De acordo com o Relatório de Competitividade Global 2012/2013, elaborado pelo World Economic Forum, entre os 144 países analisados, ocupávamos a 100.ª posição em ferrovias; a 123.ª, em rodovias; a 134.ª, em aeroportos; e a 135.ª, em portos. Nas últimas três décadas, a taxa média de investimento em infraestrutura no Brasil foi de cerca de 2% do PIB. Isso é muito menos do que investem nossos concorrentes no mercado internacional (entre 4% e 8% do PIB) e insuficiente até mesmo para repor a depreciação do estoque de capital já investido no setor.
Portanto, o sucesso do Programa de Investimento e Logística (PIL) do governo federal é condição necessária (embora não suficiente) para elevar, de forma duradoura, o crescimento econômico do Brasil.
Este artigo é bastante crítico ao PIL, mas não quero cometer injustiças. Há que se louvar a dedicação e a abertura ao diálogo de dois membros da equipe governamental com quem tive a oportunidade de manter reuniões técnicas: a ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil, e Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística. Infelizmente, isso não basta para fazer funcionar bem um programa que nasceu com erros de concepção política e técnica.
O governo quer transferir à iniciativa privada a responsabilidade de projetos de longo prazo, como rodovias e ferrovias, mas, na busca quase obsessiva da modicidade tarifária, fixa tarifas-teto para as licitações que resultam em taxas de retorno pouco atraentes (em torno de 6,5% a 7,5% ao ano). Para compensar, oferece fartos financiamentos subsidiados, principalmente com recursos do BNDES, o que eleva para mais que o dobro a taxa de retorno alavancada, ou seja, a remuneração do capital próprio investido no negócio pelo concessionário. Além disso, transfere para o contribuinte riscos inerentes aos empreendimentos, tal como a compra antecipada pela Empresa Brasileira de Ferrovias da capacidade total de transporte da ferrovia.
Cabe indagar se faz sentido oferecer generosos subsídios às concessões de rodovias e ferrovias. A teoria econômica nos ensina que devem ser subsidiados os projetos cujo benefício total é maior que o benefício privado, em razão da presença de benefícios sociais, ou seja, de externalidades. Nesses casos, não é possível incorporar no preço do bem ou serviço o valor total de tais benefícios. Assim, se não houver subsídio, haverá subinvestimento. Um exemplo claro é o do metrô nos grandes centros urbanos. Pode-se incluir na tarifa o valor do benefício relativo do serviço de transportar o usuário de um determinado ponto a outro, mas não o correspondente à redução da poluição, à queda dos acidentes, à melhora da saúde pública, etc., que tal meio de transporte possibilita.
Esse não é o caso de rodovias e ferrovias. Uma boa logística de transporte é fundamental para elevar a taxa de crescimento do País, mas isso não significa que haja, nesses empreendimentos, claras externalidades. O produtor de soja, que vai se tornar mais competitivo - e, pois, auferir mais lucro - com a melhora da eficiência do sistema de transporte, pode e deve arcar, via frete, com o custo do serviço, não o contribuinte. E mesmo que se admita, em casos especiais, a existência de externalidades, os subsídios devem ser transparentes, explícitos no orçamento público, e não concedidos disfarçadamente, via taxas de juros.
Além disso, uma vez que os projetos só são viáveis graças aos financiamentos subsidiados e à mitigação dos riscos, há o temor, por parte dos eventuais concessionários, de que essas vantagens não sejam mantidas por todo o horizonte da concessão. Por exemplo, os financiamentos são corrigidos pela Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) e as tarifas, pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Atualmente, a TJLP resulta em juros negativos. Mas quem garante que será assim por 30 ou 35 anos, horizonte das concessões?
Leilões. Apesar de várias revisões nos parâmetros dos projetos feitas pelo governo após ouvir os investidores potenciais, a maior parte das concessões rodoviárias ainda parece pouco atrativa. Segundo cuidadoso estudo realizado pelo Banco Credit Suisse, de 9 leilões programados (2 já realizados), apenas 2 rodovias foram classificadas como atrativas: a BR-262 (ES/MG), cujo leilão fracassou por trapalhadas burocráticas, e a BR-050 (GO/MG), leiloada com 42,38% de deságio. As demais foram avaliadas como razoáveis (2), desafiantes (3) e inviáveis (2).
Muitas outras questões continuam em aberto, mas o espaço aqui não permite entrar em detalhes. Há dúvidas quanto à capacidade de os licitantes oferecerem garantias aos financiamentos, dada a enorme alavancagem; quanto à participação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em parte das obras; em relação ao acúmulo de leilões em curto período de tempo; sobre a possibilidade de atrair recursos de investidores privados em razão de os financiamentos serem muito subsidiados; etc.
Mas, na questão da modelagem, são as concessões ferroviárias as que despertam maiores preocupações. A assunção pelo governo do risco de demanda (a compra da capacidade total de transporte da ferrovia) pode levar à ineficiente alocação de recursos e a custos para o contribuinte impossíveis de serem estimados previamente com razoável precisão.
A adoção do modelo de separação vertical, ou seja, a construção e manutenção da ferrovia, de um lado, e a operação, de outro, atribuídas a empresas completamente independentes, pode aumentar a competição, mas leva a enormes custos de transação por desalinhamento de objetivos. Não funcionou bem no Reino Unido. Espanha e Alemanha seguem tal modelo, mas nesses casos as empresas são públicas, o que mitiga os conflitos. O tema é complexo e não parece ter sido suficientemente estudado na elaboração do modelo brasileiro.
O PIL, portanto, precisa ser profundamente revisto. Há urgência em melhorar nossa infraestrutura, mas o custo do eventual fracasso é muito maior do que o decorrente de mais um adiamento para fazer as devidas correções.
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