa corresponder ao conteúdo. Próximos títulos: “Tudo sobre Dilma e Mercadante”. “Em defesa de Sérgio Cabral”.
Em dias de vibração cívica, títulos clássicos. Para logo em seguida às eleições: “Festa da democracia” ou “Lição das urnas”.
Um atrito é mais estridente que duas contradições.
Na falta de assunto (sustentabilidade, botox, Instagram, ética, Nossa Senhora de Aparecida, fornicação, morosidade da Justiça, frescobol) inspirar-se em redações do Enem, elegante cardápio de textos apetitosos e fáceis de preparar.
Ferva 450 ml de água. Ponha o miojo e cozinhe por três minutos. Retire do fogo e misture o pó de galinha caipira. Pode servir.
Ivan Lessa era amigo de Paulo Francis. Dizia ele que o princípio ordenador do que o novo Brás Cubas escrevia era o que o seu patrão pensava. Francis calava-se. Ergo, ler editoriais.
Como o concreto é a síntese de todas as determinações, vale reclamar do GPS da sua Mercedes, mas acrescente que o modelo é vintage e custou menos do que um Gol usado.
Pedantismo não faz mal a ninguém, desde que vendido como desconforto com tudo que está aí.
Fazer longos resumos de relatórios sem importância. Convença um incauto a publicá-los, escreva as orelhas e bole uma palestra. No tudo-que-está-aí há sempre um nicho de mercado dando sopa.
Se a propaganda é a alma do negócio, não há sentido num lírico no auge do capitalismo.
Plagie. Pego no flagra, diga tratar-se de um bricabraque rizomático que o denunciante fossilizado é incapaz de alcançar.
Falando em fóssil, cautela com Roberto Schwarz, ideólogo mau e perverso.
Não esqueça, o marxismo é um reducionismo.
Quem fala sobre política acaba comentando uma crise na Câmara de Vereadores de Macapá.
Na polêmica, sê como o sândalo e perfuma o machado que o fere.
Tudo está ligado, exceto o corpo ao espírito, o interesse às ideias, a corrupção à concentração de renda, a coluna à verdade.
O comércio acelerado de argumentos incrementa o PIB.
Adicione tenras rodelinhas de salsicha ao miojo. Não se esqueça de dourá-las em fogo brando. Fica padrão Fifa.
Humor e ironia são anátemas.
Nada de notícias. Isso é coisa de repórter, ser inferior que lida com a realidade e come com a mão, enquanto o colunista saboreia as grandes questões nacionais com talheres de prata.
O colunista esteve com Lula. Ele disse que quem vai a protestos mascarado é bandido e deve ser tratado como tal. Faria com os vândalos como com os trotskistas nos anos 70, quando autorizou que queimassem o nosso jornal. “Vocês mereciam”, disse. Eis uma notícia que não cabe em coluna.
A primeira pessoa do singular é prerrogativa de cronistas. Eles estão acima dos colunistas na cadeia evolutiva. É o que dizem descobertas recentes da genética e da neurociência.
Seja realista, o Brasil é imutável e deve ser apresentado como tal.
Dórica, jônica, coríntia ou botafoguense, a coluna já nasce ruína. A história acabou e o presente é o salário no fim do mês.
Dar timbre heroico e grandíloquo ao conformismo.
A coluna busca ser engajada e autêntica. Ela trata de questões reais e é crítica de nosso tempo. Não descura de sua vocação profunda, de seu compromisso com o homem no que ele tem de circunstancial e de eterno. Cumprir o compromisso é que são elas.
Terminado o espaço, acabam os princípios.
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