O GLOBO - 30/09
Quando o novo governo alemão assumir, não deve esperar muito para fazer da zona do euro um tópico central em sua agenda.
Embora a arquitetura da zona do euro tenha sido melhorada desde que começou a crise, nem tudo está no lugar para fazer a união monetária funcionar de forma eficiente. Grandes riscos persistem: a recuperação econômica é superficial, os níveis dos preços relativos se ajustam devagar demais e por isso a sustentabilidade da dívida pública está longe de ser obtida. Os números do desemprego são elevados, o sistema bancário está fragilizado e a tomada de decisões é complicada, o que não exclui a possibilidade de novos acidentes como o de Chipre. Estes riscos podem minar a estabilidade da união monetária e assim terem sérias repercussões na Alemanha. Não há tempo para complacência e novas reformas são necessárias. Vemos alguns elementos centrais que o governo alemão deverá buscar, o que inclui uma mudança na filosofia do gerenciamento da crise.
Em primeiro lugar, embora a taxa média de inflação de 2% deva ser mantida na zona do euro, interessa à Alemanha deixar que as forças do mercado empurrem os índices de preços no país acima dos 2%. Se isto não acontecer, os necessários ajustes dos preços relativos levarão as taxas de inflação no Sul da Europa a zero ou abaixo disto. Como consequência, o Banco Central Europeu (BCE) não conseguiria atingir sua meta inflacionária - próxima, mas abaixo de 2%.
Ainda mais preocupante, simulações simples mostram que isso pode tornar muito difícil a sustentação da dívida no Sul da Europa. Também as finanças de bancos, corporações e famílias seriam ainda mais pressionadas. A consequência seria mais ajuda financeira para países em crise, a menos que os governos decidam deixar um deles quebrar. O processo de ajuste orientado para o mercado na Alemanha seria apoiado por um aumento significativo do investimento público, tanto em infraestrutura quanto em educação. Em ambos os casos, a Alemanha está bem abaixo do resto da União Europeia, o que ameaça sua competitividade a médio prazo. O novo governo alemão deveria também revisar cuidadosamente que partes do setor de serviços poderiam ser liberalizadas para realizar seu potencial de crescimento.
A segunda tarefa importante é completar a união bancária. Isto é de importância central para acabar com a fragmentação financeira na zona do euro, que torna ilusória uma recuperação econômica significativa do Sul da Europa porque os investimentos continuarão deprimidos. Para completar a união bancária, o elemento mais importante é concordar com uma autoridade centralizada com possibilidade de atribuir fianças e garantias. Para se conseguir uma resolução rápida que leve a menos fragmentação ao longo das fronteiras nacionais, é de central importância a criação de um mecanismo que não opere na base da unanimidade. Ainda há uma boa chance de um passo decisivo nesta direção antes das eleições europeias permitir superar a crise bancária no verão (boreal) de 2014, finalmente acabando com a fragmentação e restaurando as fundações do crescimento, ou seja, o funcionamento da intermediação financeira.
Para dar maior apoio a este processo, o capital do Banco Europeu de Investimento deveria ser aumentado e suas atividades direcionadas para financiar significativamente investimentos do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) no Sul da Europa. Além disso, o desespero dos países dessa região para reduzir o desemprego deve ser levado a sério. Um Fundo Europeu para o Desemprego Juvenil deveria dar apoio ao treinamento e à contratação de jovens pelas empresas, incentivando ainda a mobilidade transnacional. São medidas que ajudariam a preparar o terreno para uma reforma mais profunda da governança.
A estratégia geral para reformar as estruturas de governo da zona do euro deveria mudar. No auge da crise, foi crucialmente importante criar rapidamente novos e poderosos instrumentos. O que incluiu ampliar a coordenação da governança fiscal e da política econômica, bem como a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Contudo, o MEE, que poderia ter se tornado a peça central da governabilidade na zona do euro, foi criado segundo uma lógica intergovernamental, pela qual todo estado membro tem forte poder de veto.
A Alemanha, a economia mais importante e o país mais poderoso, acabou com um poder de veto expandido nesse panorama. O aumento de poder caminhou de mãos dadas com a diminuição da relevância das instituições comunitárias e, em particular, da Comissão Europeia. Isto não é nem do interesse a longo prazo da Alemanha nem da Europa, pois mina a legitimidade e cria antipatia entre os países. Quanto mais integrada a Europa se torna, mais a tomada de decisões terá de ser feita e legitimada no nível europeu. Instituições comunitárias que funcionem a contento podem melhor definir o interesse comum e obter maior legitimidade.
Uma transferência significativa de competências nessas áreas e a repatriação de competências em outras deveriam ser acompanhadas de uma transferência de legitimidade parlamentar. Isto irá exigir uma mudança do tratado da UE. A Alemanha deve defender esta ideia junto a seus parceiros.
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