FOLHA DE SP - 23/06
É uma posição prudente, mas resta saber se ganha um crédito de confiança da massa ressabiada
Alguém já disse que ou o líder político sai à cabeça da massa ou a massa sai com a sua cabeça.
O pronunciamento de Dilma Rousseff na sexta-feira segue a lógica dessa frase: Dilma assumiu, sabiamente, a pauta da rua.
Da promessa de trabalhar por um plano abrangente de mobilidade urbana, o problema que estava na origem das manifestações, à necessidade de mais instrumentos de combate à corrupção.
De mais recursos para a educação e mais médicos (estrangeiros) para a saúde à promessa de "oxigenação do sistema político".
É cedo, no momento em que escrevo (manhã do sábado), para avaliar a reação da rua ao discurso da presidente.
Não dá para saber, depois do vendaval que sacudiu o país nos últimos dez dias, se o desgaste dos políticos em geral, inclusive da presidente, é de tal ordem que o pessoal vai dizer: "Por que não fez antes tudo o que agora promete, se está na Presidência faz dois anos e meio e há dez no governo, como ministra de Minas e Energia primeiro e chefe da Casa Civil depois?".
Ou, então, a reserva de confiabilidade ainda é suficiente para que se dê a Dilma um crédito para que arme todo o circo de "mudanças", necessariamente demoradas e complexas.
Mais que educação, saúde, serviços públicos em geral, corrupção, mobilidade urbana, creio que a chave da situação está na tal "oxigenação do sistema político".
Foi este que entupiu, a ponto de o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) ter proposto na sexta-feira a extinção de todos os partidos.
"Não refletem mais o que o povo precisa de seus representantes, nem do ponto de vista do conteúdo nem do ponto de vista da forma", decretou Cristovam.
Não esteve só. Marina Silva, em sua coluna da Folha, defendeu a "democratização da democracia", a partir do pressuposto de que "as pessoas não querem ser meros espectadores, lugar em que foram colocadas pelos partidos que detêm o monopólio da política. Querem ser protagonistas, reconectar-se com a potência transformadora do ato político".
Se os partidos brasileiros não tivessem se demitido da tarefa essencial de fazer a intermediação entre as demandas da sociedade e o poder público, teriam, por exemplo, estudado há tempos a questão do passe livre, de sua viabilidade e de seu custo, o que dispensaria ir às ruas para conseguir não o passe livre mas um "passe" algo menos caro.
O outro foco do discurso --o da lei e da ordem-- era previsível e inevitável.
As manifestações abriram, contra a vontade da maioria, espaço para a baderna --e baderna é antidemocrática por definição.
Agora, é esperar que as manifestações refluam, o que daria a Dilma o tempo que necessita para tentar avançar na agenda de mudanças que a rua lhe impôs.
Não é fácil. Talvez valha para o futuro a observação sobre o passado do editorial de sexta do "New York Times": "Há uma imensa brecha entre as promessas dos políticos de esquerda no governo e a dura realidade da vida cotidiana fora da elite política e econômica".
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