segunda-feira, setembro 30, 2013

Malogros do governo Dilma - JOSÉ ELI VEIGA

VALOR ECONÔMICO - 30/09
O governo Dilma honrará pouquíssimos dos compromissos programáticos apresentados à sociedade em 2010 pela coligação Para o Brasil Seguir Mudando . Eram bons demais para a frouxa coalizão que em dois anos e nove meses só revelou impotência e incapacidade para manter o renascimento iniciado em 1994 com o Plano Real, e impulsionado até 2010 pelos governos FHC e Lula. Muitos dos compromissos foram logo descartados, e sem qualquer explicação à sociedade, notadamente aos quase 56 milhões que votaram Dilma.
Claro, seriam precipitadas avaliações sobre as cinco áreas nas quais alguns compromissos parecem continuar em pé: ciência/tecnologia, educação, habitação, políticas sociais e saúde. Já está evidente, contudo, que fora disso só houve desastrosos malogros. E antes do inventário que justifica tal balanço, impõe-se esclarecer seu contraste com a zombaria da Economist .

O principal descumprimento não está na tão martelada falha em manter os níveis de crescimento alcançados em governos anteriores. Basicamente porque foram mantidos os níveis de emprego e de renda, e também porque as taxas de investimento dos últimos dois anos, mesmo que medíocres, superaram a média do período 2003-2010, assim como ocorreu com a participação do consumo. Então, se o crescimento já estivesse sendo medido pela renda familiar disponível - em vez do obsoleto PIB - muito provavelmente o desempenho macroeconômico da primeira metade do governo Dilma corresponderia ao padrão Lula.

Entre compromissos não cumpridos estão a reforma do Estado, que evaporou, seguido da reforma política

A dúzia de compromissos programáticos não cumpridos começa principalmente pela falta de continuidade da reforma do Estado , assunto que evaporou após muito nhém-nhém-nhém com o líder empresarial Jorge Gerdau Johanpeter. O segundo compromisso descumprido foi a realização de uma reforma política . Também não se sabe até agora por que foi rifada a abnegada dedicação a esse tema por outro gaúcho, o deputado Henrique Fontana. Sua proposta é por demais estatista, mas isso jamais constituiria defeito para a dezena de partidos da atual coalizão situacionista.

O terceiro destaque só pode ser para a completa renúncia em dar ênfase à produção de energia renovável e à pesquisa de novas fontes limpas . Ao contrário, houve ênfase nas fósseis: por um lado, gasolina contra etanol, por outro, mais termelétricas, com realce para a volta ao carvão mineral. Algum avanço da eólica foi arrancado na marra , e em parte neutralizado pela falta de transmissão, justamente a tarefa que cabia ao governo.

O que mais pinçar da longa lista de fracassos no âmbito das infraestruturas? Com certeza o saneamento, que os compromissos da coligação destacavam repetidamente. Uma das faces dessa tragédia que mantém a metade da população brasileira na mais indigna miséria foi abordada neste espaço do Valor em 30/08, e outras dimensões na edição de setembro da revista Página 22 . Tanto quanto a questão energética, ela está no cerne da grave traição ao compromisso de garantir um desenvolvimento sustentável .

É frequente que se use a evolução da taxa de desmatamento como se fosse indicador da responsabilidade ambiental do governo. Mas qualquer vestibulando sabe que solos com boa aptidão agrícola não se comparam aos de áreas sensíveis, nas quais a vegetação florestal deveria ser intocável, como as de beira-rio, nascentes, topos de morro ou encostas. Por isso, o pior ataque à sustentabilidade foi a promulgação da lei que convalidou a devastação de imensas extensões de preservação permanente, com histórico prêmio à especulação fundiária, foco do livro Os estertores do Código Florestal (Autores Associados, 2013).

Só depois aparece nos compromissos aquele que deveria ser o primeiro: promover a igualdade de direitos e de oportunidades para mulheres, negros, populações indígenas, idosos e para todos os setores da sociedade discriminados, seja pela sua condição social, deficiência, etnia, ideias, credos ou por sua orientação sexual . A atual coalizão, que já traíra esse compromisso ao promover a entrega da Comissão de Direitos Humanos da Câmara ao controle de deputados dos mais sectários e obscurantistas, agora aprofunda tal retrocesso com estratagemas que visam retirar direitos constitucionais das populações indígenas.

Também não será cumprido o compromisso de dotar as cidades de transporte coletivo eficiente, com especial ênfase para a continuidade de expansão de metrôs nas principais aglomerações urbanas . Em vez de ter como alvo os setecentos municípios que abrigam cidades, o ministério com esse nome permanece um guichê de atendimento fisiológico aos outros quase cinco mil que estão longe de ser propriamente urbanos.

Resta espaço para os compromissos com a segurança que enfatizavam a reforma radical do sistema penitenciário , o controle e defesa de nossas fronteiras para impedir o tráfico de drogas e de armas , e o reequipamento das Forças Armadas . Será que algum milagre poderia tirar ao menos um desses três imperativos da extensa lista dos compromissos malbaratados?

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