quinta-feira, outubro 03, 2013

Brasil, educação zero - CORA RÓNAI

O GLOBO - 03/10

Um país que trata os seus professores a cacetadas, balas de borracha e spray de pimenta é um país que despreza o seu futuro


Há algumas semanas, voltou a circular pela internet um ranking de aprendizado mundial divulgado no final do ano passado pela Pearson, empresa inglesa dedicada à educação. Ele reflete dados colhidos entre 2006 e 2010 em 39 países e uma região administrativa (Hong Kong), e não chega a surpreender quem se interessa pelo assunto. O primeiro lugar é ocupado pela Finlândia, seguida por Coreia do Sul, Hong Kong, Japão e Cingapura. O Brasil só não ficou em último lugar porque, espantosamente, a Indonésia conseguiu se sair ainda pior.

O ranking é baseado em dois indicadores, um que verifica a habilidade cognitiva dos alunos através de uma série de testes de leitura, matemática e ciência, e outro que aponta o nível da sua formação através das notas de graduação e cultura geral.

Entrevistado pela BBC, Sir Michael Barber, diretor do conselho educacional da Pearson, disse que os países mais bem colocados têm, em comum, uma “cultura da educação”: entre outras coisas, seus professores são respeitados e gozam de alto status social.

Aí está o X da questão. Educação não se compra pronta ali na esquina, nem se faz unicamente com escolas e professores; educação se faz com determinação social, e com a percepção generalizada de que levar os estudos a sério é fundamental para o desenvolvimento do país e de seus habitantes. Prova disso é que os Estados Unidos, com todo o seu poderio econômico, amargaram um medíocre 14º lugar no ranking.

“À primeira vista, dinheiro e educação parecem criar um círculo virtuoso, no qual países — e indivíduos — ricos compram boa educação para as suas crianças, que, por sua vez, se beneficiam economicamente” — diz o prefácio do estudo. — “Um olhar mais atento, porém, revela que tanto os maiores índices de renda quanto os melhores resultados nos testes de conhecimento são resultado de estratégias adotadas muitas anos antes, independentemente dos níveis de renda então existentes.”

O Brasil, longe de ter uma “cultura da educação”, tem uma “cultura da ignorância”, que as nossas crianças aprendem desde cedo. Melhor do que ser bom aluno é ser esperto, é colar sem que o professor veja, é comprar as respostas das provas para ter não um conjunto de conhecimentos importante, mas um diploma. Que, aliás, e não por acaso, vale cada vez menos.

Longe de gozar alto status social, como nos países verdadeiramente desenvolvidos, nossos professores são humilhados e desprezados pelos governantes. São agredidos pelos alunos em sala de aula com frequência alarmante e, muitas vezes, os pais dos agressores ainda se sentem no direito de tomar satisfações na diretoria.

A educação brasileira, que nunca foi lá aquelas maravilhas, começou a ser desmontada durante a ditadura e, de lá para cá, veio ladeira abaixo como um trator sem freio. Não consigo imaginar outro país em que um presidente tenha dito, como disse Lula, que ler livro é como andar na esteira.

Os sinais da decadência do ensino — que é, no fundo, a decadência do apreço pela cultura e pela educação — podem ser vistos em toda a parte, dos cardápios mal redigidos dos restaurantes às placas das rodovias federais, onde as crases não são usadas por necessidade, mas por capricho.

No rádio e na televisão praticamente não há entrevistado, de qualquer profissão ou instância de poder, que consiga formar uma frase correta, sem erros de regência ou de concordância. Quando as entrevistas são feitas com políticos ou com “autoridades”, então, a coisa desanda de vez.

Minha irmã é professora na pós-graduação em música da UniRio. Na semana passada, me mostrou algumas provas que corrigiu. Os alunos — candidatos a mestrado e doutorado — tinham que traduzir um pequeno trecho do inglês para o português. Era um trecho simples, sem maiores mistérios, sobre o papel do regente na orquestra. Em muitas das provas, a palavra “wand”, batuta, foi traduzida por varinha de condão, sua primeira acepção no dicionário. Como é que um estudante formado em música num curso superior pode chegar a essa conclusão?! Será que não desconfia de que algo está errado numa tradução que põe nas mãos do regente uma varinha de condão no lugar de uma batuta? E não, o trecho a ser traduzido não se passava em Hogwarths!

Nem vou falar nas frases ininteligíveis, nos erros crassos de português ou na indigência geral do vocabulário, absolutamente deprimentes para quem ainda tem alguma esperança neste país.

O primeiro passo para a criação de uma “cultura da educação” é valorizar os professores, conferindo-lhes a devida importância no tecido social. Isso significa remunerá-los dignamente, dar-lhes reconhecimento e boas condições de trabalho. Isso é essencial para que o aluno possa olhar para o professor com admiração e respeito, e para que passe a considerar o magistério uma profissão nobre, digna de ser exercida. Valorizar os professores significa também ouvi-los quando dizem que não têm mais como continuar trabalhando com os salários ridículos que recebem.

Um país que trata os seus professores a cacetadas, balas de borracha e spray de pimenta é um país que despreza o seu futuro. A Indonésia que nos aguarde: no próximo ranking da Pearson, ninguém tasca o nosso último lugar.

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